Resumo: Ao fundo dessa
tragédia de Shakespeare reside a justificativa ou não de se matar um tirano. Fora
fiel às fontes históricas e ao medo de seus compatriotas que compartilhavam
quanto as possíveis conspirações contra sua rainha, Elizabeth I.
Palavras-Chave:
Regicídio. Conspiração. Júlio César. Ponderação. Retórica. Bem-Estar geral.
A Tragédia de Júlio
César, de Shakespeare é uma aula de retórica. Toda peça perpasse sobre o senso
de responsabilidade e soberba. A personagem principal é Brutus, filho adotivo
de César, mas outros igualmente se destacam no desenrolar da trama, como os
conspiradores Cássio, Trebônio e Casca. Há também quem manteve-se fiel à Júlio
César, Marco Antônio.
E, ainda mostra como a
massa popular pode ser manipulada pela força da palavra, cunhando um dilema
moral expresso na ponderação de valores composto por um lado, pelo fazer
bem-estar geral e, de outro lado, proteger os amigos.
A peça inicia com
César, o general romano adorado por todos e voltando para Roma em triunfo. É
verdade, porém, que alguns nobres temem que a ambição de César o transforme em
um tirano. Daí, organizaram uma conspiração com o fito de eliminar César. Marco
Antônio, um patrício, vem a oferecer a coroa de Roma a César, que a recusa.
Aliás, a mesma coroa
lhe é oferecida por três vezes, rejeitada sempre. Cássio, o líder da
conspiração contra César, tenta atrair Brutus para seu grupo. Mas, este é um
homem de bem e dotado de notória retidão. Cássio acredita que Brutus garantirá
um resguardo moral, além de credibilidade necessária ao movimento de oposição à
César, por essa razão insiste muito para que Brutus seja um dos conjurados.
Na estratégia, Cássio
recorre na discussão no uso de autoridade em vez de fundamentos. Cássio evoca
Brutus para que tenha responsabilidade afinal a culpa não é das estrelas, mas
de nós mesmos. Cássio convence Brutus a não aceitar que César se torne um
ditador. O ditador é um mal ao Estado. Um vidente adverte César sobre a trama e
sua mulher tem premonições. César despreza os avisos e conselhos.
César segue para o Senado,
quando os conspiradores o interpelam. César trata a todos com retidão, mas
também com soberba. Os conspiradores como covardes que eram, se aproximaram
cheios de mesuras e subserviência, mas por detrás de adulações as palavras são
traiçoeiras. Quando Brutus apunhala César. Que exclama: “- Et tu Brute!
Tu quoque... Tu
quoque, Brute, fili mi” que significa “até você, meu filho”. Representando a
surpresa e o espanto de ver que até mesmo Brutus participara da conspiração e
era um de seus assassinos.
A doutrina jurídica
reprova as surpresas bem como os comportamentos contraditórios, pois protege a
expectativa justa e o prestígio da boa-fé objetiva. É razoável que as pessoas
adotem condutas harmoniosas e esse padrão gera uma expectativa justa na
contraparte.
E, o termo "Tu
quoque" é referido pela doutrina como espécie de manifestação peculiar
a boa-fé objetiva. A parte que, numa relação negocial, deixar de cumprir certo
dever, não poderia exigir da contraparte que observar o mesmo dever. A
contraparte, no momento que se reclamar sua obrigação poderá dizer: - Tu quoque,
ou seja, em linguagem de Shakespeare, você também! Como pode exigir aquilo que
você mesmo não faz? Resta em jogo axiológico intuitivo, a aplicação de
sensibilidade primária, ética e jurídica.
Na lição e Sêneca,
requer-se que se comprove as palavras com os atos. Comumente, a conduta
expressa o interesse das pessoas com maior fidelidade do que suas palavras.
Morto César, os conspiradores posam de libertadores e ainda evocam palavras de
ordem, numa pura demagogia.
O povo se convence com
as palavras de Brutus, que propõe uma ponderação. Amava a César, e todos sabiam
disso, mais amava ainda mais a coisa pública, a res publica. Amava a
coragem de César, porém, odiava sua ambição. E, para evitar que todos se
tornassem escravos, participou da morte de César. Entre proteger o interesse
pessoal e o da coletividade, Brutus optou pelo derradeiro. Quem, enfim, poderá
criticá-lo? Exclamou a retórica de Marco Antônio.
Marco Antônio que fora
prantear César, fez possivelmente o mais forte discurso e uso da retórica de
toda literatura ocidental. E, falou a turba que, naquele momento aplaudia o
assassinato de César. Narrou que por três vezes, oferecera a coroa de Roma para
o general falecido, recusada todas as vezes. Questionou, seria ele ambicioso?
Marco Antônio então
afirmara que os conspiradores são desprezíveis e assassinos de César, mostrando
como fora vil e covarde esse ato. Numa ironia crítica, afirma que preferia ser
injusto com o morto, comigo e convosco, a ser injusto com homens
(conspiradores) tão honrados!
E, mostra um pergaminho
com selo de César encontrado em seu gabinete. O testamento de César deixa
patente o quanto César amava o povo romano. As palavras e o espírito do
discurso de Marco Antônio são antagônicos. E, a massa se move violentamente,
ora é jogada para um lado e ora para outro.
Ora César é um deus,
ora um tirano, noutro momento um deus novamente, que deve ser vingado. Até o
poeta Cina, fez linda metáfora, é vitimado pela cegueira dos ignaros. Afinal, a
poesia, uma manifestação da alma, não sobrevive à selvageria.
Enfim, a vontade
popular é um títere nas mãos e bocas hábeis dos oradores. Marco Antônio lidera
exército contra as tropas de Brutus e Cássio. Acontece a guerra e, enfim,
encurralados, Cássio e Brutus se matam. E, as últimas palavras de Brutus, antes
se atirar sobre uma espada, foram:- Aplaca-te, agora César".
A ponderação é
fundamental para o aplicador do direito pois não é raro que os valores se
digladiem, enfrentando-se, cabendo mesmo ao intérprete mediante o caso
concreto, optar qual valor deve preponderar.
Mas, a ponderação
requer necessária motivação, permitindo a reflexão sobre qual o valor está em
jogo diante da hipótese concreta, e, portanto, a merecer mais vigorosa
proteção. Entre a lei e a sociedade, por quem devemos lutar?
Ao fundo dessa tragédia
de Shakespeare reside a justificativa ou não de se matar um tirano. O autor
fora fiel às fontes históricas e ao medo de seus compatriotas que
compartilhavam quanto as possíveis conspirações por parte de católicos,
jesuítas ou qualquer inimigo real ou imaginária de sua rainha, Elizabeth I.
Se Brutus tivesse
conhecido a doutrina de Maquiavel teria se acautelado e nunca permitiria que um
adversário ganhasse o poder, teria dado razão a Casca e matado Marco Antônio. A
trama apresenta uma contemporaneidade grande, e ressalta a importância do
pensamento questionador.
Enfim, a obra traz
reflexões preciosas sobre o poder e os comportamentos humanos na véspera do fim
da República romana, retrata como o idealismo pode ser movido para proteger a
República e, que por fim, gerou a conspiração para matar César.
Referências:
BARROSO, Luís Roberto.
A Tragédia de Júlio César: Poder, Ideal e Traição. Disponível em: http://rdl.org.br/seer/index.php/anamps/article/view/347/pdf
Acesso em 8.11.2020.
CZESTER, Gustavo Melo.
O Homem despedaçado. "Júlio César", de Shakespeare - A punhalada que
nunca terminou. Disponível em: https://homemdespedacado.wordpress.com/2018/04/21/julio-cesar-de-shakespeare-a-punhalada-que-nunca-terminou/ Acesso em 8.11.2020.
NEVES, José Roberto de
Castro. Medida por Medida O Direito em Shakespeare. Rio de Janeiro: Editora GZ,
2013.
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