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segunda-feira, 11 de dezembro de 2023

As origens da República brasileira

 


As origens da República brasileira

 

Reclamam os historiadores sobre a oitiva dos testemunhos e da dificuldade de se realizar uma reflexão crítica pois na descrição do momento traçam imagem superficial e deformada dos fatos e da dinâmica vigente naquela época.

O jaez de comprometimento do observador, a qualidade e a quantidade de informações que se dispõe influenciam na capacidade de análise, e podem mover tanto as paixões como os ódios que contaminam o depoimento.

Eis que há a regra básica da pesquisa histórica que é submeter a documentação a um crivo crítico rigoroso crítico, no entanto, tal regra é difícil de ser posta em prática e, principalmente, de ser bem-sucedida quando se trata de criticar o depoimento testemunhal.

A dificuldade é maior quando se estudam as reformas políticas, econômicas ou sociais e os processos revolucionários. Os temas que provocam controvérsias, que envolvem posições opostas, as situações históricas que produzem vencedores e vencidos e dão origem a uma documentação testemunhal contraditória.

Como é frugal, cada grupo explicou a realidade à sua maneira de forma diversa, quando não oposta aos demais, o que torna complexa a tarefa do historiador e dificulta a crítica histórica. Um mero confronto das opiniões entre si não basta para esclarecer o que se passou.

Não se trata de optar por esta versão e não por aquela, porque esta nos parece mais lógica. É preciso utilizar outros tipos de documentos mais objetivos para poder julgar o grau de veracidade da informação testemunhal.

Para que se possa entender um golpe de Estado ou uma revolução é preciso ter formações que se processam no quadro econômico, social e institucional. Foi preciso familiarizar-se com as ideias em voga.

Não basta conhecer os homens e os episódios, nem mesmo é suficiente saber quais suas opiniões e ideias, qual a sua forma de participação.

Desta forma, não basta conhecer as razões que os contemporâneos invocam, uns para justificar o movimento, outros para criticá-lo ou detê-lo. Ao estudar um golpe de Estado ou uma revolução é necessário que o historiador procure além dos atos aparentes as razões de ordem estrutural que o motivaram, e que frequentemente escapam à consciência dos contemporâneos.

É preciso questionar quais os grupos sociais que se associam para dar o golpe ou fazer uma revolução, contra quem e contra que se dirige o movimento e em favor de quem e de que, e ainda quais as forças que se aglutinam na resistência.

Registra-se que, entre os fatores da proclamação da República, a constituição etnográfica, a transição para um regime de trabalho agrícola e industrial de tipo europeu, as relações entre as nações norte-americanas, a propaganda em favor da República movida pela literatura e pelos jornais, a corrupção política e a deficiente administração do Império brasileiro, a perniciosa influência do poder pessoal, a atuação do numeroso partido republicano existente em São Paulo, Minas, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul, a repercussão da Lei Áurea, a atitude da Armada e do Exército, a má disposição em relação a um terceiro reinado e, derradeiramente, um fator desencadeante do movimento: a política levada a efeito pelo 7 de junho contra os republicanos  e as classes armadas.

Atribui grande importância à atuação do partido republicano e seus órgãos de propaganda, salientando o papel de alguns elementos, entre os quais Silva Jardim.

Afirma-se que o Ministério Ouro Preto se apresentara com tendências exclusivamente políticas, relegando a segundo plano os problemas econômicos e industriais, despertando desde o início forte oposição.

Na ocasião da apresentação do seu programa à Câmara, dois deputados fizeram profissão de fé republicana. O padre João Manuel dera vivas à República e Cesário Alvim gritara “Abaixo a Monarquia”.

Com a intenção de demonstrar a falta de prestígio da Monarquia, relatou, entre outros fatos, alguns episódios ocorridos durante uma viagem que o conde D’Eu fez ao norte do país. Silva Jardim, um jovem e ardente republicano, embarcou no mesmo navio, com o intuito de promover a propaganda republicana, recebendo por toda parte os aplausos que o povo negava ao príncipe.

Nos últimos meses de 1889 a ideia republicana recebia numerosas adesões e os conflitos entre os elementos da Guarda Negra-

 (defensores da monarquia) e os republicanos multiplicavam-se.

Analisando, finalmente, a intrincada questão militar, procura demonstrar que, ao assumir a liderança do movimento, o Exército foi o veículo das aspirações populares: “o povo selecionado no Exército foi o grande operário do movimento”.

“O povo e o Exército têm sido os maiores contribuintes da realização das aspirações nacionais.” “Provindo dos elementos mais democráticos têm conjuntamente vibrado os mesmos sentimentos e concorrido para o mesmo fim, nas grandes emergências da pátria.”

Acusou-se o imperador de ter governado só para dominar e de dividir para governar, abusando dos golpes de Estado e fazendo os conservadores realizarem as reformas propostas pelos liberais com o intuito evidente de anular os partidos.

Para comprovar essa afirmação, transcreve-se as críticas feitas por monarquistas e pela imprensa conservadora e liberal ao regime monárquico e ao imperador. Algumas críticas já tinham sido divulgadas em 1870 pelo Manifesto Republicano com o objetivo de desmoralizar o regime.

A seleção das citações é arbitrária apud Viotti da Costa: Felício Buarque reúne frases pronunciadas pelos políticos do Império em momentos de mau humor: durante as crises ministeriais, quando partidos e políticos eram atingidos pela ação do Poder Moderador.

A maioria das acusações tinha sido pronunciada durante acalorados debates parlamentares, quando os ânimos se exaltam e as palavras ultrapassam os limites das intenções.

Havia muito ressentimento dos políticos feridos na sua susceptibilidade e cerceados na sua ambição do que retratam o regime monárquico.

E, denotavam menos os desmandos da monarquia do Imperador do que a sua vulnerabilidade oriunda da instituição do Poder Moderador, em virtude do qual o imperador fora colocado no centro das disputas pessoais e partidárias, comuns ao sistema parlamentar.

Os republicanos iniciantes consideravam, entretanto, aquelas críticas justas e verdadeiras. Aos seus olhos, a Monarquia era o regime de corrupção e de arbítrio, de violência e de injustiças e sobretudo do governo do Poder Pessoal, discricionário e alheio aos interesses do povo.

Essa visão personalista e emocional dos fatos foi aceita sem restrições por alguns historiadores. Ao tentar a reconstituição da história do período exageram o papel da Coroa, atribuindo-lhe uma atuação muito maior do que ela poderia de fato ter, responsabilizando-a por todos os males, como se a vontade de um só homem pudesse explicar o processo histórico.

Não é difícil verificar através de um estudo atento da bibliografia referente ao Império e à República a persistência dessa versão. Em algumas obras esta manteve-se quase intacta, embora apareça disfarçada com as roupagens da erudição.

No estudo de Felício Buarque reside a maioria das explicações que deram os historiadores, e a partir de então, para o movimento republicano e ara a proclamação da República.

A sua versão dos fatos era a versão de um republicano, com a qual evidentemente não concordavam os monarquistas.

Os protestos de Eduardo Prado e de Afonso Celso, o retrato que da República traçaram os autores de “A década republicana”, a imagem do Império e da República pintada pelo visconde de Taunay demonstraram que havia uma interpretação diferente dos fatos. coro dos adesistas, pressurosos em demonstrar fidelidade ao novo regime. Mas a versão dos monarquistas não desapareceu.

Os adeptos do regime deposto continuaram a dar a sua interpretação dos fatos e a ela aderiram em breve os desiludidos da República. Os livros, panfletos, manifestos e protestos divulgados pela imprensa “sebastianista” registraram a versão monarquista, segundo a qual a proclamação da República não passava de um levante militar, alheio à vontade do povo.

Fora fruto da indisciplina das classes armadas que contavam com o apoio de alguns fazendeiros descontentes com a manumissão dos escravos.

Tinha sido grande equívoco. O regime monárquico dera ao país setenta anos de paz interna e externa garantindo a unidade nacional, o progresso, a liberdade e o prestígio internacional.

Uma simples parada militar substituíra esse regime por um outro instável, incapaz de garantir a segurança e a ordem ou de promover o equilíbrio econômico e financeiro e, que além de tudo, restringia a liberdade individual.

Não tinham ainda decorridos dois anos da proclamação da República e já o visconde de Ouro Preto, último ministro da Monarquia, refutava a versão dos republicanos criticando especialmente o depoimento de Cristiano Benedito Ottoni.

O retrato que faz do Império é completamente diverso daquele pintado pelos republicanos. O Império não foi a ruína, foi a conservação e o progresso. Durante meio século manteve-se íntegro, tranquilo e unido o território colonial.

Uma nação atrasada e pouco populosa converteu-se em grande e forte nacionalidade, primeira potência sul-americana, considerada e respeitada em todo o mundo. Aos esforços do Império, três povos vizinhos deviam o desaparecimento do despotismo mais cruel e aviltante. O Império foi generoso com seus adversários.

Proscreveu e aboliu de fato a pena de morte, extinguiu a escravidão, deu ao Brasil “glórias imorredouras”, paz interna, ordem, segurança, liberdade individual como jamais houve em país algum.

A síntese mais completa, nesse período, é apresentada na obra de Felício Buarque: “Origens republicanas – Estudos de gênese política”, publicada em 1894 com a intenção de refutar as afirmações feitas por Afonso Celso em “O imperador no exílio”.

Começa afirmando que a democracia no Brasil tem origens étnicas no povoamento e que o regime republicano sempre constituiu aspiração nacional.

Os tronos estavam por toda parte do mundo estavam abalados pelas transformações econômicas e sociais que, uma vez desencadeadas, determinariam necessariamente o desaparecimento do regime monárquico.

Não é muito diferente desta a ideia de Oscar Araújo ao publicar em 1893 uma pequena obra em francês sob o título L’idée républicaine au Brésil.

Enfatiza também as arbitrariedades e os abusos do Poder Moderador, considerando que a manutenção da escravidão por tantos anos, a má gestão financeira, as guerras contra nações estrangeiras são devidas mais à incapacidade do soberano, do que à incompetência de seus ministros.

Ao analisar a origem da ideia republicana, afirma que a monarquia brasileira estava isolada na América e não tinha bases no Brasil.

Atribui aos republicanos o papel principal na proclamação da República e aos militares um papel não só secundário, como acidental.

A síntese mais completa, nesse período, é apresentada na obra de Felício Buarque: “Origens republicanas – Estudos de gênese política”, publicada em 1894 com a intenção de refutar as afirmações feitas por Afonso Celso em O imperador no exílio.

Começou afirmando que a democracia no Brasil tem origens étnicas no povoamento e que o regime republicano sempre constituiu aspiração nacional.

Os tronos estavam por toda parte abalados pelas transformações econômicas e sociais que, uma vez desencadeadas, determinariam necessariamente o desaparecimento do regime monárquico.

 Como o problema originava-se de causas econômicas e sociais, sua resolução poderia ser retardada, mas nunca impedida. Partindo de uma concepção mecanicista da história, afirma que a substituição das monarquias pela forma republicana de governo “é sobretudo uma fatalidade mecânica”.

Analisando, finalmente, a questão militar, procura demonstrar que, ao assumir a liderança do movimento, o Exército foi o veículo das aspirações populares selecionado no Exército foi o grande operário do movimento”.

“O povo e o Exército têm sido os maiores contribuintes da realização das aspirações nacionais.” “Provindo dos elementos mais democráticos têm conjuntamente vibrado os mesmos sentimentos e concorrido para o mesmo fim, nas grandes emergências da pátria.”

Acusa o imperador de ter governado só para dominar e de dividir para governar, abusando dos golpes de Estado e fazendo os conservadores realizarem as reformas propostas pelos liberais com o intuito evidente de anular os partidos.

Repetindo uma opinião tantas vezes emitida, escreve: “A política do Império de feição inteiramente pessoal só visou desprestigiar os caracteres insubmissos ao servilismo e elevar os que se curvavam aos acenos do poder supremo.  Abusando das atribuições do Poder Moderador D. Pedro aniquilou a independência dos outros poderes políticos com a onipotência do seu indômito querer”.

Para comprovar essa afirmação, transcreve críticas feitas por monarquistas e pela imprensa conservadora e liberal ao regime monárquico e ao imperador. Algumas críticas já tinham sido divulgadas em 1870 pelo Manifesto Republicano com o objetivo de desmoralizar o regime.

Pois se os próprios monarquistas criticavam o regime, como duvidar que a monarquia fosse o governo pessoal, o império do arbítrio e do

O regime monárquico dera ao país setenta anos de paz interna e externa garantindo a unidade nacional, o progresso, a liberdade e o prestígio internacional.

Uma simples parada militar substituíra esse regime por um outro instável, incapaz de garantir a segurança e a ordem ou de promover o equilíbrio econômico e financeiro e, que além de tudo, restringia a liberdade individual.

Não tinham ainda decorridos dois anos da proclamação da República e, já o Visconde de Ouro Preto, último ministro da Monarquia, refutava a versão dos republicanos criticando especialmente o depoimento de Cristiano Benedito Ottoni.

O retrato que faz do Império é completamente diverso daquele pintado pelos republicanos.  

O Império não foi a ruína, foi a conservação e o progresso. Durante meio século manteve-se íntegro, tranquilo e unido o território colonial. Uma nação atrasada e pouco populosa converteu-se em grande e forte nacionalidade, primeira potência sul-americana, considerada e respeitada em todo o mundo. Aos esforços do Império, três povos vizinhos deviam o desaparecimento do despotismo mais cruel e aviltante.

O Império foi generoso com seus adversários. Proscreveu e aboliu de fato a pena de morte, extinguiu a escravidão, deu ao Brasil “glórias imorredouras”, paz interna, ordem, segurança, liberdade individual como jamais houve em país algum.

Ao lado dessas interpretações eivadas de subjetividade, apareciam outras mais serenas, porque menos comprometidas. Max Leclerc, viajante francês que percorria o Brasil por ocasião da proclamação da República, deixou suas impressões num livro que se chamou Cartas do Brasil.

 “A revolução está terminada e ninguém parece discuti-la, mas aconteceu que os que fizeram a revolução não tinham de modo algum a intenção de fazê-la e há atualmente na América um presidente da República à força.

Deodoro desejava apenas derrubar um ministério hostil. Era contra Ouro Preto, mas, não contra a Monarquia. A Monarquia caíra. Colheram-na sem esforço como um fruto maduro.”

Cogitara-se em cumplicidade dos fazendeiros, mas a seu ver a verdadeira cumplicidade era a do silêncio e da força de inércia.  “O edifício imperial, mal construído, edificado para outros tempos e outros destinos, já não bastava às necessidades dos novos tempos. Incapaz de resistir à pressão das ideias, das coisas e dos homens novos já se tornara caduco e tinha seus alicerces abalados.”

Que forças eram essas, quais os grupos novos que exigiam uma mudança de regime, Max Leclerc não cogitou, limitando-se a invocar as razões conhecidas para explicar o movimento de 15 de novembro.

Atribuiu a queda da Monarquia ao fato de o poder estar concentrado nas mãos do imperador que envelhecera perdendo o controle da situação, alude à má disposição existente em relação às perspectivas de um terceiro reinado, refere-se, enfim, a causas meramente circunstanciais.

Restam assim configuradas algumas das versões sobre a proclamação da República que acabaram por se fixar na historiografia.

Durante algum tempo, os historiadores optaram por uma ou outra versão, ora dando crédito à versão monarquista, ora à republicana. Alguns procuraram acomodar as duas versões em uma interpretação eclética, tentando conciliar as contradições.

A crise do pensamento constitucional da Primeira República trouxe turbulências políticas e instabilidades institucionais na década de 1920 que levaram ao seu fracasso como sistema político.

Em verdade o declínio do constitucionalismo liberal brasileiro seguiu uma tendência mundial e, o cenário brasileiro apresentava a grave crise e verdadeira deterioração da autoridade estatal.

Não foram, em geral, muito além do que já havia sido dito pelos contemporâneos. Os estudos parecem decalcar-se uns nos outros. Repetem as mesmas ideias, citam os mesmos fatos, transcrevem as mesmas palavras.

As primeiras doutrinas jurídicas sobre a Teoria Constitucional no momento de crise severa do discurso liberal da Primeira República e, diante do silêncio dos juristas sobre o período entre 1920 a 1930, quando a crise republicana atingiu seu clímax.

O pensamento constitucional da época era voltado à construção de ideais de uma nação que precisava se modernizar e superar o que era considerado um forte atraso histórico nos âmbitos econômico, social e institucional. E, o vácuo de poder deixado pela queda do Império e de suas instituições o que levou a comunidade jurídica a debater a extensão dos instrumentos de manutenção da ordem.

Em grande medida, o Direito Constitucional brasileiro visava consolidar a unidade do poder do Estado em um país dotado de dimensões continentais. E, assim era um desafio severo aglutinar uma nação tão plural e dispersa em vasto território, com fortes debilidades e com uma frágil infraestrutura e a solução eleita foi consolidar um sistema cuja unidade restava assentava no federalismo.

No alvorecer do século XX, deu-se o degaste da Teoria do Direito e do Pensamento Constitucional que já se fazia notar nos EUA no que se convencionou a chamar de crise do pensamento jurídico clássico

Em nosso país, o controle social e político que fazia a Federação permanecer unida dependida de instituto do estado de sítio e da intervenção federal, isto é, do uso constitucional de medidas de força por parte do governo federativo.

O uso reiterado de medidas de exceção foi a tônica dos governos republicanos e, o Direito Constitucional pouco funcionava no sentido de proteção de direitos e garantias individuais e de efetivação do controle de constitucionalidade das leis.

 Registre-se que em quase todos os governos republicanos se discutiu com profundidade sobre a natureza e os limites do estado de sítio e da intervenção federal. E, um dos principais questionamentos é o papel das garantias individuais nesse constante estado de lei marcial.

O cenário próprio de instabilidade política nos Estados da Federação elevava o descrédito da experiência republicana. Foi o caso do Rio Grande do Sul, com a Revolução de 1923, que somente teve termo com o Pacto de Pedras Altas.

A guerra civil travada entre chimangos (partidários de Borges de Medeiros) e maragatos (aliados de Assis Brasil) durou onze meses, e foi nesse momento em que houve a reorganização constitucional do Estado do Rio Grande do Sul, restando vedada, finalmente, a reeleição de Borges.

Em São Paulo, um dos símbolos da instabilidade da República foi a Revolta Paulista de 1924, o segundo grande levante tenentista.

Nos anos 1920, a Primeira República dava sinais claros de desgaste, de fadiga dos metais. Havia forte dúvida sobre a capacidade de a República oligárquica modernizar o País e reorganizar uma política efetivamente democrática.

O fenômeno do tenentismo jogou ainda mais lenha na fogueira nesses cenários de turbulências incessantes.

José de Castro Nunes foi quem talvez tenha escrito o mais consistente estudo sobre a crise da década de 1920 e as perspectivas de futuro do Brasil, definindo a experiência republicana como um “estado de sítio crônico” (NUNES, 1924), que gerava o “desamor pela liberdade”.

A recorrente decretação do estado de sítio era vista como “ação insidiosamente tóxica” que apassivava o cidadão.  A consequência era que as pessoas se habituavam a “ver no uso e no gozo dos seus direitos fundamentais uma graça do soberano”.

O jurista fluminense era enfático em definir que se tratava de uma forma de cesarismo adaptado à realidade brasileira.

Na década de 1920 o jurista Castro Nunes diagnosticou que os ideais constitucionais, não raro, estavam desnorteados em face do forte volume de arbitrariedades cometidas pelo Executivo hipertrofiado.

Entendia-se que a crise do ideal no Brasil estava longe de ser resolvida, e que o “jogo constitucional   dos poderes” seria conduzido a “golpes de reformas legislativas” (NUNES, 1924), por mais que tal remédio fosse   flagrantemente ineficaz contra os abusos de um poder hipertrofiado.

Entretanto, os excessos do Executivo ainda eram vistos como “mal menor”, que “é preciso tolerar para evitar a anarquia, a dispersão, a ineficiência administrativa” (NUNES, 1924), pois tais sintomas eram responsáveis pela “ruína das democracias novas, visceralmente turbulentas e com formidável programa econômico a realizar”.

Dentre as inúmeras preocupações dos publicistas brasileiros do começo do século, buscava-se a estrutura constitucional ideal para um país tão complexo e desigual como o Brasil.

As polêmicas que se repetiam década após década diziam respeito à lisura do processo eleitoral, à inviolabilidade do voto secreto e universal (FREIRE, 1910), à independência do Poder Judiciário, à separação de poderes e à organização de partidos políticos de âmbito nacional. 

Clamava-se pela modernização da gestão pública, apontando para o problema da corrupção e    a crônica ineficiência governamental;

Na década de 1920, estava claro para muitos juristas que a efetivação das liberdades individuais dependia de um processo eleitoral justo, leal e liso. Sampaio Doria era taxativo nesse sentido, afirmando categoricamente que o que “constitui e singulariza a forma republicana, é a eleição do chefe do Estado pelo povo”, ou seja, “o carácter eletivo da sua magistratura suprema” (DORIA, 1926).

O voto secreto era colocado como condição da liberdade. Alberico Fraga, professor de Economia Política e Direito Constitucional na Faculdade de Direito da Bahia, asseverava que “a verdade eleitoral é o princípio basilar da nossa regeneração política” (FRAGA, 1928). 

O que estava em pauta para alguns juristas como Fraga era a regeneração dos costumes políticos, tão combalidos pelas más práticas da Primeira República, e isso passava pela criação de uma “opinião nacional”, o que não se confundia com a “campanha difamatória de certa imprensa, nem pelos pronunciamentos criminosos dos quartéis, mas pelo civismo, pela vitória da lei, pela verdade do voto, pelo desprezo dos nossos maus hábitos” (FRAGA, 1928).

A consequência do processo de modernização dos hábitos da nação iria, na visão do jurista baiano, propiciar o surgimento de novos partidos, “nascidos espontaneamente dos movimentos das grandes massas eleitorais” (FRAGA, 1928).

 Foi um longo processo de sedimentação da crítica jurídica ao sistema representativo que efetivamente logrou êxito anos mais tarde no varguismo com Oliveira Vianna, Themístocles Cavalcanti, Monte Arraes, Almir de Andrade. Os diagnósticos doutrinários sobre os fracassos da República são fontes interessantes para se compreender como se deu seu ocaso.

Criticada de todos os lados, inclusive por parte de muitos daqueles que foram parte ativa desse momento histórico, a Constituição de 1891 foi duramente analisada na obra coletiva organizada por Vicente Licínio Cardoso, à margem da história da República.

A obra de Pedro Lessa talvez represente a derradeira grande tentativa de sistematizar o liberalismo jurídico brasileiro antes da Revolução de 1930.

Antônio Paim definiu a postura de Pedro Lessa como um “positivismo ilustrado”, pois contraposto às práticas autoritárias da Primeira República e, também, às doutrinas do castilhismo.

Contudo, aponta que Lessa não conseguiu jamais formular uma plataforma teórica clara capaz de superar as anomalias do sistema político.   O jurista que tentaria dar o passo à frente na defesa da doutrina do liberalismo no Brasil foi João Arruda, que assumiu à vaga de professor catedrático da Faculdade de Direito de São Paulo com a morte de Lessa em 1921.

Enfim desde sua nobre origem, a república é um ideal a se aperfeiçoar pela luta e concretização da preservação da dignidade humana, onde vige a progressiva e definitiva inclusão do cidadão superando todos os preconceitos, racismos e descriminações. A diversidade e pluralidade são as joias mais preciosas da legítima e autêntica república.

 

Referências

 

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