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segunda-feira, 11 de dezembro de 2023

As origens da República brasileira

 


As origens da República brasileira

 

Reclamam os historiadores sobre a oitiva dos testemunhos e da dificuldade de se realizar uma reflexão crítica pois na descrição do momento traçam imagem superficial e deformada dos fatos e da dinâmica vigente naquela época.

O jaez de comprometimento do observador, a qualidade e a quantidade de informações que se dispõe influenciam na capacidade de análise, e podem mover tanto as paixões como os ódios que contaminam o depoimento.

Eis que há a regra básica da pesquisa histórica que é submeter a documentação a um crivo crítico rigoroso crítico, no entanto, tal regra é difícil de ser posta em prática e, principalmente, de ser bem-sucedida quando se trata de criticar o depoimento testemunhal.

A dificuldade é maior quando se estudam as reformas políticas, econômicas ou sociais e os processos revolucionários. Os temas que provocam controvérsias, que envolvem posições opostas, as situações históricas que produzem vencedores e vencidos e dão origem a uma documentação testemunhal contraditória.

Como é frugal, cada grupo explicou a realidade à sua maneira de forma diversa, quando não oposta aos demais, o que torna complexa a tarefa do historiador e dificulta a crítica histórica. Um mero confronto das opiniões entre si não basta para esclarecer o que se passou.

Não se trata de optar por esta versão e não por aquela, porque esta nos parece mais lógica. É preciso utilizar outros tipos de documentos mais objetivos para poder julgar o grau de veracidade da informação testemunhal.

Para que se possa entender um golpe de Estado ou uma revolução é preciso ter formações que se processam no quadro econômico, social e institucional. Foi preciso familiarizar-se com as ideias em voga.

Não basta conhecer os homens e os episódios, nem mesmo é suficiente saber quais suas opiniões e ideias, qual a sua forma de participação.

Desta forma, não basta conhecer as razões que os contemporâneos invocam, uns para justificar o movimento, outros para criticá-lo ou detê-lo. Ao estudar um golpe de Estado ou uma revolução é necessário que o historiador procure além dos atos aparentes as razões de ordem estrutural que o motivaram, e que frequentemente escapam à consciência dos contemporâneos.

É preciso questionar quais os grupos sociais que se associam para dar o golpe ou fazer uma revolução, contra quem e contra que se dirige o movimento e em favor de quem e de que, e ainda quais as forças que se aglutinam na resistência.

Registra-se que, entre os fatores da proclamação da República, a constituição etnográfica, a transição para um regime de trabalho agrícola e industrial de tipo europeu, as relações entre as nações norte-americanas, a propaganda em favor da República movida pela literatura e pelos jornais, a corrupção política e a deficiente administração do Império brasileiro, a perniciosa influência do poder pessoal, a atuação do numeroso partido republicano existente em São Paulo, Minas, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul, a repercussão da Lei Áurea, a atitude da Armada e do Exército, a má disposição em relação a um terceiro reinado e, derradeiramente, um fator desencadeante do movimento: a política levada a efeito pelo 7 de junho contra os republicanos  e as classes armadas.

Atribui grande importância à atuação do partido republicano e seus órgãos de propaganda, salientando o papel de alguns elementos, entre os quais Silva Jardim.

Afirma-se que o Ministério Ouro Preto se apresentara com tendências exclusivamente políticas, relegando a segundo plano os problemas econômicos e industriais, despertando desde o início forte oposição.

Na ocasião da apresentação do seu programa à Câmara, dois deputados fizeram profissão de fé republicana. O padre João Manuel dera vivas à República e Cesário Alvim gritara “Abaixo a Monarquia”.

Com a intenção de demonstrar a falta de prestígio da Monarquia, relatou, entre outros fatos, alguns episódios ocorridos durante uma viagem que o conde D’Eu fez ao norte do país. Silva Jardim, um jovem e ardente republicano, embarcou no mesmo navio, com o intuito de promover a propaganda republicana, recebendo por toda parte os aplausos que o povo negava ao príncipe.

Nos últimos meses de 1889 a ideia republicana recebia numerosas adesões e os conflitos entre os elementos da Guarda Negra-

 (defensores da monarquia) e os republicanos multiplicavam-se.

Analisando, finalmente, a intrincada questão militar, procura demonstrar que, ao assumir a liderança do movimento, o Exército foi o veículo das aspirações populares: “o povo selecionado no Exército foi o grande operário do movimento”.

“O povo e o Exército têm sido os maiores contribuintes da realização das aspirações nacionais.” “Provindo dos elementos mais democráticos têm conjuntamente vibrado os mesmos sentimentos e concorrido para o mesmo fim, nas grandes emergências da pátria.”

Acusou-se o imperador de ter governado só para dominar e de dividir para governar, abusando dos golpes de Estado e fazendo os conservadores realizarem as reformas propostas pelos liberais com o intuito evidente de anular os partidos.

Para comprovar essa afirmação, transcreve-se as críticas feitas por monarquistas e pela imprensa conservadora e liberal ao regime monárquico e ao imperador. Algumas críticas já tinham sido divulgadas em 1870 pelo Manifesto Republicano com o objetivo de desmoralizar o regime.

A seleção das citações é arbitrária apud Viotti da Costa: Felício Buarque reúne frases pronunciadas pelos políticos do Império em momentos de mau humor: durante as crises ministeriais, quando partidos e políticos eram atingidos pela ação do Poder Moderador.

A maioria das acusações tinha sido pronunciada durante acalorados debates parlamentares, quando os ânimos se exaltam e as palavras ultrapassam os limites das intenções.

Havia muito ressentimento dos políticos feridos na sua susceptibilidade e cerceados na sua ambição do que retratam o regime monárquico.

E, denotavam menos os desmandos da monarquia do Imperador do que a sua vulnerabilidade oriunda da instituição do Poder Moderador, em virtude do qual o imperador fora colocado no centro das disputas pessoais e partidárias, comuns ao sistema parlamentar.

Os republicanos iniciantes consideravam, entretanto, aquelas críticas justas e verdadeiras. Aos seus olhos, a Monarquia era o regime de corrupção e de arbítrio, de violência e de injustiças e sobretudo do governo do Poder Pessoal, discricionário e alheio aos interesses do povo.

Essa visão personalista e emocional dos fatos foi aceita sem restrições por alguns historiadores. Ao tentar a reconstituição da história do período exageram o papel da Coroa, atribuindo-lhe uma atuação muito maior do que ela poderia de fato ter, responsabilizando-a por todos os males, como se a vontade de um só homem pudesse explicar o processo histórico.

Não é difícil verificar através de um estudo atento da bibliografia referente ao Império e à República a persistência dessa versão. Em algumas obras esta manteve-se quase intacta, embora apareça disfarçada com as roupagens da erudição.

No estudo de Felício Buarque reside a maioria das explicações que deram os historiadores, e a partir de então, para o movimento republicano e ara a proclamação da República.

A sua versão dos fatos era a versão de um republicano, com a qual evidentemente não concordavam os monarquistas.

Os protestos de Eduardo Prado e de Afonso Celso, o retrato que da República traçaram os autores de “A década republicana”, a imagem do Império e da República pintada pelo visconde de Taunay demonstraram que havia uma interpretação diferente dos fatos. coro dos adesistas, pressurosos em demonstrar fidelidade ao novo regime. Mas a versão dos monarquistas não desapareceu.

Os adeptos do regime deposto continuaram a dar a sua interpretação dos fatos e a ela aderiram em breve os desiludidos da República. Os livros, panfletos, manifestos e protestos divulgados pela imprensa “sebastianista” registraram a versão monarquista, segundo a qual a proclamação da República não passava de um levante militar, alheio à vontade do povo.

Fora fruto da indisciplina das classes armadas que contavam com o apoio de alguns fazendeiros descontentes com a manumissão dos escravos.

Tinha sido grande equívoco. O regime monárquico dera ao país setenta anos de paz interna e externa garantindo a unidade nacional, o progresso, a liberdade e o prestígio internacional.

Uma simples parada militar substituíra esse regime por um outro instável, incapaz de garantir a segurança e a ordem ou de promover o equilíbrio econômico e financeiro e, que além de tudo, restringia a liberdade individual.

Não tinham ainda decorridos dois anos da proclamação da República e já o visconde de Ouro Preto, último ministro da Monarquia, refutava a versão dos republicanos criticando especialmente o depoimento de Cristiano Benedito Ottoni.

O retrato que faz do Império é completamente diverso daquele pintado pelos republicanos. O Império não foi a ruína, foi a conservação e o progresso. Durante meio século manteve-se íntegro, tranquilo e unido o território colonial.

Uma nação atrasada e pouco populosa converteu-se em grande e forte nacionalidade, primeira potência sul-americana, considerada e respeitada em todo o mundo. Aos esforços do Império, três povos vizinhos deviam o desaparecimento do despotismo mais cruel e aviltante. O Império foi generoso com seus adversários.

Proscreveu e aboliu de fato a pena de morte, extinguiu a escravidão, deu ao Brasil “glórias imorredouras”, paz interna, ordem, segurança, liberdade individual como jamais houve em país algum.

A síntese mais completa, nesse período, é apresentada na obra de Felício Buarque: “Origens republicanas – Estudos de gênese política”, publicada em 1894 com a intenção de refutar as afirmações feitas por Afonso Celso em “O imperador no exílio”.

Começa afirmando que a democracia no Brasil tem origens étnicas no povoamento e que o regime republicano sempre constituiu aspiração nacional.

Os tronos estavam por toda parte do mundo estavam abalados pelas transformações econômicas e sociais que, uma vez desencadeadas, determinariam necessariamente o desaparecimento do regime monárquico.

Não é muito diferente desta a ideia de Oscar Araújo ao publicar em 1893 uma pequena obra em francês sob o título L’idée républicaine au Brésil.

Enfatiza também as arbitrariedades e os abusos do Poder Moderador, considerando que a manutenção da escravidão por tantos anos, a má gestão financeira, as guerras contra nações estrangeiras são devidas mais à incapacidade do soberano, do que à incompetência de seus ministros.

Ao analisar a origem da ideia republicana, afirma que a monarquia brasileira estava isolada na América e não tinha bases no Brasil.

Atribui aos republicanos o papel principal na proclamação da República e aos militares um papel não só secundário, como acidental.

A síntese mais completa, nesse período, é apresentada na obra de Felício Buarque: “Origens republicanas – Estudos de gênese política”, publicada em 1894 com a intenção de refutar as afirmações feitas por Afonso Celso em O imperador no exílio.

Começou afirmando que a democracia no Brasil tem origens étnicas no povoamento e que o regime republicano sempre constituiu aspiração nacional.

Os tronos estavam por toda parte abalados pelas transformações econômicas e sociais que, uma vez desencadeadas, determinariam necessariamente o desaparecimento do regime monárquico.

 Como o problema originava-se de causas econômicas e sociais, sua resolução poderia ser retardada, mas nunca impedida. Partindo de uma concepção mecanicista da história, afirma que a substituição das monarquias pela forma republicana de governo “é sobretudo uma fatalidade mecânica”.

Analisando, finalmente, a questão militar, procura demonstrar que, ao assumir a liderança do movimento, o Exército foi o veículo das aspirações populares selecionado no Exército foi o grande operário do movimento”.

“O povo e o Exército têm sido os maiores contribuintes da realização das aspirações nacionais.” “Provindo dos elementos mais democráticos têm conjuntamente vibrado os mesmos sentimentos e concorrido para o mesmo fim, nas grandes emergências da pátria.”

Acusa o imperador de ter governado só para dominar e de dividir para governar, abusando dos golpes de Estado e fazendo os conservadores realizarem as reformas propostas pelos liberais com o intuito evidente de anular os partidos.

Repetindo uma opinião tantas vezes emitida, escreve: “A política do Império de feição inteiramente pessoal só visou desprestigiar os caracteres insubmissos ao servilismo e elevar os que se curvavam aos acenos do poder supremo.  Abusando das atribuições do Poder Moderador D. Pedro aniquilou a independência dos outros poderes políticos com a onipotência do seu indômito querer”.

Para comprovar essa afirmação, transcreve críticas feitas por monarquistas e pela imprensa conservadora e liberal ao regime monárquico e ao imperador. Algumas críticas já tinham sido divulgadas em 1870 pelo Manifesto Republicano com o objetivo de desmoralizar o regime.

Pois se os próprios monarquistas criticavam o regime, como duvidar que a monarquia fosse o governo pessoal, o império do arbítrio e do

O regime monárquico dera ao país setenta anos de paz interna e externa garantindo a unidade nacional, o progresso, a liberdade e o prestígio internacional.

Uma simples parada militar substituíra esse regime por um outro instável, incapaz de garantir a segurança e a ordem ou de promover o equilíbrio econômico e financeiro e, que além de tudo, restringia a liberdade individual.

Não tinham ainda decorridos dois anos da proclamação da República e, já o Visconde de Ouro Preto, último ministro da Monarquia, refutava a versão dos republicanos criticando especialmente o depoimento de Cristiano Benedito Ottoni.

O retrato que faz do Império é completamente diverso daquele pintado pelos republicanos.  

O Império não foi a ruína, foi a conservação e o progresso. Durante meio século manteve-se íntegro, tranquilo e unido o território colonial. Uma nação atrasada e pouco populosa converteu-se em grande e forte nacionalidade, primeira potência sul-americana, considerada e respeitada em todo o mundo. Aos esforços do Império, três povos vizinhos deviam o desaparecimento do despotismo mais cruel e aviltante.

O Império foi generoso com seus adversários. Proscreveu e aboliu de fato a pena de morte, extinguiu a escravidão, deu ao Brasil “glórias imorredouras”, paz interna, ordem, segurança, liberdade individual como jamais houve em país algum.

Ao lado dessas interpretações eivadas de subjetividade, apareciam outras mais serenas, porque menos comprometidas. Max Leclerc, viajante francês que percorria o Brasil por ocasião da proclamação da República, deixou suas impressões num livro que se chamou Cartas do Brasil.

 “A revolução está terminada e ninguém parece discuti-la, mas aconteceu que os que fizeram a revolução não tinham de modo algum a intenção de fazê-la e há atualmente na América um presidente da República à força.

Deodoro desejava apenas derrubar um ministério hostil. Era contra Ouro Preto, mas, não contra a Monarquia. A Monarquia caíra. Colheram-na sem esforço como um fruto maduro.”

Cogitara-se em cumplicidade dos fazendeiros, mas a seu ver a verdadeira cumplicidade era a do silêncio e da força de inércia.  “O edifício imperial, mal construído, edificado para outros tempos e outros destinos, já não bastava às necessidades dos novos tempos. Incapaz de resistir à pressão das ideias, das coisas e dos homens novos já se tornara caduco e tinha seus alicerces abalados.”

Que forças eram essas, quais os grupos novos que exigiam uma mudança de regime, Max Leclerc não cogitou, limitando-se a invocar as razões conhecidas para explicar o movimento de 15 de novembro.

Atribuiu a queda da Monarquia ao fato de o poder estar concentrado nas mãos do imperador que envelhecera perdendo o controle da situação, alude à má disposição existente em relação às perspectivas de um terceiro reinado, refere-se, enfim, a causas meramente circunstanciais.

Restam assim configuradas algumas das versões sobre a proclamação da República que acabaram por se fixar na historiografia.

Durante algum tempo, os historiadores optaram por uma ou outra versão, ora dando crédito à versão monarquista, ora à republicana. Alguns procuraram acomodar as duas versões em uma interpretação eclética, tentando conciliar as contradições.

A crise do pensamento constitucional da Primeira República trouxe turbulências políticas e instabilidades institucionais na década de 1920 que levaram ao seu fracasso como sistema político.

Em verdade o declínio do constitucionalismo liberal brasileiro seguiu uma tendência mundial e, o cenário brasileiro apresentava a grave crise e verdadeira deterioração da autoridade estatal.

Não foram, em geral, muito além do que já havia sido dito pelos contemporâneos. Os estudos parecem decalcar-se uns nos outros. Repetem as mesmas ideias, citam os mesmos fatos, transcrevem as mesmas palavras.

As primeiras doutrinas jurídicas sobre a Teoria Constitucional no momento de crise severa do discurso liberal da Primeira República e, diante do silêncio dos juristas sobre o período entre 1920 a 1930, quando a crise republicana atingiu seu clímax.

O pensamento constitucional da época era voltado à construção de ideais de uma nação que precisava se modernizar e superar o que era considerado um forte atraso histórico nos âmbitos econômico, social e institucional. E, o vácuo de poder deixado pela queda do Império e de suas instituições o que levou a comunidade jurídica a debater a extensão dos instrumentos de manutenção da ordem.

Em grande medida, o Direito Constitucional brasileiro visava consolidar a unidade do poder do Estado em um país dotado de dimensões continentais. E, assim era um desafio severo aglutinar uma nação tão plural e dispersa em vasto território, com fortes debilidades e com uma frágil infraestrutura e a solução eleita foi consolidar um sistema cuja unidade restava assentava no federalismo.

No alvorecer do século XX, deu-se o degaste da Teoria do Direito e do Pensamento Constitucional que já se fazia notar nos EUA no que se convencionou a chamar de crise do pensamento jurídico clássico

Em nosso país, o controle social e político que fazia a Federação permanecer unida dependida de instituto do estado de sítio e da intervenção federal, isto é, do uso constitucional de medidas de força por parte do governo federativo.

O uso reiterado de medidas de exceção foi a tônica dos governos republicanos e, o Direito Constitucional pouco funcionava no sentido de proteção de direitos e garantias individuais e de efetivação do controle de constitucionalidade das leis.

 Registre-se que em quase todos os governos republicanos se discutiu com profundidade sobre a natureza e os limites do estado de sítio e da intervenção federal. E, um dos principais questionamentos é o papel das garantias individuais nesse constante estado de lei marcial.

O cenário próprio de instabilidade política nos Estados da Federação elevava o descrédito da experiência republicana. Foi o caso do Rio Grande do Sul, com a Revolução de 1923, que somente teve termo com o Pacto de Pedras Altas.

A guerra civil travada entre chimangos (partidários de Borges de Medeiros) e maragatos (aliados de Assis Brasil) durou onze meses, e foi nesse momento em que houve a reorganização constitucional do Estado do Rio Grande do Sul, restando vedada, finalmente, a reeleição de Borges.

Em São Paulo, um dos símbolos da instabilidade da República foi a Revolta Paulista de 1924, o segundo grande levante tenentista.

Nos anos 1920, a Primeira República dava sinais claros de desgaste, de fadiga dos metais. Havia forte dúvida sobre a capacidade de a República oligárquica modernizar o País e reorganizar uma política efetivamente democrática.

O fenômeno do tenentismo jogou ainda mais lenha na fogueira nesses cenários de turbulências incessantes.

José de Castro Nunes foi quem talvez tenha escrito o mais consistente estudo sobre a crise da década de 1920 e as perspectivas de futuro do Brasil, definindo a experiência republicana como um “estado de sítio crônico” (NUNES, 1924), que gerava o “desamor pela liberdade”.

A recorrente decretação do estado de sítio era vista como “ação insidiosamente tóxica” que apassivava o cidadão.  A consequência era que as pessoas se habituavam a “ver no uso e no gozo dos seus direitos fundamentais uma graça do soberano”.

O jurista fluminense era enfático em definir que se tratava de uma forma de cesarismo adaptado à realidade brasileira.

Na década de 1920 o jurista Castro Nunes diagnosticou que os ideais constitucionais, não raro, estavam desnorteados em face do forte volume de arbitrariedades cometidas pelo Executivo hipertrofiado.

Entendia-se que a crise do ideal no Brasil estava longe de ser resolvida, e que o “jogo constitucional   dos poderes” seria conduzido a “golpes de reformas legislativas” (NUNES, 1924), por mais que tal remédio fosse   flagrantemente ineficaz contra os abusos de um poder hipertrofiado.

Entretanto, os excessos do Executivo ainda eram vistos como “mal menor”, que “é preciso tolerar para evitar a anarquia, a dispersão, a ineficiência administrativa” (NUNES, 1924), pois tais sintomas eram responsáveis pela “ruína das democracias novas, visceralmente turbulentas e com formidável programa econômico a realizar”.

Dentre as inúmeras preocupações dos publicistas brasileiros do começo do século, buscava-se a estrutura constitucional ideal para um país tão complexo e desigual como o Brasil.

As polêmicas que se repetiam década após década diziam respeito à lisura do processo eleitoral, à inviolabilidade do voto secreto e universal (FREIRE, 1910), à independência do Poder Judiciário, à separação de poderes e à organização de partidos políticos de âmbito nacional. 

Clamava-se pela modernização da gestão pública, apontando para o problema da corrupção e    a crônica ineficiência governamental;

Na década de 1920, estava claro para muitos juristas que a efetivação das liberdades individuais dependia de um processo eleitoral justo, leal e liso. Sampaio Doria era taxativo nesse sentido, afirmando categoricamente que o que “constitui e singulariza a forma republicana, é a eleição do chefe do Estado pelo povo”, ou seja, “o carácter eletivo da sua magistratura suprema” (DORIA, 1926).

O voto secreto era colocado como condição da liberdade. Alberico Fraga, professor de Economia Política e Direito Constitucional na Faculdade de Direito da Bahia, asseverava que “a verdade eleitoral é o princípio basilar da nossa regeneração política” (FRAGA, 1928). 

O que estava em pauta para alguns juristas como Fraga era a regeneração dos costumes políticos, tão combalidos pelas más práticas da Primeira República, e isso passava pela criação de uma “opinião nacional”, o que não se confundia com a “campanha difamatória de certa imprensa, nem pelos pronunciamentos criminosos dos quartéis, mas pelo civismo, pela vitória da lei, pela verdade do voto, pelo desprezo dos nossos maus hábitos” (FRAGA, 1928).

A consequência do processo de modernização dos hábitos da nação iria, na visão do jurista baiano, propiciar o surgimento de novos partidos, “nascidos espontaneamente dos movimentos das grandes massas eleitorais” (FRAGA, 1928).

 Foi um longo processo de sedimentação da crítica jurídica ao sistema representativo que efetivamente logrou êxito anos mais tarde no varguismo com Oliveira Vianna, Themístocles Cavalcanti, Monte Arraes, Almir de Andrade. Os diagnósticos doutrinários sobre os fracassos da República são fontes interessantes para se compreender como se deu seu ocaso.

Criticada de todos os lados, inclusive por parte de muitos daqueles que foram parte ativa desse momento histórico, a Constituição de 1891 foi duramente analisada na obra coletiva organizada por Vicente Licínio Cardoso, à margem da história da República.

A obra de Pedro Lessa talvez represente a derradeira grande tentativa de sistematizar o liberalismo jurídico brasileiro antes da Revolução de 1930.

Antônio Paim definiu a postura de Pedro Lessa como um “positivismo ilustrado”, pois contraposto às práticas autoritárias da Primeira República e, também, às doutrinas do castilhismo.

Contudo, aponta que Lessa não conseguiu jamais formular uma plataforma teórica clara capaz de superar as anomalias do sistema político.   O jurista que tentaria dar o passo à frente na defesa da doutrina do liberalismo no Brasil foi João Arruda, que assumiu à vaga de professor catedrático da Faculdade de Direito de São Paulo com a morte de Lessa em 1921.

Enfim desde sua nobre origem, a república é um ideal a se aperfeiçoar pela luta e concretização da preservação da dignidade humana, onde vige a progressiva e definitiva inclusão do cidadão superando todos os preconceitos, racismos e descriminações. A diversidade e pluralidade são as joias mais preciosas da legítima e autêntica república.

 

Referências

 

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quinta-feira, 5 de outubro de 2023

Aniversário da Constituição Cidadã.

 Aniversário da Constituição Cidadã.

The Citizen Constitution Anniversary.

Autores:



Gisele Leite

Ramiro Luiz Pereira da Cruz.

 

Resumo: A Constituição federal brasileira de 1988 é um grande marco para o país e, inaugurou o maior período de democracia na história, e muitas conquistas sociais aconteceram, notadamente quanto aos direitos sociais. Como o reconhecimento de culturas como a indígena e afro-brasileira, sendo integrantes da cultura nacional. Assegura aos indígenas os direitos de preservação cultural e de demarcação de seus territórios.  Também garantiu o direito de liberdade de imprensa, a defesa do meio ambiente e da família como dever do Estado. Empreendeu novo olhar sobre a criança e adolescente concretizando sua tutela jurídica. Foi o resultado do labor da Assembleia Nacional Constituinte composta por quinhentos e cinquenta e nove parlamentares, dotada de intensa participação popular, que enviou, por meio de entidades representativas mais de oitenta mil sugestões, para que atendessem os anseios e necessidades da cidadania brasileira. Merece destaque a atuação do STF na missão de guardião da Constituição.

Palavras-chave: Constituição Federal brasileira de 1988. Direito Constitucional. Direitos Fundamentais. Garantias constitucionais. Hermenêutica Constitucional. STF.

 

Abstract: The Brazilian Federal Constitution of 1988 is a great milestone for the country and settled the greatest period of democracy in history and many social achievements have taken place, notably regarding to social rights. Such as the recognition of cultures such as indigenous and Afro-Brazilians, being members of the national culture. It guarantees indigenous people the rights to cultural preservation and demarcation of their territories. It also guaranteed the right of press freedom and expression, the defense of the environment and the family as a duty to the State. The Citizen Constitution took a new look at children and adolescents. It was the result of the National Constituent Assembly work, made up of five hundred and fifty-nine parliamentarians, with intense popular participation, which sent, through representative entities, more than eighty thousand suggestions, to meet the desires and needs of Brazilian citizenship. We must highlight the efforts of the STF (the Brazilian Superior Court) in the mission of Guardian of Constitution.

 

Keywords: Brazilian Federal Constitution of 1988. Constitutional Law. Fundamental rights. Constitutional guarantees. Constitutional Hermeneutics. STF

 

Neste dia cinco de outubro é comemorado o trigésimo-quinto aniversário de nossa Constituição Federal vigente e um significativo marco na redemocratização do país.

É o sétimo texto constitucional desde o Império. Foi batizada como a Constituição Cidadã por Ulysses Guimarães e teve como principal finalidade a inclusão social com fulcro na igualdade, estabelecendo direitos e deveres individuais e coletivos. É um importante documento promulgado em prol da liberdade, da dignidade humana, da democracia e da justiça social do Brasil.

Realmente, a Constituição Cidadã significou um marco ao garantir às futuras gerações direitos inegociáveis, dentre estes, o direito à liberdade de expressão, a liberdade de crença, direito à pluralidade e respeito às diferenças.

Restabeleceu a inviolabilidade de direitos, instituindo preceitos progressistas tais como a liberdade de expressão, de crença, a criminalização do racismo[1] e a proibição da tortura, em total contraste com os vinte e um anos de vigência do regime militar autoritário, período em que as liberdades individuais não eram respeitadas pelas autoridades.

Delineou com clareza interdependência e harmonia entre os Poderes instituídos, a saber: Executivo, Legislativo e Judiciário que representam a tríade sustentadora da República Federativa do Brasil.

Merece atencioso destaque que o caput do artigo 5º[2], pelo qual, todos são iguais perante a lei, sem a distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país, a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade.

É preciso compreender que não se trata de uma obra acabada e pronta pois já sofreu cento vinte e nove emendas. Além, das emendas constitucionais regulares, a Constituição vigente, em seu artigo 3º do seu Ato das Disposições Constitucionais transitórias (ADCT) que dispôs que deveria ser realizada uma revisão constitucional depois de cinco anos da promulgação da Constituição.

O número de promulgações de 2022 foi quase o dobro do ano recordista anterior que era de 2014, com oito emendas promulgadas. Além destes, em apenas cinco outros anos houve pelo menos seis promulgações, e dois deles também integram a legislatura atual (2019-2022). A única exceção é o ano de 2020, primeiro da pandemia de Covid-19[3]. Ao todo, a legislatura atual promulgou 29 emendas, ou 22,6% de todas as emendas constitucionais até hoje.

A última foi Emenda Constitucional nº 129, de 2023 (em 5.7.2023) que acrescenta o art. 123 ao Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, para assegurar prazo de vigência adicional aos instrumentos de permissão lotérica

Uma das principais críticas ao vigente Texto Maior é que seus belíssimos dispositivos distam em muito da realidade brasileira, desta forma, os direitos e garantias não se materializam para muitos cidadãos. Ainda tentamos implementar um projeto nacional de desenvolvimento[4].

Em razão de vasta amplitude temática, o texto constitucional vigente jamais fora consensual no país, desde sua promulgação, a sociedade resta dividida entre aqueles que simplesmente desejam derrogá-la, visando instaurar uma ordem nitidamente liberal-conservadora e, ainda, aqueles que desejam mantê-la e lutar para que seus traços fundamentais sejam concretizados e, avançar nas conquistas sociais, econômicas e políticas e, instituir um maior controle estatal sobre a economia e, portanto, maior congraçamento tanto populacional, territorial e político.

Durante os dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso (FHC) (1995 a 2002), houve novamente um período forte de contestação e reformas constitucionais de grande monta, sobretudo entre 1995 e 1998.

Apesar de que o ímpeto destas se arrefeceu ao longo do seu segundo mandato (1999 a 2002), tanto em função das crises econômica e social em curso como também por causa da aglutinação de forças políticas de oposição ao governo, que conseguiram barrar ou adiar votações importantes ao projeto liberal de reformas constitucionais.

Dessa forma, apesar das 45 (quarenta e cinco) EC (emendas constitucionais) aprovadas em seus primeiros 14 (quatorze) anos de vigência democrática, a maioria das quais com caráter claramente contrário ao espírito original das leis, pode-se dizer que houve também certa acomodação de princípios e diretrizes constitucionais relevantes aos pactos sociais e políticos de então.

É possível apontar que a estratégia social dos governos que administraram as políticas públicas brasileiras desde a CF/1988 era também um método para resolver o problema do financiamento das políticas sociais, ainda que fosse somente implícito, nunca declarado. Infelizmente, obtivemos uma “universalização restrita”, focalização sobre a pobreza, descentralização fiscal, participação social e privatização' da parte rentável das políticas sociais concorrem, conjunta e estruturalmente, para limitar as necessidades de financiamento do gasto público social, notadamente em âmbito federal, o que é também coerente e necessário à estratégia mais geral de contenção fiscal do governo em face dos constrangimentos macroeconômicos (auto) impostos pela primazia da estabilização monetária sobre qualquer outra alternativa de política econômica.

Ressalte-se que o fato de que qualquer estratégia de ampliação das políticas (e, portanto, dos gastos) sociais só pode ter efeito redistributivo mais potente se colado a uma estrutura tributária (lado da arrecadação) condizente com princípios conhecidos de justiça distributiva.

No caso concreto que estamos analisando, isso equivale a pensar uma estrutura tributária centrada sobre o patrimônio (ou seja, estoque de riqueza real e financeira, tanto de pessoas físicas como jurídicas, cuja estrutura de distribuição no Brasil é vexatória) e progressiva no que tange aos fluxos de renda.

Os setores rentáveis das políticas sociais, principalmente, previdência social, saúde, educação, cultura, esportes, trabalho e segurança pública convivem diariamente com fortes constrangimentos tecnopolíticos contrários à real universalização de seus principais programas e, assim, progressivamente se observa o crescimento normativo, regulatório e de cunho ideológico sobre essas políticas. 

Desde dos anos 1990 assistimos várias mudanças no sistema nacional de proteção social, com a justificativa de que o modelo de proteção inscrito seria muito caro para a estrutura fiscal do país, além de ser inadequado em face de propostas de reforma administrativa e do sistema econômico. O Sistema de bem-estar social que atingem as condições de regulação do mercado de trabalho e modelo de previdência social passaram por relevantes alterações institucionais.

Mesmo assim, a cobertura previdenciária pública não aumentou significativamente, não obstante o notório envelhecimento da população, em face da majoração da expectativa de vida.

Não se pode acusar a tributação brasileira de vilã, principalmente a sobre folha salaria que tem caráter regressivo, assim, os contribuintes desses programas financiam seus próprios benefícios.

Por derradeiro, nota-se que tributação sobre a renda, sobre o patrimônio à despeito da progressividade, é pouquíssimo aproveitada no país, e não há ainda a regulamentação para a tributação sobre as Grandes Fortunas[5].

Há um pequeno potencial para o combate às desigualdades sociais a partir da estrutura tributária vigente, uma vez que o princípio do autofinanciamento da política social resta enraizada no caráter liberal-conservador.

A forma pela qual se efetua a despesa pública, tem mostrado intenso e permanente deslocamento de recursos reais da área social para outras áreas do gasto federal, notadamente para a cobertura de despesas financeiras.

Desta forma, tudo o mais constante, a manter-se a função-objetivo primordial do atual governo, diante  do aniversário de 35 (trinta e cinco) anos da CF/1988, no sentido de manter superavit primários elevados para garantir o refinanciamento da dívida pública, e transmitir a sensação de credibilidade e de governabilidade em prol da estabilização monetária, duas consequências imediatas se manifestam do ponto de vista da gestão social: As políticas sociais setoriais tornam-se insuficientes, diante do quadro de restrições macroeconômicas, para combater a estrutura profunda de desigualdades da sociedade brasileira;

Os gastos sociais tradicionais tendem a se transformar (depois da infraestrutura social: saneamento e habitação) em fronteira politicamente possível do superavit primário. Tal parece ser, aliás, o objetivo de medidas tais como as contidas na EC 95/2017, bem como daquelas destinadas à desvinculação do salário mínimo como indexador dos benefícios da previdência e da assistência social, e à desvinculação que as contribuições sociais e demais impostos possuem em relação aos principais componentes do gasto social federal.

Precisamos mesmo de uma reforma tributária[6] e fiscal que estabeleça uma progressiva arrecadação e redistribuição de gasta, precisamos implementar uma economia verde, com maior ênfase em educação ambiental, desde a primeira infância, a produção e difusão de tecnologias limpas, e promotora de incentivos amplos, trazendo inovação produtiva e institucional de processos e produtos.

Talvez, se torne necessária a refundação dos Poderes Legislativo e Judiciário, trazendo o fortalecimento dos instrumentos de democracia direta e dos mecanismos coletivos de participação e deliberação, a desconcentração econômica e democratização dos meios de comunicação e também do sistema de justiça no país.

Precisamos implantar uma revolução na cultura dos direitos, com sua institucionalização e substantivação dos direitos humanos, econômicos, políticos, sociais, culturais e ambientais. Trazendo à baila uma interpretação analítica preocupada com a construção coletiva da cidadania e atualizada ao século XXI.

Recordemos o artigo 227 da Constituição Federal brasileira, considerado por especialistas em direitos da criança um resumo da Convenção sobre os Direitos da Criança, aprovado pela Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) e ratificado por 196 países em 1989, um ano após a recém promulgada Constituição brasileira.

De acordo com Pedro Hartung, coordenador do programa Prioridade Absoluta, do Instituto Alana, os debates na Constituinte para inserção deste artigo se basearam nessas discussões internacionais. “É o artigo mais importante da nossa Constituição, responsável por uma mudança paradigmática. Em nenhum outro lugar há a junção tão forte dessas palavras que colocam a criança como prioridade e abriram caminho para a aprovação do Estatuto das Crianças e Adolescentes (ECA).

O Estatuto definiu a criança e ao adolescente como sujeito de direitos e reconheceu a condição peculiar de desenvolvimento em que se encontram, reiterando a necessidade de prioridade absoluta. Para Mário, o estatuto unificou o conceito de infância, acabando com a separação que baseava o antigo código entre os “menores”, que eram aqueles em situação irregular, das demais crianças e adolescentes.

O depoimento especial, uma técnica humanizada para escuta judicial de menores, se tornou obrigatório em abril, pela Lei n. 13.431/2017. E, mesmo antes da lei que o tornou obrigatório, juízes já adotavam o depoimento especial com base na Recomendação n. 33, de 2010, do CNJ. 

O programa Pai Presente do CNJ foi implantado em 2010 e possibilitou, nos primeiros cinco anos de existência, mais de 40 mil reconhecimentos espontâneos de paternidades. O programa tem por base os Provimentos 12 e 16 da Corregedoria Nacional de Justiça, com base na Lei Federal 8.560, de 1992, e no artigo 226 da Constituição Federal, que assegura o direito à paternidade.

Pode-se citar como ponto positivo o reconhecimento das culturas indígena e afro-brasileira como partes da cultura nacional, conforme estabelecido no artigo 215. A Constituição também garante o direito de liberdade de imprensa e atribui a defesa do meio ambiente e da família como dever do Estado.

Ao longo da história constitucional brasileira, houve várias Constituições, sendo ora outorgadas e ora promulgadas pelos representantes do povo, acompanhando os momentos políticos e filosóficos pelos quais passava toda a sociedade brasileira.

Lembremos que assegurar direitos é tarefa extenuante e permanente, sendo que concretizar o texto constitucional é mesmo projeto institucional e democrático ininterrupto e, portanto, o acesso à Justiça e ao Poder Judiciário deve ser cada vez mais aberto e universalizado, assumindo ser a garantia fundamental, para levar ao conhecimento dos julgadores e tribunais as lesões e ameaças de lesão eventualmente sofridas pelos cidadãos brasileiros.

A Constituição Cidadã dedica-se à promoção da cidadania e da preservação da dignidade humana[7] e, a participação do povo na confecção do texto foi percebida fortemente, e a Assembleia Nacional Constituinte de 1987 contou com uma participação recorde inédita na história do país.

Apesar de significativa participação popular e de notáveis progressos obtidos, durante os trabalhos da constituinte surgiu um grupo suprapartidiário de forte caráter conservador, que procurou imprimir caráter conservador em pontos-chave do texto promulgado, tal grupo fora alcunhado de "centrão"[8] e, até hoje tem forte presença no Congresso Nacional.

A Constituição aniversariante garantiu a criação do (SUS) Sistema Único de Saúde que é o maior sistema público de saúde do mundo, e garante a todos os brasileiros e brasileiras o acesso aos tratamentos de saúde gratuitos, principalmente, os de baixa renda. A mesma aniversariante nos garantiu o acesso universal à educação e à cultura, a defesa do consumidor tido como um direito

fundamental dos cidadãos. Deu destaque à biodiversidade ao dedicar um capítulo inteiro ao Meio Ambiente[9], ampliou os direitos trabalhistas e sociais, bem como previu a seguridade soccial de caráter universal e o direito de greve.

Por isso, é considerada a mais liberal de todas as constituições brasileiras. Um dos pontos negativos é sua extensão, pois o texto constitucional é composto de duzentos e cinquenta artigos, sendo a maior de toda história brasileira, também é criticável o número elevado de emendas constitucionais (129). Porém, em nossa modesta opinião, há maiores pontes positivos do que negativos e, o processo de construção de nossa jovem democracia é mesmo lento, constante e progressivo.

Convém, ressaltar a importância do Supremo Tribunal Federal é o órgão de cúpula do Poder Judiciário, e a ele compete, precipuamente, a guarda da Constituição, conforme definido no art. 102 da Constituição da República.

É composto por onze Ministros, todos brasileiros natos (art. 12, § 3º, inc. IV, da CF/1988), escolhidos dentre cidadãos com mais de 35 e menos de 70 anos de idade, de notável saber jurídico e reputação ilibada (art. 101 da CF/1988), e nomeados pelo Presidente da República, após aprovação da escolha pela maioria absoluta do Senado Federal (art. 101, parágrafo único, da CF/1988).

Entre suas principais atribuições está a de julgar a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual, a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal, a arguição de descumprimento de preceito fundamental decorrente da própria Constituição e a extradição solicitada por Estado estrangeiro.

Na área penal, destaca-se a competência para julgar, nas infrações penais comuns, o Presidente da República, o Vice-Presidente, os membros do Congresso Nacional, seus próprios Ministros e o Procurador-Geral da República, entre outros (art. 102, inc. I, a e b, da CF/1988).

 Em grau de recurso, sobressaem-se as atribuições de julgar, em recurso ordinário, o habeas corpus, o mandado de segurança, o habeas data[10] e o mandado de injunção[11] decididos em única instância pelos Tribunais Superiores, se denegatória a decisão, e, em recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida contrariar dispositivo da Constituição Federal brasileira.

 A partir da Emenda Constitucional 45/2004[12], foi introduzida a possibilidade de o Supremo Tribunal Federal aprovar, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, súmula com efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal (art. 103-A da CF/1988).

O Presidente do Supremo Tribunal Federal é também o Presidente do Conselho Nacional de Justiça (art. 103-B, inc. I, da CF/1988, com a redação dada pela EC 61/2009).

Ao se defender a Constituição conseguimos garantir o primado do Direito sobre o arbítrio, da dignidade da pessoa humana sobre a barbárie e salvaguardar a democracia contra o autoritarismo. Portanto, reduzir ou esvazia a presente Carta Constitucional brasileira acarreta grave risco as garantias e direitos fundamentais historicamente conquistados pela cidadania brasileira.

A importância do STF[13] é inquestionável, seja por sua atuação contramajoritária, na tutela de direitos e garantias fundamentais mesmo contra maiorias políticas de ocasião, seja em sua missão de estabilização de conflitos federativos e na harmonização das competências dos entes federados.  Destaque-se à extrema complexidade e diversidade das matérias levadas à apreciação

da Suprema Corte, que possui, por sua própria natureza e posição na configuração institucional, capacidades institucionais limitadas para dirimir questões que envolvam assuntos que perpassam por economia, cultural, orçamento público, meio ambiente entre tantos outros temas de relevância.

Rememorando as lições deixadas por Peter Häberle[14] quando afirma que as Cortes Constitucionais não detêm a exclusividade sobre a interpretação constitucional, ao que ele chama de sociedade aberta dos intérpretes.

Então essa interpretação é compartilhada pela sociedade, pelas instituições, sejam governamentais ou não e, por todos os cidadãos. E, assim, se torna realmente relevante ampliação democrática da Justiça, exemplificando, temos a figura do amici curiae[15], que conferem maior oxigenação à jurisdição constitucional contemporânea.

A cada inclusão de direito ou de um grupo, há novas exclusões a se produzir ou se revelar de forma que a Constituição não é um texto estático, mas sim, um construto dinâmico imerso no multiverso e, exposto a permeabilidade e flexibilidade o que permite a inclusão de novas demandas, de novos direitos, e as mudanças podem ser feitas seja através da hermenêutica constitucional, seja pela natural evolução da interpretação por meio da epistemologia[16] e ontologia jurídica[17].

É memorável reconhecer que a democracia é entendida por exigir a harmonia de todos e de todas as instituições. A harmonia e o diálogo institucional são palavras mágicas que transmutam em beleza, na cultura da paz e persuade e acalma os ânimos.

Vale o registro histórico de que, principalmente nos últimos anos, houve, sim, uma ampliação dos poderes do STF no que diz respeito a sua competência para objetivar resultados de suas decisões, de modo a atingir o maior número de pessoas.

Em outras palavras, é visível um processo argumentativo em prol da abstração de seus julgados, embora isso não necessariamente tenha se dado por uma ampliação dos julgamentos em sede de controle abstrato.

Verificou-se que, seja por via das modificações legislativas, seja por intermédio de alterações jurisprudenciais, o STF tem ampliado seu campo de atuação.

São vários os exemplos:

1) a criação da Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC)[18] pela Emenda Constitucional 3/93, com sérias consequências no âmbito do controle de constitucionalidade;

2) o surgimento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF[19]), juntamente com a possibilidade de suspensão liminar de julgamentos que estejam ocorrendo em instâncias inferiores, caso apresentem matéria relacionada com o mérito da ADPF, assim como a modulação de efeitos (Leis nos 9.882/99 e 9.868/99);

3) a Emenda Constitucional no 45/2004, que introduziu a súmula vinculante e o instituto da repercussão geral;

A aplicação da repercussão geral tem o objetivo de reduzir a demanda de recursos levados ao STF, como forma de uniformizar a interpretação constitucional sem que o Supremo tenha que decidir vários casos semelhantes com a mesma questão constitucional.

Um dos objetivos do instituto da repercussão geral, implementado em 2007, foi o de diminuir a sobrecarga de processos recursais no Supremo Tribunal Federal (STF), além de aumentar a segurança jurídica, possibilitando que casos semelhantes tenham a mesma solução. Após quinze anos, e tendo passado por diversos aprimoramentos, a sistemática contribuiu para uma significativa redução do acervo do Tribunal, que tem hoje 11,4 mil ações recursais, contra 118,7 mil em dezembro de 2007.

O ex-presidente do STF, ministro Luiz Fux, considera que a atuação do colegiado do Tribunal foi decisiva para o sucesso do mecanismo, tanto na construção da jurisprudência quanto ao implementar alterações regimentais e administrativas, como a criação do Núcleo de Repercussão Geral e, posteriormente, da Secretaria de Gestão de Precedentes.

As súmulas vinculantes são instrumentos jurídicos de extrema importância para a garantia da segurança jurídica e para que as normas constitucionais sejam interpretadas e aplicadas de forma uniformizada.

A denominada “súmula vinculante” obrigará os órgãos do Poder Judiciário submetidos à jurisdição do autor da edição à sua imprescindível observância, bem como “à administração pública direta e indireta, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios”.

As cinco Súmulas Vinculantes[20] mais importantes: Súmula Vinculante 49. Ofende o princípio da livre concorrência lei municipal que impede a instalação de estabelecimentos comerciais do mesmo ramo em determinada área; Súmula Vinculante 46. A definição dos crimes de responsabilidade e o estabelecimento das respectivas normas de processo e julgamento são da competência legislativa privativa da União; Súmula Vinculante 44. Só por lei se pode sujeitar a exame psicotécnico a habilitação de candidato a cargo público; Súmula Vinculante 42. É inconstitucional a vinculação do reajuste de vencimentos de servidores estaduais ou municipais a índices federais de correção monetária; Súmula Vinculante 38. É competente o Município para fixar o horário de funcionamento de estabelecimento comercial.

 4) julgamentos em que o STF buscou, em algum momento, expandir os efeitos abstratos  ao controle difuso, como o HC no 82.959/ SP (BRASIL, 2006), referente aos crimes hediondos, os Mandados de Injunção nos 670/ES  (BRASIL, 2008a), 708/DF (BRASIL, 2008b) e  712/PA (BRASIL, 2008c), referentes ao direito  de greve do servidor público, e a Reclamação  no 4.335-5/AC, que trouxe à discussão o  conceito de “mutação constitucional”[21] a ponto  de se buscar tornar letra morta o art. 52, X, da Constituição Federal (que trata da suspensão  de efeitos de lei julgada inconstitucional pelo  STF em controle difuso, tida agora por parcela  de seus Ministros como um recurso ultrapassado); entre outros[22].

Essa nova perspectiva constitucional praticamente equaliza princípios histórica e institucionalmente consagrados pelo processo   democrático com valores (ALEXY, 1994), evidenciando a distinção entre a atividade judicante e a parlamentar torna-se nebulosa.

Discute-se se a legitimação  pelo discurso, a representação argumentativa,  ganha destaque por essa associação de “racionalidade” com defesa da Constituição, mas ela se  mostra altamente criticável quando se constata  que: 1) empiricamente, não se verifica bem essa tão alardeada defesa da Constituição pela corte  constitucional; 2) a racionalidade defendida  nesse procedimento é decorrente de uma crença  cartesiana de que método produz racionalidade  e,  é coincidente, em grande medida, com a lógica  discursiva do próprio parlamento, pois se torna  fortemente política.

Nesse derradeiro caso, tem-se um problema estrutural: se, especialmente após o giro hermenêutico, não é mais possível haver um método traga racionalidade, qual é o outro argumento que o Supremo Tribunal Federal pode utilizar em benefício de sua legitimidade para esse tipo de decisão. Sempre haverá os questionamentos para se situar e realmente garantir os valores da Constituição Cidadã.

O saudoso poeta mineiro Drummond[23] já afirmava: "Os lírios não nascem das leis"[24], portanto, o Estado Democrático de Direito é resultado tanto da sociedade como das instituições que construímos e preservamos por isso, é importante até aceitar a divergência, mas jamais, o descumprimento, conforme lecionou Ulysses Guimarães.

 

 

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[1] Apesar de tantas garantias constitucionais vigentes, o país segue sendo onde a violência às minorias sociais se faz presente no cotidiano. Segundo recente levantamento do Instituto Patrícia Galvão, uma menina ou mulher é estuprada a cada dez minutos, e três mulheres são vítimas de feminicídio a cada um dia. Cerca de vinte e seis mulheres sofrem agressão física por hora. De acordo com o Atlas da Violência de 2021, negros têm mais do que o dobro de chance de serem assassinados no Brasil.

 

[2] Não basta que o artigo 5º da Lei Maior garanta o respeito aos direitos fundamentais e nem que os direitos sociais estejam assegurados a todos os brasileiros (artigos 5º e 6º) se não houver como torna-los realidade. Normas e decisões judiciais não criam dinheiro, empregos e nem suprem as dificuldades econômicas dos estados e municípios. Nunca será demais lembrar a máxima: Ad impossibilia nemo tenetur, ou seja, “Ninguém está obrigado ao impossível”.

[3] A Suprema Corte priorizou os julgamentos individuais e colegiados de mais de sete mil processos relacionados ao tema, como os referentes a medidas sanitárias, federalismo, questões econômicas e impactos sociais. Um dos julgamentos mais destacados é o que reforçou a competência da União, dos estados e dos municípios para a adoção de medidas sanitárias e de contenção à Covid-19, de forma a minimizar os impactos econômicos e sociais da doença.

O Tribunal discutiu, também, a obrigatoriedade da vacinação contra o coronavírus. O tema vacinação não é novidade na Suprema Corte. Em 1905, julgou processo relacionado à chamada Revolta da Vacina, contra a vacinação compulsória da população para o combate à epidemia de varíola. No julgamento do HC 2244, o Tribunal, por maioria, impediu que as autoridades entrassem na residência de um cidadão para vaciná-lo compulsoriamente, ressaltando a inviolabilidade do domicílio, nos termos da Constituição Federal de 1891. Em relação à Covid-19, o STF decidiu que os estados podem estabelecer a compulsoriedade da vacinação e impor medidas restritivas ao cidadão que se recusar a se imunizar. Nesse caso, o entendimento foi que, em situações excepcionais, o direito à saúde coletiva deve prevalecer sobre os direitos individuais. Entretanto, o Tribunal ressaltou que nenhum cidadão poderá ser levado à força para vacinação (ADIs 6586 e 6587 e ARE 1267879). Na ADPF 770, o STF autorizou os estados e o Distrito Federal a importarem vacinas e adotarem seus planos de imunização.

 

 

[4] Na opinião da maioria dos juristas brasileiros, os mais importantes da vigente Constituição. Entre as garantias definidas no texto estão: * igualdade legal entre homens e mulheres; * liberdade de manifestação do pensamento e de crença religiosa; *« proibição da pena de morte no Brasil; * criação do habeas data, que assegura ao cidadão o direito a conhecer as informações relativas a ele existentes em bancos de dados públicos; * criação do mandado de injunção, que permite ao cidadão usufruir um direito previsto na Constituição mas ainda não regulamentado em lei; * instituição do mandado de segurança coletivo, que assegura às associações de classe, sindicatos e partidos políticos entrarem na Justiça para defender direitos dos seus associados; * direito à propriedade; * gratuidade, para os pobres, da emissão das certidões de nascimento e de óbito; * férias anuais remuneradas; * jornada semanal de trabalho de 44 horas; * horas-extras pagas com acréscimo de 50%, no mínimo; * direito à greve e à liberdade sindical; * licenças maternidade (120 dias) e paternidade; * e remuneração do trabalho noturno superior à do diurno. (Fonte: Agência Senado).

 

 

 

[5] O IGF está previsto na Constituição Federal de 1988, mas nunca foi devidamente regulamentado. A campanha propõe cobrar alíquotas anuais modestas: de 0,5%, para patrimônios R$ 10 milhões e R$ 40 milhões; 1%, entre R$ 40 milhões e R$ 80 milhões; e 1,5% acima de R$ 80 milhões. O Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF) está previsto na Constituição Federal de 1988, mas nunca foi regulamentado e aplicado. A cobrança já é realidade em vários países do mundo, inclusive nos vizinhos sul-americanos Argentina, Uruguai e Colômbia.

[6] De forma simplificada, a reforma tributária é um processo com o principal objetivo de simplificar o sistema tributário brasileiro, melhorando a justiça e a transparência no país. Para isso, a reforma abrange a revisão de leis já existentes e, se necessária, a criação de novas medidas fiscais, otimizando a arrecadação de impostos e auxiliando o dia a dia dos empreendedores brasileiro. A reforma tributária de 2023, por exemplo, é uma proposta de emenda à Constituição (PEC 45/19) que tem como ponto principal os impostos sobre bens e serviços, tornando o sistema brasileiro não cumulativo. Com a proposta da reforma tributária de 2023, os cinco tributos atuais sobre o consumo (IPI, PIS, Cofins, ICMS e ISS) serão substituídos por dois impostos sobre valor agregado (IVAs): o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS).

[7] O princípio da dignidade da pessoa humana pode ser entendido como a garantia das necessidades vitais de cada indivíduo. É um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito e tem sua previsão no artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal. O vigente CPC é reconhecido por um processo de constitucionalização do processo civil. Isto porque o antigo código (CPC/1973), tinha sido editado antes da Constituição Federal de 1988, de modo que não abrangia todos os fundamentos e princípios da nova Constituição. Entre as formas de integração do CPC/2015 à Constituição Federal de 1988, está inclusa a previsão da dignidade humana dentro das normas fundamentais do processo civil.

[8] O termo "centrão" não é novo, nem inédito. Foi utilizado para designar os parlamentares que formavam maioria na Assembleia Constituinte que deu origem a atual Constituição, em 1988. Em verdade, o centrão passou a ter maior destaque a partir de 2014 quando sob o comando de Eduardo Cunha (MDB-RJ) e que atuou para elegê-lo como Presidente da Câmara dos Deputados. É formado por cento setenta a duzentos e vinte deputados, de diferentes partidos, que se unem para conseguir maior influência no parlamento e defender em conjunto seus interesses. Contemporaneamente, o centrão é formado por parlamentares do PP (quarenta deputados), Republicanos (trinta e um), Solidariedade (quatorze) e o PTB (doze). Eis o que é considerado o centrão oficial, porém, em certos momentos, são acrescidos o PSD (trinta e seis deputados), MDB (trinta e quatro), DEM (vinte e oito), PROS (dez), PSC (nove), o Avante (sete) e o Patriota (seis). Por muitos estudiosos, o Centrão é relacionado à velha política e ao fisiologismo, ou seja, a atuação visando apenas ganhos dos partidos e dos políticos, inerentemente de ideologias e do interesse público.

[9] Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. Analisando-se os princípios do direito ambiental na Constituição Federal de 1988, que são: Princípio do Desenvolvimento Sustentável, Princípio do Poluidor-Pagador, Princípio da Prevenção, Princípio da Participação e Princípio da Ubiquidade. O direito fundamental ao meio ambiente equilibrado, direito difuso, de terceira geração, decorre diretamente do direito à vida, em sua acepção qualidade de vida. Ao contrário dos direitos fundamentais individuais e sociais, traz como principais características a transindividualidade, tendo por destinatário todo o gênero humano, sua desvinculação de critérios patrimoniais e o abandono da ideia tradicional de direito subjetivo, que demanda a individualização de um titular.

[10] O habeas data é um instrumento processual, constante do rol dos remédios constitucionais, que tem como finalidade garantir que a pessoa física ou jurídica tenha acesso ou promova a retificação de suas informações, que estejam registradas em banco de dados de órgão públicos ou instituições similares.  A LEI Nº 9.507, DE 12 DE NOVEMBRO DE 1997. Regula o direito de acesso a informações e disciplina o rito processual do habeas data. A edição da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) trouxe à tona inúmeras questões acerca da responsabilidade de quem coleta e armazena dados pessoais. No entanto, essa temática não é nova no Direito brasileiro. Desde a Constituição de 1988, a proteção de dados e os limites do direito à privacidade, intimidade e o acesso à informação são objeto de discussão pela doutrina e jurisprudência. A CF de 88 marcou o período de redemocratização do país. Assim, o uso de dados pessoais não pode ser feito de forma indiscriminada por instituições públicas ou privadas desde a edição da CF 88. Da mesma forma, a lei máxima garante o acesso a esses dados, evitando o uso danoso ou prejudicial ao seu titular. Nesse sentido, a CF de 88 trouxe entre suas garantias o Habeas Data, um tipo de ação que garante o acesso a informações pessoais existentes em bancos de dados públicos e privados. Além de garantir o direito da pessoa interessada em acessar registros sobre ela existentes, o Habeas Data permite a retificação de informações incorretas e complemento de dados pessoais.

[11] O mandado de injunção é uma ferramenta para fazer valer os direitos assegurados pela Constituição e que precisam de uma lei ou norma específica para serem implementados ou exercidos. Considerado um remédio constitucional, o mandado de injunção está previsto no inciso LXXI do artigo 5º da Constituição Federal de 1988. Há dois pressupostos de cabimento do mandado de injunção: quando acontece a inviabilidade de exercício de direitos e liberdades e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania, e decorrente da ausência de norma regulamentadora. O Supremo Tribunal Federal defende a competência da Justiça Federal para o julgamento do mandado de injunção, entendendo que, quando a omissão normativa for imputada à autarquia federal, a competência originária será do juiz federal. (BRASIL, QO MI n. 571-SP, 1998).

[12] A Emenda Constitucional 45 introduziu diversas mudanças na organização e no funcionamento dos Tribunais. Entre elas está a criação do CNJ e do instituto da repercussão geral. Publicada no Diário Oficial da União de 31/12/2004, a Emenda Constitucional (EC) 45, que instituiu a Reforma do Judiciário. A EC 45/2004 passou a incluir a necessidade de a questão constitucional trazida nos recursos extraordinários possuir repercussão geral para que seja analisada pelo STF. Dessa forma, o recorrente deve demonstrar que a matéria discutida no recurso é relevante do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico e que transcende os interesses das partes envolvidas. O instituto foi regulamentado pela Lei 11.418/2006, que alterou o Código de Processo Civil (CPC) de 1973. A matéria é hoje tratada pela Lei 13.105/2015 (novo CPC) e pelo Regimento Interno do STF.

[13] Em 2007, no julgamento da constitucionalidade da Lei de Biossegurança (ADI 3.510, Rel. Min. Ayres Britto), o STF realizou sua primeira audiência pública. Por meio desse mecanismo de participação social, ministros e ministras do Tribunal podem escutar opiniões e reflexões qualificadas de pessoas e entidades que, embora fora da relação processual formal, trabalham e atuam diretamente com o tema em julgamento. Nesses 14 anos, foram realizadas mais de 30 audiências públicas como relevante ferramenta de aproximação do STF com a sociedade civil. Apoiado em inovações tecnológicas, o STF se adaptou em tempo recorde aos desafios trazidos pela pandemia do coronavírus, assegurando à sociedade jurisdição ininterrupta. A tecnologia favoreceu a gestão ágil, trouxe novas ferramentas e otimizou o trabalho híbrido (presencial e remoto), com ganho de produtividade. Em breve, o cidadão terá disponível on-line todos os serviços jurisdicionais do STF, que caminha, desse modo, para se tornar a primeira Corte Constitucional 100% Digital. Junto à essa iniciativa, o laboratório Inova STF reunirá juristas, pesquisadores, desenvolvedores, estatísticos e startups na busca de novas soluções jurisdicionais e tecnológicas.

Em seu livro “A Judicialização da Vida e o Papel do Supremo Tribunal Federal”, o ministro Luís Roberto Barroso elencou 12 julgamentos do STF que considera históricos nos últimos 15 anos. Entre eles estão a proibição do nepotismo nos Três Poderes, em 2006 (ADC 12) e 2008 (RE 579951); a constitucionalidade da lei que autorizou pesquisas com células-tronco embrionárias (ADI 3510); a incompatibilidade entre a Lei de Imprensa do regime militar e a Constituição de 1988 (ADPF 130); a equiparação das uniões homoafetivas às uniões estáveis heteroafetivas (ADPF 132 e ADI 4277); o rito do procedimento de impeachment de presidente (ADPF 378); o afastamento de parlamentar do mandato de deputado federal e da Presidência da Câmara dos Deputados (AC 4070); e a possibilidade de execução da condenação penal após o julgamento em segundo grau (HC 126292, ADCs 43 e 44 e ARE 964246).

[14] Constitucionalista dos mais renomados da atualidade, com suas obras sendo objeto de reflexão e debate nos mais importantes centros universitários do mundo, Peter Häberle destaca-se por uma visão republicana e democrática da interpretação da Constituição, centrada na ideia de que uma sociedade aberta exige uma interpretação igualmente aberta de sua lei fundamental, até porque “no processo de interpretação constitucional estão potencialmente vinculados todos os órgãos estatais, todas as potências públicas, todos os cidadãos e grupos, não sendo possível estabelecer-se um elenco cerrado ou fixado com numerus clausus de intérpretes da Constituição” Nessa ordem de ideias, ele observa que a teoria da interpretação constitucional, durante muito tempo, esteve vinculada a um modelo de interpretação de uma sociedade fechada, concentrando-se primariamente na interpretação constitucional dos juízes e nos procedimentos formalizados, do que resultou empobrecido o seu âmbito de investigação. Por isso, é chegada a hora de uma virada hermenêutica radical para que a interpretação constitucional - que a todos interessa e a todos diz respeito - seja levada a cabo pela e para a sociedade aberta e não apenas pelos operadores oficiais.

[15] Amicus curiae é uma expressão em latim que significa "amigo da corte". É utilizada para designar um instituto processual cuja finalidade é fornecer informações e subsídios às decisões dos tribunais, com a apresentação de argumentos, dados e posicionamentos em memoriais que podem auxiliar na resolução de questões jurídicas relevantes. Assim como as audiências públicas, esse relevante instituto contribui para o caráter plural e democrático da tomada de decisão do STF.

[16] A epistemologia jurídica é o estudo do conhecimento jurídico que compõe as disciplinas como a teoria geral do direito, teoria geral do direito penal, da norma e do ordenamento jurídico. Estuda a estrutura do fenômeno jurídico traduzido em regras, normas, princípios, costumes, jurisprudência e doutrina. A epistemologia jurídica examina os fatores que condicionam a origem do Direito e tem como um dos seus objetivos tentar definir o seu objeto de conhecimento e afirmações. É uma área ligada à reflexão, que leva a um entendimento das várias formas de compreender o conceito de Direito.

[17] É a parte da Filosofia do Direito que estuda a essência e a razão de ser de uma lei, doutrina ou jurisprudência. Além do mais, os matizes ontológicos que nortearam a filosofia do direito sempre foram os mais variados. Tais pontos de análise buscam, cada qual ao seu modo, uma ontologia jurídica. Todavia, o problema está exatamente na necessidade ou não de uma ontologia no direito. A teoria do garantismo jurídico, elaborada por Luigi Ferrajoli28, busca unir ambas as perspectivas, a tradicional e a crítica, para buscar uma ontologia específica: a dos direitos fundamentais como base e conteúdo substancial de toda e qualquer forma de direito válido. Ferrajoli busca na teoria tradicional os conceitos de validade e de elemento formal do direito, este último extraído diretamente da teoria pura do direito. Das teorias críticas ao direito dogmático, entre as quais o direito alternativo, Ferrajoli busca uma fixação do direito não mais como forma (Kelsen), mas também com o seu elemento substancial, muito embora a ideia de legalidade está, para ele, intrínseca ao direito.

[18] A ADC tem como objetivo confirmar a constitucionalidade de uma lei federal, garantindo que ela não seja questionada por outras ações. Trata-se de um dos instrumentos que os juristas chamam de “controle concentrado de inconstitucionalidade das leis”. Apenas as seguintes pessoas e entidades podem propor uma ADC:  Presidente da República; Mesa da Câmara dos Deputados; Mesa do Senado Federal; Mesa da Assembleia Legislativa ou da Câmara Legislativa do DF; Governador de Estado ou do DF; Procurador-Geral da República; Conselho Federal da OAB; Partido Político com representação no Congresso Nacional, Confederação Sindical ou Entidade de Classe de âmbito nacional.

[19] Cabe ADPF quando não houver outro meio eficaz de sanar a lesividade a preceito da constituição. Nesse sentido, existem dois entendimentos jurídicos: O primeiro, é a corrente restritiva que diz que a subsidiariedade da ADPF abarca a impossibilidade de qualquer meio processual existente. Além de ser utilizada em casos de descumprimento de preceito fundamental, a ADPF também é considerada um instrumento de ação subsidiário, residual, pois, via de regra, quando não couber uma ADI, ADC ou qualquer outro mecanismo de controle concentrado, pode ser utilizada a ADPF. Preceitos fundamentais são os princípios e normas consideradas essenciais ao ordenamento jurídico, sejam elas implícitas ou explícitas na Constituição Federal. Desse modo, não são todos os preceitos constitucionais que podem ser objeto de uma ADPF, mas apenas aqueles considerados fundamentais, como o direito à vida, à saúde, ao meio ambiente, os direitos e garantias individuais, entre outros.

Podem propor a ADPF: o Presidente da República; a Mesa do Senado Federal; a Mesa da Câmara dos Deputados; a Mesa de Assembleia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal;  o Governador de Estado ou do Distrito Federal; o Procurador-Geral da República; o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB); o partido político com representação no Congresso Nacional;

a confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.

[20] O texto constitucional também apresenta que a súmula vinculante só será aprovada, editada ou cancelada mediante a concordância de 2/3 dos ministros do STF (ou seja, 8 dos 11 ministros). Por fim, as súmulas vinculantes podem ser criadas por iniciativa própria do STF ou a partir da provocação de terceiros.

[21] As mutações constitucionais são decorrentes das modificações do sentido, significado e alcance de algum dispositivo do texto da Constituição, modificações essas que acontecem sem os processos de emenda ou revisão. Entende que existem dois tipos de mutações constitucionais, as mutações formais e as materiais. O primeiro tipo corresponde às mutações que mesmo investindo contra o texto da Constituição, não ataca o sistema constitucional, entenda-se a idealização ordenatória idealizada na Lex Matter. A mutação constitucional é conhecida como um fenômeno capaz de modificar uma norma ou dispositivo específico em uma Constituição sem que se modifique o seu texto. Compreende-se, assim, que há de fato uma reinterpretação para atender a um novo contexto social demandado pela necessidade da sociedade.

[22] A mutação constitucional é a possibilidade de alterar o sentido de uma norma sem precisar fazer uma mudança expressa no texto. Ou seja, a interpretação dada a um determinado artigo vai se adequar às transformações do tempo, sem que haja uma intervenção direta nele; seu teor permanece inalterado, mas o sentido é novo. Casos em que o STF fez uso da mutação constitucional. A Constituição Federal trata do reconhecimento da união estável como entidade familiar em seu artigo 226, § 3º, ao dispor que: “Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento”. Em uma análise literal, parece que a única relação contemplada é a entre homem e mulher, mas não é esse o caso. O sentido desse artigo foi modificado há anos. O STF, em 2011, deu interpretação conforme a Constituição para reconhecer a união estável também entre casais do mesmo sexo. Perceba que não houve nenhuma alteração na norma constitucional. Ela ainda aparenta contemplar apenas a relação entre o homem e a mulher. Contudo, em termos práticos, por força da decisão da Suprema Corte, a união estável dentro de relacionamentos homoafetivos é igualmente reconhecida há mais de uma década. De igual modo, também houve alteração no artigo 5º, inciso XI da Constituição Federal, que prevê que: “a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial”. A mudança promovida foi na interpretação do conceito de casa. Isso porque, numa análise prévia, a casa mencionada neste artigo parece tratar apenas da residência em que o indivíduo vive, certo? Não é o caso, no entanto. O STF entende há anos que, para fins de proteção jurídica, o conceito de “casa” é muito mais abrangente do que parece, abarcando qualquer aposento de habitação coletiva que esteja ocupado. Inclusive, se você estiver hospedado em um hotel, esse local está incluso na proteção do artigo mencionado acima e também será considerado inviolável, com todas as proteções inerentes.

[23] “Este é tempo de partido,

tempo de homens partidos.

Em vão percorremos volumes,

viajamos e nos colorimos.

A hora pressentida esmigalha-se em pó na rua.

Os homens pedem carne. Fogo. Sapatos.

As leis não bastam. Os lírios não nascem

da lei. Meu nome é tumulto, e escreve-se na pedra.”

(Carlos Drummond de Andrade)

[24] Ao falar em “lírios” que não nascem das “leis”, o autor refere-se ao incômodo com a estrutura burocrática que controla a liberdade das pessoas, censurando as nações que buscam os lírios da paz por meio das leis de guerra e exploração capitalista. Quando Drummond diz "os lírios não nascem da lei", quer dizer "os legisladores não podem decretar a felicidade" –ela é uma conquista, não uma dádiva. Em "Quadrilha", quando o poeta, irônico, diz que "Lili casou com J. Pinto Fernandes, que não tinha entrado na história", ela casou-se por interesse, tanto que o marido só tem sobrenome.