Resumo:
A teoria dos princípios no direito contemporâneo traduz uma evolução do
movimento constitucionalista e de fenômenos filosóficos norteadores do Direito,
tais como o jusnaturalismo e o positivismo jurídico, trazendo a moralidade e
ética para junto do Direito. A teoria dos princípios trouxe a lume uma
hermenêutica constitucional caracterizada pela centralização da Constituição e,
na busca pela efetivação concreta de seus dispositivos.
Palavras-Chave:
Princípios. Regras. Direito Constitucional. Hermenêutica Jurídica.
Constitucionalismo. Neoconstitucionalismo.
Segundo
Paulo Bonavides, a evolução da juricidade dos princípios, divide-se em três
fases, a saber: a) jusnaturalista; b) juspositivista e, c) a pós-positivista.
Na
primeira fase, os princípios possuem conteúdos abstratos e sua normatividade
era nula e duvidosa, contrastando com o reconhecimento de sua dimensão
ético-valorativa que tanto inspira os postulados da justiça.
Na
segunda fase, os princípios constituem uma fonte secundária ou subsidiária do
direito, servindo de referências às grandes codificações, ou numa válvula de
segurança que garante o reinado absoluto da lei.
Nesse
sentido, é curial destacar que a Lei de Introdução ao Código Civil com a
redação dada pela Lei 12.376, de 2010. Em seu artigo 4º in litteris: “Quando
a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes
e os princípios gerais de direito”.
Na
fase pós-positivista, os princípios fundamentais adquirem eficácia jurídica e
se transformam em elementos hegemônicos sob os quais todo o sistema
político-constitucional se alicerça, de acordo com o modelo do Estado
Constitucional caracterizado como Estado Democrático de Direito[1].
Lenio
Luiz Streck nos acautela sobre o chamado panprincipiologismo[2]. Em 2010 juntamente com
Ferrajoli, realizou conferência de abertura do Congresso Bianual da Academia
Brasileira de Direito Constitucional (ABDConst) em Curitiba.
O
ilustre doutrinador deflagra uma luta contra o panprincipiologismo e, deixou
explícito tal entendimento em sua obra intitulada "Verdade e
Consenso", não é a imperatividade da lei, nem juiz como boca da lei, ou a
criatividade ilimitada do intérprete que se constituem como inimigos da
autonomia do Direito e da democracia. Mas, sim, as condições pelas quais se dá
a atribuição de sentido no ato interpretativo-aplicativo. (In: STRECK, L.L. O
panprincipiologismo e a flambagem do Direito. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2013-out-10/senso-incomum-pamprincipiologismo-flambagem-direito Acesso
em 15.01.2022).
Nessa
derradeira fase, os princípios deixam de ser confundidos com simples
considerações de equidade ou meras regras consuetudinárias e passam a ter valor
de direito positivo. E, sua autoridade e sua função não se reportam a uma fonte
escrita, posto que existam independentes de forma e, o juiz os declara e, é
obrigado a garantir-lhe o devido respeito.
Curiosamente,
ante à precariedade dos serviços públicos prestacionais, notadamente nas áreas
de saúde, saneamento básico, habitação e educação, pode-se afirmar que Brasil
jamais conheceu o Estado de Bem-Estar Social[3], e que em vista da sempre
presente interferência do Estado na ordem econômica, também nunca houve um
Estado Liberal[4]
em seu sentido substancial mais puro.
Na
terceira e última fase, a pós-positivista tem-se prevalente entendimento de que
os princípios trazem consigo uma normatividade própria (peculiar). Até o
advento da Constituição Federal brasileira de 1988, constata-se a sua máxima
relevância como elemento normativo de coerência geral do sistema jurídico e
funcionam como eficazes critérios de interpretação e integração de todo
ordenamento jurídico.
O
pós-positivismo surgiu como nova teoria no tocante à normatividade dos
princípios após o fracasso filosófico do jusnaturalismo
e do
colapso político do positivismo jurídico apoiado pela Alemanha Nazista e Itália
Fascista. Tal teoria visa dar aos princípios jurídicos caráter normativo, e
estes devem atuar como uma espécie de norma jurídica vinculante.
O
pós-positivismo[5]
tenta restabelecer uma relação entre direito e ética, pois busca materializar a
relação entre valores, princípios, regras e a teoria dos direitos fundamentais
e para isso, valoriza os princípios e sua inserção nos diversos textos
constitucionais para que haja reconhecimento de sua normatividade pela ordem
jurídica.
Em
filosofia e nos modelos de pesquisa científica, pós-positivismo também chamado
de pós-empiricismo é uma instância meta teorética que critica e aperfeiçoa o
positivismo. Os pós-positivista acreditam que o conhecimento humano não é
baseado no incontestável, em bases pétreas, mas sim, em hipóteses.
E,
como todo o conhecimento humano é inevitavelmente hipotético, a afirmação de
suas suposições está assegurada ou, mais especificamente, justificada por uma
série de garantias, as quais podem ser modificadas ou descartadas no decorrer
de mais investigações. Entretanto, o pós-positivismo não é uma forma de
relativismo e, geralmente mantém a ideia da verdade objetiva. Um dos principais
pensadores que fundaram o pós-positivismo foi Sir Karl Popper, sua principal contribuição
é uma crítica à ideia de verificabilidade do positivismo lógico.
O
falsificacionismo declara que é impossível verificar se uma crença é
verdadeira, embora seja possível rejeitar falsas crenças, se as mesmas forem
objetivamente provadas falsas, pondo em prática a noção proposta de
falsificação.
A
ideia de Thomas Kuhn[6] da mudança de paradigma
nos oferece crítica mais severa ao positivismo, argumentando não somente as
teorias individuais, mas toda a visão de mundo deve mudar em resposta à evidência.
Enfim,
o pós-positivismo significa um aperfeiçoamento do positivismo que reconhece
estas e outras críticas contra o positivismo lógico. Não se trata de rejeição
ao método científico, mas de reforma para responder a essas críticas. Ainda
preserva as bases do positivismo, como o realismo ontológico, a possibilidade e
o desejo pela verdade objetiva e, o uso da metodologia experimental. O
pós-positivismo é gênero comum nas ciências sociais por razões práticas e
conceituais.
Os
juristas de alguns países, notadamente, o Brasil e a Espanha, apelidam como
pós-positivismo uma opção teórica que considera que o direito depende da moral[7], tanto no reconhecimento
de sua validade como no momento de sua aplicação.
Nessa
visão, os princípios constitucionais, tais como a dignidade humana, o bem-estar
de todos ou a igualdade influenciariam a aplicação das leis e demais normas concretas.
Essa visão do direito é inspirada em obras de filósofos do direito tal como
Robert Alexy e Ronald Dworkin e, alguns preferem chamar tal movimento de
neoconstitucionalismo.
Segundo
o Dicionário de Filosofia de Nicola Abbagnano, princípio é ponto de partida e
fundamento de um processo qualquer. Os dois significados, de ponto de partida e
fundamento ou causa estão estreitamente ligados na noção desse termo, que foi
introduzido em filosofia por Anaximandro, ele recorria a Platão com frequência
no sentido de causa de movimento ou de fundamento da demonstração.
Aristóteles
foi o primeiro a enumerar completamente seus significados, que são os seguintes: 1º) ponto de partida de um
movimento, por exemplo, de uma linha ou de um caminho; 2º) o melhor ponto de
partida, como por exemplo, o que facilita aprender uma coisa; 3º) ponto de
partida efetivo de uma produção, como por exemplo, a quilha de um navio ou os
alicerces de uma casa; 4º) causa externa de um processo ou de um movimento, como
por exemplo, um insulto que provoca uma briga: 5º) o que, com a sua decisão,
determina movimentos ou mudanças, como por exemplo, o governo ou as
magistraturas de uma cidade; 6º) aquilo de que parte um processo de
conhecimento.
Aristóteles
acrescenta a esta lista: "'Causa' também tem os mesmos significados, pois
todas as causas são princípios. O que todos os significados têm em comum é que,
em todos.
Princípio
é ponto de partida do ser, do devir ou do conhecer". Esses reparos de
Aristóteles contêm quase tudo o que a tradição filosófica posterior disse a respeito
dos princípios. Talvez caiba distinguir outro significado: como ponto de
partida e causa, o princípio às vezes é assumido como o elemento constitutivo
das coisas ou dos conhecimentos.
Este,
provavelmente, era um dos sentidos da palavra entre os pré-socráticos, às vezes
utilizado pelo próprio Aristóteles. Neste sentido. Lucrécio chamava os átomos
de princípios, e os estoicos distinguiam elementos e princípio, pelo fato de
que os princípios não são gerados e são incorruptíveis.
Já no
século XVIII, ao definir o princípio como o que contém em si a razão de alguma
coisa, Wolff observava que esse significado estava de acordo com a noção de
Aristóteles e que os escolásticos não se haviam afastado dela. Baumgarten, a
quem a terminologia moderna tanto deve, repetia a definição de Wolff.
Kant, por
um lado, restringia o uso do termo ao campo do conhecimento, entendendo por princípio
"toda proposição geral, mesmo extraída da experiência por indução, que
possa servir de premissa maior num silogismo", mas por outro lado
introduzia a noção de "princípio. absoluto" ou "princípio em
si", vale dizer, conhecimentos sintéticos originários e puramente
racionais, que ele julgava insubsistentes. mas aos quais a razão recorreria no
seu uso dialético.
No
fundo, os princípios são normas supremas de um sistema jurídico, e ostentam
características principais, como a natureza normogenética, o caráter de
fundamentalidade, generalidade e plasticidade.
E, com
essas características possuem grande relevância para a motivação judicial para
a justificação do direito como um todo. Os princípios incorporam os principais
valores que guiam todo ordenamento jurídico.
Com a
doutrina a normatividade dos princípios é consagrada. É necessário a distinção
entre as regras e princípios como espécies distintas de norma sua distinção não
mais se contrapõem e, sim se complementam.
É
culminada pela contribuição de Dworkin ao prescrever que as regras são
aplicadas de forma peremptória, num jogo de tudo ou nada (all or nothing)
sob a significação de que a hipótese de incidência de uma regra é preenchida,
ou é a regra válida e a consequência normativa deve ser aceita, ou se ela não é
considerada válida e, por conseguinte, não gera quaisquer consequências
normativas.
Para
as regras jurídicas sejam válidas, cogita-se em subsunção, ou seja, a adequação
completa entre o dispositivo e a situação fática prevista na regra. Já os
princípios não exigem esse cumprimento pleno, podem ser cumpridos ou não sem
que afete sua validade.
Ab
initio, Robert Alexy verifica que o conceito correto ou adequado
de direito é resultado da relação de três elementos, a saber: legalidade
conforme o ordenamento, eficácia social e correção material. Sem esses três
elementos, obter-se-á um conceito de direito positivista ou jusnaturalista.
Alexy
elaborou sua teoria dos direitos fundamentais com base na tipologia das normas
jurídicas, cujas espécies são: regras e princípios. Alexy[8] preparou o seu conceito de
norma denominado conceito semântico tendo em vista a relevância para
compreensão dos direitos fundamentais e para suplantar as dúvidas existentes
sobre a diferenciação entre princípios e regras.
Alexy
sustenta a tese de que princípios e regras são normas com base no argumento de
que ambos expressam um dever ser. E, para o doutrinador, a diferença entre os
dois não é de grau, mas, uma diferença qualitativa.
A
novidade da teoria de Alexy é que ao distinguir princípios e regras,
localiza-se no conceito de princípio: uma norma que ordena que algo que seja
realizado na maior medida possível, dentro das possibilidades fáticas e
jurídicas. Constituem mandados ou mandamentos de otimização. Este conceito de
princípios foi criticado por Aarnio e Sieckman, pois não seria capaz de
diferenciar regras e princípios.
As
regras, por outro lado, são normas que devem ser cumpridas de maneira exata.
Isto é, seu cumprimento só pode ser feito de forma integral.
Quando
há conflito entre regras, existem dois caminhos para se resolver a questão:
pelo menos uma das regras é declarada inválida ou é introduzida uma cláusula de
exceção em uma delas.
Quando
há colisão entre princípios, um dos princípios deve ceder frente ao outro.
Nesse caso, a resolução se dá conforme a dimensão de peso entre os princípios
envolvidos, de acordo com as circunstâncias do caso concreto.
Esta é
a chamada “lei de colisão”[9], que representa um dos
principais fundamentos da teoria dos princípios de Alexy. É um reflexo da
característica de otimização dos princípios e da inexistência de prioridades
absolutas entre eles. Através da ponderação se soluciona o conflito entre
princípios e a regra que se extrai da aplicação da ponderação de princípios,
para Alexy, integra o rol das normas adscritas.
Já,
Ronald Dworkin, ao tratar dos princípios, trabalhou essencialmente na
diferenciação entre regras e princípios, determinando em sua formulação teórica
uma crítica ao positivismo jurídico, afirmando que, as regras possuem uma
dimensão de validade, sendo que os princípios possuem uma dimensão de peso.
Assim, as regras estariam numa disposição excludente, ou seja, versada pela
expressão “tudo ou nada”, em que uma regra prevalecerá sobre a outra, diante da
ocorrência de uma colisão.
Com
referência aos princípios, Dworkin limitou-se a dispor que para solucionar as
colisões existentes entre os mesmos, deve-se analisar o argumento que direciona
a uma decisão particular, visualizando-os como padrões de orientação da justiça
e de equidade, aplicados diferentemente aos casos concretos.
A
imprecisa definição de princípios foi solucionada, pelo menos para a doutrina
brasileira, a partir dos ensinamentos de Robert Alexy, quando o mesmo afirmou
serem os princípios, verdadeiros mandados de otimização. Alexy aprofundou a
teoria emanada anteriormente por Dworkin, principalmente ao dispor acerca da
existência de graus de aplicação dos princípios, verificando-se, pois, as
possibilidades normativas e fáticas.
Com
referência às regras, Alexy promove o enquadramento das mesmas como normas que,
sempre, só ou podem ser cumpridas ou não cumpridas. Se uma regra vale, é
ordenado fazer rigorosamente aquilo que ela pede, não mais e não menos. Regras
possuem, desta forma, fixações no espaço do fática e juridicamente possível,
sendo, portanto, caracterizados como mandados definitivos.
Nessa
perspectiva, entende-se que os princípios possuem dimensões de peso, uma vez
que, existe uma nítida superioridade relativa em relação às regras, pelas suas
funções eficaciais desempenhadas.
Essa
relativa superioridade pode ser manifestada em duas hipóteses, a saber: no caso
de regras infraconstitucionais, os princípios seriam aplicados de acordo com as
suas funções interpretativas, bloqueadoras e integrativas destas regras; no
caso das regras constitucionais, os princípios teriam o peso de afastar as
regras constitucionais imediatamente aplicáveis, principalmente modificando as
hipóteses de aplicação.
A
técnica da ponderação consiste em técnica de decisão judicial diante de casos
essencialmente difíceis, principalmente em discussões acerca do princípio da
proporcionalidade[10] e do conteúdo múltiplo
dos direitos fundamentais. Acerca do conceito de ponderação, salienta-se a
contribuição de Ana Paula de Barcellos, ao discorrer que:
“[...] a ponderação pode ser descrita
como uma técnica de decisão própria para casos difíceis (do inglês ‘hard
cases’), em relação aos quais o raciocínio tradicional da subsunção não é
adequado. A estrutura geral da subsunção pode ser descrita da seguinte forma:
premissa maior – enunciado normativo – incidindo sobre premissa menor – fatos –
e produzindo como consequência a aplicação da norma ao caso concreto. O que
ocorre comumente nos casos difíceis, porém, é que convivem, postulando
aplicação, diversas premissas maiores igualmente válidas e de mesma hierarquia
que, todavia, indicam soluções normativas diversas e muitas vezes
contraditórias”. [11]
Já o
princípio da razoabilidade segundo entendimento de Ricardo Aziz, Marcos Antônio
Maselli de Pinheiro Gouvêa entre outros doutrinadores tem sua origem e desenvolvimento
ligados à garantia do devido processo legal, instituo ancestral do direito anglo-saxão
e, remonta segundo Barroso à cláusula law of the land inscrita na Carta
Magna de 1215, documento reconhecido pela maior parte da doutrina como um dos
antecedentes do constitucionalismo.
Ricardo
Aziz ainda destaca que a expressão due process of law passou a ser
utilizada na tradução alternativa do latim per legem terrae constante na
Carta Magna, tendo aparecido no lugar da locução law of land em Lei do
Parlamento de 1354, e três séculos mais tarde, conhecida como Petition of
Rights a Carlos I (1628) inspirada em Lorde Coke, na defesa da liberdade de
nobres que se recusaram a subscrever empréstimo compulsório lançado
ilegalmente. De acordo com suas origens britânicas, a cláusula due process
of law tinha caráter meramente processual, assecuratória, principalmente,
da defesa dos acusados no processo penal.
A
subsunção não tem instrumentos para produzir uma conclusão que seja capaz de
considerar todos os elementos normativos pertinentes; sua lógica tentará isolar
uma única norma para o caso.
O
Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Ação Direita de
Inconstitucionalidade nº 3.510, decidiu pela constitucionalidade do artigo 5º
da Lei de Biossegurança. A partir deste julgamento, a pesquisa com
célula-tronco foi permitida no país. Em início, vale ressaltar que se tratou de
um julgamento que gerou grande expectativa da sociedade brasileira, e contou
com o lobby de diversos setores, desde os religiosos até o setor médico.
Diante
deste caso estaria um claro conflito de princípios e, também, de conceito. Estaria, de um lado, o direito à vida do
embrião e, do outro, o direito da dignidade da pessoa humana como direito do
indivíduo-pessoa. Como decidir, então, qual deve ser preservado?
Ou,
melhor, sob qual medida se melhor preservaria os dois princípios? Em resumo,
entendeu-se, por maioria dos votos, que não haveria vida a ser tutelada e,
assim, não haveria o sacrifício do direito à vida. Porém, da leitura dos votos
percebemos que a ponderação de princípios foi a grande norteadora do
julgamento, levando, inclusive, a resposta diametralmente oposta.
A
doutrina brasileira, na verdade, não utiliza da ponderação de princípios e,
muito menos na Teoria da Argumentação. Não há, em momento algum, a utilização
da fórmula de ponderação que foi proposta por Alexy.
No
fundo, o discurso de ponderação funciona, no Brasil, em oposição aquilo para
qual foi criada, apenas para velar o discurso e as reais intenções do
intérprete. A decisão já está dada e a ponderação serve, unicamente, para
fundamentar e velar a posição política e ideológica.
Assim,
no caso de haver colisão entre regras, uma delas deve ser considerada inválida
e o conflito se resolve por meio de critérios tradicionais de solução de
antinomias, pelo critério hierárquico, cronológico ou de especialidade.
Os princípios,
ao revés, não determinam vinculativamente a decisão judicial, mas contêm
elementos, os quais devem ser conjugados com outros fundamentos provenientes de
outros princípios numa dimensão de peso ou importância e o conflito de
princípios é resolvido pela ponderação.
A
linha traçada por Dworkin exsurge da perspectiva exposta por Alexy, na qual se
releva a compreensão da estrutura das normas jurídicas, agora conceitualmente
elevadas à categoria de gênero, que tem como espécies as normas-princípios e as
normas-regras, ambos compondo o ordenamento jurídico a fim de garantir a
unidade e a coerência sistêmica decorrente da teoria dos princípios de da
argumentação jurídica.
Um
próximo passo na teoria de Alexy é passar do plano da argumentação prática para
o plano da argumentação jurídica, que é encarado como um caso especial da
primeira, que lida com argumentos juridicamente em dois planos.
O
primeiro, que ele chama de justificação interna, tem a ver com a obediência dos
critérios gerais da lógica deôntica, especialmente a observação da construção
do silogismo. Essa parcela é meramente formal e tem a ver com a coerência
lógica da argumentação utilizada, de tal modo que não se trata de uma
justificação especificamente jurídica.
Já a
justificação externa não está ligada à estrutura lógica do argumento, mas a
justificativa das premissas que caracterizam como jurídico o discurso. E como,
ao menos desde Viehweg[12], está muito claro que o
problema básico do direito é a fixação das premissas valorativas, é nesse ponto
que a teoria de Alexy precisaria dar um passo para além das concepções
tópico-retóricas.
Não
obstante, é justamente nesse ponto que Alexy menos oferece novas perspectivas,
recuperando inclusive alguns cânones de interpretação que já estavam bastante
combalidos, como a ideia de que devem ter precedência os argumentos que
respeitam a vontade do legislador histórico.
Com
isso, após um grande passo rumo à pragmática, Alexy volta ao tradicional plano
semântico da hermenêutica dogmática, buscando estabelecer uma precedência
hierárquica entre os vários tipos de argumentação, pois considera que “os
participantes do discurso têm de determinar pesos a serem atribuídos às várias
formas de argumento em vários contextos de interpretação”, para que esses pesos
possam ser utilizados como regras gerais.
Além
disso, são apresentados como justificados os argumentos baseados nas
proposições da dogmática jurídica, especialmente quando ela não é disputada por
estar “de acordo com a opinião jurídica dominante”.
Então,
curiosamente, no núcleo de uma teoria da argumentação jurídica, a seleção das
formas argumentativas é remetida aos cânones tradicionais de interpretação e às
construções da dogmática jurídica, que não são garantidos por uma
aceitabilidade racional, mas apenas por uma aceitação histórica dos padrões que
fazem parte de uma tradição.
Com
isso, apesar de ser inspirada expressamente nas concepções linguísticas de
Habermas, a teoria de Alexy segue um caminho completamente diverso no tocante à
abertura da possibilidade de crítica.
Por
mais que o referido doutrinador insista em afirmar que as condições do discurso
ideal habermasiano implicam a manutenção de uma possibilidade constante de
reflexão acerca do resultado das argumentações anteriores, a sua teoria assume
um caráter eminentemente conservador na medida em que valoriza o princípio de
inércia, conjugado à admissão de que os padrões consolidados da dogmática
(inclusive de uma hermenêutica dogmática) devem ser aplicados como parâmetros
de correção.
Para
Alexy, o conceito de princípio é mais amplo, tem caráter de mandado de
otimização, o que implica que devem ser aplicados na maior medida possível e
que, em caso de lesão a direito fundamental, o princípio da proporcionalidade[13] deve ter papel central e,
com isso, a ponderação.
Na
teoria de Alexy, os bens coletivos também podem ser objeto de regulação de
princípios. Por outro viés, na visão de Dworkin, os direitos são visualizados
com trunfos (trumps) e, somente os direitos individuais podem ser objeto
de regulação de princípios, também há diferenças na determinação das relações
entre igualdade e liberdade.
Alexy
considera que a liberdade e igualdade como princípios da mesma classe que podem
entrar em colisão, mas tal possibilidade foi excluída pela teoria de Dworkin
que considera a igualdade (equal concern) com a virtude suprema (sovereign
virtue) da comunidade política.
Willis
Santiago Guerra Filho afirma que Dworkin considera os princípios como
proposições que descrevem direitos, pelo que se diferenciam de outros,
importante standard argumentativo, aquele que inova políticas públicas (policies)
que seriam proposições que descrevem objetivos.
Tal
distinção se afirma superada pela concepção corrente na doutrina alemã dos
direitos fundamentais dotada de dupla dimensionalidade, a saber: a subjetiva ou
individual, a que tradicionalmente a eles vem associada, e uma outra, a objetiva
que expressa valores almejados por toda comunidade política.
O
objetivo de Robert Alexy com sua teoria sobre direitos fundamentais[14] não é galgar exatamente a
homogeneização de cada ordem jurídica fundamental e, sim, é o de descobrir as
estruturas dogmáticas e, ainda, revelar os princípios e valores que se escondem
atrás de codificações e da jurisprudência.
Enfim,
sua tese visa dar respostas a essas indagações com pretensão de cientificidade
e, para tanto, defende que os direitos fundamentais possuem caráter de
princípios e, nessa condição, eventualmente podem colidir, sendo assim,
necessária uma solução ponderada em favor de um destes. Os princípios estão em
um mundo de dever ser ideal, porém, não diz como as coisas são, mas como se as
deve pensar, com o fito de evitar contradições.
O
princípio como mandado de otimização, se traduz como mandado que pode ser de
proibição ou permissão e integram a deontologia, isto é, o que é obrigatório.
São tratados os princípios como categoria deontológica e, não axiológica ou
antropológica.
Os
princípios, assim como as regras, são fundamentos para os casos concretos,
porém, com aplicações distintas. Os princípios enquanto normas ordenam que algo
seja realizado na maior medida que possível e, dentro das possibilidades
jurídicas e fáticas.
A
distinção de princípios e regras é feita por Alexy, através de diversos
critérios. Os princípios são normas dotadas de grau de generalidade
relativamente alto, enquanto que as regras possuem baixo grau de generalidade.
Os
princípios são tidos como mandados prima facie, pois ordenam que algo deve ser
realizado na maior medida possível, tendo-se em vista as possibilidades
jurídicas e fáticas do caso concreto. Isto implica que em casos de conflito e
colisão, resolve-se pela ponderação.
Para
Dworkin a distinção entre princípios e regras pode ser feita por critérios
lógicos e formais. Os princípios possuem uma dimensão e peso ou importância que
implica no processo argumentativo que resulta em juízos ponderados relacionados
com a tradição institucional, ao sistema normativo e aos valores morais
institucionais de uma comunidade.
As
regras, ao contrário, não possuem essa dimensão e obedecem a uma apreciação
mecânica, a maneira do tudo ou nada, sem admitir ponderações ou valorações
estranhas ao seu conteúdo, devendo ser complementadas e enumeradas no seu
enunciado todas as exceções cabíveis.
Outros
critérios também são considerados para a distinção entre princípios e regras, a
saber:
a) o grau
de determinalidade dos casos de aplicação nas situações enquanto os princípios,
em geral, precisam de mediações concretizadoras, eles funcionariam como
fundamentos jurídicos para as decisões judiciais;
b) o caráter de
fundamentalidade do sistema; princípios e regras se distinguem por exercerem
aqueles um papel fundamental no ordenamento jurídico devido à sua posição
hierárquica no sistema, ou à sua posição estruturante por serem dedutíveis
objetivamente do princípio do Estado do Direito da ideia de Direito ou do
princípio da justiça;
c) natureza normogenética, os
princípios são normas que estão na base ou constituem a ratio das regras
jurídicas.
Segundo
Canaris, os princípios têm quatro características básicas que são: a) não valem
sem exceção e podem entrar em si em oposição ou em contradição; b) não têm a
pretensão de exclusividade; c) ostentam seu sentido próprio apenas uma
combinação de complementação por meio de subprincípio e valores singulares com conteúdo
material próprio.
Quanto
à função, os princípios têm utilidade tanto argumentativa quanto de normas de
conduta. Na função argumentativa, eles permitem, por exemplo, denotar a ratio
legis de uma disposição legal.
Como
normas de conduta permitem revelar normas que não estão expressa por qualquer
enunciado legislativo, sendo úteis, nesses casos, aos juízes que deverão
proteger e proceder à integração à complementação do direito.
Em
razão, a sua generalidade, os princípios funcionam, ainda, como elementos de
ponderação valorativa e de unidade inferior de direito. Possuem, ainda, caráter
de plasticidade que permitem ao intérprete judicial adequar o sistema jurídico
às novas situações e transformações da sociedade com a manutenção nominal da
integridade do sistema jurídico constitucional, sem a imediata e constante
necessidade de edição de novas regras ou de modificação das já existentes para
a regulamentação dos avanços sociais.
Enfim,
para Alexy, os princípios podem ser equiparados aos valores: uma concepção de
valores ou axiológica segundo o doutrinador alemão, traz uma referência não ao
nível do dever ser (deontológico), mas ao nível do que pode ou não ser
considerado como bem.
Os
valores têm como características a possibilidade de qualificação, isto é,
permitem que um determinado juízo possa ser classificado, comparado ou medido.
Em
verdade, a semelhança entre valores, resume-se basicamente ao modo de
operacionalização de ponderação. É de se observar que apesar dos princípios se
equipararem aos valores, eles não são valores, porquanto apontam para o que se
considera devido ao passo que os valores indicam, o que seja melhor ou mais
vantajoso.
Possuem
os princípios, ainda, um aspecto que coloca simultaneamente, no universo do
direito e da moral. Assim, os princípios jurídicos básicos do
constitucionalismo alemão, por exemplo, a dignidade humana, a liberdade, a
igualdade, Estado de Direito, democracia e o Estado Social, também possuem
dimensão de moralidade.
A
moral designaria propriamente um conjunto de princípios, normas, imperativos ou
ideias morais de uma época ou sociedade determinadas. Já moralidade seria
componente efetivo das relações humanas concretas que adquirem um significado
moral em relação à
moral
vigente. O senso moral é o que notabiliza o sentimento que condiz com a
moralidade, de acordo com os valores morais (o bem e o mal, o certo e o errado,
e, etc.) presentes em uma determinada sociedade.
Em
muitos casos, os valores morais estão atrelados às leis civis, porém, não é uma
regra. A moral é formada por normas adquiridas através da cultura, tradição,
acordos e cotidiano do comportamento do ser humano em uma sociedade específica.
Assim,
os valores morais vigentes no Ocidente podem não ser os mesmos do Oriente, existindo
cruciais diferenças entre os atos que são tidos como morais e imorais entre as
sociedades que pertencem a cada região.
Evidentemente,
a noção de ética e senso moral estão relacionadas, no entanto, enquanto a ética
busca reflexão mais ampla sobre o que seriam os valores morais que norteiam os
seres humanos, o senso moral tem como base os costumes, tabus e tradições peculiares
que existem em cada sociedade.
No que
tange à sistematização das normas constitucionais, Alexy expõe três modelos
possíveis, a saber: a) modelo puro de princípios; modelo pura de regras; c)
modelo de regras e princípios.
Nesse
modelo, evidenciam-se óbvias objeções a principal delas é o que indeterminação
e a completa inexistência de regras precisas e de restrições constitucionais
explícitas acarretariam uma enorme insegurança jurídica.
Já, no
modelo puro de regras em que todas as normas de direito fundamental são regras,
com a consequente renúncia à ponderação, esse modelo, apesar de grande
segurança jurídica é falho em face da impossibilidade prática e teórica de se
proceder pleno e exaustivo disciplinamento das situações de vida e pela
existência de muitas lacunas e de situações antinômicas não solucionáveis pelas
velhas regras de hermenêutica jurídica.
O
modelo de regras e princípios é de forma mista na qual se combinam os dois
modelos. A norma de direito fundamental é um dado de caráter duplo, tanto que
podem ser regras como princípios. Trata-se de forma mais racional de integração
das regras e princípios no sistema jurídico. É a forma racional de integração
das regras quanto como princípios possibilitando o funcionamento mais racional
de normas jurídicas.
Nesse
modelo misto de regras e princípios, a atuação dos princípios, como mandamentos
prima facie, possibilita uma crescente importância na análise de formas pelas
quais as decisões judiciais são justificadas em nome do direito. O que permite
maior amplitude e aplicação máxima de Alexy que os conflitos de regras se
resolvem na dimensão de validade e a colisão de princípios na dimensão do
valor.
O reconhecimento
normativo dos princípios percorre diversas etapas ao longo da história do
direito. E o conceito de norma jurídica e a distinção entre regras e princípios
ainda que não seja assunto recente, ganhou maior ênfase na discussão
contemporânea em teoria do direito, particularmente, nas obras tanto de Dworkin
e Alexy.
A tese
forte da distinção é defendida, particularmente, por Dworkin e Alexy. É a tese
que defende que há uma diferença de caráter lógico entre princípios e regras.
Muito difundida na doutrina pátria, que, em geral, tem-se ocupado em defender que
a tese que se pode chamar de grave da distinção, pois advoga por uma distinção
de grau, seja de grau de fundamentalidade, de abstração ou de generalidade.
O
maior representante dessa corrente em nosso país é Humberto Bergmann Ávila e
seus argumentos apontam para uma distinção entre princípios e regras feita a
partir de vários critérios conjugados. É uma distinção, portanto, complexa.
Cumpre
inclusive destacar a contribuição que, na doutrina espanhola, Manuel Atienza e
Juan R. Manero deram para a distinção forte entre princípios e regras. E, uma
das críticas de tais doutrinadores formularam à tese de Alexy dos princípios
como mandamentos de otimização. Tanto na obra de Dworkin como na de Alexy, a distinção
entre princípios e regras surge como uma tentativa de explicar a estrutura das
normas de direito fundamental.
Dworkin
elaborou sua distinção como uma das bases teorias para fazer um ataque geral ao
positivismo, sobretudo, à versão
proposta
por seu antecessor em Oxford, Herbert Hart[15]. De acordo com Dworkin, o
positivismo fornece um modelo de sistema jurídico constituído exclusivamente de
regras, o que o torna insuficiente para dar conta da solução dos casos difíceis
(hard cases), quando se usam standards que operam e funcionam de maneira
distinta das regras.
Dworkin
começa de um problema concreto para refutar a teoria positivista propugnada por
Hart, que é o de que o conceito positivista de aplicação do Direito seria
criticável ao caso concreto, ou quando a regra aplicável é indeterminada, deve
tomar uma decisão discricionária, ou seja, deve criar uma solução nova para o
caso concreto.
Dworkin
desenvolveu essas ideias sobretudo em dois textos publicados em seu Taking
Rights Seriously e, em sequência, são eles The Model of Ruels I e The
Model of Rules II, ambos de leitura obrigatória para quem se interesse em
aprofundar no tema.
Alexy
elabora com mais rigor a distinção proposta por Dworkin, e, com isso, confere-lhe
uma maior precisão conceitual.
Parte
de dois pressupostos básicos muito semelhantes aos de Dworkin: (i) o de que a
distinção entre princípios e regras é uma distinção entre duas espécies do
gênero “norma”, e (ii) o de que a distinção tem um caráter qualitativo, e não
de grau. A contribuição decisiva de
Alexy foi ter desenvolvido a tese dos princípios como mandamentos de
otimização.
É
importante notar que Alexy, apesar de reconhecer a diversidade de critérios que
se pode usar para traçar a distinção, concentra seus esforços em aprofundar os critérios
utilizados por Dworkin.
No que
concerne ao primeiro critério, o de que as regras são aplicadas de maneira
tudo-ou--nada (“all-or-nothing fashion”), Alexy (1988) critica a postura
de Dworkin em defender que é teoricamente possível listar todas as exceções a
uma regra, pelo simples fato de que elaborar tal lista é epistemologicamente
impossível, já que é impossível a qualquer ser humano prever todas as situações
fáticas que seriam qualificadas, caso ocorressem, como exceções a certa regra.
Em outras
palavras, Alexy defende que a tese de Dworkin de que as regras são aplicadas de
maneira tudo-ou-nada pressupõe a possibilidade de conhecimento de todas as
exceções a todas as regras.
Essa
constatação implica uma outra: se não é possível conhecer todas as exceções
possíveis a uma certa regra, então também não seria possível nem formular
completamente a regra enquanto tal, nem muito menos deduzir com algum grau
aceitável de certeza as consequências jurídicas que decorreriam da aplicação
dessa regra a um caso concreto.
Alexy
ainda argumenta que, se fosse possível conhecer todas as exceções possíveis às
regras, então também seria possível conhecer todas as exceções possíveis aos
princípios, fato que conduziria a distinção entre princípios e regras a uma
mera distinção de grau, e não de estrutura lógica, como o próprio Dworkin sugere.
Elucidando
apenas as duas das inúmeras críticas que são feitas à distinção forte entre
princípios e regras. São estas: primeira, que é mais incisiva, é que, ao
contrário de Dworkin e Alexy defendem, algumas regras são aplicadas aos casos
concretos mediante ponderação, e não de uma maneira tudo-ou-nada.
Pode-se
elaborar uma versão da seguinte forma: não é possível formular uma distinção
entre princípios e regras, como sendo duas espécies de normas, pois o que há
são normas em sentido amplo, e a distinção que pode ser formulada apenas se
baseia no fato de que essas normas em sentido amplo podem ser usadas de
diferentes maneiras no momento da aplicação.
Por
sua vez, a objeção, diz respeito mais diretamente à tese de Alexy para os
princípios e enuncia que, se princípios são mandamentos de otimização, ou os
princípios otimizam, ou não otimizam, ou seja, a objeção enuncia que princípios
mesmo qualificados como normas de otimização, possuem uma estrutura semelhantes
à das regras no momento de aplicação (uma maneira tudo-ou-nada).
Essa
crítica é um dos elementos principais utilizados por Humberto Ávila (2007) como
ponto de partida para elaborar a sua teoria dos princípios.
Essas
duas críticas, caso sejam confirmadas, levam a sérias dificuldades para manter
a distinção entre princípios e regras, pelo menos enquanto uma distinção
possível entre duas espécies de normas (a distinção forte).
Estas
apontam para uma tendência, ou de tomar critérios distintivos mais flexíveis e
fluidos, como aqueles que advogam mera diferença de grau de abstração, ou de
cunho interpretativo (uma distinção, portanto, fraca), ou de rejeitar por
completo qualquer possibilidade de distinção, pois tanto princípios como regras
pertenceriam indistintamente à categoria dos fenômenos deônticos (normativos) e
não à categoria dos fenômenos axiológicos.
Realmente,
ambos se qualificam deonticamente, porém, há sim diferenças relevantes entre os
fenômenos deônticos consubstanciados em normas que são princípios e normas que
são regras.
E,
essas diferenças, sobretudo, para os fins essenciais, procuram defender a
posição de que os princípios como mandamentos de otimização oferecem saída
teórica válida para dar conta da ponderação como procedimento racional. Dessa
forma, procura-se refutar completamente tomando por base uma releitura da
teoria de Alexy.
Quanto
as regras nunca são aplicadas diretamente via ponderação, mas o podem ser
indiretamente. Existe um fato óbvio de que, em um conflito de regras no caso
concreto, podem ser tomadas várias razões (inclusive princípios) para
justificar a inserção de certa cláusula de exceção, ou para justificar a
escolha de determinada regra em detrimento de outa (isto é, para justificar a
invalidade de uma das regras).
De
outra parte, uma regra, em certo sentido, poderia ter a sua satisfação tolhida
por um princípio, e, assim, uma regra poderia ser afastada em um caso concreto,
mesmo quando ela devesse ser aplicada.
O
contrário também pode acontecer, ou seja, um princípio, em certo sentido, pode
ter seu grau de satisfação restringido pela relevância da satisfação de certa
regra. Essas constatações em nada alteram o modo como os conflitos de regras e
as colisões entre princípios são solucionados. Com efeito, ambos os
procedimentos permanecem sendo estruturalmente distintos.
Assim,
regras sempre ou são cumpridas, ou não são cumpridas, e não podem ser aplicadas
diretamente via ponderação. O que pode ocorrer é que as regras, em certas
circunstâncias, sejam aplicadas indiretamente mediante ponderação, porque podem
ter a sua satisfação tolhida pelo grau de importância em satisfazer algum
princípio.
Na
teoria de Alexy, essas possibilidades podem ser elaboradas com maior rigor.
Essa leitura mais rigorosa Alexy dispôs em uma nota de rodapé na versão inglesa
da TDF. Nesse ponto, procuro reconstruir certos pontos que, a meu ver,
tornar-se-iam mais claros se fossem articulados.
Essa
posição é sustentada por quem se posiciona em favor da tese de que um sistema
jurídico é constituído exclusivamente por regras.
Outro
ponto aqui é que “grau de não importância de R” deve ser lido, a rigor, para
preservar a coerência interna na teoria de Alexy, como o “grau de não
importância” da realização do princípio que serve de razão (ou justificativa)
da regra R, e não como o grau de importância da regra propriamente dita.
É que,
no caso da aplicação estrita de R, é irrelevante a questão do grau de importância
de R (ou do princípio que serve de justificativa para R) na realização de
outros princípios, pois R, em sendo uma regra válida, enfatize-se, sempre
deveria ser aplicada por subsunção em toda e qualquer situação concreta.
Há
apenas duas possibilidades de reduzir objetivamente esse espaço de
discricionariedade da função jurisdicional comum: ou reduzir o espaço do
controle de constitucionalidade ao da (in)constitucionalidade formal, ou
eliminar qualquer possibilidade de a função jurisdicional comum exercer
controle de constitucionalidade. Caso não se opte por nenhuma das duas, deve-se
necessariamente restar na exigência de fundamentação explícita e detalhada das
decisões judiciais.
No
momento, não se procura avaliar se tais possibilidades são também boas
possibilidades, ou se são melhores do que a possibilidade de garantir esse
amplo espaço discricionário de decisão.
Apenas
registro que são elas as únicas hipóteses logicamente possíveis para afastar a
discricionariedade da função jurisdicional comum no controle de
constitucionalidade e para preservar a posição tradicional da delimitação
rígida entre uma função que é puramente legislativa (=criadora de Direito[16]) e outra que é puramente
jurisdicional (=aplicadora do Direito criado), ambas exercidas por órgãos
distintos dentro de uma mesma estrutura estatal.
Existe,
no entanto, uma diferença sutil, mas muito relevante, entre comandos para
otimizar e comandos para serem otimizados. Com efeito, os comandos para serem otimizados
são os princípios quando tomados como objetos de sopesamento.
Só se
otimiza um princípio quando esse princípio colide com outro princípio, ou seja,
só faz sentido falar em comandos para serem otimizados em uma situação concreta
de colisão em que um princípio limita a realização de outro. E, é precisamente
essa limitação que justifica a necessidade da otimização.
Dessa
forma, os comandos para serem otimizados representam princípios enquanto
deveres ideais, isto é, enquanto comandos para atingir estados de coisas
ideais, e que devem ser concretizados na maior medida possível (quando
convertidos em deveres reais).
De
outra parte, os comandos para otimizar não se situam no nível dos princípios
como objetos de sopesamento (enquanto princípios na iminência de serem
otimizados), mas, sim, num metanível dos princípios que têm como seu objeto de
comando os próprios comandos para serem otimizados, ou seja, dos princípios que
demandam que os comandos para serem otimizados sejam realizados na maior medida
possível.
Os
comandos para otimizar, portanto, são satisfeitos não pela exigência de serem
eles próprios otimizados, mas, sim, pela exigência de otimização dos comandos
por eles comandados.
Essa
distinção permite ver claramente que é possível admitir, dependendo da
necessidade, duas classes de princípios que não diferem em sua estrutura
lógica, mas, sim, no tipo de conteúdo que é comandado.
Enquanto,
nos comandos para serem otimizados, o conteúdo é um estado de coisas ideal, que
deve ser realizado concretamente em sua máxima medida possível, nos comandos para
otimizar o conteúdo é o próprio comando cujo conteúdo é um estado ideal de
coisas a ser perseguido.
A
objeção de que os princípios teriam uma estrutura idêntica à das regras, não
procede, pois os princípios nunca ou são otimizados ou são otimizados, já que é
admissível, no plano teórico, a otimização de dever otimizado, ou melhor, é
admissível o dever de otimizar a realização no plano concreto de um conteúdo ideal
que deve ser otimizado (no plano ideal).
O
direito contemporâneo[17] prima por buscar
parâmetros estáveis e duradouros para encontrar justiça e para superar
dramáticos óbices que são aparentemente indisponíveis dentro do ordenamento
jurídico. E, os princípios têm se revelado eficazes na tarefa hercúlea de
trazer justiça e promover a segurança jurídica.
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[1] A Constituição Federal de 1988 foi
estruturada em torno do paradigma do Estado Democrático de Direito, o que
inseriu o Brasil em uma nova dimensão do constitucionalismo. A expressão
inserida no artigo 1º, contudo, traduz um sistema complexo de conceitos e
propostas transformadoras, cuja implementação vem sendo tentada em diferentes
países há tempos, com sucesso apenas relativo. A democracia radical desejada no
pós-Segunda Guerra deu origem a uma ampla revisão das estruturas e fins do
Estado, o que permitiu avanços sociais significativos. Porém, o tempo todo o
modelo se viu contestado, realidade que se agravou no início do século XXI,
momento em que se alarga a opção por medidas de força como resposta as diferentes
crises, com a consequente fragilização de direitos fundamentais e do cânone
democrático, o que se denomina de estado de exceção permanente.
[2]
O panprincipiologismo constitui no fenômeno de produção de princípios sem
normatividade, normalmente com o fim de fundamentar decisões judiciais. No
Brasil, o panprincipiologismo é relacionado à hermenêutica neoconstitucional,
constituindo-se uma patologia desta corrente. Nesse contexto, verifica-se que a
criação destes princípios acaba por dar ar de legitimidade e racionalidade de
decisões arbitrárias de magistrados, rebelando-se da opção legislativa. Esta
prática é verificada sobretudo nas decisões do Supremo Tribunal Federal, em que
se afasta determinada norma jurídica infraconstitucional sob o argumento de
aplicação de um princípio implícito na Constituição. Busca-se, através da criação dos princípios,
em unir o Direito à moral, a caminho do realismo moral.
[3]
Estado de bem-estar social, ou welfare state, é um modelo de governo no
qual o Estado se compromete a garantir o bem-estar econômico e social da população.
O Estado de bem-estar social também é chamado de Estado-providência, pois nele
o governo adota medidas ativas para proteger a saúde e o bem-estar geral dos
cidadãos, especialmente aqueles em necessidade financeira. Quando se cogita em
Estado de Bem-Estar Social vem logo à mente uma imagem de um estado que possui
baixos níveis de desigualdades sociais, em que o emprego abarca quase todas as
pessoas, em que o seguro social é um instrumento eficaz de correção de
desigualdades, em que a população tem acesso às políticas governamentais
universais e eficientes (hospitais e escolas públicas de ótima qualidade),
enfim, uma imagem de primeiro mundo, em que a Suécia, a Suíça e os outros
países escandinavos são bons exemplos. Tal opinião sugere um determinismo
conceitual único de Estado de Bem-Estar Social. Porém, essa não é a opinião de
Esping-Andersen (1991), que defende não um único conceito, mas regimes de
Welfare States, quais sejam: a) liberais; b) conservadores, e; c)
socialdemocrata, cada um com suas especificidades.
[4]
O Estado Liberal também definido como uma espécie de terceiro desdobramento do
Estado Moderno tem três fases históricas mais ou menos determinadas. A primeira
fase remonta à Revolução Gloriosa de 1688, na Inglaterra. Neste primeiro momento,
o que se reivindicava mais especialmente eram os direitos individuais. Logo em
seguida, com a chegada da Primeira Revolução Industrial, em 1750, o próprio
capitalismo conhece um salto – agora em direção à fase industrial. Este
desenvolvimento industrial – em sua fase embrionária, limitada à indústria
têxtil inglesa - também propiciou ou estimulou tanto a Revolução Americana, de
1776, quanto a famosa Revolução Francesa de 1789 esta, mais burguesa do que a
americana. No Estado Liberal, a liberdade é condição da igualdade formal ou
legal, já sabemos, mas é preciso relembrar que ambas são componentes
fundamentais e elementares da democracia. Sem sujeito de direitos não há
liberdade e sem liberdade não há participação – por sua vez, sem envolvimento e
participação (auxiliando na formulação e aceitando as próprias regras) não há
autorização, expressão tácita, consentimento e, por fim, legitimidade do poder
e do comando. Seguindo Miranda, sem esta liberdade inerente ao sujeito de
direitos no Estado de Direito, o poder é abusivo, arbitrário, autoritário,
autocrático, aristocrático.
[5]
O pós-positivismo, como movimento de reação ao legalismo, abre-se, na
realidade, em duas vertentes. Uma delas é desenvolvida por autores que buscam
na moral uma ordem valorativa capaz de romper os limites impostos pelo
ordenamento jurídico positivo, honrando o compromisso maior que o direito tem
na justiça. Suas insuficiências seriam resolvidas mediante recurso aos valores
que, apesar de circunscritos socialmente, pretendem alcançar uma pretensão
universal. Tais iniciativas amparam-se, fundamentalmente, na argumentação capaz
de legitimar as posições assumidas pelo intérprete, assim como na idoneidade
dos mecanismos que se fazem necessários. Poderíamos indicar aqui os nomes de
Chaim Perelman, Ronald Dworkin, Jurgen Habermas e Robert Alexy, ainda que uns
assumam uma postura mais analítica (Alexy) do que outros (Dworkin). Em outra banda
encontramos os autores que abraçam o pragmatismo, como é o caso de Friedrich
Muller, Peter Harbele e Castanheira Neves, cujas teorias fundamentam-se antes na
realidade do(s) intérprete(s) e nas suas condições de concretude da norma jurídica,
do que numa ordem de valores. (In: LACOMBE, Maria Margarida. Hermenêutica e
Argumentação: uma construção ao estudo do direito. Rio de Janeiro: Renovar,
2003 p.135-136).
[6]
Thomas Samuel Kuhn (1922-1996) foi físico, historiador e filósofo da ciência
nos EUA. Seu trabalho incidiu sobre a história da ciência e a filosofia da
ciência, tornando-se um marco no estudo do processo que leva ao desenvolvimento
científico. Seu primeiro livro foi A Revolução Copernicana, publicado em 1957.
Mas foi em 1962, com a publicação do livro Estrutura das Revoluções
Científicas, que Kuhn se tornou conhecido não mais como físico, mas, sim, como intelectual
voltado para a história e a filosofia da ciência. Em uma entrevista cedida à
filósofa italiana Giovanna Borradori, no ano de 1965, em Londres, Thomas Kuhn
explica sinteticamente seu percurso acadêmico até a construção deste texto, que
se tornaria o referencial de discussão entre os filósofos da ciência. Sua
carreira inicia-se como físico e, até a defesa de sua tese de doutorado, tinha
tido poucos contatos com a filosofia. Sua justificativa para este pouco contato
com a filosofia é fundada principalmente na ocorrência da Segunda Guerra
Mundial, pois havia, segundo ele, enorme pressão para empreender carreiras
científicas e grande desprezo em relação às matérias humanísticas.
[7]
A distinção entre direito e moral, entre princípio e valor, promove uma discussão
épica na doutrina jurídica. Ao longo da história tivemos desde a necessária
relação entre as questões valorativas com o direito à total cisão entre direito
e moral. A problemática relação entre o direito e os valores morais
tradicionais é questão permanente na história da filosofia jurídica. A rigor,
desde a filosofia grega até o fim da Idade Média, é inquestionável a relação de
dependência do direito em relação à eticidade da comunidade. Toda a tradição da
filosofia moral e jurídica da Antiguidade e da Idade Média recorre aos valores
éticos da comunidade para justificar a legitimidade do direito. Assim, essa
tradição adota um conceito forte de virtude, necessário para se estabelecer a
diferenciação entre os bons cidadãos da polis, portadores do caráter moral
necessário para manter a existência pacífica e gloriosa da vida social, e os
maus cidadãos, não-virtuosos, cuja simples existência é danosa à vida coletiva.
Essa é a mensagem da república platônica: a vida coletiva deve ter como
objetivo educar todos os cidadãos para viverem de acordo com as virtudes
(temperança, coragem e sabedoria) necessárias para melhor cumprir o valor moral
supremo da cidade: a realização da Ideia de Bem. [...] Nesse contexto, o
direito deve refletir os valores éticos compartilhados pela comunidade
política, tendo por função garantir a mediação dos conflitos sociais a partir
dos valores derivados da ética compartilhada por toda a comunidade
política. É necessário garantir a
permanência dos laços orgânicos de sustentação da vida comunitária, a partir do
compartilhamento dos valores fundamentais por todos os membros do corpo social.
Para assegurar a unidade social, torna-se imperativo o uso da coerção para
impedir a possibilidade de dissenso daqueles que, por qualquer razão, deixam de
partilhar os valores da vida ética de sua comunidade. (In: ALMEIDA, Fábio
Portela de. Os princípios constitucionais entre deontologia e axiologia: pressupostos para uma teoria hermenêutica
democrática. 4. ed. São Paulo: Revista de Direito GV, 2010. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/S1808-24322008000200007
).
[8]
Robert Alexy, através das obras Teoria dos Direitos Fundamentais (2008) e
Teoria da Argumentação Jurídica (2005), consolidou a ponderação de
princípios/direitos fundamentais. A
ponderação, como veremos a seguir, subdivide-se nos campos da justificação interna
e justificação externa. A justificação interna, em poucas linhas, seria a
própria ponderação. Já a justificação externa seria responsável, através de uma
teoria da argumentação, por sustentar aquela resposta que foi encontrada
através de um procedimento racional. Já de antemão é possível percebermos que a
principal preocupação de Alexy era propor uma teoria mais analítica, preocupada
com a racionalidade do discurso e a validade do procedimento.
[9]
A colisão se resolve pela ponderação no caso concreto, mas a lei da colisão,
elaborada por Alexy, diz que, se as condições em dois casos diferentes são
iguais, deve prevalecer em ambos os casos o mesmo princípio; porém se as
condições concretas são diferentes pode prevalecer no conflito dos mesmos
princípios o outro. Para ilustrar essa teoria, Alexy cita o exemplo do alarme
de incêndio em uma escola. Neste caso,
há uma regra que determina que não é permitido sair da sala de aula antes de
soar o sinal. Há, contudo, outra regra que determina que se deve sair da sala
de aula caso soe o alarme de incêndio. Há, portanto, uma regra que proíbe e
outra que permite sair da sala de aula e ambas são regras válidas. O que fazer
diante de uma hipótese em que ambas são aplicáveis? Ou seja, o que fazer se
soar o alarme de incêndio e ainda não tiver sido tocado o sinal? Essas regras
conduzem a juízos concretos de dever-ser contraditórios entre si. E, a solução
em caso de conflito entre elas, se dá por meio da introdução de uma cláusula de
exceção em uma das regras. Assim, a máxima para a resolução desse conflito
seria expressa da seguinte forma: é proibido sair da sala de aula antes de
tocar o sinal, exceto na hipótese de soar o alarme de incêndio.
[10]
É correto afirmar, portanto, que a origem do princípio da proporcionalidade
remonta aos séculos XII e XVIII, quando na Inglaterra surgiram as teorias
jusnaturalistas propugnando ter o homem direitos imanentes a sua natureza e
anteriores ao aparecimento do Estado, e, por conseguinte, conclamando ter o
soberano o dever de respeitá-los. O professor Willis Santiago destaca que se
pode apontar como marco histórico para o surgimento desse tipo de formação
política (Estado de Direito), a Magna Charta inglesa, de 1215, na qual aparece com
toda a clareza manifestada a ideia supracitada, quando esclarece: "O homem
livre não deve ser punido por um delito menor, senão na medida desse delito, e
por um grave delito ele deve ser punido de acordo com a gravidade do
delito". Afirma, ainda, o professor Willis Santiago que essa espécie de
contrato entre Coroa e os senhores feudais é a origem do Bill of Rights,
de 1689 onde então adquirem força de lei os direitos frente à Coroa, estendidos
aos súditos em seu conjunto.
[11]
O desenvolvimento do princípio da proporcionalidade na jurisprudência alemã
ocasionou a proliferação de estudos em toda a Europa sobre o tema,
possibilitando que outros países como Suíça, Áustria, França, Itália, Espanha e
Portugal construíssem uma doutrina e jurisprudência sobre o princípio da
proporcionalidade. Na Suíça e na Áustria, o princípio da proporcionalidade
percorreu caminho semelhante ao percorrido na Alemanha, isto é, o princípio em
lume transmigrou do Direito Administrativo para o Direito Constitucional, na
limitação do poder estatal frente aos direitos fundamentais do cidadão,
conforme bem ressaltado pelos professores Paulo Bonavides, Ricardo Aziz e
Willis Santiago. Em Portugal, segundo ensinamento do professor Ricardo Aziz,
superado o período salazarista, e implantada a democracia, se inscreveu
expressamente na Constituição de 1976, pactuada entre as várias correntes
influentes após a Revolução de 1974, o princípio da proporcionalidade, nos
arts. 18, n.º 2, e 266, n.º 2 (as leis restritivas de direitos, liberdades e
garantias fundamentais devem limitar-se ao necessário), verificando-se
ainda sua presença, segundo Canotilho,
no art. 19, n.º 4 (proporcionalidade na extensão e nos meios utilizados, quando
da decretação do estado de emergência e
do estado de sítio, nos limites do estritamente necessário ao restabelecimento
da normalidade constitucional), no art. 272, n.º 1 (princípios da tipicidade e da necessidade
das medidas de polícia: só as previstas em lei e nos lindes do necessário), bem
assim no art. 266 (por obra da Lei de
Revisão Constitucional n.º 1/89), em que a proporcionalidade é consagrada como
princípio material constitutivo da administração pública.
[12]
Theodor Viehweg (1907-1988) nasceu na Alemanha e estudou direito e filosofia,
tendo exercido a profissão de juiz. Foi um dos principais nomes da Filosofia do
Direito do século XX, contribuiu para a construção de uma nova Teoria da
Argumentação Jurídica. Foi o responsável pela recuperação da tópica nos anos
cinquenta do século XX, tendo declarado ter sido influenciado por Aristóteles,
Cícero e Vico. A ideia de jurisprudência trazida em seu título não diz respeito
apenas aos precedentes e sentenças dos tribunais, mas é algo mais amplo. Capaz
de incluir toda a ciência jurídica. Apesar de que entende que o termo ciência
seria impróprio, pois o Direito seria propriamente prudência. A tópica é o
pensamento dialético de controvérsias práticas, um processo especial de
tratamento dos problemas que consiste na mobilização dos topoi sugeridos
pelas próprias controvérsias para a ponderação dos prós e dos contras das
diversas opiniões que se referem a essas controvérsias. Os topoi são,
nas palavras de Aristóteles, procedimentos padrão que se podem usar a discutir
qualquer assunto no âmbito de uma controvérsia. São lugares comuns ou
argumentos estandardizados aceitos por todos ou pela maioria ou pelos mais
qualificados. A partir desses referentes de sentido que são por todos aceitos,
estabelece-se uma argumentação com a apresentação das razões que fundamentam
uma posição e a contestação das opiniões divergentes. A tópica parte, portanto,
de um pensamento problemático como ponto de partida e procura chegar a uma
conclusão através de argumentos aceitos socialmente por quase todas as pessoas
em uma tentativa de universalizar a lógica dialética. Enquanto que com a
retórica clássica se tentava persuadir os interlocutores através da
argumentação, a tópica tenta chegar a um consenso.
[13]
A máxima da proporcionalidade é verificada pelos critérios da adequação do meio
utilizado para a persecução do fim, necessidade desse meio utilizado e a
aplicação estrito senso da proporcionalidade, isto é, da ponderação. Assim,
quando se estiver diante de uma colisão entre direitos fundamentais,
primeiramente, para solucioná-la utiliza-se da adequação do meio,
posteriormente, utiliza-se a necessidade desse meio, e em seguida, se ainda não
solucionada a colisão, a ponderação.
[14]
Alexy, em sua obra Teoria dos Direitos Fundamentais, apresenta a Lei de Colisão
para solucionar a colisão de princípios utilizando um julgado do tribunal
constitucional, que diz respeito à não realização da audiência oral tendo em
vista a saúde delicada do acusado que sofre risco de infarto. Neste caso, há
uma colisão entre o princípio da aplicação do direito penal (P1 — que obriga a
audiência oral) com o princípio de proteção do direito à vida e integridade do
acusado (P2 — que proíbe a audiência oral). A partir de então é que Robert
Alexy passa a adentrar em sua teoria, apoiando-se, essencialmente, no postulado
da proporcionalidade. A grande vantagem desse caminho escolhido é poder impedir
o esvaziamento dos direitos fundamentais sem introduzir uma rigidez excessiva.
[15]
Herbert Lionel Adolphus Hart (1907 -1992), referido como H. L. A. Hart, foi
magistrado britânico, e um notado filósofo do direito, conhecido por seu
trabalho no estudo da moral e da filosofia política. Seu trabalho mais famoso é
"O Conceito de Direito" (em inglês: The Concept of Law), de
1961, que se tornou obra de referência para a filosofia do direito de tradição
analítica. A teoria de Hart sofreu críticas tanto de moralistas como até de
seus próprios seguidores, sugerindo o aperfeiçoamento de seus conceitos. Nesse
sentido, torna-se famosa sua polêmica com representantes do moralismo jurídico
como Lon Fuller e Ronald Dworkin e até com seu pupilo Neil MacCormick. Sendo
caracterizado como perfeccionista meticuloso segundo aqueles que bem o
conheciam, o intuito do autor era o de dar respostas às muitas discussões sobre
suas obras, defendendo sua posição contra os que erroneamente o interpretaram e
até aceitando as críticas justificadas, sugerindo mudanças em sua doutrina. Um
exemplo de resposta a críticas pode ser encontrado no pós-escrito da obra “O
Conceito de Direito”, que contém respostas ponderadas a muitos argumentos de Ronald
Dworkin. Dentre as inúmeras críticas à teoria desenvolvida por Dworkin, Hart
afirma em seu pós-escrito, especificamente ao tratar do “ferrão semântico” que
em nenhum momento baseou-se na ideia errada de que faz parte do significado da
palavra direito, o argumento que lhe é imputado confunde o significado de um
conceito com os critérios para a sua aplicação. Além disso, Hart tenta
desconstruir a argumentação de Dworkin referente a sua versão do positivismo
factual como convencionalismo. Hart atesta que a sua teoria não é meramente
factual, já que seus critérios de direito admitem valores e não apenas meros
fatos e a finalidade do direito não consistiria no uso da coerção.
[16]
Diante desse contexto, Barroso alerta que “a existência de ponderação não é um
convite para o exercício indiscriminado de ativismo judicial”. É por tal razão
que ele vai destacar a necessidade de uma teoria da argumentação, na medida em
que acredita que “o controle de legitimidade das decisões obtidas mediante
ponderação tem sido feito através do exame da argumentação desenvolvida”. Nesse sentido, Barroso acredita haver três
parâmetros elementares para a demonstração racional, feita através da
argumentação jurídica, de que a solução proposta é a que mais adequadamente
realiza a vontade constitucional. Primeiramente, ele ressalta que não basta o
bom senso e o sentido de justiça pessoal para fundamentar uma decisão, é
necessário que o intérprete seja capaz de apresentar fundamentos normativos
(implícitos que sejam) que a apoiem e lhe deem sustentação. O segundo parâmetro
apontado para o controle da argumentação jurídica, diz respeito à possibilidade
de universalização dos critérios adotados pela decisão, isto é, a expectativa
de que os critérios empregados possam ser transformados em regra geral para
situações semelhantes, especialmente quando a decisão envolver ponderação. Por
fim, o terceiro parâmetro destacado por Barroso é formado por dois conjuntos de
princípios: 1º) Um composto de princípios instrumentais ou específicos de
interpretação constitucional e 2º) outro por princípios materiais propriamente
ditos, que trazem em si a carga ideológica, axiológica e finalística da ordem
constitucional. Desse modo, diante de várias soluções igualmente plausíveis, o
julgador deverá “percorrer o caminho ditado pelos princípios instrumentais e
realizar, tão intensamente quanto possível, à luz dos outros elementos em
questão, o estado ideal pretendido pelos princípios materiais”.
[17]
Não obstante as concepções de Dworkin e de Alexy sejam amplamente utilizadas na
argumentação jurídica, frequentemente se verificam distorções graves quando
empregadas a casos específicos. Os problemas da concretização dos direitos
fundamentais sociais prestacionais originários, levada a efeito com base no
sistema de ponderação de princípios de Alexy, exsurgem nítidos com a análise de
casos julgados frequentemente pelo Poder Judiciário. Por tal razão, será
desenvolvido o enfoque do tema a partir de um acórdão paradigmático, que traz à
luz a complexidade da concretização, pelo Poder Judiciário, de direitos sociais
não reconhecidos pelo legislador ordinário. In: VELLOSO, Andrei Pitten.
Racionalidade na concretização judicial de direitos sociais originários: o papel
do princípio da universalidade na ponderação de princípios. Disponível em: https://revistadoutrina.trf4.jus.br/index.htm?https://revistadoutrina.trf4.jus.br/artigos/edicao009/andrei_velloso.htm
Acesso em 17.01.2022.