Pesquisar este blog

quarta-feira, 18 de junho de 2014

O papel da educação


 O papel fundamental da educação no desenvolvimento das pessoas e das sociedades amplia-se ainda mais no despertar do novo milênio e aponta para a necessidade de se construir uma escola voltada para a formação de cidadãos.


Vivemos numa era marcada pela competição e pela excelência, em que progressos científicos e avanços tecnológicos definem exigências novas para os jovens que ingressarão no mundo do trabalho.



Tal demanda impõe uma revisão dos currículos, que orientam o trabalho cotidianamente realizado pelos professores e especialistas em educação do nosso país.
Assim, é com imensa satisfação que entregamos aos professores das séries finais do ensino fundamental os Parâmetros Curriculares Nacionais, com a intenção de ampliar e aprofundar um debate educacional que envolva escolas, pais, governos e sociedade e dê origem a uma transformação positiva no sistema educativo brasileiro.


Os Parâmetros Curriculares Nacionais foram elaborados procurando, de um lado, respeitar diversidades regionais, culturais, políticas existentes no país e, de outro, considerar a necessidade de construir referências nacionais comuns ao processo educativo em todas as regiões brasileiras.


Com isso, pretende-se criar condições, nas escolas, que permitam aos nossos jovens ter acesso ao conjunto de conhecimentos socialmente elaborados e reconhecidos como necessários ao exercício da cidadania.


Os documentos apresentados são o resultado de um longo trabalho que contou com a participação de muitos educadores brasileiros e têm a marca de suas experiências e de seus estudos, permitindo assim que fossem produzidos no contexto das discussões pedagógicas atuais.


Inicialmente foram elaborados documentos, em versões preliminares, para serem analisados e debatidos por professores que atuam em diferentes graus de ensino, por especialistas da educação e de outras áreas, além de instituições governamentais e não- governamentais.


As críticas e sugestões apresentadas contribuíram para a elaboração da atual versão, que deverá ser revista periodicamente, com base no acompanhamento e na avaliação de sua implementação.


Esperamos que os Parâmetros sirvam de apoio às discussões e ao desenvolvimento do projeto educativo de sua escola, à reflexão sobre a prática pedagógica, ao planejamento de suas aulas, à análise e seleção de materiais didáticos e de recursos tecnológicos e, em especial, que possam contribuir para sua formação e atualização profissional.



O educador como cidadão



Propor que a escola trate questões sociais na perspectiva da cidadania coloca imediatamente a questão da formação dos educadores e de sua condição de cidadãos.



Para desenvolver sua prática os professores precisam também desenvolver-se como profissionais e como sujeitos críticos na realidade em que estão, isto é, precisam poder situar-se como educadores e como cidadãos, e, como tais, participantes do processo de construção da cidadania, de reconhecimento de seus direitos e deveres, de valorização profissional.



Tradicionalmente a formação dos educadores brasileiros não contemplou essa dimensão. As escolas de formação inicial não incluem matérias voltadas para a formação política nem para o tratamento de questões sociais.



Ao contrário, de acordo com as tendências predominantes em cada época, essa formação voltou-se para a concepção de neutralidade do conhecimento e do trabalho educativo.



Porém, o desafio aqui proposto é o de não esperar por professores que só depois de “prontos” ou “formados” poderão trabalhar com os alunos. Sem desconhecer a necessidade de investir na formação inicial e de criar programas de formação continuada, é possível afirmar-se que o debate sobre as questões sociais e a eleição conjunta e refletida dos princípios e valores, assim como a formulação e implementação do projeto educativo já iniciam um processo de formação e mudança.



A discussão sobre ética necessita ser constantemente contemplada e acompanhar de perto o trabalho que se faz com os alunos, uma vez que se trata de uma proposta nova, como processo sistemático e explícito, necessitando aprofundamento, leituras e discussões, levantando situações a serem experimentadas com os alunos etc.



Para o professor, a escola não é apenas lugar de reprodução de relações de trabalho alienadas e alienantes.



É, também, lugar de possibilidade de construção de relações de autonomia, de criação e recriação de seu próprio trabalho, de reconhecimento de si, que possibilita redefinir sua relação com a instituição, com o Estado, com os alunos, suas famílias e comunidades.

segunda-feira, 16 de junho de 2014

Constitucionalização do Direito Privado.

O reconhecimento da supremacia da Constituição Federal e a respectiva projeção das normas constitucionais por sobre todo o ordenamento jurídico deu azo ao que se denominou de constitucionalização do direito.

 Na seara do direito privado não existe mais a clássica e rígida separação entre direito civil e direito constitucional, vez que este último passou a irradiar para todo o ordenamento jurídico, uma gama enorme de princípios que se tornaram vetores axiológicos capazes de produção, interpretação e aplicação das normas de direito infraconstitucional.

 Foi o pioneirismo alemão expresso no caso Lüth que originou a constitucionalização, indo até o reconhecimento da dimensão objetiva dos direitos fundamentais nas relações privadas, tendo como base a explicitação dos efeitos da constitucionalização nas leis privatísticas.

 O presente texto visa apenas dar um breve estudo doutrinário a respeito da constitucionalização do direito e deu-se ênfase à autoridade exercida pelas normas contidas na Constituição sobre todas as regras que tecem o ordenamento jurídico, explicitando particularmente a dimensão objetiva dos Direitos Fundamentais, nas relações entre particulares.

 Concluímos que a constitucionalização afetou os princípios cardeais do direito privado clássico tais como a autonomia da vontade, e propriedade que diante de nova dimensão passarão a ser funcionalizados, tendendo a repercutir positivamente na coletividade.


 É estudo contemporâneo observar atentamente a constitucionalização do direito, principalmente a partir da análise de irradiação dos valores constitucionais para todo o ordenamento jurídico brasileiro, e ainda, demonstrar os efeitos dessa projeção axiológica que tanto remodelou o direito privado.

 Realmente a nova hermenêutica constitucional nos orienta no sentido de dar maior efetividade aos princípios constitucionais, superando a compreensão de que os direitos fundamentais apenas teriam o poder de proteger o indivíduo em face do Estado.

 A ocorrência de afronta aos direitos fundamentais exercida pelos próprios particulares e, em face uns dos outros, e, nesse caso, ao contrário do que ocorre na tradicional concepção de proteção aos direitos fundamentais que entende ser oponíveis apenas em face do Estado, sendo o indivíduo o polo da relação que titulariza os direitos, ao passo que ao Estado cumpre protegê-los, ambas as partes do conflito são pois titulares de direitos e garantias fundamentais, de maneira a ensejar três modos de aperfeiçoamento da ordem jurídica que se preocupa a dar maior concretude a esses direitos principalmente nas relações privadas:
 a) quando da criação/atualização da norma de direito privado;
 b) quando de sua interpretação;
 c) quando da aplicação, seja de forma extrajudicial seja através da atividade jurisdicional.

 O fenômeno da constitucionalização do Direito traz consequências específicas e, peculiar repercussão no direito brasileiro.

Tanto assim que há decisões da Corte Constitucional alemã que servem de fonte doutrinária e jurisprudencial para nosso direito constitucional.

 É sabido que os direitos fundamentais , tal como lhes concebeu a doutrina e a jurisprudências constitucionais desenvolvidas na segunda metade do século XX, passaram a tecer a base de todos os ordenamentos jurídicos, como valores informativos e diretivos, de maneira a figurar, conforme ressalta Robert Alexy, como normas de otimização da aplicação das regras jurídicas.

 Essa mudança de concepção do ordenamento jurídico deu-se pelo reconhecimento da superioridade hierárquica da Constituição, e da existência da força normativa de seus princípios, consistiu num autêntico giro de Copérnico porquanto colocou os valores fundamentais como vetores e fundamento da atuação do Estado e dos indivíduos.

 Também se deu o reconhecimento da nova hermenêutica constitucional e com efetiva expansão da jurisdição constitucional, tais são os três elementos que, segundo Luís Roberto Barroso viabilizaram a constitucionalização do direito. Existem, portanto três acepções que procuram definir o que é constitucionalização do direito.

Sendo a primeira destas a que o entende como existência, num determinado Estado, de uma ordem jurídica com Constituição própria, dotada de supremacia. A segunda acepção consiste no entendimento de que a expressão constitucionalização do direito significa o fato de que as normas jurídicas tipicamente infraconstitucionais passam a fazer parte do corpo normativo contido na Carta Magna. Ambos os entendimentos contém falhas, seja por não especificarem fenômeno nenhum, haja vista o caráter genérico que expressa, como no primeiro caso; seja por compreender a constitucionalização a partir de prisma especificamente positivista e restritiva como no segundo caso.

 A acepção mais escorreita de constitucionalização do direito é a que a define como um fenômeno de expansão das normas constitucionais, cujo conteúdo axiológico se irradia, com força normativa, sobre todo o sistema jurídico. Assim os princípios constitucionais passaram a condicionar a validade e o sentido de todo o ordenamento.

 A constitucionalização no direito privado é visível através de limitações construídas aos dois institutos mais prestigiados pela doutrina jusprivatística: a autonomia da vontade, a relatividade à liberdade de contratar; e uso da propriedade privada, mediante a subordinação aos valores constitucionais e o respeito aos direitos fundamentais.

 É pacífico em doutrina que a constitucionalização do direito é um processo que veio se consolidando a partir da Segunda Guerra Mundial, quando, com a criação do Tribunal Constitucional da Alemanha, em 1949, e diante do reconhecimento da carga valorativa do texto constitucional, evidenciou-se o "giro copernicano" conforme se referiu Jorge Miranda apud Marcelo Lima Guerra.

 Com esse momento histórico marcante para os países de tradição romano-germânica, surgiu um novo constitucionalismo cuja ideia fundamental baseado na dignidade da pessoa humana e que serve de fundamento de todos os demais princípios constitucionais.

Atende ainda ao fundamento material para dar a unidade axiológica da Constituição Federal, harmonizando todos os demais direitos fundamentais. Com efeito, a pessoa humana é o valor básico da Constituição, o uno do qual provém os direitos fundamentais não por emanação metafísica, mas por desdobramento histórico, ou seja, pela conquista direta do homem.

Só podemos compreender os direitos fundamentais mediante o retorno da noção de dignidade da pessoa humana, pela regressão à origem. E, havendo colisão de direitos fundamentais em um caso concreto, deve-se referi-los à noção de dignidade da pessoa humana, pois nela todos os princípios encontrarão a sua harmonização prática, descobrindo-se uma solução que considera a existência de todos os direitos fundamentais, ao mesmo tempo em que se procede a uma hierarquização entre estes, em consonância com a compreensão social do que é mais relevante para se alcançar o fim coletivo e a dignificação da pessoa humana.

 A dignidade da pessoa humana serve de pré-compreensão para os direitos fundamentais (emanações), e a compreensão dos últimos, no caso concreto, através do retorno à ideia original, configurará um círculo hermenêutico.

 Desta forma, se expressa uma repersonificação juntamente com uma despatrimonialização e uma funcionalização do Direito Civil, na medida em que a proclamação da dignidade da pessoa humana, como vetor do sistema constitucional brasileiro que rende primazia ao sujeito de direitos, visando a afastar o individualismo patrimonialista despersonalizado que dominou, por muitos séculos, a doutrina civilista. O caminho a percorrer, relatou Fachin é a retomada e decolagem.

Uma viagem pedagógica do saber jurídico informado pelas premissas críticas e pelos novos perfis do Direito Civil. Conjugando a virada copernicana que recoloca os papéis e funções do Código e da Constituição, reafirmando a primazia da pessoa concreta, tomada em suas necessidades e aspirações, sobre a dimensão patrimonial, e sustentando, por meio da repersonalização, a inegável oportunidade do debate permanente entre os espaços público e privado.

 Ao assim proceder, baseia-se na funcionalização das titularidades para repensar paradigmas contemporâneos, e para introduzir questões de fundo que, associando conteúdo e método no arco histórico, atravessam o evento unitário da codificação.

 Nesse sentido, um processo específico constitui o marco jurisprudencial do reconhecimento da constitucionalização do direito. Trata-se de um julgado da Corte Constitucional alemã, datado de 15 de janeiro de 1958, conhecido como caso Lüth. Para melhor compreensão, passamos a descrever de forma resumida esse histórico processo.

 O Sr. Lüth iniciou, em 1950, uma campanha, junto aos proprietários e frequentadores de salas de cinema, visando a que um filme fosse boicotado, sob o argumento de que o diretor havia rodado um filme antissemita quando do regime do nacional socialismo. Iniciado o processo, fora condenado, nas instâncias ordinárias, a não repetir o ato de estímulo ao boicote, com fundamento no parágrafo 856 do BGB (Código Civil Alemão) teria violado o direito fundamental à liberdade de opinião do recorrente, que é assegurado pelo art. 5º, inciso I da Lei Fundamental de Bonn.

 Foi nesse julgado que a Corte Constitucional utilizou-se de expressão que se celebrizou, quando se afirmou que a Lei Fundamental, "erigiu na seção referente aos direitos fundamentais uma ordem objetiva de valores (...) que deve valer enquanto decisão fundamental de âmbito constitucional para todas as áreas do direito". Diante dessa afirmação se concluiu que o sistema de valores constitucionais "obviamente também influi no Direito Civil [e] nenhuma prescrição juscivilista pode estar em contradição com este, devendo cada qual ser interpretada à luz do seu espírito.”.

 A partir desse julgado, afirmou-se peremptoriamente, o efeito de irradiação dos Direitos Fundamentais sobre o Direito Privado, através do reconhecimento da dimensão objetiva dos direitos fundamentais. 


Especificamente no Brasil, a acepção de constitucionalização do direito, antes presente na doutrina, ganhou grande reforço com o advento da Constituição Federal de 1980, uma vez traz, em seu bojo, tratamento jurídico de diversos institutos de direito infraconstitucional, como, por exemplo, usucapião, relações trabalhistas, etc.

 A inserção dessas matérias no bojo da Constituição, apesar de não caracterizar tecnicamente a constitucionalização do direito, é de enorme finalidade na medida em que, sendo a Constituição o fundamento de validade último de todo o ordenamento jurídico, já traz em si a explicitação dos valores que guiarão a atividade do intérprete e do aplicador da norma infraconstitucional.

 Para melhor compreensão do processo de criação de norma de direito privado, tendo como norteador a Constituição Federal, faz-se imperioso explicitar o entendimento de Luís Roberto Barroso para quem a relação Direito Civil/Direito Constitucional tem três fases distintas, quais sejam:

 No primeiro momento, havia mundos apartados. Trata-se do primeiro constitucionalismo, decorrente das revoluções burguesas, notadamente a Revolução Francesa, quando prevaleceu entendimento de que a Constituição seria apenas uma Carta Política, disciplinando as relações entre o Estado e o cidadão, em que o Estado abstencionista deveria permitir a livre atuação dos particulares na realização de seus interesses.

 O Código Civil, por outro lado, representava, efetivamente um documento jurídico, porquanto disciplinava as relações entre os particulares, sendo compreendido como a "Constituição do direito privado".

 Os poderes da Constituição sofriam limitação, na medida em que representava uma convocação à atuação dos Poderes Públicos, e a efetivação dependia da atuação do legislador. Não tinha força normativa própria nem aplicabilidade direta e imediata, ao passo que o Código Civil herdeiro do Direito Romano, disciplinava as relações jurídicas dos dois principais atores da vida civil: o proprietário e o contratante. No segundo momento, dá-se a publicização do Direito Privado.

 Diante dos abusos perpetrados pelo individualismo que a legislação civil infraconstitucional permitia, fez- necessária à atuação do Estado no sentido de barrar esses abusos, visando a possibilitar a equiparação das partes no trato negocial.

 Surge, nesse momento, o chamado Estado Social , projetado no Direito Privado, sobretudo através do dirigismo contratual, que se expressava no momento em que o Estado começa a intervir nas relações privadas, através da edição de normas de ordem pública destinadas à proteção do lado mais fraco da relação jurídica.

 Dá-se, aqui, a revisão da autonomia da vontade (que passará a ser autonomia privada) e atribuição de relevância à solidariedade social e à função social de institutos como a propriedade e o contrato (e também à responsabilidade civil, a família e a empresa ).

 No terceiro momento da Constitucionalização do Direito Civil quando efetivamente a Constituição ocupa o centro do sistema jurídico, de onde passa a irradiar os valores através dos quais deve ser criado/interpretado/aplicado o Direito Civil.

 A própria Constituição já em seu bojo traz as normas que privilegiam os princípios constitucionais, vão de encontro às outras regras infraconstitucionais, de sorte que, no confronto entre as duas, a norma inferior perca seu fundamento de validade.

 É fácil identificar no exemplo do que ocorreu como o pátrio poder quando da promulgação da Constituição de 1988, com o fim da supremacia do marido no casamento, sucedeu que o pátrio poder cedeu lugar ao poder familiar, isto é, como base na isonomia que vige entre marido e mulher, na administração dos interesses da família.

 Da mesma forma, podem-se citar as alterações diretamente decorrentes da afirmação da plena igualdade entre os filhos (entre os cônjuges), que vedou qualquer forma de discriminação àqueles que não sejam concebidos na relação conjugal.

 O legislador, inserido nessa nova realidade de primazia da Constituição sobre todo o sistema jurídico, fica condicionado, na elaboração normativa de todo o direito, inclusive do direito privado, à observância, por exemplo, dos princípios de igualdade, quando for disciplinar matéria de conteúdo contratual e de direito de família; e da solidariedade e da socialidade, na elaboração de normas que digam respeito à propriedade. 

Desta forma, a tarefa legislativa adaptar a legislação ordinária às prescrições constitucionais de caráter dirigente, realizá-la por meio da legislação.

 No mesmo sentido expressou-se Gustavo Tepedino, quando afirmou: "Não há dúvida que as normas constitucionais incidem sobre o legislador ordinário, exigindo produção legislativa compatível com o programa constitucional, e se constituindo em limite para a reserva legal ".

 A elaboração normativa se expressa, num primeiro momento, quando da criação de regramento novo pelo legislador. Nesse sentido, as normas que surgem devem ter o condão de explicitar os valores constitucionais que são afetos ao tema legislado. Assim, a criação legislativa tem o dever de render eficácia à Constituição, através da disponibilização de normas que atendam aos seus princípios norteadores.

 Nesse sentido, cita-se como exemplo, o advento do Código de Defesa do Consumidor, visando dar maior eficácia, nas relações jurídicas de direito privado, aos princípios constitucionais fundamentais que tratam da proteção e defesa do consumidor.

 Mas o legislador tem o dever, também, de aperfeiçoar a legislação que já se encontra em vigor, de modo que as normas infraconstitucionais sejam otimizadas no sentido de possibilitar uma maior aplicação dos valores constitucionais.

 Sobre esse segundo momento de atuação do legislador, pode-se citar, por exemplo, o advento do próprio Código Civil, que traz em seu conteúdo, regras que consagram princípios constitucionais, como a função social da propriedade e do contrato, a instituição do poder familiar em substituição ao pátrio poder, dentre outros.

 Ressalte-se que esse mecanismo de otimização da legislação infraconstitucional tem se verificado, na seara civil, também no diz respeito às leis esparsas. Como, por exemplo, Lei Federal 10.931/04 que, alterando dispositivos do Decreto-Lei 911/69, pôs fim à situação anti-isonômica que se criara em desfavor do devedor fiduciário.

 Pela antiga disciplina da matéria, este apenas poderia requerer a purga da mora caso já houvesse adimplido 40% do débito, hipótese que gerava desigualdades em face dos demais devedores que não se encaixassem nessa situação.

 O legislador ordinário, desta forma, visando por fim a essa mesma desigualdade, editou a Lei 10.931/04, que, reconhecendo a inconstitucionalidade que então havia, expurgou a exigência de adimplemento mínimo para que se concedesse a faculdade de pleitear a purga da mora.

 Em decorrência da afirmação de que a Constituição passa a ocupar o centro do ordenamento, impera a necessidade de se reconhecer que todos os atores da atividade jurídica estão sujeitos à observância dos princípios constitucionais. E, dessa realidade não pode fugir os intérprete da norma, uma vez que a interpretação de toda e qualquer norma está condicionada à observância dos princípios constitucionais. 


Nesse sentido, é curial a lição de Luís Roberto Barroso: "O ponto de partida do intérprete há de ser sempre os princípios constitucionais, que são o conjunto de normas que espelham a ideologia da Constituição, seus postulados básicos e seus fins. Dito de forma sumária, os princípios constitucionais são as normas eleitas pelo constituinte como fundamentos ou qualificações essenciais da ordem jurídica que institui. A atividade de interpretação da Constituição deve começar pela identificação do princípio maior que rege o tema a ser apreciado, descendo do mais genérico ao mais específico, até chegar à formulação da regra concreta que vai reger a espécie.".

 Aos princípios cabe embasar as decisões políticas fundamentais; dar unidade ao sistema normativo e pautar a interpretação e aplicação de todas as normas jurídicas vigentes.

Os princípios irradiam-se pelo sistema normativo, repercutindo sobre as demais normas constitucionais e infraconstitucionais. Quanto à aplicação da norma jurídica, não há mais lugar para o silogismo puro e simples.

A estrutura principiológica da Constituição, proclamando valores, confere ao intérprete maior grau de liberdade. Mas há, em contrapartida, a criação de deveres direcionados ao intérprete, uma vez que se exige um comprometimento deste com a própria essência da Constituição.

 Esse caráter aberto e fragmentário, que dá ao intérprete maior grau de mobilidade na sua concretização, acarreta maior responsabilidade, porque não se pode prescindir da normatividade constitucional, isto é, não se pode admitir qualquer atribuição de sentido em detrimento da manifestação ontológica da Constituição - pois se trata de algo que se dá como condição de possibilidade de sua interpretação, mas de verificar o grau, a intensidade de vinculação que ela objetivamente suscita no intérprete e na liberdade de concretização que ele possui diante de suas normas.

 Predominou, por longo tempo, o entendimento de que os princípios norteadores da ordem jurídica seriam os princípios gerais de direito, a que se refere à Lei de Introdução ao Código Civil . Essa noção de princípio remete ao jurista para a ideia do brocardo, ou seja, o princípio nada mais seria do que a fonte histórica do instituto, na forma como foi idealizada e aplicada em sua origem.

 Ressalta o autor que o complemento, que a escola da exegese é, antes de tudo, uma estrutura de controle daquilo que deve ou não ser admitido em uma nova ordem, o que teria afastado a predominância dos princípios. Por essa razão, como apontou Gustavo Kohl Muller Neves foram os princípios gerais de direito, quando da época das codificações, relegados, a segundo plano, porquanto remetiam ao direito antigo, que os ideais revolucionários afastavam, como condição para o estabelecimento de uma nova ordem jurídica.

 O culto à lei somando ao desprestígio dos princípios, agravado quando da supremacia do positivismo na Europa, fez com que não mais se questionassem as instâncias de valor que deveriam estar contidas na norma. Assim, não se cogitava sobre a justiça ou a legitimidade da regra, bastando que ela fosse elaborada em conformidade com o processo legislativo preceituado na Constituição. Porém, os graves incidentes da Segunda Guerra Mundial criaram uma necessidade metodológica de se construir uma teoria do direito aliada a valores, somando, às instâncias de validade da norma - decorrentes do processo legislativo - as instâncias de valor.

 Foi com esse ânimo que Gustav Radbruch fez publicar uma circular, que distribuiu aos alunos da Faculdade de Direito Heidelberg, intitulada como "Cinco Minutos de filosofia do Direito" em que afirmava: "Não, não se deve dizer-se: tudo o que for útil ao povo é direito; mas, ao invés: só que for direito é útil e proveitoso para o povo.”.

 Tornou-se premente assim que o Direito, notadamente o Direito Civil, passasse a ser interpretado em conformidade com os princípios constitucionais, o que permite afirmar que a interpretação do direito privado deve ser pautada, como já afirmou por Luís Roberto Barroso, nos valores contidos na Constituição. Exige-se do intérprete-integrador-aplicado que proceda segundo os ditames do que denomina "Hermenêutica Total", observando-se sempre a finalidade da interpretação /integração, que é a busca da Justiça. Mas, para ser total a Hermenêutica precisa de manter o ser humano em seu patamar de dignidade, ao mesmo tempo em que não permitia que sua individualidade prejudicasse o funcionamento do todo, em cujo âmbito também estão inumeráveis outras individualidades.

 Assim, contemplará todos os valores que lhe for viável contemplar; lembrar-se-á da parte interpretante e da parte destinatária; terá sensibilidade para o funcionamento do todo como âmbito de realização das partes e de cada parte como possibilitarão funcional da coordenação no todo. E tudo isso como afã de equilíbrio, ou, no caso do Direito, como fator de consecução de justiça.

 Nesse diapasão, tem-se que é obrigação primordial do aplicador na norma de direito privado manter como finalidade precípua a consecução da Justiça, representada, aqui, pela observância aos princípios constitucionais, notadamente aqueles que afirmem e promovam o reconhecimento da humanidade das pessoas envolvidas na relação jurídica. Importante papel na interpretação do direito e, mais recentemente, do direito privado, é exercido pelo Princípio da Proporcionalidade .

Esse princípio constitucional tem exercido enorme influência na atividade hermenêutica, na medida em que tem direcionado o intérprete a encontrar a solução que mais renda eficácia aos preceitos contidos na Constituição.

 As situações jurídicas de direito privado em conflito podem ter, cada uma destas, um fundamento em um determinado princípio constitucional, como, por exemplo, o conflito existente entre o direito à informação e o direito à privacidade, representando um conflito de direitos fundamentais que ocorre exclusivamente no âmbito civil. "O Direito perde, então, inevitavelmente, a cômoda unidade sistemática antes assentada, de maneira estável e duradoura, no Código Civil [...]

O intérprete passa então a se valer dos princípios constitucionais, como normas jurídicas privilegiadas para reunificação do sistema interpretativo, evitando, assim as antinomias provocadas por núcleos normativos díspares, correspondentes a lógicas setoriais sem sempre coerentes.".

 É exatamente na resolução desse tipo de problema que se manifesta pungente a constitucionalização da interpretação do direito privado, que se dá através da aplicação do princípio da proporcionalidade.


Imperioso se fazer menção aos ensinamentos de Willis Santiago Guerra Filho, que aduz: "Para resolver o grau de dilema que vai então afligir os que operam com o Direito no âmbito do Estado Democrático contemporâneo, representado pela atualidade de conflitos entre princípios constitucionais, aos quais se deve igual obediência, por ser a mesma posição que ocupam na hierarquia normativa, é que se preconiza o recurso a um "princípio dos princípios", o princípio da proporcionalidade, que determina a busca de uma "solução de compromisso", na qual se respeita mais, em determinada situação, um dos princípios em conflito, procurando desrespeitar o mínimo ao (s) outro(s) jamais lhe(s) faltando minimamente com o respeito, isto é, ferindo-lhe seu "núcleo essencial", em que se encontra entronizado o valor da dignidade humana”. .

 Não se pode esquecer, ainda, da constitucionalização do direito privado que se opera através da concessão, a determinada regra, de interpretação conforme a Constituição. Através dessa técnica, é possível conceder, a determinada norma, significado que a amolde à interpretação que a Corte Constitucional confere à constituição, o que se pode dar por duas formas:
 a) pela leitura da norma infraconstitucional da melhor forma que realize o sentido e o alcance dos valores constitucionais que lhe são subjacentes;
 b) declaração de inconstitucionalidade parcial sem redução de texto, mediante a exclusão de interpretação possível e afirmação de uma outra interpretação compatível com a Constituição.

 Conforme aduziu Inocêncio Mártires Coelho: "(...) presumem-se constitucionais os atos do Congresso; na dúvida, decide-se pela sua constitucionalidade; entre duas interpretações, escolhe-se a que torne esses atos compatíveis com a Constituição, ao invés de preferir a que afronte o texto fundamental; e por fim, diante de vários sentidos que se consideram igualmente constitucionais, deve-se dar preferência ao que, orientado para a Constituição, melhor corresponde às decisões do legislador constitucional."

 Desta forma, verifica-se, que na tarefa de interpretação normativa do direito privado, diante de sua irradiação nas relações entre particulares, deve prevalecer o sentido que melhor atenda os princípios constitucionais, de sorte a conferir eficácia à Constituição.

 É a proclamação da dimensão objetiva dos direitos fundamentais, que consiste, segundo Marcelo Lima Guerra, nos efeitos jurídicos decorrentes do reconhecimento dos direitos fundamentais como valores fundamentais constitutivos da ordem jurídica, que faz com que se possa aplicar, nas relações privadas.

A proteção constitucional desses mesmos direitos fundamentais. Willis Santiago Guerra Filho, proclamando a irradiação dos direitos fundamentais na relação entre particulares, afirma:

 É nesse contexto que se supera, igualmente, a visão clássica dos direitos e garantias fundamentais enquanto direitos e garantias individuais, liberdades publicas, voltados exclusivamente contra o Estado, o qual, perante tais direitos, teria o dever de tão somente abster-se da prática de atos que os ameaçasse ou violasse.

 Atualmente, não apenas se concebem os direitos fundamentais como dotados de um aspecto prestacional, a exigir ações por parte do

Estado para implementá-los, mas também, sendo o que aqui nos importa particularmente destacar, se atribui a tais direitos uma eficácia reflexa, ou eficácia perante terceiros (Drittwirkung), tornando-os aptos a proteger seus titulares também contra ameaças e violações por parte de seus co-cidadãos, individualmente considerados ou coletivamente organizados, de modo especial na forma de “poderes sociais” (soziale Gewalten), representados por grandes organizações da sociedade civil organizada e/ou do setor empresarial (...).

 É assim que o clássico direito de propriedade, pedra angular sobre a qual se erige grande parte do sistema de direito privado, deverá ser conformado pelos princípios fundamentais constitutivos do Estado Democrático de Direito em nosso País, dentre os quais figuram, por força ao art. 1º, incisos III e IV, a dignidade da pessoa humana, bem como os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, respectivamente.

Da mesma forma que essas formas sociais podem prejudicar o sistema político, em razão de sua alta concentração de poder, o mesmo ocorre no âmbito jurídico.

Essas corporações, ainda que privadas, alcançam uma posição de dominação, sobretudo por meio da concentração financeira, que lhes confere um tal poder de decisão mas suas relações com os indivíduos, que qualquer relação jurídica entre ambos, a despeito de se fundar aparentemente na autonomia da vontade, é, na verdade, uma relação de dominação, que ameaça tanto quanto a atividade estatal, os direitos fundamentais dos particulares.

 Foi a partir do reconhecimento da possível violação de direitos fundamentais levada a cabe por particulares que a Corte Constitucional alemã, como visto, concedeu provimento ao recurso interposto no caso Lüth.

 A partir de então, reconhece-se a legitimidade do Judiciário, para, através da aplicação da Constituição nas relações entre particulares, dar nova interpretação às normas de direito privado, de modo a garantir a observância de preceitos constitucionais fundamentais.

 A distinção que se levou a cabo, a partir desse julgamento, consiste em reconhecer que, ao contrário das relações indivíduo- Estado, em que apenas eram titulares de direitos fundamentais, nas relações privadas ambas as partes titularizam esses direitos, de sorte que, na atuação do Poder Judiciário, quando da resolução de conflitos desse jaez, se apresenta de fundamental importância o princípio da proporcionalidade , na medida em que viabilizará o sopesamento dos princípios em jogo, a fim de reconhecer qual valor fundamente da regra infraconstitucional deverá prevalecer, assegurando, ainda o menor prejuízo possível à parte que sucumbir.

 O reconhecimento da dimensão objetiva dos direitos fundamentais possibilitou, assim, a atuação dos magistrados, no sentido de, através da interpretação e da aplicação da norma infraconstitucional, aperfeiçoar o sistema jurídico, adaptando-o à Constituição Sobre a influência da dimensão objetiva dos princípios constitucionais sobre o Poder Judiciário, afirma o Marcelo Lima Guerra:

No tocante à atuação dos órgãos jurisdicionais, que é o que interessa mais de perto, no presente trabalho, advirta-se que a dimensão objetiva dos direitos fundamentais é o que determina, por exemplo:

 a) que o órgão jurisdicional identifique e deixe de aplicar normas excessivamente restritivas de direito fundamental, independentemente de qualquer manifestação de um dos eventuais titulares do direito restringido;
 b) “que os direitos fundamentais, uma interpretação conforme à Constituição, no sentido de extrair direito fundamental relacionado a esta;
 c) que o órgão jurisdicional leve em consideração, na realização de um determinado direito fundamental, eventuais restrições a este impostas pelo respeito a outros direitos fundamentais independentemente mesmo de qualquer consideração quanto à dimensão subjetiva desses últimos”.

 É essa alteração de posicionamento que se vem verificando na jurisprudência brasileira, irradiando da nova ótica que se tem dado aos julgados do STF que apesar de não ser propriamente caracterizado como Corte Constitucional, como assevera Marques de Lima, tem exercido, através de sua atuação, um papel pedagógico relativamente aos demais tribunais, buscando vivificar os princípios constantes na Constituição Federal.

 Isso não implica afirmar que essa específica atuação legitimadora dos direitos fundamentais nas relações entre particulares esteja restrita ao STF, porquanto, pela organização jurisdicional brasileira, qualquer magistrado, independentemente da instância de julgamento, tem o dever constitucional de velar pela Constituição.

 Não há mais que se cogitar em proteção de Direitos fundamentais do indivíduo apenas em face do Estado, na medida em que os particulares, nas suas relações privadas, podem vir a praticar alguma ofensa a direitos fundamentais uns dos outros.

 A partir da decisão de 1958, no caso Lüth, pela Corte Constitucional alemã, deflagrou-se o entendimento de que há, de fato, uma expansão da eficácia das normas constitucionais, de sorte a se poder tutelar, nas relações privadas, notadamente aquelas de direito civil, os direitos fundamentais mantenham ligação com os interesses privados em jogo.

 Essa constitucionalização do direito privado tem ampliado seu âmbito, se sorte a influenciar os três momentos principais da norma jurídica: sua criação/ atualização pelo legislador; sua interpretação; e sua aplicação pelos magistrados.

 Essa influência pode ser especificada na necessidade de busca de formas de se conceder a maior eficácia possível às normas constitucionais que fundamentem as regras infraconstitucionais em que se fundem os interesses particulares em questão, reconhecendo-se, por outro lado, a necessidade de conservação do princípio que, por força da escolha decorrente do princípio da proporcionalidade, deixou de ser aplicado. 


Limita-se, assim, a atuação dos particulares, sobretudo diante dos dois princípios cardeais do direito privado clássico, a autonomia da vontade e a propriedade, que diante dessa nova compreensão, deverão ser funcionalizados para que, através do exercício dos negócios jurídicos, tendam a repercutir positivamente na coletividade. Direito e justiça terminam por reencontrar-se numa nova perspectiva ética e filosófica, de modo que “uma leitura hermenêutica da Constituição” não poderá ser outra essência que é dar o respeito moral e material à dignidade humana.

 Referências:

 GUERRA, Marcelo Lima. Direitos Fundamentais e a Proteção do Credor na Execução Civil. São Paulo: Ed. RT, 2003.
MIRANDA, Daniel Gomes. Modos de Constitucionalização no Direito Privado. Disponível em: http://www.conpedi.org.br/manaus/arquivos/anais/brasilia/07_494.pdf Acesso em 10/06/2014.
NEVES, Gustavo Kohl Muller. Os princípios entre a teoria geral do direito e o direito civil constitucional. Diálogos sobre o Direito Civil - Construindo a Racionalidade Contemporânea. Organizador:
RAMOS, Carmem Lúcia Silveira et al. Rio de Janeiro: Renovar, 2002).
TAVARES, André Ramos. Pedagogia Suprema. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/139300-pedagogia-suprema.shtml . Acesso em 13/06/2014. STRECK, Lenio Luiz. O direito de obter respostas constitucionalmente adequadas em tempos de crise do Direito: a necessária concretização dos direitos humanos. Disponível em: http://www.periodicos.ufpa.br/index.php/hendu/article/viewFile/374/602 Acesso em 13/06/2014.

 Notas de rodapé

 [1] Evidentemente o constitucionalismo como movimento de limitação dos poderes estatais, está intrinsecamente ligado ao surgimento dos direitos fundamentais. Há várias correntes que divergem, sobre quando teria se manifestado pela primeira vez a limitação do poder do Estado por meio de uma Constituição ou texto fundamental assemelhado. A maioria dos autores defende que o fenômeno constitucional surgiu com a Magna Charta Libertatum, assinada por João Sem-Terra (Inglaterra, em 1215). Refere-se a um documento que fora imposto ao Rei pelos barões feudais ingleses. Atualmente, o constitucionalismo contemporâneo passou a lutar por vários objetivos como a democracia efetiva, desenvolvimento econômico e ambiental. Mas, mesmo assim, não perdeu de vista a defesa dos direitos fundamentais que continua sendo uma de suas matérias básicas.

 [2] Vige uma panaceia terminológica em termos doutrinários para cingir o conceito de direitos fundamentais. Então se registram autores que utilizam nomes díspares como direitos humanos, direitos humanos fundamentais, liberdades públicas, direitos dos cidadãos, direitos da pessoa humana, direitos do Homem. É preciso, porém, sedimentar uma terminologia adequada para tão essencial questão. Podemos definir os direitos fundamentais como os direitos considerados básicos para qualquer ser humano, independentemente de condições pessoais específicas. São direitos que compõem um núcleo intangível de direitos dos seres humanos submetidos a uma determinada ordem jurídica.

 [3] Curial, no entanto, esclarecer que os direitos e garantias individuais não têm caráter absoluto. Assim STF, Pleno, RMS 23.452/RJ, Rel. Min. Celso Mello, DJ 12.5.2000, p. 20: "Não há, no sistema constitucional brasileiro, direitos ou garantias que se revistam de caráter absoluto, mesmo porque razões de relevante interesse público ou exigências derivadas do princípio de convivência das liberdades legitimam, ainda que excepcionalmente, a adoção, por parte dos órgãos estatais, de medidas restritivas das prerrogativas individuais ou coletivas, desde que respeitados os termos estabelecidos pela própria Constituição.
 O estatuto constitucional das liberdades públicas, ao delinear o regime jurídico a que estas estão sujeitas - e considerado o substrato ético que as informa – permite que sobre elas incidam limitações de ordem jurídica, destinadas, de um lado, a proteger que sobre elas incidam limitações de ordem jurídica, destinadas, de um lado, a proteger a integridade do interesse social e, de outro, a assegurar a coexistência harmoniosa das liberdades, pois nenhum direito ou garantia pode ser exercido em detrimento da ordem pública ou com desrespeito aos direitos e garantias de terceiros.".

 [4] Os direitos fundamentais podem entrar em conflito uns com os outros. Exemplo: direito à vida versus liberdade de religião (o caso de transfusão para as testemunhas de Jeová); direito à intimidade versus liberdade de informação jornalística. Nesses casos de conflito, não se pode estabelecer abstratamente qual o direito que deve prevalecer: apenas analisando o caso concreto é que será possível, com base no critério da proporcionalidade (cedência recíproca), definir qual direito deve prevalecer. Mesmo assim, deve-se buscar uma solução de "consenso", que, com base na ponderação, dê a máxima efetividade possível aos dois direitos em conflito (não se deve sacrificar totalmente nenhum dos direitos em conflito).

 [5] São características dos direitos fundamentais: a historicidade, a relatividade, a imprescritibilidade, inalienabilidade, indivisibilidade e eficácia vertical e horizontal. Nessa última característica, o caso-líder é o Lüth, julgado pelo Tribunal Constitucional Federal Alemão em 1958. Erich Lüth era crítico de cinema e conclamou os alemães a boicotarem um filme dirigido por Veit Harlam, conhecido diretor da época do nazismo (dirigira, por exemplo, Jud Süβ, filme ícone da discriminação contra os judeus). Harlam e a distribuidora do filme ingressaram com ação cominatória contra Lüth, alegando que o boicote atentava contra a ordem pública, o que era vedado pelo Código Civil alemão. Lüth foi condenado nas instâncias ordinárias, mas recorrera à Corte Constitucional. Ao fim, a queixa constitucional fora julgada procedente, pois o Tribunal entendeu que o direito fundamental à liberdade de expressão deveria prevalecer sobre a regra geral do Código Civil que protegia a ordem pública. Esse foi o primeiro caso em que se decidira pela aplicação dos direitos fundamentais também nas relações entre os particulares.

 [6] Cogita-se nos direitos de primeira geração que foram os primeiros a ser conquistados pela humanidade e relacionam à luta pela liberdade e segurança diante do Estado. Por isso, caracterizam-se por conterem uma proibição ao Estado de abuso do poder: o Estado não pode desrespeitar a liberdade de crença, nem a vida. Trata-se de então impor ao Estado obrigações de não-fazer. São direitos relacionados às pessoas individualmente (como por exemplo: propriedade, igualdade formal, liberdade de crença, de manifestação de pensamento, direito à vida e, etc.).

 [7] Já os direitos fundamentais de segunda geração são os chamados direitos sociais (são direitos positivos de cunho social, econômico e cultural). São entendidos como os direitos de grupos sociais menos favorecidos, e que se impõem ao Estado uma obrigação de fazer, de prestar (direitos positivos, como saúde, educação, moradia, segurança pública, e, ainda com a EC 64/2010 o direito à alimentação). Baseiam-se na acepção de igualdade material no pressuposto de que não adianta possuir liberdade sem as condições mínimas (educação, saúde) para exercê-la. Começaram a ser conquistados após a Revolução Industrial, quando grupos de trabalhadores passaram a lutar pela categoria.

 [8] No Brasil, a Constituição Federal de 1934 foi a pioneira ao tentar instituir feições sociais, este avanço se mostrou até hoje incapaz de subordinar as opções políticas do poder público. Diante da ausência de pressupostos de sustentabilidade do Estado Social e da alta demanda pela concretização dos direitos sociais, nosso país tem assistido evidente processo de judicialização das políticas públicas, no qual o Judiciário tem dado a última palavra a respeito da exigibilidade destes direitos, em especial o direito à saúde. Corresponde a um segundo estágio de evolução do constitucionalismo galgando conceitos sobre a isonomia material, alcançável através de prestações estatais positivas e direitos fundamentais de segunda geração.

 [9] A função social da empresa representa um conjunto de fenômenos importantes para a coletividade e, é indispensável para a satisfação dos interesses indispensável para a satisfação dos interesses inerentes à atividade econômica. Assim engloba a ideia de que a empresa não deve apenas visar o somente o lucro, mas também preocupar-se com os reflexos que suas decisões têm perante a sociedade, seja de forma geral, incorporando ao bem privado uma utilização voltada para a coletividade. Trazendo a realização social ao empresário e para todos aqueles que colaboraram para alcançar tal fim. A ideia da responsabilidade social da empresa está ligada ao conceito de função social da propriedade e da livre iniciativa. Desta forma, o empresário pode utilizar todos os meios possíveis para alcançara finalidade de sua atividade, desde que observe os ditames legais.

 [10] Muito se cogitou no Brasil sobre o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos de direito privado e de direito público. São reflexões acerca da justiça contratual como condictio sine qua non de validade comum, trazendo o enfoque tanto o Código Civil (Lei 10.502/2002) e a Lei geral das Licitações (Lei 8.666/93). O princípio do equilíbrio econômico e financeiro visa, pois, garantir a manutenção da equação inicialmente contratada, ou seja, manter a proporção entre os encargos imprescindíveis à execução da avença e a contraprestação ou remuneração pactuada, de forma que uma parte não se locuplete mediante empobrecimento da outra.

[11] Há de se discernir reserva legal simples da reserva legal qualificada. A reserva legal simples surge em função da chamada liberdade de conformação. Porém, casos em que a própria Constituição determina que o legislador regularmente um determinado direito fundamental, especificando-o desde que o faça por meio de lei. Já a reserva legal qualificada é quando a Constituição exige lei específica para tratar de um determinado assunto, e a própria Constituição já estabelece as restrições que a lei poderá estabelecer (como por exemplo, na quebra do sigilo das comunicações telefônicas, em que a Constituição á prevê as possibilidades de quebra).

 [12] Passou a se denominar Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro, conforme a redação dada pela Lei 12.376/2010. Vide inteiro teor disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del4657.htm .

 [13] (In: NEVES, Gustavo Kohl Muller. Os princípios entre a teoria geral do direito e o direito civil constitucional. Diálogos sobre o Direito Civil - Construindo a Racionalidade Contemporânea. Organizador: RAMOS, Carmem Lúcia Silveira et al. Rio de Janeiro: Renovar, 2002).

 [14] Gustav Radbruch (1878-1949) foi professor de Direito na Universidade de Heidelberg. Integra a corrente de filósofos do direito jusnaturalista que entende que o direito deve estar fundamentado no justo e não somente numa mera adequação como sendo aquilo que a lei diz que é direito em determinado momento histórico. Mas ao mesmo tempo, Radbruch sublinha a importância da segurança jurídica afirmando que tão somente o direito extremamente injusto deixa de ter validade.

 [15] O vocábulo "proporcional" deriva do latim proportio, que se refere principalmente à divisão em partes iguais ou correspondentes a uma dada razão. É umbilicalmente ligado à ideia de quantidade, de justa medida, de equilíbrio. Começou a ser utilizado na Ciência Jurídica moderna por influência do direito germânico, notadamente da jurisprudência do Bundesverfassungsgericht (Tribunal Constitucional Federal Alemão), que, na resolução de casos concretos, formulou uma verdadeira teoria sobre o princípio. Por meio desse princípio, é possível analisar a legitimidade das restrições a direitos fundamentais, para verificar se respeitam a justa medida, a proporção entre causa e efeito, entre meio e fim.

 [16] Os direitos de terceira geração (difusos e coletivos) São os chamados transindividuais, isto é, direitos que são de várias pessoas, mas não pertencem a ninguém isoladamente. São os chamados direitos metaindividuais (estão além do indivíduo) ou supraindividuais (estão acima do indivíduo isoladamente considerado). Têm origem na revolução tecnocientífica (terceira revolução industrial), a revolução dos meios de comunicação e de transportes, que tornaram a humanidade mais conectada em valores compartilhados.

Passou a se perceber que na sociedade de massa, há determinados direitos que pertencem a grupos de pessoas, grupos esses, às vezes, absolutamente indeterminados. No Direito Processual Civil, faz-se a distinção entre direitos coletivos em sentido estrito, direitos individuais homogêneos e direitos difusos. A definição desses direitos está no art. 81, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor: "I - interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato ;II - interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base; III - interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum".

 [17] Os direitos fundamentais podem entrar em conflito uns com os outros, o que determina se imponham limitações recíprocas. Assim, por exemplo, o direito à liberdade de expressão não é absoluto, porque pode chocar-se com o direito à intimidade. Nenhum direito fundamental pode ser usado como escudo para a prática de atos ilícitos.
Com efeito, os direitos fundamentais só protegem o seu titular quando este se move na seara dos atos lícitos, pois seria uma contradição em termos definir uma mesma conduta como um direito e um ilícito. Logo, se o direito define uma conduta como ilícito (crime, por exemplo), não se pode considerar como justo o exercício de um direito fundamental que leve a essa conduta. Não é válido, por exemplo, alegar liberdade de manifestação do pensamento para propagar ideias racistas ou discriminatórias, conforme reiterada jurisprudência do STF (Caso Ellwanger, HC 82.424/RS).

 [18] Se vivemos sob a égide de uma Constituição democrática e dirigente, parece ser óbvio esperar que os juristas já tivessem construído um sentimento constitucional-concretizante. Mas o legislador ficou aquém e foi além do comando constitucional, e assumiu a tarefa de realizar o que se pode denominar de "filtragem hermenêutico-constitucional" apontando as inconstitucionalidades (controle difuso e concentrado) e, fazendo os necessários apelos ao legislador, além de construir uma teoria ou doutrina capaz de abarcar as demandas de um novo paradigma de direito e de Estado: o Democrático de Direito.

 [19] Como afirma Ingo Sarlet, "o princípio da proporcionalidade quer significar que o Estado não deve agir com demasia, tampouco de modo insuficiente na consecução de seus objetivos". Exageros, para mais (excessos) ou para menos (deficiência), configuram irretorquíveis violações ao princípio.

 [20] Proporcionalidade Sentido positivo: (proibição da proteção deficiente) O Estado tem a obrigação de proteger os direitos fundamentais de modo suficiente Sentido negativo: (proibição do excesso); Adequação: meio usado para restringir o direito deve ser adequado ao fim que se quer alcançar; Necessidade: o meio usado para restringir o direito deve ser estritamente necessário (meio menos gravoso possível); Ponderação (proporcionalidade em sentido estrito): o direito fundamental deve ser restringido o menos possível. .

 [21] A verdade é que a "revelação" do STF ocorrida a partir da Constituição de 1988, aliada à exuberante exposição na mídia do julgamento do mensalão o que fez com que muitos o considerassem como o julgamento do século, foi responsável por reduzir significativamente a distância entre a capital federal e o povo brasileiro. E, tal redução num Estado democrático como é o nosso, não corresponde à submissão do direito e da corte à vontade contingente da opinião pública, e exposta à pressão de multidões.

Decisões foram tomadas em apertada maioria, prevalecendo o princípio da colegialidade. Assim o papel pedagógico do STF implica em considerar que os significados de suas decisões produzirão na mente e na conduta de agentes políticos, para citar ao menos um exemplo, mais reluzente e que se encontra no imaginário da sociedade brasileira. Essas forças presentes no STF e de suas decisões são sempre notáveis, calcadas na hierarquia e simbologia constitucional envolvidas, especialmente quanto a algumas cláusulas délficas (para alguns normas enigmáticas da Constituição). (In: TAVARES, André Ramos. Pedagogia Suprema. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/139300-pedagogia-suprema.shtml , acesso em 13/06/2014).

quinta-feira, 29 de maio de 2014

A ética trágica de Nietzsche ou mecânica do ressentimento

As passagens textuais das obras nietzschianas se dedicaram em considerações sobre a psicologia do ressentimento em favor de uma reflexão filosófica sobre tal disposição psíquica que tanto influenciou os caminhos axiológicos e morais de nossa civilização.


 Interpretar Nietzsche é fundamental para afinal entender a história cultural do ocidente e a sua decadência que reside exatamente no ressentimento presente no indivíduo e o que o torna incapaz de criar valores afirmativos de existência.


 Ao sofrer uma ofensa, tal indivíduo desenvolve em seu íntimo o anseio por uma reparação imaginária motivada pelo sentimento de vingança. O ser ressentido sofre de enfraquecimento da vitalidade e perde qualquer vínculo efetivo com a realidade.

A censurada “moral de escravos” assim chamada por Nietzsche que prevaleceu ao longo de nossa civilização que subjuga a moral nobre que é adepta de valores afirmativos de existência. A moral cristã seria responsável pela inversão de valores ativos, depreciando e os tornando decadentes.


O ressentimento como tema é questão principal da filosofia de Nietzsche, e é crucial para o entendimento do pensamento que o expõe na cultura ocidental e sua respectiva influência nas valorações morais. O ressentimento muito influenciou os rumos axiológicos e morais bem como os mecanismos psicofisiológicos que o filósofo propôs como possíveis recursos para que as forças vitais e criativas que sobressaiam sobre as disposições decadentes da existência.


 O ressentimento, em suma, é o estado psíquico de maior expressão da decadência da vitalidade humana denunciada pelo filósofo alemão em sua obra “Genealogia da Moral”. Uma breve análise semântica da palavra ressentimento é ideal para se identificar que provém do verbo ressentir, significando o ato de sentir novamente, certa impressão motivada por um estímulo externo violento na afetividade pessoal. É uma experiência psíquica gerada por força externa.

Tal impressão pode ser reativa ou negativa em nossa afetividade, por vez debilitando nosso psiquismo por conta de espécie de entorpecimento das capacidades criativas pessoais, posto que ocorra certo envenenamento psicológico.


 O ressentimento decorre da incapacidade de interagir adequadamente com os signos da diferença, com os antagonismos, de maneira que, quando marcados por esse transtorno, e assim tendemos a transferir a responsabilidade de um acontecimento para determinada causa externa, tomada simbolicamente como culpada pela nossa fraqueza e por nosso mal-estar afetivo.


 O ressentido atribui a outrem a responsabilidade pelo que o faz sofrer, a quem delega momento anterior o poder de decisão, de modo a poder culpá-lo caso venha fracassar. O ressentimento é uma doença que se origina do retorno dos desejos vingativos sobre o “eu”. É a fermentação da crueldade adiada, transmutada em valores positivos, que envenena e intoxica a alma, que fica eternamente condenada ao não esquecimento (In: KEHL, Maria Rita. Ressentimento. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2004, p. 93-94).


 O ressentido não é capaz de agir afirmativamente mediante efeito externo sofrido, assimilando positivamente essa experiência, direcionando sua abertura pessoal. Dessa forma, o ressentimento motiva a inação, a interiorização psicológica desse indivíduo que cada vez está menos disposto a expandir sua força vital através da participação em circunstâncias que exigem o dispêndio de energias intrínsecas.


 Nesse sentido, Nietzsche destacou: “Todos os instintos que não se descarregam para fora, voltam-se para dentro, isto é, o que é chamado de interiorização do homem: é assim que no homem cresce o que depois se denomina alma". Todo o mundo interior, originalmente delgado, como que entre duas membranas, foi se expandindo se estendendo, adquirindo profundidade, largura e altura na medida em que o homem foi inibido em sua descarga para fora. (In: NIETZSCHE, F. Genealogia da Moral. Uma polêmica: Trad. Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2000, p.73).


 Nietzsche desenvolveu a hipótese de coexistência de dois tipos básicos de valoração da vida ao longo da formação histórica da civilização ocidental: a “moral dos senhores” e a “moral dos escravos” no § 260 de “Além do bem e mal”. Entre as muitas morais (desde as mais finas até as mais grosserias) que dominaram e continuam dominando encontramos traços que regularmente retornam juntos e ligados entre si: até que finalmente se revelaram dois tipos básicos e, uma diferença sobressaiu: há uma moral de senhores e uma moral de escravos. (NIETZSCHE, F., Além do bem e do mal. Prelúdio a uma Filosofia do Futuro. Trad. de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 1999, p.172).


 Antes de tudo, é imprescindível esclarecemos que os termos “senhor” e “escravo” na filosofia de Nietzsche, não se referem necessariamente delimitados concretamente e definidos dentro da tônica da filosofia trágica nietzschiana. “Senhor e escravo” não são definições axiológicas que se esgotam numa significação de cunho social e representam estamentos antagônicos que se confrontariam no decorrer do processo histórico tendo por finalidade e preponderância de uma classe sobre a outra.


 Na perspectiva nietzschiana pode haver perfeitamente haver pessoas socialmente desfavorecidas com muito mais disposições “nobres”. Um escravo propriamente dito, livre do ressentimento e do seu inerente mal-estar psíquico, é uma pessoa mais “nobre” e digna eticamente do que seu opressor social, que é oprimido, todavia, pela incontinência das suas inclinações pessoais e dos seus afetos tortuosos. Portanto, tais valorações se referem ao modo com um dado indivíduo desenvolve ao longo de sua vida o fluxo de seu ímpeto criativo, mediante as interações com outros corpos.


 Nobre e escravo são símbolos psicológicos que representam as disposições afetivas e axiológicas de uma pessoa perante o seu modo de agir cotidianamente em suas interações com o mundo circundante. Nessas condições, uma pessoa manifesta uma qualidade “nobre” pela sua capacidade de fazer prevalecer na sua existência os afetos que favorecem a ampliação de sua força vital, de sua vontade requalificando os afetos decadentes (ódios, raiva, medo e, etc.) em afetos psicofisiologicamente saudáveis que estimulam a superação dos limites da vitalidade do seu corpo.


 Já a tipologia “escrava” por sua vez, representaria a disposição psicológica de um indivíduo que deixa prevalecer na sua vida os afetos decadentes, que impedem uma compreensão positiva da existência (que é pautada na afirmação da potência criativa).


 Dessa forma, a valoração “escrava” motiva a repressão da vitalidade fisiológica, fato que mitiga a capacidade do indivíduo para agir criativamente ao longo de sua existência, vilipendiando então tudo aquilo que coadune com os aspectos da saúde e da força como estados deploráveis do ponto de vista da consciência moral.


As ideias de “nobre” e “escravo” em Nietzsche se antagonizam. O ressentimento não se pauta em relações dualistas de forças vitais, como se houvesse uma personalidade que pudesse ser denominada como “forte ou fraca”. O tipo psicológico considerado “forte” ou “nobre” quando consegue prevalecer as suas valorações ativas sobre as reativas e decadentes essa circunstância que denota a confluência das duas disposições vitais no seu organismo já a tipologia da “fraqueza” denota a predominância das valorações depressivas e as reativas sobre as forças fortes, criativas, expansivas e assimiladoras, motivando assim o empobrecimento da capacidade interativa daquele que é afetado por tal disposição.


 A moral dos senhores e a moral dos escravos são diametralmente opostas principalmente sobre as condutas pelos quais os seus respectivos enfoques axiológicos sobre a complexidade das relações das suas forças vitais.

 A rebelião escrava na moral começa quando o próprio ressentimento se torna criador e gera valores; o ressentimento dos seres aos quais é negada a verdadeira reação, a dos atos, e que apenas por uma vingança imaginária obtêm reparação.


 Enquanto toda a moral nobre nasce de um triunfo, já a moral escrava refere-se a um “não-eu” e, este não é seu ato criador. A inversão do olhar que estabelece valores, é necessário dirigir-se para fora, em vez de voltar-se para si, é algo próprio do ressentimento.


 A moral escrava enfim requer sempre, um nascer um mundo oposto e exterior, para poder agir em absoluto (sua ação é no fundo reação). Mesmo o nobre valorativo contém em seu psiquismo elementos fracos enquanto que o tipo escravo, ressentido, também pode conter disposições afetivas e axiológicas mais potentes somente não conseguindo dar vazão ao quantum de forças vitais que estão concentradas no seu âmago. A fisiologia na ótica nietzschiana é fornecida a definição por Wilson Frezzatti Junior tida como a configuração de impulsos , em luz por potência.


A única atividade do ressentido consiste em relembrar continuamente os seus afetos, que retornam, nalgumas vezes, numa intensidade ainda mais poderosa do que o afeto original. A manifestação do ressentimento nas valorações da civilização ocidental seria uma das principais evidências de sua decadência criativa.

 Tal declínio vital se caracteriza pela incapacidade do indivíduo ressentido se desvencilhar das impressões afetivas avaliadas como ruins que estão registradas dolorosamente na sua estrutura psicofisiológica.


Mais ainda devido ao caráter de passividade peculiar do tipo ressentido, e as recordações ruins tornam a aflorar na sua mente continuamente, motivando a degenerescência de suas forças vitais, uma vez que é abalada a estabilidade da estrutura psíquica, pois que nesse ato de lembrar novamente as vivências passadas, o indivíduo consome vorazmente a sua força vital.


 Nessas condições, o ressentido perde a capacidade plástica de criar o novo, tornando-se, por conseguinte, um indivíduo decadente existencialmente, destituído de sua vitalidade intrínseca. A principal atividade do ressentido se reduz a mórbida rememoração de vivências dolorosas. O ressentimento nascido da fraqueza não é prejudicial a ninguém mais que ao próprio fraco.


 O ressentimento em sua forma mais potente na história da cultura ocidental através do advento da religião institucionalizada, pois esta para se consolidar no seio de nossa civilização, teria necessidade de inverter a qualidade afirmativa dos valores pagãos (greco-romanos) que privilegiam a saúde, a compreensão refinada da sensualidade e a legitimação da corporeidade em favor de uma disposição ascética doentia.


 A dissolução da afirmação trágica da existência já ocorreu a partir do surgimento do pensamento socrático-platônico e a formulação do ideal teórico da existência, no qual a racionalidade se distancia dos afetos. É justamente a fuga dos instintos que têm lugar no corpo, e a hipertrofia da razão, que levaram à negação da vida tal como esta se apresenta. Segundo a interpretação nietzschiana a cultura grega alcançou o seu máximo de forças criativas através da harmonia conflitante entre o impulso apolíneo (moderação e autoconsciência) e o impulso dionisíaco (desmedida e legitimação da alteridade) princípios naturais que na antiga Hélade após um período de divergências, interagiram entre si, proporcionando a criação da tragédia ática dotada de celebração estética como um todo era divinizada, para além de qualquer conotação moral de mundo.

 No entanto, a racionalidade socrático-platônica rompe esse laço primordial peculiar dos gregos, vislumbrando a elevação que coloca o corpo inferior à alma preparando o terreno para difusão da moral cristã. Assim conforme Nietzsche destacou o que era considerado bom na cultura trágica grega, passou a ser considerado mal na civilização cristã (e no pensamento socrático-platônico)


E o que era considerado mal na cultura trágica, passou a ser considerado bom na civilização cristã. É possível identificar o ressentimento no pensamento socrático-cristão em relação ao corpo e a vida especialmente na obra Fédon mediante a ideia de que o corpo é o túmulo da alma e que viver é estar constantemente enfermo e só a morte libera o homem sábio das cadeias da sensibilidade; aliás, a própria Filosofia é considerada como um exercício para a morte, pois adestra o domínio racional sobre as paixões, mitigando progressivamente todos os apelos sensíveis do homem.


 Há de se ressaltar, todavia, que a moralidade cristã potencializa ainda mais o espírito de rancor contra a existência, considerando boa a constituição vital como substancialmente má.


 A valoração ressentida sempre parte primeiramente de uma avaliação do outro, do forte e saudável como “má” para em seguida autoproclamar como “boa” enquanto que na valoração forte, nobre, primeiro ocorre a avaliação pessoal como boa, para se ver o fraco, desvitalizado, como “mau”, isso é, o desprezível, pois que tal tipo pessoal não é apto a participar de contínuas atividades agonísticas .


 A impotência do ressentido o impede de realizar qualquer atividade, ele espera que os outros a realizem por ele. No momento em que isso não acontece, procura alguém para culpar por não conseguir o que deseja principalmente pela sua dor e sofrimento. A frustração consequente, porém lhe desagrada e, por conseguinte, ele projeta a infelicidade como responsabilidade de outrem, tendo como contexto a necessidade de se sentir como bom.


 A inversão radical de valores conforme Nietzsche apresentou decorreria da insatisfação da moralidade coletiva diante das condições vitais até então estabelecidas, pois os valores vigentes na Antiguidade grega da cultura olímpica e da era trágica preconizavam a beleza, a saúde do corpo e a afirmação da via como virtudes primordiais da existência, virtudes associadas ao plano da imanência, dignificando assim a existência humana. Tanto Aquiles como Heitor, ambos inimigos figadais, são enaltecidos em diversos momentos da Guerra de Troia e por Homero em Ilíada, Canto IX, onde se relatam as honras em favor de Aquiles.


 No Canto XXII, vs. 109-130, nos quais Heitor pondera sobre a necessidade de afirmar sua dignidade de afirmar sua dignidade em qualquer circunstância e mesmo a morte de Heitor pelas mãos de seu implacável rival é evento glorioso onde recebe as homenagens sagradas.

 E cada grande herói épico tal como Diomedes , Menelau , Agamêmnon e Pátroclo mereceram o seu momento de glória ou anistia para que se evidenciassem suas qualidades agonísticas. Em todas essas circunstâncias não há quaisquer considerações morais de valor acerca dos seus atributos: a coragem e o amor pela glória os tornam “bons”.


 Entre o platonismo e o Cristianismo há uma grande proximidade de ideais e de valores e no prólogo de “Além do Bem e do Mal” concluiu: “o cristianismo é um platonismo para o povo”, isto é, a sua mais completa vulgarização axiológica, mediante violento repúdio ao mundo concreto em que vivemos. “Incapaz de suportar a própria finitude, o homem concebeu a metafísica; incapaz de tolerar a visão de sofrimento imposta pela morte construiu o Cristianismo”. Ao negar este mundo onde vivemos, a metafísica procurou forjar a existência do outro e fez deste a sede e origem dos valores.


 O cristianismo postulou um mundo verdadeiro, essencial, imutável e eterno. Arquitetou a vida após a morte para redimir a existência; fabricou o reino de Deus para legitimar as avaliações humanas. Então de modo nefasto levou os homens a desejar ser de outro modo, querer estar em outra parte. Na tentativa de justificar a existência do homem inventou o pensar metafísico, e fabulou a religião cristã.


 Mas o preço que teve que pagar foi a negação do mundo, a condenação da vida. Ao camuflar a dor, hostilizou a vida; ao esconder ou disfarçar o sofrimento, tratou o mundo como um erro a refutar (Marton, Scarlett).


 A odiosa inversão de valores presente na cultura ocidental e promovida pelo ressentimento seria causa eficiente que Nietzsche denominou como formação da “má consciência”, pois o tipo fraco é incapaz de interagir com o tipo forte, e pretende se desvencilhar da responsabilidade de sua própria impotência de agir, denominado consequentemente, aquele que o sobrepuja numa interação o culpado moral maior pelo seu próprio declínio vital (Nietzsche, F. Genealogia da Moral – Uma polêmica, p. 69-71).


 Por outro lado, podemos dizer que, numa perspectiva afirmativa da existência, os indivíduos inseridos em tal categoria valorizam justamente a ideia de superação de suas forças a ideia de superação de suas forças corporais, preconizando, para tanto, a realização de atividades que proporcionem a concretização deste objetivo através de salutar competitividade. A agonística se desenvolveu por meio dessa consideração, na qual os membros de um grupo, ao pretenderem que prevaleça o melhor, promovem uma salutar disputa, na qual, em verdade, todos saem vencedores, pois cada competidor procurar dar o melhor de si nessa interação de forças, esforço esse que amplia a vitalidade do corpo e proporciona o florescimento de alegria do ânimo.


 Na perspectiva do ressentimento o mundo concreto não possui uma beleza intrínseca e nem a perfeição autêntica seus adeptos defendem a existência do mundo suprassensível tido como contraponto ao mundo físico. E nesse caso, a dimensão suprassensível não é considerada uma espécie de complemento do mundo físico, mas há antítese irreconciliável pois a sensibilidade é imputada como corruptível e pecaminosa. E, o mundo se resumia ao palco do triunfo dos homens vis, apegado aos ditos prazeres vulgares da carne. 


Quanto mais o homem aceita seus impulsos, em sua rudez e crueza, menos é domesticado e mais elevado é o nível cultural do qual faz parte. No sentido contrário, quanto mais o homem é medíocre, fraco, servil e cobarde mais necessitará da civilização, da moral, pois viverá em todo lugar, há na vida, no próprio corpo, o “Reino do Mal”.


 A acepção de que o mundo no qual vivemos seria um grande “vale de lágrimas” que é noção célebre presente no hino católico Salve Rainha, comprova que a vida física é ontologicamente degradada e que nós humanos, somos miseráveis de nascença, cabendo-nos apenas aguardar piedosamente a clemência divina. 


Esse desprezo pela existência é extraordinariamente contrário ao projeto de uma religião da imanência tal como a vivenciada pelos gregos da época pré-socrática, posto que a prática religiosa, posto que a prática religiosa capaz de proporcionava ao seu praticante a aquisição de uma serenidade e alegria nas suas disposições de ânimo através da contemplação da beleza da divindade, considerando que o mundo seria expressão do seu resplandecente reflexo, de forma que o homem era unificado com a potência da natureza. 

Na religiosidade grega, nada há que lembre ascese, espiritualidade e dever, tudo que se faz presente é divinizado. A base teológica de uma religião fixada na axiologia transcendente retira do mundo cotidiano a própria justificação da vida, através da separação da esfera do sensível (inferior) e do espiritual no plano superior.

 O ressentimento no fraco é tido como a impossibilidade de superar as suas limitações pessoais, assim como de interagir, na sua vida concreta, com os níveis de forças dos seus adversários, desenvolve na sua engenhosa imaginação, uma série de causas puramente ilusórias, nas quais considera que, enfim, viria a ocorrer uma punição ao agressor, o forte.

 A punição nascia através da fantasia da imaginação limitando-se a satisfação mórbida de seu próprio íntimo no sofrimento de seu inimigo. Como complemento dessas questões levantadas podemos dizer que a elaboração da ideia da existência do Inferno como local de expiação da iniquidade seria uma das mais grotescas criações do espírito de ressentimento contra a divergência, contra todo tipo de ação que vai de encontro dos interesses e valores teológicos instituídos dogmaticamente pela estrutura dominante dos sacerdotes.

 Nietzsche ironizou o fato de Dante Alighieri ter colocado no portal do “Inferno” de sua “Divina Comédia” a inscrição: “Também a mim criou o eterno amor”. Quando o mais justificável era cogitar em: “Também a mim criou o eterno ódio”. Quem sofre do distúrbio do ressentimento visa obter plena satisfação através da contemplação deleitosa do sofrimento alheio, uma vez eu a compensação da dor com a dor o satisfaz intimamente.

 Contudo apresentou Nietzsche outra possibilidade: o uso da faculdade do esquecimento que representa um dos grandes enunciados de sua ética trágica por permitir uma compreensão sadia e vitoriosa sobre a existência. Assim é mais adequado do que reagir aos estímulos externos, o ato de esquecer as impressões afetivas decorrentes de encontros ruins que só geram afetos degenerativos (tais como: ódio, o rancor e o medo).

 O “homem escravo” é incapaz de conviver de forma harmônica com o jogo de afetos (usando-os como instrumento para a sua ação), deixando-se dominar por estes, sofrendo assim os seus terríveis revezes ao longo da sua vida. Quando desenvolvemos a capacidade de esquecer, é possível superar o nível valorativo típico dos decadentes.

O uso do esquecimento estaria vinculado principalmente pelo tipo nobre cuja vida é composta pelos afetos saudáveis. Como expressão de fraqueza vital, o homem transfere o direito de punição para uma entidade metafísica uma ideia de Deus com traços vingativos.


 O ressentido legitima a tradição teológica de caráter transcendente vislumbra a existência de divindade oposta ao Deus pleno de amor preconizado pela mensagem de Jesus. Esquecer não é simples vis inertiae (força inercial) como creem os superficiais, mas uma força inibidora ativa e positiva, no mais rigoroso sentido, graças a qual o que é por nós acolhido, não penetra mais em nossa consciência, no estado de digestão psíquica e de todo multiforme processo da nossa nutrição corporal ou assimilação física.


 A superação do ressentimento na ética de Nietzsche seria a oportunidade maior para o desenvolvimento da criação de valores afirmativos mesmo diante de condições desfavoráveis de existência. É a tristeza e a decadência da vitalidade que leva o homem desenvolver o pessimismo tornando-se inapto a interagir afirmativamente.


 O ressentimento mina lentamente a potência de agir do indivíduo, e o torna uma triste figura e de acabrunhada existência. Enfim, o que confirma que a filosofia é o exílio voluntário entre montanhas geladas. 

Referências:

 NIETZSCHE, F. Genealogia da Moral. Uma polêmica: Trad. Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
 ____________. A Filosofia na Idade Trágica dos Gregos. Disponível em: http://www.afoiceeomartelo.com.br/posfsa/Autores/Nietzsche,%20Friedrich/Friedrich%20Nietzsche%20-%20A%20Filosofia%20na%20%C3%89poca%20Tr%C3%A1gica%20dos%20Gregos.pdf Acesso em 20.05.2014.
 _____________. Trad. Tradução: Fernando R. de Moraes Barros. Sobre a verdade e a mentira em sentido extramoral. São Paulo: Hedra, 2008.

______________.Humano, Demasiado Humano, um Livro para Espíritos Livres. (In: Obras Completas - Paulo Quintela, Johann Wolfgang von Goethe, Rainer Maria Rilke, Friedrich Hölderlin, Nelly Sachs, Friedrich Nietzsche, Georg Trakl, Rio de Janeiro: Fundação Calouste Gulbenkian Serviço de Educação, 1997).
 ____________________________. Aurora, Reflexões sobre Preconceitos Morais. Tradução, apresentação e notas de Noéli Correia de Melo Sobrinho. Rio de Janeiro: Ed. PUC-Rio; São Paulo: Loyola, 2003.
 ______________________________. Além do Bem e do Mal, Prelúdio a uma Filosofia do Futuro.(In: Obras Completas: Paulo Quintela, Johann Wolfgang von Goethe, Rainer Maria Rilke, Friedrich Hölderlin, Nelly Sachs, Friedrich Nietzsche, Georg Trakl, Rio de Janeiro: Fundação Calouste Gulbenkian Serviço de Educação, 1997).

NIETZSCHE, F., Além do bem e do mal. Prelúdio a uma Filosofia do Futuro. Trad. de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.
______________________________. Genealogia da Moral, uma polêmica.( In: Obras Completas. Paulo Quintela, Johann Wolfgang von Goethe, Rainer Maria Rilke, Friedrich Hölderlin, Nelly Sachs, Friedrich Nietzsche, Georg Trakl, Rio de Janeiro: Fundação Calouste Gulbenkian Serviço de Educação, 1997_ ________________________________. O Crepúsculo dos Ídolos ou como Filosofar com o Martelo. (In Obras Completas: Paulo Quintela, Johann Wolfgang von Goethe, Rainer Maria Rilke, Friedrich Hölderlin, Nelly Sachs, Friedrich Nietzsche, Georg Trakl, Rio de Janeiro: Fundação Calouste Gulbenkian Serviço de Educação, 1997).
NIETZSCHE, Friedrich. Obras Incompletas, 1ª. edição. São Paulo: Abril Cultural, 1974. LOSURDO, Domenico. Nietzsche - o rebelde aristocrata: biografia intelectual e balanço crítico. Trad. Jaime A. Clasen. Rio de Janeiro: Revan, 2009.
RUBIRA, Luís Eduardo X. Nietzsche: do eterno retorno do mesmo à transvaloração de todos os valores (tese de doutorado).
FREZZATTI JUNIOR, WILSON. A Fisiologia de Nietzsche. A superação da dualidade. São Paulo: Editora Unijuí, 2006.

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

Esclarecimentos sobre o direito civil contemporâneo

 

Tratar do direito civil atual principalmente em face da vigente legalidade constitucional, dos fundamentos da república brasileira e da incidência do constitucionalismo contemporâneo ou o neoconstitucionalismo é um enorme desafio.

Pretendo pois humildemente sintetizar sempre de forma didática todo o giro semântico que todo Direito Privado experimentou e, ainda tem passado, significando um alerta para a discussão sobre a natureza normativa das Constituições, marcando a passagem do Estado Liberal para o Estado Social, e acenando para a complexidade do caráter unitário do ordenamento jurídico.

E, ainda ousaremos nos embrenhar na renovada teoria da interpretação jurídica com fins aplicativos, o que nos remete prontamente ao reconhecimento do valor normativo dos princípios, das normas constitucionais, e, principalmente para supremacia do texto constitucional a requer vigilante controle de constitucionalidade.

Deve-se romper com o velho paradigma que informava que o jaez constitucional tinha como exclusivo destinatário o legislador ordinário.

Pois a normatividade constitucional se dirige a todos os sujeitos de direito, em especial, aos cidadãos. E não representa a normatividade constitucional apenas impor os limites e impedimentos à lei ordinária e nem erigir simples suportes hermenêuticos para o ordenamento jurídico.

A normatividade constitucional além de indicar os fundamentos e suas justificações para reger os valores interdisciplinares presentes tanto nas instituições jurídicos quanto nos institutos jurídicos.

A revisão dos institutos do direito civil feito à luz da constituição abarca ambiguidade, posto que destaque o objeto da interpretação com fins aplicativos na ordem infraconstitucional mas também servirá de meio interpretativo das disposições infraconstitucionais que deverão ser integradas às normas constitucionais.

Servindo uns em função dos outros e vice-versa, coordenados pela combinação de normas elaborando uma hermenêutica de mão dupla e precursora de grandes ambiguidades e reflexões.

A odiosa fragmentação do saber jurídico e a artificial divisão do direito em ramos e especializações tenta fechar o juristas em seu microssistema composto de ferramentas técnica-setoriais que operam de forma acrítica e insensível não logrando êxito de ser um projeto voltado para a sociedade e permanece indiferente ao embate dos grupos de poder e os grupos de pressão.

Não foi a indiferença que ajudou ao Direito enquanto ciência e técnica e o fez garantir conquistas como a cidadania, a democracia, o respeito à dignidade humana e o Estado Democrático de Direito.

O pluralismo das fontes de direito emanado da concepção estatal contemporânea traduza a relevância normativa e a necessidade do controle de legitimidade e reforça a necessária distinção entre validade, legalidade e eficácia.

Assim, o princípio da legalidade constitucional configura a garantia de sujeição aos valores fundamentais do ordenamento jurídico, inserindo o controle da legitimidade da lei, não só em seu aspecto procedimental (ou o iter formativo de lei) mas principalmente em razão do conteúdo da lei.

O controle da lei é, sobretudo, o controle da legitimidade constitucional e não atinge apenas a lei, mas também os atos e as atividades que são expressões da autonomia individual, coletiva e da discricionariedade administrativa.

Portanto, as autonomias e mesmo a singular liberdade representada pela iniciativa econômica privada e mercantil não escapam ao controle de merecimento diante dos valores constitucionais.

Neste contexto, a função e a destinação dos atos e institutos jurídicos assumem peculiar valor decisivo em razão ao seu conceito estrutural. A redimensão da iniciativa econômica não pode deixar de ter utilidade social que deve ser exercida de forma que não cause dano à segurança, à liberdade e à dignidade humana.

O direito civil constitucional representa a superação da interpretação formalista tão-somente fundamentada no mecanismo lógico-teórico da subsunção do fato concreto à norma jurídica abstrata; a proposta contemporânea de interpretação das disposições normativas enfatiza a hierarquia das fontes e dos valores dentro de uma acepção sistemática e lógica.

Desta forma, é possível formular os seguintes questionamentos:

- O que é mais importante: a livre iniciativa ou a preservação do meio ambiente?

- O que é mais relevante: o direito à privacidade ou intimidade ou o direito à identidade e à paternidade, direito ao nome?

- O que é mais valioso: o equilíbrio da base objetiva do negócio jurídico ou apenas ser fiel à literalidade da avença apesar de não obedecer aos rebus sic stantibus?

É impossível manter divorciada a teoria da interpretação das leis ordinárias da teoria da interpretação das normas constitucionais. O principal cânone sistemático exige que o ordenamento seja interpretado em sua unidade; ao passo que o cânone axiológico pressupõe que os valores constitucionais, comunitários e atualizem cada uma das normas ou conjunto de normas que devem ser lidas e interpretadas sempre, mesmo que aparentemente claras.

Desta forma, o intérprete realiza o controle obrigatório da legitimidade constitucional de qualquer disposição, seja a mais recente, seja antiga e que seja aplicada ao caso concreto pelo juiz.

A clareza da norma em verdade, é uma eventual posterius, e não um prius da interpretação. A norma clara ou obscura deve estar em conformidade com os princípios e valores do ordenamento e deve resultar de regular procedimento argumentativo não somente lógico, mas sobretudo axiologicamente de acordo com as escolhas de fundo do ordenamento.

Para cumprir essa finalidade é necessário:

a) A interpretação do fato e da lei e ainda a qualificação normativa do fato configuram um processo unitário e não divisível, onde o problema concreto e o sistema do ordenamento são indissolúveis e compreensíveis, não em fases distintas, mas unitariamente;

b) Conscientizar que o controle de conformidade da lei à Constituição é uma constante de qualquer interpretação para fins aplicativos que procure individualizar uma questão de fato, em um caso concreto, a solução não poderá ser coerente, adequada e razoável e então correspondente à tábua de valores normativos relevantes, presentes na Constituição.

Uma lei clara em seu texto ou dura em sua aplicação, que esteja em contraste com os princípios normativos da Constituição, é ilegítima, teria uma ratio inconstitucional e não integrativa à legalidade constitucional a que o intérprete está vinculado.

Precisamos adequar as técnicas e as noções aos valores principais evitando aceitar tão passivamente como válidas as práxis oficiais e as interpretações correntes.

A legalidade quanto mais seja portadora de maior e mais qualificada promoção e tutela da pessoa humana, e suas exigências endossarão no parâmetro hermenêutico o privilégio dos valores-guias da Constituição, assumindo pela historicidade e pela totalidade da experiência promovendo um justo equilíbrio entre o “dever-ser” e o ser, sabendo colher a natureza desses interesses e desses valores em conflito, ponderando-os em relação ao caso concreto segundo a axiologia constitucional e pronto a reconhecer nos aspectos valorativos de descontinuidade, o respeito à tradição, aos fatores, a um só tempo, de promoção e garantia do pacto constitucional.

Atentar para os critérios hermenêuticos inovadores e dos valores, da razoabilidade, da proporcionalidade, da adequação, da subsidiariedade, recuperando a factividade para a juridicidade.

A solução do caso concreto é procurada necessariamente na totalidade do ordenamento jurídico sem violentar as peculiaridades dos fatos, propondo o conhecimento da norma como fator decisivo para individualização normativa.

É preciso formar uma classe de jurista adequadamente preparada e capaz de construir uma jurisprudência avaliativa atenta às consequências das decisões. E que contribua para edificar a justiça segundo os valores da constituição, concretizados no impacto com a totalidade da experiência cultural como historicamente se determinar e se evolui.

Segundo o neoconstitucionalismo é pungente o reconhecimento dos tratados internacionais que se refiram à pessoa humana e seus direitos fundamentais como valores conquistados em múltiplas formas.

No centro dos sistemas jurídicos contemporâneos, alvo dos documentos jurídicos e normativos como são as constituições que correspondem às cartas principiológicas de conteúdo ético, mas devem ser evolutivamente interpretados de acordo com a modificação dos valores ético-políticos da comunidade a que a constituição se refere.

O primado dos valores da pessoa humana e de seus direitos fundamentais exclui do direito civil a concepção patrimonialista fundada ora na centralidade da propriedade privada, ora sobre a noção de empresa.

Caio Mário da Silva Pereira ao receber merecidamente da Universidade de Coimbra o título de honoris causa, em 1999,afirmou que "é tempo de se reconhecer que a posição ocupada pelos princípios gerais de direito passou a ser preenchida pelas normas constitucionais, notadamente, pelos direitos fundamentais. Tal proposta consolidou em nossa doutrina "um direito civil constitucional" reconhecido definitivamente, nos meios acadêmicos e pelos tribunais".

O direito civil constitucional seguindo o constitucionalismo contemporâneo reconhece que a forte ideia de sistema não se refere somente ao mercado, mas numa perspectiva de despatrimonializar o direito.

A supremacia do direito e da política sobre o mercado e sobre a economia representa a epifania do direito civil constitucional que prega a superação da separação do direito privado e do direito público.

Realiza a concretização da ordem constitucional como sistema aberto também a internacionalização das relações civis, mas sob o controle vigiado e atento que não invalida a atuação dos direitos humanos democraticamente colocados no centro do pacto de convivência.

A contraposição “público-privado” se enfraqueceu e determinou nova composição de institutos e das instituições reavivados pela igualdade e, sobretudo, pela solidariedade como função primária do Estado contemporâneo.

Nos ordenamentos jurídicos onde o controle de constitucionalidade de um ato com força de lei é proposto perante a Corte Constitucional na via incidental da parte do juiz comum, é indispensável que o papel do julgador mude.

Dele se espera que diante de incompatibilidade absoluta e insanável, ou seja, na identificação de antinomia insuperável, perceba uma não-conformidade que pode ser superada por uma completa coordenação, desenvolvendo um controle difuso que se alie ao controle concentrado na Corte Constitucional.

Assim o juiz comum é convocado a ter uma linha interpretativa mais aprofundada sobre as questões constitucionais sem remetê-las ao STF, e promovendo a “conformação” do texto legislativo às normas constitucionais.

Em síntese, para solucionar o caso concreto a norma constitucional é utilizada, de toda maneira, seja na aplicação combinada com a legislação ordinária específica, ou as cláusulas gerais ou princípios gerais do direito, seja na aplicação direta.

Ao civilista se impõe um vasto e denso programa de estudo para melhor compreender o sistema do direito civil harmonizado com os valores constitucionais, sobretudo, o valor da pessoa humana, redefinindo os fundamentos, as rationes e extensões dos institutos jurídicos, resultando-lhes perfis funcionais.

O direito civil constitucional promove o encontro do direito com a justiça numa perspectiva ética e filosófica promovendo a leitura hermenêutica da Constituição, o que Dworkin afirmou ser também da moral.

Além dos civilistas, os constitucionalistas também se interessaram pelo fenômeno, refletindo sobre o impacto dessa inserção das relações civis no direito constitucional, ao ponto de J. J. Gomes Canotilho indagar se o processo não é inverso, ou seja, da civilização do direito constitucional.

A utilidade da filosofia do direito se mostra para reviver e construir adaptações do tempo decorrido através das decisões e, ainda, promover adequações necessárias mas sínteses conflitantes de conhecimentos, valores, símbolos produzidos e utilizados pelo homem dentro dos horizontes culturais e ideais que se renovam sempre de forma diacrônica e sincrônica, no norte e no sul do mundo na multiplicidade orgânica dos ordenamentos jurídicos.

Há, portanto, três superações do Direito Civil Constitucional brasileiro que destaco pontualmente:

- a superação do monismo das fontes de direito, pois não é somente a lei a única fonte do direito;

- a superação da rigidez literal da hermenêutica, da significação monolítica dos institutos e figuras jurídicas fundantes das relações sociais, como o contrato, a família e a propriedade.

O método de elastério dialético é assentado na crítica e na permanente construção dos sentidos atribuíveis ao campo jurídico.

Particularmente após o Código Civil Brasileiro de 2002 que só entrou em vigência em 2003 é idôneo e legítimo que sob o pensamento crítico sejam trazidos novos desafios e perspectivas.

Efetivando também a pedagogia dialógica para o ensino jurídico brasileiro incluindo além da reflexão objetiva a crítica aperfeiçoadora com reedificação da cidadania, e um sólido Estado Democrático de Direito.

As premissas do Direito Civil contemporâneo revitalizam seus principais institutos, o contrato, a propriedade, a família, a responsabilidade civil e até a empresa outorgando-lhes a função social, nas três dimensões( existência, validade e eficácia) emancipando o Direito numa tríplice constitucionalização (formal, material e prospectiva).

O desafio enfim é apreender a possibilidade de constitucionalização como ação contínua e permanente viabilizando na força criativa dos fatos sociais que se projetam para o Direito na doutrina, na legislação e na jurisprudência.

Construindo uma permanente e renovada resposta quando questionamos: para que serve e a quem serve o Direito?

Uma resposta para enfim encontrar uma sociedade mais justa, solidária e fundada na igualdade material na superação dos dogmatismos conceituais e da rigidez dos códigos e que consiga a efetiva tutela dos direitos fundamentais.

A Constitucionalização do Direito Civil Brasileiro tomou corpo principalmente a partir da última década do século XX, entre os juristas preocupados com a revitalização do direito civil e sua adequação aos valores constitucionais de 1988.

A insuficiência da codificação e a complexidade da vida contemporânea fizeram surgir diversos microssistemas jurídicos pluridisciplinares, como o direito do consumidor, o direito ambiental, os direitos da criança e dos adolescentes e do idoso.

Os trabalhos e pesquisas produzidas em diversos centro de estudos do país, notadamente nos programas de pós-graduação rapidamente repercutiram na jurisprudência dos tribunais, com resultados valiosos.

O distanciamento do direito civil e da codificação brasileira da realidade social demonstrou o anacronismo do Estado Liberal e o exacerbado individualismo e, ainda, a pertinência do Estado social fundado em constituições democráticas cuja característica principal é incorporar as relações privadas à índole dos valores constitucionais consagrados em 1988 na busca da justiça material.

De todos os ramos jurídicos são o direito civil e o direito constitucional os setores que mais dizem ao cotidiano da pessoa humana e de cada solidão.

É importante salientar que o fenômeno da constitucionalização dos direitos não se confunde com que no Brasil se denominou de publicização. Esta é entendida como supressão de matérias tradicionais do direito privado transladadas para o âmbito do direito público.

A vetusta dicotomia direito público e direito privado tem sido objeto de críticas que prognosticaram seu desaparecimento, mas permanece exercendo função prestante de classificação prática das matérias.

Não é a cogência da norma ou o maior grau de intervenção legislativa que torna pública uma relação, pois é justamente da natureza do Estado social essas características.

A falta ou substancial redução de autonomia, a exemplo do direito de família ou do direito do consumidor, não torna pública a relação entre privados que continua assim.

O critério do interesse também perdeu consistência, uma vez que há interesse público na regulação das relações privadas materialmente desiguais, quando uma das partes é considerada juridicamente vulnerável, o que no Estado Liberal era considerado domínio exclusivo do mercado ou da vida privada.

Portanto, é pública a relação jurídica na qual a desigualdade é predeterminada pelo necessário império do Estado de um lado, e da submissão do cidadão, no outro (direito financeiro, direito administrativo, direito penal, direito processual etc).

Mas é conveniente frisar que as relações entre familiares e seus parentes, entre contratantes, entre o proprietário e o alter, entre o causador do dano e sua vítima, entre herdeiros, enfim por mais constitucionalizadas que sejam, não perdem sua natureza estritamente civil.

Enfim, concluíram os civilistas que a elevação dos fundamentos do direito civil ao status constitucional foi uma deliberada escolha axiológica da sociedade, sendo indispensável para a consolidação do Estado democrático e Social de Direito e da consequente promoção da justiça social e da solidariedade.

É essencial a insuperável atuação do Estado para fazer prevalecer o interesse coletivo, e evitar os abusos e garantir o espaço público de afirmação da dignidade humana.

Nem mesmo o neoliberalismo e a globalização econômica que agitou o último quartel do século XX, abalou os alicerces do Estado Social, permanecendo cada vez mais forte a necessidade da ordem econômica e social, inclusive com o advento de direitos tutelares de novas dimensões da cidadania, a exemplo da legislação de proteção do consumidor.

Por essa razão, a Constituição, além de ser a norma hierarquicamente superior a todas as outras, determinante do sentido do ordenamento jurídico, absorveu de fato os valores que a sociedade conseguiu veicular para servir de fundamento ou base à organização social. Esses valores foram vertidos em princípios ou regras que colorem o direito como um todo.

É imprescindível observar que o direito civil e direito constitucional não pode convir uma cisão entre dois hemisférios normativos que estão inexoravelmente interligados, seja o Código Civil velho ou novo.

Cabe ao intérprete assegurar a compatibilidade de cada decisão, fundada em norma do Código Civil, com os princípios constitucionais, ainda que a estes não se refira expressamente. Cada interpretação é um microcosmo da imensa tarefa de realização de uma sociedade livre, justa e solidária.

Finalmente o Código Civil cumprirá sua vocação de pacificação social se for efetivamente iluminado pelos valores maiores projetados nas normas constitucionais, notadamente nos princípios.

Concluímos que a constitucionalização fez emergir o problema da dimensão normativa dos princípios no sentido contrário da tradição romano-germânica que se construiu na valorização da legalidade estrita.

A constitucionalização do direito civil trouxe a superação da tradição que tanto privilegiou a conduta hermenêutica simplificada da subsunção dos fatos à hipótese normativa, dentro de estrutura deôntica rígida.

Então, finalmente o Código Civil Brasileiro de 2002 rendeu-se aos princípios constitucionais compatibilizando-se com o Estado Social. E a irretorquível prova dessa mudança de paradigma foi a introdução principiológica do direito contratual que reconhecidamente é a parte que melhor exprime a liberdade e autonomia das pessoas, e, consequentemente, a mais refratária às considerações de interesses sociais.

O art. 421 do C.C. certamente é o mais relevante e que imprimiu ao contrato a função social, e não apenas a função autorreguladora dos interesses individuais dos contratantes e significou profundo redirecionamento da aplicação do direito civil.

Assim, apesar de garantida a liberdade contratual esta resta condicionada à realização da função social, que é um dos modos de concretização da justiça social e que deve permear toda atividade econômica (art. 170 da CF/1988).

É exatamente nesse contexto que surge a vinculação do direito civil contemporâneo, do constitucionalismo com as práticas das políticas públicas trazendo melhor avaliação qualitativa do momento econômico e o suporte para justificar o livre e pleno desenvolvimento da pessoa humana.

Muito obrigada a todos, em especial ao Dr. João Marcelo de Lima Assafim e toda equipe do Programa de Mestrado da UCAM.