Resumo: O conceito de justiça
não foi pacífico, mas a contemporaneidade acendeu ainda mais a pira
epistemológica em face das incertezas constantes.
Palavras-chave: Acesso à
justiça. Justiça. Equidade. Idade Contemporânea. Axiologia.
A justiça diante de tantas
incertezas da sociedade contemporânea, onde vige um tempo de aceleradas
mudanças, quando a emergência dos poderes não institucionais produz um discurso
e uma prática de deslegitimação progressiva de qualquer forma de autoridade.
A Justiça e as instituições
são, paradoxalmente, reposicionadas no centro, como sendo último refúgio de
valores individuais, como derradeiro resgate de cidadania ou dignidade humana.
Precisamos reconhecer que o
papel do juiz contemporâneo é complexo e multifacetado dotado simultaneamente
de técnica e filosofia. Não basta a literalidade da lei, nem a extrema
sensibilidade do intérprete.
O modelo axiológico do
Iluminismo que guiou as criações
institucionais e simbólicas da modernidade fez, enfim, sedimentar valores e
referências comuns que se pensaram intemporais e, que hoje parece ceder à
urgência e à dinâmica de modelos mutantes, voláteis e de diferentes lógicas,
presentes em diferentes sistemas jurídicos. Há, realmente, a pluralidade de
várias racionalidades interpostas e superpostas.
A sociedade multifragmentada
gera constantemente novos conflitos de interesses, assim, o indivíduo segregado
e atomizado pode desmoronar a qualquer momento nas redes de segurança e, no
resguardo que bem caracteriza os modelos recentes, encontra-se a justiça
restaurativa.
Afinal, a justiça tradicional
já não consegue mais responder à grande inflação de demandas. Mesmo com a
duração razoável do processo e o advento do processo eletrônico, juizados
especiais, não consegue competir com a litigiosidade massiva e dinâmica.
Cumpre advertir que em nada
adianta, debelar a consequência, sem ir diretamente até a causa do conflito de
interesses. Não basta a judicização do social, do cultural ou
do político.
Afinal, o direito é bem mais
que o mero instrumento da ação judicial. É o apelo crescente ao judicial e a
intervenção frequente do juiz e a forte desconfiança da política perturba muito
a estrutura social contemporânea.
Não se pode admitir que a
função judicial se torne subalterna, nem que a função de aplicar a lei seja
reconduzida pelo juiz que a segunda na expressão de Montesquieu “a boca que
pronuncia as palavras da lei”.
Enfim, a Justiça atomizou-se
progressivamente, particularmente na década de oitenta do século XX
assumindo-se como poder moderador da democracia. Absorvendo a transferência da
democracia para a dimensão da decisão judicial. Por essa razão, prioriza-se o
plenário que se opõe naturalmente a decisão monocrática do relator.
O juiz tornou-se malgré lui
(apesar dele), sendo um ator político central e verdadeiro garantidor de
liberdades fundamentais, sendo forte referencial da consciência moral da vida
social, política e econômica, ou com desejar alguns, o guardador de promessas
republicanas (na expressão de Antoine Garapon).
Dentro do paradigma
federalista em se conceber os três poderes como modelos racionais ou
tipos-ideais, na linguagem weberiana. Portanto, é possível perceber que os
modelos estatais, aliados às concepções de Constituição caminham em consonância
com a predominância de um ou outro daqueles poderes constituídos, sendo que a
ascensão do Judiciário na qualidade de guardião das promessas não cumpridas
fora um resultados desta conjuntura de falha os descrédito nos dois outros
poderes.
Também a globalização
modificou a dogmática do direito, pois há uma nova ordem socioeconômica de jaez
poliédrico e multicêntrico, o que acarreta alterações na compreensão da
realidade e na capacidade da ordem jurídica para dar resposta às exigências do
tempo que se precipita em permanente futuro.
Há complexas redes normativas
que se interpenetram e mutuamente se influenciam, há novos valores, novas
dimensões e diversos conceitos. Houve as redescobertas dos princípios
fundamentais doravante dotados de dimensão operativa e que moldam a
interpretação.
Enfim, a Justiça foi convocada
a ocupar o locus central no funcionamento das democracias nas sociedades
abertas e plurais. Procura-se a justiça que seja transversal à sociedade e à
solicitação vêm dos indivíduos em busca de direitos de refúgio da dispersão e
atomização do individualismo em confronto com o totalitarismo suave das
maiorias, como do próprio Estado que criou mecanismos
defensivos tanto que se tornou um notável consumidor da justiça.
Observamos a juridização e a
judicialização em várias dimensões das relações sociais e, assim, tem-se a
maior intervenção do Estado sobre a vida individual e coletiva.
A judicialização significa que
algumas questões de expressiva repercussão política ou social estão sendo
resolvidas pelo Poder Judiciário e, não pelas instâncias políticas tradicionais
tais como o Congresso Nacional e o Poder Executivo. A judicialização no cenário brasileiro é
decorrente do modelo constitucional que se adotou e, não de um exercício
deliberado de vontade política.
Novamente, repriso que o Poder
Judiciário é devidamente provocado a
se manifestar e o faz dentro dos limites dos pedidos formulados. Portanto, aos
tribunais não há outra alternativa senão conhecer ou não das ações propostas e
se pronunciar ou não sobre o mérito, toda vez que preenchidos dos requisitos de
cabimento. Conclui-se que o Judiciário atua além de suas competências, mas
lastreado em lei.
Basta enfocarmos para o exemplo
que é a Justiça Constitucional com o julgamento da
própria lei, ou ainda, o modo de gestão administrativa, o que normalmente,
afeta a diversidade das sociedades democráticas.
A perturbação crítica sobre os
limites da intervenção judicial decorre por vezes, na linguagem menos rigorosa utilizada
em alguns momentos discursivos do uso desviante de meios processuais
disponíveis e dos instrumentos legais como modo de ação ou de confronto
político; o uso alternativo do direito penal no confronto político (ou o
deslocamento do confronto para o processo penal) o que introduz ruído e
obstáculo na dinâmica funcional dessas instituições.
A legalidade e imposição de
critérios de legalidade, controle de meios para fins alternativos constituem
instrumentos que permitirão recolocar o problema em sua verdadeira dimensão e
desconstruir os equívocos que por vezes acompanham a imputação crítica do
ativismo judicial.
Lembremos que a Justiça
representada pelo Judiciário não se pronuncia se não for solicitada, tendo,
ainda, que responder de forma fundamentada (em fatos e fundamentos jurídicos)
sempre que for decidir oficialmente.
Assim, a Justiça ficou mais
exposta à visibilidade mediática com os risos de destemporalização do imediato,
sem explicação da sobreposição de papéis.
Enfim, o lugar da Justiça
enquanto valor e instituição e, também, a função do juiz ficou, pois, central
nas democracias, porque é chamada a intervir nas suas várias dimensões, seja
nas relações entre os cidadãos, ou associações, empresas e o Estado, seja por
atuar como instituição formal de regulação política, porque traz o reequilíbrio
dos problemas e soluções para a acidade.
A Justiça assume centralidade e o consequente poder de intervenção, mas, o
poder da Justiça inquieta produz afinal o anátema do contra-poder.
O problema da justiça é
eminentemente filosófico e a ciência do direito nunca lhe deu a devida atenção.
Mas, no século XX se deu a possibilidade de haver um conceito racional de
justiça, conforme fez Hans Kelsen.
Nas democracias décadas se
multiplicaram os estudos jurídicos sobre o problema da justiça, procurando
dar-lhe um tratamento científico e metodológico.
Investigam-se como concretizar
o conceito de justiça através de normas jurídicas gerais e abstratas e das
decisões judiciais sobretudo, analisando os valores envolvidos em cada caso
concreto e, ainda, permite a ponderação à luz da proporcionalidade.
O conflito existente entre o
Direito natural e o Direito positivo veio encontrar a solução no século XX, sem
que se precise escolher entre um destes, excluindo o outro, mas sim, se
procurar colocar uma síntese dialética que contemple ambos os direitos.
Atualmente se reconhece a
possibilidade de se ter uma conceituação racional e objetiva da justiça,
deixando de ser questão puramente metafísica, para se tornar uma preocupação
prática e cotidiana de magistrados, advogados e demais operadores de direito.
Enfim, é preciso de espírito
crítico laborando para obter os acertos e os erros de cada concepção de justiça
em particular. A justiça, não é, conforme imaginava o positivismo, o elemento
irracional do Direito, mas sim, o justo oposto, por ser precisamente o fator
que lhe confere racionalidade e cientificidade e, que não constitui a razão de
ser de toda e qualquer norma jurídica, sem a qual o Direito não passaria de mero
arbítrio e força, sendo insuscetível, pois, de qualquer estudo científico
sistemático.
Entende-se o conceito de
justiça social está relacionado às desigualdades sociais e às ações voltados
para a resolução desse problema. A justiça social consiste no compromisso do
Estado e instituições governantes em buscar mecanismo para compensação de
desigualdades sociais geradas pelo mercado e pelas diferenças sociais.
O prensador que melhor
delineou a justiça social foi John Rawls que estabeleceu três pontos para se
alcançar o princípio da equidade, a saber: 1. Garantia das liberdades
fundamentais para todos; 2. Igualdade de oportunidades; 3. Manutenção de
desigualdades apenas para favorecer os mais desfavorecidos. Portanto, a justiça
social pretender promover o crescimento de um país para além das questões
econômicas.
No ordenamento jurídico pátrio
não está prevista nos artigos 4º e 5º da Lei de Introdução ao Código Civil
(Dec.-Lei 4.657/1942) e, hoje acertadamente denominada Lei de Introdução das
Normas do Direito Brasileiro.
Há dificuldade centrada em
conceber a equidade sob as formas em que pode se revestir, visto ser possível
assumir a forma integrativa e, também, a forma valorativa.
A equidade não é apenas o
abrandamento da norma em um caso concreto, como também sentimento que brota no
âmago do julgador, conforme sintetiza Sílvio Venosa.
O Ministro Luiz Fux, ao tratar
a equidade como valor, menciona que essa deve atender aos fins sociais e às exigências
do bem comum. Assim, a equidade integrativa corresponde a uma ideia de justiça
da consciência média que está presente nas comunidades. É uma justiça do caso
concreto. Aquilo que o próprio legislador diria se tivesse presente, o que
teria incluído na lei se tivesse conhecimento do caso concreto.
Já a equidade corretiva se
refere à Ética a Nicômaco, aquela que o juiz vai
aplicar quando tiver a necessidade de afastar uma injustiça que resultaria da
aplicação estrita da lei. É o caso do artigo 944, parágrafo único do Código
Civil brasileiro que afirma que o juiz poderá quando o grau de culpa for
pequeno e a extensão do dano for muito grande, fazer uma correção para não
aplicar a regra que diz que a indenização há de corresponder à extensão do dano.
No direito contemporâneo há a
equidade substitutiva, integrativa e interpretativa que possuem três funções, a
saber: na função substitutiva, a equidade constitui um instrumento posto caso a
caso pela lei à disposição do juiz para especificação em concreto dos elementos
que a norma de direito não pode resolver em abstrato. Finalmente, em sua função
interpretativa que busca estabelecer um sentido adequado para regras ou
cláusulas contratuais em conformidade com os critérios de igualdade e
proporcionalidade.
No direito processual civil
brasileiro desde o CPC de 1973, a equidade substitutiva deixou de existir. Pois
o artigo 127 do CPC/1973 traduz a ideia de equidade integrativa. Porém,
raramente vigorante e, a maioria das hipóteses previstas no Código Civil de
2002, onde o legislador fez uso da equidade integrativa.
Com precisão cirúrgica, Caio Mário da Silva Pereira advertiu sobre a equidade, in
litteris:
“É, porém, arma de dois gumes.
Se, por um lado, permite ao juiz a aplicação da lei de forma a realizar o seu
verdadeiro conteúdo espiritual, por outro lado, pode servir de instrumento às
tendências legisferantes do julgador que, pondo de lado o seu dever de aplicar
o direito positivo, com ela acoberta em desconformidade com a lei.
O juiz não pode reformar o
direito sob pretexto de julgar por equidade, em lhe é dado negar-lhe vigência
sob fundamento de que contraria o ideal de justiça. A observância da equidade,
em si, não é um mal, porém sua utilização abusiva é de todo inconveniente seu
emprego há de ser moderado, como temperamento do rigor excessivo ou amenização
da crueza da lei.”. (In: PEREIRA, Caio Mário da
Silva. Instituições de Direito Civil, volume I, 5º edição. Rio de Janeiro:
Forense, 1992, p. 57).
Apesar da dogmática inerente à equidade,
enquanto valor, ser muito clara e bem sedimentada, a equidade enquanto
instrumento hábil provoca verdadeira confusão, em todos os planos,
principalmente no foro em geral.
Em rápida pesquisa aos
arrestos civis, a utilização da equidade, sob diversos ângulos, objetivando
apresentar justiça do caso concreto, à revelia, de toda à dogmática aplicada na
equidade enquanto instrumento para suprir lacunas, excepcional e extraordinária
ao comando legal previsto no artigo 4º LRNB.
Atualmente, o comando contido
no artigo 5º da LRNB da Lei 12.376/2010 para legitimar a ampla e irrestrita
aplicação de equidade a várias situações concretas, ora seu comando é
confundido com o teor de um princípio geral do direito para legitimar sua
aplicação com base no artigo 4º do mesmo diploma legal. Em ambas as situações
ocorre o erro do exegeta.
O Direito Português em postura
de franca vanguarda optou por estabelecer limites à equidade in verbis:
“Valor da Equidade. Os Tribunais só podem resolver segundo a equidade: a)
Quando haja disposição legal que o permita; b) Quando haja acordo das partes e
a relação jurídica não seja indisponível; c) Quando as partes tenham,
previamente, convencionado o recurso à equidade, nos termos aplicáveis à
cláusula compromissória (In: Código Civil Português, Decreto- Lei 47.344, de
25.11.1966, artigo 4º).
A Justiça em Arendt aparece em
sentido equitativo e , abordou o tema a partir das experiências do
totalitarismo no regime nacional-socialista alemão (1933-1945) que utilizou o
esvaziamento normativo.
Por equidade se entende a
adequação do direito (em sentido amplo, abrangendo a Lei, a Constituição, a
Jurisprudência e os atos praticados pela administração pública) ao caso
concreto.
Lembremos que a esfera pública
é o local da igualdade na pluralidade. O social para Arendt é uma distorção. O
político vira um trabalho, uma espécie de profissão. O público passa ter a
preocupação privada e o público acaba desaparecendo.
A discussão da justiça
distributiva em saúde no Brasil tem se limitado parcialmente em interpretar o
preceito de equidade e como este deve fundamentar a orientação dada às
políticas públicas de saúde, principalmente no âmbito do SUS.
Longe de haver consenso até
mesmo dentro do debate internacional, posto que visa a progressiva redução das
desigualdades entre os cidadãos de uma sociedade democrática. O princípio da
justiça distributiva da equidade consiste em tratar igualmente os iguais e
desigualmente os desiguais.
Alguns dos filósofos
contemporâneos preocupados com a ideia de justiça são unânimes ao afirmarem que
muitas das teorias são indissociáveis ao que Rawls postulou na bíblia chamada “A
theory of justice” (1971). E, uma das
maiores preocupações de Rawls é postular princípios justos para pessoas livres,
racionais e razoáveis.
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