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quarta-feira, 21 de fevereiro de 2024

Limites da obediência hierárquica em face do Direito.

 

Limites da obediência hierárquica em face do Direito.


Limits of hierarchical obedience in the face of Law.

 

Resumo: A obediência hierárquica constitui dirimente penal que determina exclusão da culpa do agente de um crime. Mas, há tratamento diferenciado entre o Direito Penal e o Direito Penal Militar. A obediência hierárquica sob o prisma do Direito Administrativo é gerada em face do dever de obediência do agente público, em que este impõe ao servidor o acatamento às ordens legais de seus superiores e sua fiel execução. Na Administração Pública Militar é especificamente apoiada em fundamento constitucional e infraconstitucional ex vi o artigo 42 da CF/1988 e, ainda os artigos 1 e 9 da Lei Complementar Estadual 893/2001. Trata-se de um tema que constitui uma antinomia inconcebível entre o código penal comum e o militar. O texto explora os limites da obediência hierárquica e, as dúvidas existentes sobre a legalidade ou moralidade do comando recebido.

Palavras-chave. Direito Penal. Direito Penal Militar. Constituição Federal Brasileira de 1988. Excludente de culpabilidade. Obediência hierárquica.

 

Abstract: Hierarchical obedience constitutes a criminal ruling that determines the exclusion of the agent's guilt from a crime. However, there is different treatment between Criminal Law and Military Criminal Law. Hierarchical obedience from the perspective of Administrative Law is generated in the face of the public agent's duty of obedience, in which he imposes on the public servant the compliance with the legal orders of his superiors and their faithful execution. In Military Public Administration, it is specifically supported by constitutional and infraconstitutional foundations ex vi article 42 of CF/1988 and also articles 1 and 9 of State Complementary Law 893/2001. This is a topic that constitutes an inconceivable antinomy between the common criminal code and the military one. The text explores the limits of hierarchical obedience and the doubts that exist about the legality or morality of the command received.

Key words. Criminal Law. Military Criminal Law. Brazilian Federal Constitution of 1988. Exclusion of guilt. Hierarchical obedience.

 

Parece bastante óbvio que existem limites da obediência hierárquica seja no Direito Penal, ou mesmo outros ramos jurídicos. Aliás, é tema pouco analisado nas linhas acadêmicas.

Em verdade, o vigente e vetusto Código Penal brasileiro omite-se sobre preciosos aspectos que podem justificar a isenção de pena do agente.

O que, de fato, se traduz em incongruência, mas a doutrina e jurisprudência pátria trazem os limites que firmam a excludente de culpabilidade sob a justificativa da obediência hierárquica.

Curiosamente, podemos perceber que há tratamento diverso quando se tratar de direito penal militar, o que faz surgir a necessidade de se questionar se realmente materializa-se a referida excludente de culpabilidade.

"O art. 65, III, 'c', do CP, trata de situações onde a culpabilidade do agente, embora não excluída, deve merecer um abrandamento. A primeira delas é o verso de agravante no concurso de pessoas, ou seja, da relação entre coator e coato, cuidando-se, in casu, de coação a que podia resistir. (...) para o coator há a incidência da mencionada agravante (art. 62, II, do CP).

Para o coato, se irresistível, haverá a exclusão da conduta (coação física) ou da culpabilidade (coação moral); se resistível, tanto a física quanto a moral, diminuem-se a sua reprovabilidade.

A grande questão abordada gira em torno da aferição do nível de resistibilidade da coação, que somente pode ser verificado no caso concreto.

A segunda parte do dispositivo veicula outra hipótese antagônica da agravante da determinação para que alguém sob sua autoridade pratique o crime (art. 62, III, do CP).

A propósito, ao estudar as hipóteses exculpantes, pode-se observar que o cumprimento de ordem não manifestamente ilegal de superior hierárquico acarreta a inexigibilidade de conduta diversa (art. 22, 2ª parte, do CP).

No entanto, se a ordem for ilegal o agente deve se abster de realizá-la; se o faz, associa-se criminosamente àquele que a determinou, mas a lei penal abranda a sua reprovabilidade (circunstância atenuante) em razão da influência da hierarquia[1] e disciplina no serviço público.

A parte final do art. 65, III, 'c', do CP, diz respeito aos chamados delitos passionais, isto é, aos atos praticados em razão de forte descarga emocional em reação a injusta provocação da vítima. O arrebato das emoções, em geral violentas, não altera a normalidade de entender e de querer, que é a substância da imputabilidade (art. 28, I, do CP), mas permite a diminuição da reprovabilidade. A influência diferencia-se do domínio apenas por sua menor intensidade.

Nesse sentido, o homicídio ou a lesão corporal praticadas sob o domínio de violência emoção acarreta as formas privilegiadas dos arts. 121, § 1º, e 129, § 4º, do CP. Atente-se, ainda, que a atenuante sob consideração não alude a um vínculo de proximidade temporal (não se exige “o logo após”), mas este parece inerente à relação de causa e efeito exigida entre o ato injusto da vítima e a reação explosiva do agente.

A eventual solução de continuidade entre um e outro poderá empiricamente descaracterizar a presente atenuante. Por seu turno, ato injusto da vítima embora possa não ser, necessariamente, ato criminoso, é uma atitude não amparada pelo Direito, o que corrobora o tratamento menos severo ao infrator.

Por fim, não há que confundir a injusta provocação da vítima com a injusta agressão, pois, no último caso, poderá acarretar a excludente de antijuridicidade da legítima defesa, desde que presentes os demais requisitos do art. 25, do CP." (In: SOUZA, Artur de Brito Gueiros; JAPIASSÚ, Carlos Eduardo Adriano. Curso de Direito Penal: Parte Geral: arts. 1º a 120. 2ª. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015. p. 512-513).

A presente modesta análise pauta-se em que não se pode admitir a exclusão de culpabilidade do agente que pratica fato em estrita obediência à ordem manifestamente ilegal, considerando-se não apenas os contornos da legalidade da ordem emitida, mas também, o aspecto moral, o que é sustentado por quase toda a doutrina pátria.

Se, entretanto, a ordem for manifestamente ilegal, mandante e executor respondem pela infração penal, pois se caracteriza o concurso de agentes. Ambos sabem do caráter ilícito da conduta e contribuem para o resultado.

Para o superior hierárquico, incide a agravante genérica descrita pelo art. 62, III, 1.ª parte, do Código Penal. E, no tocante ao subalterno, aplica-se a atenuante genérica delineada pelo art. 65, III, 'c' (em cumprimento[2] de ordem de autoridade superior), do Código Penal.

Na análise da legalidade ou ilegalidade da ordem, quando deve ser considerado o perfil subjetivo do executor, e não os dados comuns ao homem médio (homo medius)[3], porque se trata de questão afeta à culpabilidade, na qual sempre se consideram as condições pessoais do agente, para se concluir se é ou não culpável." (MASSON, Cleber. Direito Penal: Parte Geral: arts. 1.º a 120. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2013. v. 1. p. 511-513). (grifos no original)

Acredita-se que a referida omissão legislativa no CP brasileiro vem a incentivar não apenas a prática de atos bárbaros, mas, garantir-lhe a proteção da impunidade.

A obediência hierárquica é disciplinada exatamente no artigo 22 do Código Penal brasileiro in litteris: "se o fato é cometido sob coação[4] irresistível ou em estrita obediência à ordem, não manifestamente ilegal, de superior hierárquico, só é punível o autor da coação ou da ordem". Assim, o subordinado cumpridor da ordem tem sua culpabilidade limada e excluída, restando isento de pena.

A caracterização da dirimente em apreço depende da verificação dos seguintes requisitos, a saber:

1) Ordem não manifestamente ilegal: é aquela de aparente legalidade, em face da crença de licitude que tem um funcionário público subalterno ao obedecer ao mandamento de superior hierárquico, colocado nessa posição em razão de possuir maiores conhecimentos técnicos ou por encontrar-se há mais tempo no serviço público. (...)

Daí cogitar-se que a obediência hierárquica representa uma fusão do erro de proibição (acarreta no desconhecimento do caráter ilícito do fato) com a inexigibilidade de conduta diversa (não se pode exigir do subordinado comportamento diferente).

Se a ordem for legal, não há crime, seja por parte do superior hierárquico, seja por parte do subalterno. Em verdade, a atuação deste último, estará acobertada pelo estrito cumprimento do dever legal, causa de exclusão da ilicitude prevista no art. 23, III, do Código Penal.

2) Ordem originária de autoridade competente: o mandamento emana de funcionário público legalmente competente para fazê-lo. O cumprimento de ordem advinda de autoridade incompetente pode, no caso concreto, resultar no reconhecimento de erro de proibição invencível ou escusável.

3) Relação de Direito Público: a posição de hierarquia que autoriza o reconhecimento da excludente da culpabilidade somente existe no Direito Público. Não é admitida no campo privado, por falta de suporte para punição severa e injustificada àquele que descumpre ordem não manifestamente ilegal emanada de seu superior.

Essa hierarquia, exclusiva da área pública, é mais frequente entre os militares. O descumprimento de ordem do superior na seara castrense caracteriza motivo legítimo para prisão disciplinar, ou, até mesmo, crime tipificado pelo art. 163 do Código Penal Militar.

4) Presença de três pessoas: envolve o mandante da ordem (superior hierárquico), seu executor (subalterno) e a vítima do crime por este praticado.

5) Cumprimento estrito da ordem: o executor não pode ultrapassar, por conta própria, os limites da ordem que lhe foi endereçada, sob pena de afastamento da excludente.

A propósito, dispõe o art. 38, § 2.º, do Código Penal Militar: “Se a ordem do superior tem por objeto a prática de ato manifestamente criminoso, ou há excesso nos atos ou na forma de execução, é punível também o inferior”. (...)

As lições do doutrinador Guilherme Nucci (2017) informam que há requisitos que caracterizam a obediência hierárquica. Há a existência de ordem não manifestamente ilegal, isto é, de duvidosa legalidade, o que já caracteriza a excludente como misto de inexigibilidade de outra conduta com o erro de proibição.

Novamente, é evidente que a ordem precisa ser emanada por autoridade competente. E, excepcionalmente, cumpre-se a ordem de autoridade incompetente, poder-se-á configurar erro de proibição escusável.

Há, teoricamente, três partes envolvidas, a saber: o superior, o subordinado e a vítima. Ainda, se exige a relação de subordinação hierárquica existente entre o mandante e o executor, tudo de acordo com estrito cumprimento da ordem. Relevante, verificar também se existe proporcionalidade entre o comando expresso e o resultado atingido ou desejado.

Outra diferença igualmente fundamental é saber que coação irresistível é diferente de obediência à ordem, apesar que ambas as circunstâncias resultam na impossibilidade de conformar os comportamentos ao ordenamento jurídico, mas, enquanto na ordem de superior hierárquico tal impossibilidade resulta da suposição do agente que pratica ato lícito, e na coação irresistível, embora o agente saiba que pratica ilícito, outro procedimento não lhe é exigido juridicamente.

Cogita-se em "suposição", porém, é também omisso ao não enfrentar a relevante questão para o Direito Penal, quanto à gravidade do ato praticado em firme obediência à ordem.

Recorrendo-se ao direito comparado, no Direito Penal italiano o cumprimento de ordem emanada de superior hierárquico é positivado como causa excludente de ilicitude.

Os holofotes se voltaram sobre a obediência hierárquica no direito penal notadamente em 1945 quando o Tribunal Militar Internacional de Nuremberg[5] que tinha a nobre missão de processar e punir os maiores e mais cruéis criminosos de guerra das potências europeias do Eixo. 

E, sobre a obediência hierárquica, o tema está presente no Estatuto, in litteris: artigo 8º: O fato de um acusado ter agido em cumprimento de uma ordem dada por um governo ou um superior hierárquico não o isenta de responsabilidade penal, mas poderá ser considerado como um motivo para redução da pena, se o Tribunal assim considerar de acordo com a justiça."

Quanto à responsabilidade do superior, esta, em princípio, é possível porque a posição de oficial hierárquico não prevê exoneração ou atenuação, conforme prevê o artigo 7º do referido Estatuto.

Outro tribunal do pós-segunda guerra mundial foi o Tribunal Militar Internacional para o Extremo Oriente, mais conhecido como Tribunal de Tóquio[6] que julgou os criminosos de guerra japoneses.  Em 2 de setembro des 1945, no ato de rendição dos japoneses foram estipuladas as questões relativas à detenção e ao tratamento impostos aos criminosos de guerra. Por fim, em 3 de maio de 1946, foram iniciados os trabalhos do Tribunal de Tóquio, que julgou apenas 28 (vinte e oito) japoneses considerados criminosos de guerra da classe A.

 Também no Tribunal de Tóquio continha uma disposição semelhante, in litteris: “Art. 6º. Nem a posição oficial de um acusado, em nenhum momento, nem o fato de que um acusado agiu de acordo com as ordens de seu Governo ou de um superior bastará, por si só, para afastar a responsabilidade desse acusado em qualquer crime pelo qual é responsabilizado, mas essas circunstâncias podem ser consideradas como atenuantes no veredicto, se o Tribunal assim considerar de acordo com a justiça”.

A importância fundamental do Estatuto do Tribunal de Nuremberg é comprovada pelo fato de os estatutos dos tribunais internacionais subsequentes terem seguido nessa matéria as linhas descritas no julgamento dos nazistas.

 Os desenvolvimentos mais recentes que culminaram com o estabelecimento do Tribunal Penal Internacional consolidaram o direito internacional penal como o sistema de direito penal da sociedade internacional, trazendo também um importante debate em torno da questão da obediência a ordens superiores.

Considerando que a ordem não seja manifestamente ilegal, conforme esclareceu Basileu Garcia, e diferentemente do que sustentam Vargas e Fragoso, no sentido de que, na hipótese de obediência à ordem não manifestamente ilegal, erro de proibição, pois se daria por meio de juízo equivocado sobre a licitude do ato a ser cumprido em obediência à ordem do superior hierárquico.

Porém, sobre o ângulo trazido por Miguel Reale Júnior (2012) ao ratificar que a ordem manifestamente ilegal não cabe ser cumprida, pelo fato de que, se quem emite não tenha competência para tanto ou se não é atribuição do receptor da ordem realizar a ação determinada, isto é, se o

agente não tem condição de desrespeitar o comando ilegal. Se a ação não é reprovável, e, portanto, válida, exclui-se a culpabilidade e, se o cumprimento da ordem for reprovável, respondem pelo delito tanto o executor da ação (subordinado) como o autor da ordem a ser executada (superior).

Nucci (2017) ressalta que não há possibilidade de sustentar a excludente na esfera do Direito Privado, tendo em vista que somente a hierarquia no setor público pode trazer graves consequências para o subordinado que desrespeita seu superior (no  campo militar, até a prisão disciplinar pode ser utilizada pelo superior, quando não configurar crime), CPM, art. 163: “Recusar  obedecer a ordem do superior assunto ou matéria de serviço, ou relativamente a dever imposto em lei, regulamento ou instrução:  Pena – detenção, de um a dois anos, se o fato não constitui crime mais grave”.

Mais uma vez é salientado pelo autor que, em se tratando de ordem de duvidosa legalidade, é preciso, para valer-se da excludente, que o subordinado fixe os exatos limites da determinação que lhe foi passada, já que o exagero descaracteriza a excludente, pois se vislumbra ter sido exigível do agente outra conduta, tanto que extrapolou o contexto daquilo que lhe foi determinado por sua própria conta – e risco.

Neste sentido é o disposto no Código Penal Militar: “Se a ordem do superior tem por objeto a prática de ato manifestamente criminoso, ou há excesso nos atos ou na forma de execução, é punível também o inferior” (art. 38, §2º,).

O problema não enfrentado pelo autor é que, se a lei penal é permissiva quanto ao erro do agente em relação ao que seja “ordem manifestamente ilegal”, deveria exigir, por simetria, discernimento do agente do que vem a ser “ato manifestamente criminoso”.

Ainda que o inferior hierárquico tenha dúvida e possa questionar a legalidade, há prevalente dever de obediência, em razão do que é considerada a ação praticada como destituída de ilicitude.

Não é possível impor o dever de obediência ao superior hierárquico quando a ordem não for manifestamente ilegal, já por outro viés, reputar a estrita prática em obediência, a realização da ação seja um crime.

O inferior hierárquico ao realizar o comando dado não o imaginou que era proibida, mas sim, para obedecer à ordem do superior, o que, portanto, tipifica clara causa de justificação ou excludente de ilicitude.  Sobre a doutrina que perfilha este entendimento, vide: RIVACOBA Y RIVACOBA, M. La obediencia jerárquica en el Derecho Penal. Valparaiso: Edeval, 1969, p. 66 e seguintes.

Há de fazer a distinção entre a ordem claramente ilegal e a ordem não claramente ilegal. Pois a primeira não tem nenhuma dificuldade de identificação de sua indiscutível ilegalidade. E, na segunda, a ilegalidade não é patente e crassa, por isso é discutível.

Teles citou um caso onde o delegado de Polícia que ordenou ao agente de carceragem que matasse o preso da cela três porque era portador do vírus AIDS ou que estuprasse a presa da cela nove porque a detenta o ofendera.

Tais ordens são claramente ilegais, afirmou Teles, de forma que, se o carcereiro vier a cumpri-las, não poderá ter o amparo da exculpa da obediência hierárquica.

Outro caso, o mesmo doutrinador Teles oferece como exemplo, é o de Promotor de Justiça que determina a ao secretário recém-empossado no gabinete da promotoria que, antes de iniciar-se a audiência, vá à sala das testemunhas e determine a uma delas que venha a falar-lhe e, caso ela se recuse, traga-a presa em flagrante de crime de desobediência.

Essa ordem, à primeira vista, não parece ilegal, apesar de sê-la, sustenta o autor. O Promotor de Justiça não tem poder para mandar vir a sua presença quem quer que seja, mormente por meio de chamado verbal, por um simples funcionário burocrático, e fora de qualquer processo ou procedimento legalmente instaurado.

Conclui-se, assim, que qualquer atividade exercida na seara estatal e sujeita à obediência hierárquica é passível de temor reverencial que consiste no medo ou mero receito entre os participantes de uma relação em que esteja presente o estrito dever de obedecer.

Assim, vige pelo menos a presunção de legalidade presente nas ordens superiores, as quais, em tese, estão em conformidade com a ordem jurídica vigente, suposição que se estende até à falta de consciência da ilegalidade ou imoralidade da ordem, o que no caso concreto, permite que o ato seja meramente desculpável.

Entretanto, há entendimento de qua a omissão legislativa, o silêncio em doutrina e a escusa da jurisprudência com relação à conduta do subordinado que executa a ordem recebida.

A obediência hierárquica tem fina ligação com institutos como erro de tipo e erro de proibição e, de fato aquele cumpridor de ordem superior o faz convicto de plena legalidade desta, e que deve ser executada, mas lhe é permitido realizar juízo de valor tanto sobre a legalidade como da moralidade da ordem recebida.

O erro de tipo ou erro de proibição? Conhece a diferença? Sim, é de se adiantar que ambos os institutos são distintos e, mais, suas consequências jurídicas são completamente diferentes. Entender pela presença de um ou de outro pode ocasionar em resultados jurídicos diversos. Principalmente, para o veredicto de culpado ou inocente no processo criminal.

O erro de tipo vem previsto em nosso Código Penal no artigo 20. Em suma, para sua configuração, é necessário que o agente, ao praticar a conduta formalmente típica, tenha obrado em erro, ou seja, em situação de ignorância, com relação aos elementos objetivos do tipo – o que leva a formação equivocada de seu elemento subjetivo.

Segundo Pacelli e Callegari (2015, p. 302): “Em outras palavras, considerando que o conhecimento de todos os componentes objetivos do tipo é o que configura o elemento intelectual do tipo subjetivo doloso (esse conhecimento dos elementos objetivos do tipo é requisito para a existência do dolo), em não havendo esse conhecimento pelo agente, inexistirá o elemento intelectual do tipo, culminando em uma atipicidade, portanto”.

O erro de proibição ocorre quando o agente não compreende um fato como ilícito ou a enxerga como permitida. Mas, ao contrário do erro de tipo, o erro de proibição apenas poderá excluir a culpabilidade do agente, mas não o seu elemento subjetivo (no caso o dolo), assim, apenas permitirá a não punição da conduta em virtude da falta de culpabilidade ou a diminuição de pena, em razão do menor grau de reprovabilidade – tudo a depender do grau do erro.

O artigo 21 do CP apresenta a figura do erro de proibição direto. Essa figura ocorre quando o agente, efetivamente, não conhece a ilicitude de uma conduta proibida, como é o caso, por exemplo, da holandesa que vem ao Brasil e realiza um aborto, crendo que aqui, como em seu país, o mesmo não seja proibido; ou no caso de um islâmico casado que, no Brasil, contrai novas núpcias, acreditando que aqui também é permitida a poligamia.

O erro de proibição indireto é aquele no qual o agente dolosamente pratica um fato típico, mas acreditando que estava amparado numa situação permitida pelo direito – caso de uma causa justificante (legítima defesa, estado de necessidade, cumprimento do dever). É chamado também de erro na descriminante.

A principal diferença entre os institutos de erro de tipo e erro de proibição é que o primeiro é objeto de estudo da conduta e, o segundo, da culpabilidade, mais precisamente de um de seus elementos, a potencial consciência da ilicitude.

Outro doutrinador de escol como Mayrink da Costa (2005) apresentou três soluções para a vexata quaestio:

(a) o sistema de obediência passiva, em que se exclui a possibilidade de o inferior indagar a legalidade da ordem recebida;

(b) o sistema da externa das baionnettes inteligentes, no qual tem o direito de discutir a ordem e de recusar obediência, quando ilegal;

(c) o sistema intermediário, em que, cumprida a ordem manifestamente ilegal, a circunstância da obediência apenas atenuará a pena de incorrer em delito, como resultado do cumprimento da ordem (atenuante da errada compreensão da lei penal).

O doutrinador estabeleceu, ainda, três princípios básicos quanto à responsabilidade do inferior que dá cumprimento a ordem ilegal:

(a) obediência absoluta, em que o subordinado deve cumprir sem discutir a ordem do superior hierárquico;

(b) obediência relativa, em que o subordinado deve negar o cumprimento à ordem manifestamente ilegal;

(c) obediência refletiva, em que o subordinado deve representar ao superior a ilegalidade da ordem – todavia, se reiterada, deve cumpri-la, liberando-se da responsabilidade que incidirá unicamente no superior.

Então, com base na doutrina de Mayrink da Costa, só existirá a causa de exculpação quando a dependência hierárquica existente entre o superior e o subordinado, que obedece a ordem feita em caráter oficial, no caso de o subordinado ter a faculdade de analisar a ordem, quando constatada a ilicitude ou imoralidade, ao cumpri-la, responderá pelo ato praticado; na hipótese do subordinado que analisando a ordem, deixa de cumpri-la, sendo a ordem ilícita, responderá a título de negligência.

E, quando o subordinado não possui a faculdade de avaliação, não será reprovável com base na obediência hierárquica que justifica seu comportamento.

Não se exige do funcionário público, por mais capacitado que seja, que proceda detalhado e minucioso exame de ordens recebidos.

É, por essa razão, que existe a inculpabilidade do agente e, não por suposto e qualquer dever de obediência (que é inexistente, se existisse seu cumprimento, tipificaria apenas o caso de estrito cumprimento do dever legal).

Conclui-se que caso a ilegalidade da ordem dada, saltar ou gritar aos ouvidos atentos, sem que se tenha nenhum esforço anormal do funcionário público para percebê-la, extingue-se a razão de ser da causa de exculpação.

Aliás, no Brasil não se aplica a teoria da “obediência cega”, segundo a qual a ordem do superior deve ser cumprida pelo subordinado sem questionamentos. Ao contrário, a ilicitude da ordem retira a obrigação de seu cumprimento.

Importante ressaltar o que se sustenta na presente análise: o que deve impedir ou autorizar a isenção da pena ou a exclusão da ilicitude para o posicionamento mais radical não é a avaliação da legalidade ou ilegalidade da ordem, mas a avaliação psicológica da conduta do agente em relação à ordem executado e seu consequente resultado.

É ambígua a natureza jurídica da obediência hierárquica porque apesar da doutrinar enxergá-la como especial causa de erro de proibição, não se pode esquecer que o subordinado, em tais casos, se encontra em estrito cumprimento (putativo) de dever legal, porque imagina que ao obedecer à ordem estaria cumprindo seu dever legal de funcionário subordinado.

Ainda assinalou o doutrinador Gomes (2007), sendo a ordem não manifestamente ilegal, como no caso do superior militar que manda inferior matar perigoso “bandido” que fugia, só responde pelo crime quem deu a ordem, não o inferior; de qualquer modo, o inferior deve cumprir a ordem estritamente, não podendo haver abuso. Nos dois casos, entende-se que há necessidade de avaliação psicológica da conduta do agente em relação à ordem executada e seu resultado.

Delmanto (2007), por sua vez, esclareceu que, se a ordem era ilegal, mas não manifestamente, e houve erro justificável sobre o elemento constitutivo que é a ilegalidade, absolve-se, pois agiu iludido (CP, art. 20) pelas circunstâncias de fato (TACrSP, Julgados 84/200).

No mesmo sentido, seguiu, Milhomen (2014) ao afirmar tratar-se de caso especial de erro de proibição, consistente na obediência à ordem não manifestamente ilegal de superior hierárquico, tornando viciada a vontade do subordinado, o que afasta a exigência de conduta diversa.

Em síntese, supondo obedecer a ordem legítima do superior, o agente pratica o fato incriminado. Esse é também o posicionamento de Gonçalves (2015). Percebe-se que a doutrina pátria pouco avançou sobre os aspectos fundamentais que norteiam a obediência hierárquica no Direito Penal brasileiro.

Outro exemplo nos é trazido por Nelson Hungria: um bisonho soldado de polícia, por ordem do comandante da escolta, mata com tiro de fuzil supondo agir por obediência devida o criminoso que tenta fugir ou opõe resistência passiva ao mandado de prisão. Nesse caso, aplica-se o disposto no art. 22, 1ª parte do CP.

Embora a conduta do subordinado constitua fato típico e antijurídico, ele não é culpado, em face de incidir relevante erro de proibição. Diante disso, o subordinado não responde pelo crime, completa o tratadista. Nos dois exemplos, vê-se que a doutrina se limita aos aspectos rasos da natureza jurídica da obediência hierárquica.

A obediência hierárquica no Código Penal Militar exige, de início, fazer distinção entre o funcionário civil e o funcionário militar. De acordo com Bitencourt (2007), o funcionário civil não discute a oportunidade ou conveniência, mas discute a legalidade. E a ilegalidade pode decorrer, por exemplo, do descumprimento de formalidade.

A ordem pode ser ilegal porque não obedece à forma estabelecida em lei. Basta isso, e assim já será ilegal. O funcionário civil, subalterno, não é obrigado a cumprir ordem ilegal. Ademais, se representar qualquer prejuízo a terceiro, será tão responsável quanto o superior.

No caso do militar, a situação é completamente outra e diversa. Pois, o militar não discute a legalidade porque tem o dever legal de obediência, e qualquer desobediência pode constituir crime de insubordinação (art. 163 do CPM). O subalterno militar não é culpado, qualquer que seja sua convicção sobre a ilegalidade da ordem.

Pelo crime eventualmente decorrente só responde o autor da ordem. E acrescenta que o Código Penal Militar, diferentemente do Código Penal, estabelece, implicitamente, apenas que o militar não deve obedecer à ordem manifestamente criminosa (art. 38, § 2º). A questão é completamente diferente.

O Código Penal Militar (Decreto-Lei n. 1.001, de 1969) regula de modo diverso referida excludente. Segundo a legislação castrense, o subordinado (militar) estará isento de pena mesmo que a ilegalidade seja manifesta.

Registre-se que este, além de não poder discutir a conveniência ou oportunidade de uma ordem (do mesmo modo quanto o civil), não pode questionar sua legalidade (diversamente do civil), sob pena de responder pelo crime de insubordinação (CPM, art. 163).

Ao militar, somente não é dado cumprir ordens manifestamente criminosas. Portanto, se, apesar de flagrantemente ilegal, a ordem não for manifestamente criminosa, o subordinado estará isento de pena (CPM, art. 38, § 2º).

Um dos requisitos para a configuração dessa causa legal de inexigibilidade de conduta diversa é, como acima se destacou, que exista, entre o emissor da ordem e o destinatário, relação de hierarquia, a qual, tradicionalmente, sempre foi apontada como sendo aquela estabelecida no seio de relações jurídicas de Direito Público (leia-se: entre agentes ou servidores públicos).

Argumenta-se que em relações de emprego, fundadas na CLT, existe – juridicamente – um vínculo de subordinação (e não de 'hierarquia'). Em hipóteses envolvendo pais e filhos (estes maiores de dezoito anos) e mestres e seus pupilos (igualmente imputáveis) (...) também não se pode falar em hierarquia, pois o Direito Civil descreve tais relações como fundadas no chamado 'temor reverencial'.

Temor reverencial (metus reverentialis) é o receio de desagradar uma pessoa a quem devemos respeito e obediência. Exemplos: o respeito que os filhos têm pelos pais. b) A ameaça deve ser de dano iminente: deve ser um dano atual que não pode ser evitado pelo coagido. Também não existirá coação se o mal for impossível.

Quanto aos casos em que o empregado de uma empresa, por medo de perder o emprego, realiza condutas criminosas, portanto, não pode ser beneficiado com a exclusão da culpabilidade fundada na obediência hierárquica.

Evidentemente, seria absurdo afirmar que alguém tem o dever de obedecer à ordem criminosa. Eis que, teria a inversão total das instituições políticas e democráticas.

No entanto, como diz Munhoz Neto, a culpabilidade do subordinado militar pode ser excluída pela coação irresistível. Por exemplo, o agente militar sabe que a ordem é manifestamente criminosa, mas é coagido a cumpri-la. Se a ameaça ou a ordem representar efetivamente uma coação irresistível, o subordinado militar será beneficiado pela primeira parte do art. 22, isto é, pela excludente da coação irresistível, mas não pela subordinação hierárquica.

 A obediência hierárquica deve estar presente na vida militar, por constituir a hierarquia princípio básico e constitucional das Forças Armadas, adverte Figueiredo (2009), ou seja, no âmbito militar, a subordinação e a obediência afiguram-se como regras mais rigorosas do que no campo civil, devido à indispensável manutenção da ordem.

A doutrinadora traz à discussão a possibilidade de a excludente especial de ilicitude ser aplicada no caso do comandante de navio, aeronave ou praça de guerra, dos responsáveis pelo bom desempenho da tropa, bem como a admissão incondicional do princípio constitucional da hierarquia à exclusão da culpabilidade, pelo instituto da obediência hierárquica.

Lembra que a conduta do comandante e a consequente obediência hierárquica dos subordinados formam relação bilateral, isto é, o dever legal de mando e o dever de obediência, tendo como suporte a lei: o inferior deve obedecer à ordem do superior, porque a lei ou regulamento assim estatui a relação de mando-obediência.

Aliás, o Código Penal Militar prevê a inexistência de culpabilidade quando o inferior age em obediência estrita à ordem de superior hierárquico em matéria de serviços, no caso de ação delituosa, desde que o ato não seja manifestamente criminoso.

 O instituto da obediência hierárquica no Direito Penal Militar merece os seguintes destaques:

a) a excludente de culpabilidade, da obediência hierárquica pode ser invocada, por exemplo, em situações de iminência de perigo, calamidade, para salvar vidas ou a unidade militar, ou evitar prática de delitos, respondendo pelo crime o executor da ordem;

b) os tipos penais militares de insubordinação, de motim, podem levar à responsabilização dos inferiores se praticarem ato inequivocamente criminoso como, por exemplo, o crime de insubordinação ou motim.

c) o Direito Penal Militar brasileiro adota a teoria sincrética considerada como critério intermediário perante a teoria das baionetas inteligentes e da obediência cega.

A primeira permite ao militar desobedecer às ordens não objetivamente legítimas, ao passo que a segunda obriga o militar ao cumprimento das ordens, mesmo ilícitas. De acordo com a teoria sincrética, permitir-se-á à pessoa considerada inferior o exame do caráter delituoso do ato ordenado, se a conduta se apresentar como manifestamente criminosa. 

Pois a subordinação e a dependência militares, oriundas dos princípios de hierarquia e disciplina, não podem tornar os subordinados meros executores de ordens. É que, nem em tempo de guerra o Direito Internacional Público aceita o instituto da obediência hierárquica para exculpar condutas atrozes, quer da população civil, quer dos prisioneiros de guerra.

Em tempo de paz, por não se constituir em situação excepcional, de emergência, com mais razão, não se consentem tais atos de forças armadas.

Vide extrai-se de precedente do superior Tribunal Militar: “O reconhecimento da excludente de culpabilidade de obediência hierárquica deve ser utilizada para absolver o subordinado corréu quando a ordem superior não é manifestamente ilegal” (AP n. 301820107020202, rel. Min. Artur Vidigal de Oliveira, DJ 22-3-2013).

Realmente, o inferior não pode agir sem raciocínio e sem vontade própria, pois a subordinação e a dependência militares, oriundas dos princípios de hierarquia e disciplina, não podem tornar os subordinados meros executores de ordens.

É que, nem em tempo de guerra o Direito Internacional Público aceita o instituto da obediência hierárquica para exculpar condutas atrozes, quer da população civil, quer dos prisioneiros de guerra. Em tempo de paz, por não se constituir em situação excepcional, de emergência, com mais razão, não se consentem tais atos de forças armadas.

Outro aspecto a ser destacado na experiência de Milgram[7] no que diz respeito às interpretações iniciais de que as pessoas que aplicaram os choques mais fortes às vítimas eram monstros, os sádicos da sociedade, avaliações que não se sustentaram. Ficou constatado que quase dois terços dos participantes se enquadravam na categoria de pessoas “obedientes” e que representavam pessoas comuns, escolhidas entre camadas operárias, de dirigentes e de profissionais liberais.

O que o próprio Milgram reconheceu é que essa particularidade é em grande parte reminiscência da questão surgida com respeito ao livro de Hannah Arendt, de 1963, “Eichmann em Jerusalém”, no qual a autora argumenta que os esforços da promotoria para descrever Eichmann como monstro e sádico estavam fundamentalmente errados, que ele era mais um burocrata sem criatividade que simplesmente se sentava a sua mesa e fazia seu trabalho.

Eichmann, na visão de Arendt (1999), com seus dotes mentais bastante modestos, era certamente o último homem na sala de quem se podia esperar que viesse agir por conta própria e, como além de cumprir aquilo que ele concebia como deveres de um cidadão respeitador das leis, ele também agia subordinado a ordens, acabou completamente confuso e terminou por frisar alternativamente as virtudes e os vícios da obediência cega, ou da “obediência cadavérica”.

Arendt tornou-se alvo de escárnio, até mesmo de calúnias.  Contudo, sentia-se que as coisas monstruosas feitas por Eichmann só poderiam ser executadas por personalidade brutal, alterada, sádica, o próprio mal encarnado.

Foi a partir de certa analogia com a posição de Eichmann, destaca-se a figura de Filinto Müller[8], o temido  chefe de polícia da Ditadura de Getúlio Vargas, tratado na biografia lançada por Rose (2017) como “O homem  mais perigoso do país”, a espécie humana que se reproduz com impressionante intensidade nas ditaduras e tem  por habitat as cercanias dos cativeiros: homem que executa as ordens que vêm de cima, quaisquer ordens, sem  jamais contestá-las, sem remorsos, sem crises de consciência, sem hesitação, aquele que levou, a mando de Vargas, Olga Benário, mulher de Luís Carlos Prestes à Alemanha, onde seria assassinada em campo de concentração.

Milgram conclui que, depois de ver centenas de pessoas comuns submetidas à autoridade em suas próprias experiências, a concepção de Arendt sobre a banalidade do mal[9] está mais próxima da verdade do que jamais foi possível imaginar.

Afirmou expressamente que a pessoa comum que aplicou choque em outra assim agiu sem o sentido de obrigação (no conceito de seus deveres como pessoa) e, não por meio de qualquer tendência agressiva em especial prevista no Código Penal brasileiro como causa excludente da culpabilidade, e quase unânime na doutrina quanto a esse entendimento, diferente de posicionamentos na Alemanha, Itália e Espanha, com defesa da natureza jurídica da obediência hierárquica como causa de exclusão da ilicitude[10], a ilegalidade da ordem é aplicada apenas para quem a expediu, e não se comunica tal circunstância ao agente executor.

Contudo, que o Código Penal brasileiro deve ser interpretado de maneira sistemática e harmônica e seu art. 149-A[11], incluído pela Lei n. 13.344, de 2016, ao estipular causas de aumento de pena para o crime de tráfico de pessoas, estipula o acréscimo quando o agente (entre outras hipóteses) se prevalecer 'de autoridade ou de superioridade hierárquica inerente ao exercício de emprego, cargo ou função' (art.

Sublinhe-se, portanto, que o legislador admite a existência de hierarquia em contextos baseados em relação empregatícia. Poder-se-ia contra-argumentar que o emprego mencionado no dispositivo é o emprego 'público'; ocorre, porém, que esse adjetivo não consta da norma e, onde o legislador não distinguiu, não cumpre ao intérprete e ao aplicador da lei fazê-lo.

Existem casos em que a hierarquia se revela muito mais presente no âmbito privado (dado o receio de perder o emprego e, como isso, o sustento familiar, por exemplo) do que na esfera pública (notadamente quando o ocupante de cargo goza de estabilidade). A questão, pensamos, deve ser analisada caso a caso e, portanto, é matéria de prova.

Pois bem, o experimento de Milgram traz à evidência o que parecia improvável para a comunidade científica: o fato de que pessoas comuns, simplesmente cumprindo seus deveres, podem se tornar agentes de um terrível processo destrutivo e, mesmo quando esses efeitos fiquem claros e há pedido para realizar atos incompatíveis com a moral, as pessoas não resistiam à autoridade, sentindo-se responsáveis por suas próprias ações.

A questão colocada é que não há como aceitar-se excluir a culpabilidade do agente que age em estrita obediência à ordem não manifestamente ilegal de superior hierárquico, sem exame dos aspectos psicológicos de sua conduta.

O que a norma jurídica penal estabelece, sustentada por qualificada doutrina, é a prevalência ou, com mais exatidão, exclusividade de critérios subjetivos (ordem não manifestamente ilegal emanada de autoridade competente) para isentar o agente de pena, ou, como defende Reale Júnior (2012), a própria exclusão da ilicitude.  Nenhuma preocupação com o aspecto comportamental do agente obediente.

Para o Direito Penal, o agente tem de ter consciência da aparência de licitude da ordem para ser isento de pena. Milgram demonstra que a obediência é compelida pelo medo que se traduz na vontade assumida, na ausência de ameaça de qualquer tipo, mantida através da simples afirmativa, pela autoridade, de que existe o direito de exercer controle sobre a pessoa.

O estudioso estabelece limites à obediência em seu experimento ao criar fronteira entre a “vítima” e o aplicador dos choques, mas nenhuma iniciativa foi suficiente para levar à desobediência.

Alicerçando-se no direito à desobediência civil[12], Thoreau[13] (2012) questiona: leis injustas existem, mas devemos nos contentar em obedecê-las, ou nos empenhar em aperfeiçoá-las, obedecendo-as até obtermos êxito? Ou devemos transgredi-las imediatamente?

Observa-se que a concepção psicológica de culpabilidade implica, segundo Daufemback (2017), vínculo de natureza psicológica entre o sujeito e o ato por ele praticado, de forma que a culpabilidade somente existiria no autor.

Pogrebinschi (2013), ao tratar do problema da obediência em Thomas Hobbes, defendeu que não há de se falar em contrato, e tampouco em contrato social, mas em pacto de obediência

através do qual os homens consentem na obediência das leis de natureza, e quando não há poder visível capaz de mantê-los em respeito força-os, por medo ao castigo, ao cumprimento de seus pactos e ao respeito às leis de natureza, e consentem também na instituição da soberania.

Entre lei, doutrina e jurisprudência, e, por outro lado, a experiência realizada sobre obediência à autoridade, cuja área de interesse era verificar até que ponto a pessoa é capaz de infligir sofrimento a outra, ou seja, quais são os limites do cumprimento da ordem? Como alguém consegue contestar a autoridade diante de evidente imperativo moral? E, diante o imperativo da lei? Reparem que são questionamentos ainda contemporâneos e não plenamente respondidos.  

Assim, a questão fundamental e decisiva que constitui a problematização do objeto deste texto considerando assim a necessidade de se estabelecer limites para o reconhecimento da exclusão da culpabilidade do agente que pratica fato em estrita obediência à ordem não manifestamente ilegal de superior hierárquico.

A experiência científica escolhida para confrontar o estatuto penal que positivou a excludente de culpabilidade pela obediência hierárquica, realça a fragilidade do fundamento axiológico da norma posta, contradiz os especialistas e fortalece o argumento de que a obediência não está limitada pela consciência da ilegalidade da ordem, mas pela simples sujeição à autoridade, materializada pela transferência da responsabilidade pelo ato praticado.

Convém ressaltar que em face disso, entendemos que, com o advento da Lei 13.344/2016, a figura da obediência hierárquica, descrita no art. 22 do CP como causa legal de inexigibilidade de conduta diversa, passa a abarcar situações nas quais se identifica (concretamente) a relação de hierarquia, não só na esfera de relações de Direito Público, mas igualmente no âmbito de vínculos empregatícios." (ESTEFAM, André. Direito Penal: Parte Geral: arts. 1º a 120. 9ª. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2020. p. 332-334).

Em resumo: uma ordem ilegal ou ilícita, não se deve cumprir. Se suspeitar sobre a legalidade e não puder questionar, não se deve cumprir[14]. E, se ainda for coagido ao cumprimento, deixar vestígios da coação e registrá-los de forma obter futura fonte probatória, para futura exculpação penal.

 

 

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[1] O Estatuto dos Militares (Lei Federal nº 6.880, de 09.12.1980), ao cuidar de definir hierarquia, anota, em seu artigo 14, § 1º, que “a hierarquia militar é a ordenação da autoridade, em níveis diferentes, dentro da estrutura das Forças Armadas. [...] O respeito à hierarquia é consubstanciado no espírito de acatamento à sequência de autoridade”.  De igual forma, o mesmo diploma legal, no texto do artigo 14, § 2º, anota que disciplina: [...] é a rigorosa observância e o acatamento integral das leis, regulamentos, normas e disposições que fundamentam o organismo militar e coordenam seu funcionamento regular e harmônico, traduzindo-se pelo perfeito cumprimento do dever por parte de todos e de cada um dos componentes desse organismo. Semelhante definição foi adotada pelo Regulamento Disciplinar da Polícia Militar do Estado de São Paulo (RDPM), ao dispor que hierarquia é “a ordenação progressiva da autoridade em graus diferentes, da qual decorre a obediência” (art. 3º, da Lei Complementar nº 893, de 09.03.2001) e que disciplina consiste no “exato cumprimento dos deveres, traduzindo-se na rigorosa observância e acatamento integral das [...] ordens” (art. 9º da Lei Complementar nº 893, de 09.03.2001).

[2] Cumprimento de ordem de autoridade superior (art. 65, III, c) A pena também será atenuada se o agente praticar o fato em cumprimento de ordem de autoridade superior. Mencionada circunstância pressupõe que o autor do fato seja funcionário público e tenha cumprido ordem de seu superior hierárquico. Exige-se, outrossim, que o comando expedido seja manifestamente ilegal. Ordem manifestamente ilegal é aquela cuja antijuridicidade é evidente e desde logo perceptível. Assim, por exemplo, se um delegado de polícia ordena aos investigadores sob seu comando que exijam propina de um empresário, a fim de não o autuar em flagrante por crime contra as relações de consumo, a ordem cumprida é de uma ilegalidade manifesta. Tanto o delegado como seus subalternos cometem crime. Aquele será condenado e receberá a agravante prevista no art. 62, III, do CP; estes serão igualmente responsabilizados pelo fato, mas com a incidência da atenuante sub examen."(ESTEFAM, André. Direito Penal: Parte Geral: (arts. 1º a 120). 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 418-419).

[3] Homo medius traduz ideia de comportamento - padrão, hipoteticamente entendido, consoante normas culturais, o que a sociedade considera modelo ideal de conduta. Em se tomando esse parâmetro, fácil constatar, o homem não será julgado consoante a sua conduta, posto, porém, em confronto com mera hipótese normativa.  Segundo Juarez Tavares, na aferição da tipicidade da conduta não se deve, em hipótese alguma, ter por base a figura do homem prudente, consciencioso e diligente, com cuja conduta imaginária dever-se-ia comparar a conduta realizada pelo agente. A figura do homem prudente nada mais é do que uma sofisticação do conceito do homo medius da teoria causal, que tantos problemas já apresentou, e que não possui qualquer fundamento científico. Na realidade dos fatos, a figura do homo medius será inferida de acordo com o juízo subjetivo-pessoal do próprio julgador, que, em vez de estabelecer padrão ou modelo orientador, se transfere, com todos os seus componentes, à situação do agente, determinando a conduta que deveria ser levada a efeito, segundo seu único e exclusivo entendimento do fato (1985, p. 137).

[4] Coação resistível: a coação dá-se em três níveis. Quando é física, exclui a própria conduta (ex.: arremessar alguém contra uma vitrine não constitui, por parte do arremessado, crime de dano, pois não chegou a atuar voluntariamente); quando moral, pode ser irresistível, configurando uma causa de exclusão da culpabilidade (art. 22, CP), bem como resistível, servindo como atenuante. É possível que alguém sofra uma coação a que podia refutar, mas não o tenha feito por alguma fraqueza ou infelicidade momentânea. Ainda que não mereça uma absolvição, deve ser punido com menor rigor. Ex.: alguém furta um estabelecimento por receio de que o coator narre à sua esposa um caso extraconjugal.

[5] Tribunal de Nuremberg foi uma corte internacional criada em 1945 para julgar os crimes cometidos pelos nazistas durante a Segunda Guerra Mundial. Os julgamentos começaram em 20 de novembro de 1945 e terminaram em 1º de outubro de 1946. No total, 185 pessoas foram acusadas, das quais 35 foram absolvidas. Entre os condenados à morte pelo Tribunal de Nuremberg estão líderes do Partido Nazista, como Alfred Rosenberg e ministros como Joachim von Ribbentrop. Também receberam a pena capital comandantes de territórios ocupados, como Hans Frank e chefes das forças armadas como Hermann Göring.

[6] O Tribunal Militar Internacional para o Extremo Oriente (The International Military Tribunal for the Far East ou IMTFE, em inglês), também conhecido como Julgamento de Tóquio ou Tribunal de Crimes de Guerra de Tóquio, foi reunido para julgar os líderes do Império do Japão por três tipos de crimes: "Classe A" (crimes contra a paz), "Classe B" (crimes de guerra) e "Classe C" (crimes contra a humanidade), cometidos durante a Segunda Guerra Mundial. A primeira refere-se à conspiração conjunta para iniciar e engajar-se na guerra, e os dois últimos referem-se a atrocidades, inclusive o Massacre de Nanquim. Acusações de crimes de guerra contra pessoal subalterno foram julgadas separadamente, em outras cidades da região do Pacífico asiático. O tribunal foi reunido em 3 de maio de 1946, e encerrou suas atividades em 12 de novembro de 1948. Vinte e cinco militares e líderes políticos japoneses foram acusados de crimes Classe A, e mais de 5,7 mil nacionais japoneses foram acusados de crimes Classe B e C, a grande maioria quanto ao abuso de prisioneiros. Os crimes perpetrados por autoridades e tropas japonesas na ocupação da Coreia e da China, particularmente da Manchúria (Manchukuo), não foram analisados por esta corte. A China instituiu 13 tribunais por sua conta, resultando em 504 condenações e 149 execuções.

[7] A Experiência de Milgram (ou Experimento de Milgram) foi uma experiência científica desenvolvida pelo psicólogo Stanley Milgram. A experiência tinha como objectivo responder à questão de como é que os participantes observados tendem a obedecer às autoridades, mesmo que as suas ordens contradigam o bom-senso individual. A experiência pretendia inicialmente explicar os crimes bárbaros do tempo do Nazismo. Em 1964, Milgram recebeu por este trabalho o prémio anual em psicologia social, atribuído pela American Association for the Advancement of Science. Os resultados da experiência foram apresentados no artigo Behavioral Study of Obedience no Journal of Abnormal and Social Psychology (Vol. 67, 1963 Pág. 371-378) e, posteriormente, no seu livro Obedience to Authority: An Experimental View 1974.

No final da Segunda Guerra Mundial, emergiu a questão de como pessoas aparentemente saudáveis e socialmente bem-ajustadas puderam cometer assassinato, tortura e outros abusos contra civis durante o Holocausto, e outros crimes contra a humanidade. O objetivo da experiência de Milgram foi verificar a obediência e o efeito da autoridade na capacidade do sujeito prejudicar outro ser humano. Os experimentos começaram em julho de 1961, três meses após o julgamento de Adolf Eichmann começar em Jerusalém. O experimento foi concebido para responder à pergunta: "Será possível que Eichmann e milhões de seus cúmplices estivessem apenas a seguir ordens? Será que devemos chamar cúmplices a todos eles?"

[8] Filinto Strubing Müller (1900—1973) foi um militar e político brasileiro. Participou dos levantes tenentistas entre 1922 e 1924. Durante o Governo Vargas, destacou-se por sua atuação como chefe da polícia política, e por diversas vezes foi acusado de promover prisões arbitrárias e a tortura de prisioneiros. Ganhou notoriedade internacional no caso da prisão da judia alemã Olga Benário, militante comunista e companheira de Luís Carlos Prestes, à época grávida quando deportada para a Alemanha, onde seria executada em Bernburg, em 1942.

[9] Segundo Hannah Arendt, a Banalidade do mal é o fenômeno da recusa do caráter humano do homem, apoiado na recusa da reflexão e na tendência em não assumir a iniciativa própria de seus atos. A banalidade do mal é, para a filósofa, a mediocridade do não pensar, e não exatamente o desejo ou a premeditação do mal, personificado e alinhado ao sujeito demente ou demoníaco. O polêmico conceito criado pela filósofa alemã judia Hannah Arendt, aluna preferida de Martin Heidegger, foi apresentado no livro Eichmann em Jerusalém. O livro, publicado originalmente em 1963, a partir dos artigos que publicara como correspondente na revista The New Yorker, discutia o julgamento de Adolf Eichmann, iniciado em 1961, em Jerusalém, e que resultou na pena de morte por enforcamento, ocorrida em 1962, nas proximidades de Tel Aviv. Arendt discutia a perspectiva do mal provocado por ninguém, ou por pessoas destituídas da capacidade do pensar, visto que ela não atribuiu o mal ao nazista julgado, mas via nele tão somente o burocrata zeloso, incapaz de pensar por si.

[10] Pode ser definido como causa de exclusão de ilicitude que consiste no exercício de uma prerrogativa conferida pelo ordenamento jurídico, que ao mesmo tempo é caracterizada pelo Direito Penal como fato típico. Qualquer pessoa pode ser beneficiada. Segundo o art. 23 do CP determina, são quatro as excludentes de ilicitude no Brasil: legítima defesa, estrito cumprimento do dever legal, estado de necessidade e exercício regular de direito. Em Direito Penal, qualquer fato é considerado crime apenas se for típico, ilícito e culpável.

[11] O artigo 149-A do CP também prevê os meios e as formas pelos quais a vítima é traficada – coação, ameaça, emprego de violência, fraude ou abuso – como elementos do tipo penal. O artigo 149 - A, CP é um crime de ação múltipla, conteúdo variado ou tipo misto alternativo, pois contempla vários núcleos verbais, sendo eles: agenciar, aliciar, recrutar, transferir, comprar, alojar ou acolher. O sujeito ativo do crime é qualquer pessoa, pois se trata de infração penal comum.

[12] A desobediência civil consiste numa conduta consciente, voluntária, pública e pacifica, desenvolvida por um conjunto de pessoas e que tem por objetivo exprimir um protesto traduzido no não acatamento de atos jurídicos das autoridades públicas que as mesmas pessoas têm por ilegítimos. É uma ação caracterizada pela não-violência e visa a transformação social. Essa ideia foi desenvolvida inicialmente por um ativista norte-americano do século XIX chamado Henry David Thoreau, que manifestou sua insatisfação com os impostos cobrados para financiar a Guerra Mexicano-Americana.

[13] Henry David Thoreau (1817 1862) foi um autor estadunidense, poeta, naturalista, pesquisador, historiador, filósofo e transcendentalista. Ele é mais conhecido por seu livro Walden, uma reflexão sobre a vida simples cercada pela natureza, e por seu ensaio “A Desobediência Civil’. Os livros, ensaios, artigos, jornais e poesias de Thoreau chegam a mais de 20 volumes. Entre suas contribuições mais influentes encontravam-se seus escritos sobre história natural e filosofia, onde ele antecipou os métodos e preocupações da ecologia e do ambientalismo. Seu estilo de escrita literária intercala observações naturais, experiência pessoal, retórica pontuada, sentidos simbolistas, e dados históricos; ao mesmo tempo em que evidencia grande sensibilidade poética, austeridade filosófica, e uma paixão "yankee" pelo detalhe prático. Ele também era profundamente interessado na ideia de sobrevivência face a contextos hostis, mudança histórica, e decadência natural; ao mesmo tempo em que buscava abandonar o desperdício e a ilusão de forma a descobrir as verdadeiras necessidades essenciais da vida.

[14] O artigo 163 do CPM assevera que praticará o crime o subordinado que se “recusar obedecer a ordem do superior sobre assunto ou matéria de serviço, ou relativamente a dever imposto em lei, regulamento ou instrução”. Considerando que o titular dos bens jurídicos atingidos é a Instituição Militar, esta também será o sujeito passivo do delito, podendo o superior ser considerado sujeito passivo secundário. O sujeito ativo é o subordinado hierárquico ou funcional. Trata-se de crime que exige o dolo, ou seja, a vontade livre e consciente de recusar-se a obedecer a ordem do superior sobre assunto ou matéria de serviço ou relacionada a dever imposto em lei, regulamento ou instrução.