Reforma
da Código Civil brasileiro
Reform
of the Brazilian Civil Code
Resumo:
O Código Civil brasileiro vigente é um diploma legal que traz normas
reguladoras das relações jurídicas de ordem privada no Brasil. E, seu objetivo
é garantir a justiça, a ética e a preservação da igualdade entre as pessoas.
Com as transformações na sociedade e com o progresso tecnológico a tendência é
ampliar o Código seguindo a evolução social e digital, garantindo que a função
de justiça e igualdade permaneçam fazendo jus o seu principal objetivo.
Palavras-chave:
Código Civil brasileiro de 2002. Reforma do Código Civil. Evolução Social.
Direito Digital. Contrato de Seguro. Novos arranjos familiares.
Abstract:
The current Brazilian Civil Code is a legal diploma that provides regulatory
standards for private legal relations in Brazil. And, its objective is to
guarantee justice, ethics and the preservation of equality between people. With
the transformations in society and technological progress, the tendency is to
expand the Code following social and digital evolution, ensuring that the
function of justice and equality continues to fulfill its main objective.
Keywords:
Brazilian Civil Code of 2002. Reform of the Civil Code. Social Evolution.
Digital Law. Insurance Contract. New family arrangements.
Depois
de duas décadas de vigência foi necessário repensar o Código Civil brasileiro
e, na avaliação do Ministro Marco Aurélio Bellizze do STF, dois pontos
requererem maior atenção são estes: a realidade digital e os novos arranjos
familiares. Aprovou-se em primeiro de abril do corrente ano, a mudança de
seiscentos artigos da referida legislação.
Em
verdade, a revisão resultará na revisão de 1.100 artigos do Código Civil,
correspondendo a metade de todo o conteúdo da legislação.
Segundo
Maria Berenice Dias, a proposta mais significativa no que diz respeito ao
Direito das Sucessões seria a exclusão do cônjuge sobrevivente como herdeiro
necessário, estabelecendo um tratamento igualitário.
“Sendo
assim, fica estabelecido o direito de concorrência sucessória em partes iguais
aos demais herdeiros, independentemente do regime de bens, com exceção do
regime da separação total de bens. Neste caso, inexistirá tal direito de
concorrência, exceto sobre os bens adquiridos durante o relacionamento”,
afirma.
A
jurista conta que a sugestão de mudança no reconhecimento oficioso da
paternidade foi bastante aplaudida.
O tema
da reprodução assistida, que deve ser incorporada ao novo Código Civil. A
proteção dos mais vulneráveis deve ser prioridade, e segundo Fernanda Rodrigues, o novo código deve
reforçar o direito dessas pessoas à participação em todas as decisões que
afetam suas vidas. "Nesse aspecto, reforçamos a necessidade de manter o
artigo 4-A, de maneira que a voz e a participação das crianças e dos
adolescentes sejam protegidas do jeito que elas merecem", comentou a
defensora pública.
A
professora Cláudia Lima Marques ressaltou a evolução e a concretização das
cláusulas gerais. Segundo ela, essa evolução permitirá que o código absorva a
força da constitucionalização dos direitos humanos. "Nós precisamos que,
dentro de um código civil do século XXI, brilhe a Constituição Federal de 1988,
brilhem os direitos fundamentais e os direitos humanos, que brilhem os tratados
internacionais.
Com a
força desses institutos, poderemos interpretar toda essa nova gama de direitos
civis, direitos das pessoas e dos mais vulneráveis", afirmou.
Já
quanto a necessidade de aprovar um capítulo sobre os contratos de seguro foi
reforçada pela professora Angélica Carlini e o consultor Carlos Elias de
Oliveira, que apontaram a necessária aprovação do Capítulo XV da proposta.
E, a professora sublinhou a relevância
da normatização de seguros atualizada e com toda a legislação em vigor.
Eis
a lista as principais atualizações que
estão em discussão:
Alterações referentes à dinâmica da mora
(atraso no pagamento de uma dívida);
Mudanças no agravamento do risco;
Prazo específico para comunicação do sinistro
(ocorrência do risco previsto no contrato de seguro);
Inclusão de dispositivos sobre regulação de
sinistros;
Mudanças na sub-rogação (direito que a
seguradora tem de cobrar o responsável ou causador dos prejuízos) para grandes
riscos quando prevista a arbitragem;
Alteração no seguro de responsabilidade
civil, especialmente, no que se refere à relativização da vedação para a
celebração de acordo com o segurado e a inclusão de artigo para prever,
expressamente, a possibilidade de ação
direta;
Mudança nos seguros de pessoas, com a
inclusão de hipóteses de premoriência (morte do herdeiro antes do autor da
herança) e comoriência (quando duas ou mais pessoas morrem ao mesmo tempo e não
é possível concluir qual delas morreu primeiro), além da menção a herdeiros
testamentários quanto à parte de beneficiários;
Inclusão de artigo acerca do capital segurado
não sujeito às dívidas do segurado ou à herança para todos os efeitos de
direito, disposição essa não aplicável para os valores transferidos a terceiros
beneficiários, quando resultantes de aportes feitos em razão de planos de
benefícios contratados com entidade de previdência privada complementar aberta.
Também
serão positivados princípios peculiares do direito empresarial que visam modernizar, desburocratizar e facilitar
o desenvolvimento da atividade empresarial brasileira.
Também
a inclusão do direito digital[1] é um passo fundamental
para a sociedade. Sob a influência das normas europeias especialmente da Lei sobre
Serviços Digitais (LSD)[2] que fora aprovada em 2022
e entrou em vigor em fevereiro de 2024.
O
texto compreende que "a família se forma por vínculo conjugal ou não
conjugal", alargando o conceito familiar. As formações citadas são família
de casal que tenha "convívio estável, contínuo, duradouro e público";
família monoparental, formada por pelo menos um pai ou uma mãe e seu
descendente, "qualquer que seja a natureza da filiação"; família não
conjugal, formada pelo convívio de pessoas "sob o mesmo teto com
compartilhamento de responsabilidades familiares[3].
O
texto também prevê o divórcio ou a dissolução da união estável unilateral.
Assim, o pedido de separação poderá ser feito por apenas uma das partes, mesmo
quando não há consenso, bastando que a solicitação seja registrada no cartório.
A proposta ainda regulamenta a reprodução assistida, a partir dos 18 anos.
Os
famosos animais de estimação que são bens móveis passarão a ser reconhecidos
como seres vivos, passíveis de proteção própria. E, a doação de órgãos será
facilitada e a Inteligência Artificial[4] ou IA passará ser
regulamentada.
Com a
proposta será estabelecido que a personalidade civil do ser humano começa com o
nascimento com via e termina com a morte encefálica. E, isso poderá colaborar com os transplantes
de órgãos, com maior segurança por fixar o marco do óbito pela morte cerebral.
Um
outro tema que merecem uma especial atenção diz respeito à facilitação da
celebração do casamento, tendo em vista sobretudo a utilização de novas
tecnologias.
Como é
notório, a Lei do SERP (lei 14.382/2022) instituiu o Sistema Eletrônico de
Registros Públicos, tendo à Corregedoria-Geral de Justiça do Conselho Nacional
de Justiça instalado o site do serviço unificado, com todas as competências das
serventias extrajudiciais, no último dia 22 de março de 2024.
A
celebração do casamento será precedida desse procedimento pré-nupcial,
requerido pelos nubentes, que se identificarão, por meio físico ou virtual, ao
oficial do Cartório de Registro Civil (nova redação do art. 1.525 da
codificação privada).
O
oficial então fará as buscas no sistema eletrônico de dados pessoais, acerca da
idade núbil, do estado civil dos nubentes e de sua capacidade de exercício, em
especial para verificar se há algum impedimento ou incapacidade para o
casamento (art. 1.526).
Sobre
a união estável, a própria Lei do SERP[5] possibilita o seu registro
facultativo no Livro E do Cartório de Registro Civil das Pessoas Naturais (novo
art. 94-A da Lei de Registros Públicos), consagrando o citado Código Nacional
de Normas os procedimentos para tanto (arts. 537 a 546).
Entre
eles, merece destaque a previsão no sentido de ser vedada a lavratura de termo
declaratório de união estável havendo um anterior lavrado com os mesmos
companheiros, devendo o oficial consultar a Central de Informações de Registro
Civil das Pessoas Naturais (CRC) previamente à lavratura e consignar o
resultado no termo (art. 538, § 5º, do Código Nacional de Normas do CNJ). Essa
Central é que deverá ser consultada também no caso do procedimento pré-nupcial
que pretendemos incluir no Código Civil de
O
casamento será celebrado no dia, hora e lugar previamente designados, pela
autoridade que houver de presidir o ato (art. 1.533). Não há mais a menção à
presença de duas testemunhas nem a que seja realizado na sede do Cartório, o
que é totalmente dispensável.
Não há
qualquer previsão de palavras a serem ditas pela autoridade celebrante, como
está no atual e arcaico art. 1.535 CC: "De acordo com a vontade que ambos
acabais de afirmar perante mim, de vos receberdes por marido e mulher, eu, em
nome da lei, vos declaro casados". A questão ficou em aberto, sendo de
livre escolha dos nubentes e da própria autoridade.
Novamente,
como bem justificou a Subcomissão de Direito de Família, a quem seguimos
novamente, "limitamos a exigir que haja um ato de celebração com a
declaração de vontade dos nubentes, com a assinatura delas e da autoridade
celebrante, constando as informações necessárias ao registro de casamento. Com
isso, desburocratizamos a vida dos cidadãos, sem afastar o direito daqueles que
preferem modos rituais mais pessoais de celebração de casamento".
Enfim,
completados vinte anos de Código Civil em 2022, os principais temas na fila
para inclusão ou modificação nas normas são:
Reconhecimento
do direito à proteção de dados pessoais enquanto direito da personalidade, de
extrema importância para a era cibernética, com vulnerabilidade de informações;
Reconhecimento
dos atos jurídicos eletrônicos, para englobar possíveis revisões e introduções
normativas sobre a esfera digital;
Previsão
sobre contratos eletrônicos[6], para formalizar a
modalidade eletrônica de assinaturas de documentos — os smart contracts;
Retomada
de discussões sobre responsabilidade civil, voltados para os impactos e
desdobramentos da IA (Inteligência Artificial);
Reconhecimento
da “herança digital”, na área de Famílias e Sucessões, visando estabelecer quem
terá acesso aos arquivos digitais, como fotos e redes sociais, após o
falecimento do titular da conta
O que
se espera dessa Reforma[7] do Código Civil Brasileiro
é que o princípio da preservação da dignidade humana seja devidamente
reverenciado e atenda na melhor forma que possível nas relações privadas.
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[1]
O Direito Digital representa a
evolução do próprio Direito, abrangendo todos os seus ramos. Trata,
especialmente, de dilemas da denominada “Sociedade da Informação” e das novas
formas de criminalidade surgidas da evolução tecnológica e da expansão da internet.
Tipos de direitos digitais: Acesso universal e igualitário; Liberdade de
expressão, informação e comunicação; Privacidade e proteção de dados.
Direito ao anonimato; Direito ao esquecimento;
Proteção do menor; Propriedade intelectual.
[2] A Lei europeia sobre Serviços
Digitais (LSD) entra plenamente em vigor no sábado (17.2.2024), com um conjunto
severo de normas para as plataformas online, com o objetivo de proteger de modo
mais eficiente a população contra os conteúdos ilegais. As normas já são
aplicadas desde agosto para gigantes do setor, como X (antigo Twitter) ou TikTok,
e para os principais serviços da Meta (Facebook e Instagram), Apple,
Alphabet (Google), Microsoft e Amazon.
[3]
No julgamento do Tema 529 pelo
STF, a fidelidade e a monogamia pressupõem a exclusividade do vínculo do
casamento ou da união estável, impedindo o reconhecimento de uniões
simultâneas, inclusive para fins previdenciários. O entendimento também destoa
da compreensão do STJ a luz do julgamento dos temas 526 e 529 pelo STF,
conforme se pode verificar do voto do ministro Villas Bôas Cueva, no julgamento
do REsp nº 1.628.701/BA: De fato,
geralmente, a relação adulterina não é apta a atrair a proteção conferida ao
Direito de Família, aplicando-se as normas do Direito das Obrigações, que
versam sobre os meros efeitos patrimoniais dessa circunstância. (…). Afere-se
dos autos que o autor manteve duas relações concomitantemente, uma formal,
fruto de um casamento, que não foi desfeito, e outro com a ora requerida, com
quem assumiu o risco inerente à informalidade. Portanto, ao não provar a
participação na construção de um patrimônio comum com a ex-concubina, com quem
não formou vínculo familiar, já que a legislação pátria, diferentemente da
regular união estável, não socorre esse tipo de conduta, não há falar em
partilha.
[4]
A inteligência artificial
(IA) é a capacidade que uma máquina para reproduzir competências semelhantes às
humanas como é o caso do raciocínio, a aprendizagem, o planeamento e a
criatividade. A Inteligência Artificial (IA) é uma das áreas mais fascinantes e
promissoras da tecnologia atual. Ela permite que máquinas e dispositivos
eletrônicos realizem tarefas que antes eram exclusivas dos seres humanos. E não
apenas tarefas mecânicas, mas também tarefas que exigiam a atuação de
profissionais especializados.
[5]
Lei 14.382, de 27 de junho de 2022. Dispõe sobre o Sistema
Eletrônico dos Registros Públicos (Serp); altera as Leis nºs 4.591, de 16 de
dezembro de 1964, 6.015, de 31 de dezembro de 1973 (Lei de Registros Públicos),
6.766, de 19 de dezembro de 1979, 8.935, de 18 de novembro de 1994, 10.406, de
10 de janeiro de 2002 (Código Civil), 11.977, de 7 de julho de 2009, 13.097, de
19 de janeiro de 2015, e 13.465, de 11 de julho de 2017; e revoga a Lei nº
9.042, de 9 de maio de 1995, e dispositivos das Leis nºs 4.864, de 29 de
novembro de 1965, 8.212, de 24 de julho de 1991, 12.441, de 11 de julho de
2011, 12.810, de 15 de maio de 2013, e 14.195, de 26 de agosto de 2021.
[6] Contratos eletrônicos são assim
denominados porque sua celebração depende da existência de um sistema
informático, ou da intercomunicação entre sistemas informáticos. A validação da
manifestação da vontade segue critérios similares aos contratos celebrados fora
desse ambiente. O Brasil instituiu a Infraestrutura de Chaves Públicas
Brasileira (ICP-Brasil), com o objetivo de organizar o reconhecimento dos
documentos produzidos eletronicamente; dessa forma, a assinatura efetivada por
meio de chaves privadas e reconhecida por chaves públicas tem validade perante
terceiros. A assinatura eletrônica por meio do ICP-Brasil não é requisito de
validade dos contratos eletrônicos. O art. 9º da Lei de Introdução às Normas do
Direito Brasileiro (Decreto-Lei 4.657/1942) estabelece, em seu caput, que a lei
aplicável à relação jurídica obrigacional será a do país em que foi
constituída. Vislumbra-se a obediência à regra acima no caso dos contratos
entre presentes, visto que a declaração de ambas as partes da aceitação dos termos
contratuais se dá conforme consignado no instrumento vinculativo representando
o local onde se encontram naquele momento. Por outro lado, podem as partes não
celebrar o contrato de forma simultânea, de modo que, para o caso da vinculação
se dar entre ausentes, o § 2º do mesmo art. 9º estabelece que a obrigação
resultante do contrato se reputa constituída no lugar em que residir o
proponente.
[7] Cogita-se de duvidosa a
constitucionalidade e a convencionalidade das regras propostas pela comissão no
sentido de reduzir a vida uterina a uma suposta “potencialidade de vida”
(artigo 1.511-A, § 1º), bem como em afirmar que as decisões da mãe em relação
ao prosseguimento ou não da gravidez são de foro íntimo, na linha do já
superado precedente Roe v. Wade, que reconheceu o aborto como direito da mulher
com fundamento no direito à privacidade (artigo 1-511-A, § 2º). Na prática, tal
disposição pode conferir verdadeiro poder aos pais de decidir sobre a vida ou a
morte dos filhos sem qualquer intervenção estatal.