Othello, the Moor of Venice.
Resumo: Movido por arquitetado
ciúme, através de Yago, o general Othello mata a esposa, supondo-a adúltera.
Arrependido, o feminicida se suicida ao final. Uma tragédia que ainda se repete
nos dias contemporâneos, onde a violência doméstica e familiar[1] alcança níveis alarmantes
em nossas estatísticas.
Palavras-Chave: Ciúme.
Homicídio. Feminicídio. Discriminação Racial.
Código Penal Brasileiro.
Abstract: Moved by contrived
jealousy, through Yago, General Othello kills his wife, supposing her to be an
adulteress. Repentant, the femicide commits suicide in the end. A tragedy that
is still repeated today, where domestic and family violence reaches alarming
levels in our statistics.
Keywords: Jealousy. Murder.
Femicide. Racial discrimination. Brazilian Criminal Code.
A tragédia de Othello[2], o mouro[3] de Veneza, enfoca a
vingança de um homem para destruir o outro. Yago[4] é aquele que se sente
muito ofendido por Othello, e prepara ardilosamente planos para destruir o
casamento de Othello, o que acarreta muitas mortes.
Yago está absolutamente
determinado a destruir Othello que era um general veneziano de grande sucesso
que promovera Cassio, para a patente de tenente, ao invés dele. Rodrigo
(cavalheiro veneziano)[5], por sua vez, é totalmente
apaixonado por Desdêmona que se casou secretamente com Othello.
Assim, Yago rancoroso concorda
em ajudar o apaixonado a tirar Othello da vida de Desdêmona. Yago envia Rodrigo
ao pai de Desdêmona que acusa Othello de obrigar sua filha a se casar com ele,
por meio de feitiçaria. Desdêmona, no entanto, defende seu marido e, afirma que
seu casamento é válido e de livre e espontânea vontade. Othello, Yago, Desdêmona,
Cassio e Rodrigo e sua esposa Emília vão para Chipre[6] para lutar contra as
forças turcas.
Descobrem que uma frota turca
fora destruída em uma tempestade. E, Yago recebe Cassio bêbado e provoca-o, em
uma briga, com Rodrigo. Othello culpa Cassio pela luta e tira-o de sua patente.
Yago, então, envia Cassio para
questionar Desdêmona[7], se haveria alguma forma
de convencer seu o marido a voltar atrás e, o reintegrar. Emília[8], mulher de Rodrigo e aia
de Desdêmona durante a viagem, pega um lenço de Desdêmona que cai.
E, Yago leva-o, sabendo que
tal item lhe pode ser útil posteriormente. E, convence Othello que há algo
acontecendo entre Cassio e Desdêmona e, se retrata como sendo o único
confidente de Othello. Othello então promove Yago à tenente[9].
Yago coloca, propositalmente,
o lenço de Desdêmona no quarto de Cassio e, ainda informa Othello que ouça
enquanto ele faz Cassio relatar sobre o caso amoroso. E, na realidade, Yago
pergunta a Cassio sobre seu affair com a mulher e meretriz chamada
Bianca, mas Othello não percebeu o nome e, acredita que está falando de Desdêmona,
sua mulher. Então, resolve matá-la e, ainda, pede que Yago mate Cassio. E, assim,
Yago convence Rodrigo a fazê-lo por ele e, então, Othello prossegue em
maltratar a esposa terrivelmente.
Rodrigo ataca Cassio quando
este está saindo de Bianca, mas fica apenas ferido. Yago, estando disfarçado ataca
Cassio e, depois, pretende chegar na cena para ajudar pretensamente. Yago mata
Rodrigo para silenciá-lo e, também, acusa Bianca de arranjar para matar Cassio.
Othello, por sua vez,
confronta Desdêmona por conta do lenço, sobre Cassio e, acaba por estrangulá-la,
mas Emília chega, logo depois, e pede ajuda. Quando Othello menciona o lenço como
prova cabal de adultério. Emília percebe o enredo tramado por Yago e o expõe, enviando
Yago para uma fúria, matando Emília. Othello confronta Yago, mas não o mata, virando
uma espada escondida em si mesmo, enquanto o vilão é preso pelo assassinato de Desdêmona.
Há uma citação famosa, in
litteris: "Ó, cuidado, meu senhor, de ciúme; É o monstro de olhos
verdes, que se zombam da carne que alimenta”.
É curiosa a relação que existe
entre o ciúme de Otelo e o ciúme de Brabâncio que apresentam o mesmo caráter
dominador sobre Desdêmona. E, ambos anseiam pela fidelidade e total obediência,
mas quando contrariados revelam um caráter cruel, em Brabâncio, temos a negação
da filha e, em Othello, falsas acusações.
Toda tragédia orbita em torno
da traição, inveja e a forte rivalidade entre os personagens. Inicia-se como Yago,
alferes de Othello[10], tramando com Rodrigo
como forma de contar a Brabâncio, o senador de Veneza que sua bela e gentil
filha Desdêmona tinha íntimas relações com o General Othello.
A raiva de Yago é sedimentada
pela vingança, pois o General Othello promoveu Cássio, o jovem soldado
florentino e grande intermediário nas relações entre o general e Desdêmona[11], outorga-lhe então o
posto de tenente.
Tal promoção ofendeu muito Yago
que acreditava que a promoção seria obtida sempre pelos velhos meios em que
herdava sempre o segundo o posto do primeiro e, não por amizades.
Brabâncio deixara a sua filha
livre para, enfim, escolher o marido que mais lhe agradasse, acreditava que
Desdêmona escolheria, um homem da classe senatorial ou similar. Ao tomar
conhecimento de que tinha fugido, para casar-se com General Mouro[12], foi à procura de Othello
para matá-lo. E, no encontro, chegou o comunicado do Duque de Veneza,
convocando ambos a uma reunião urgente no senado.
Durante a reunião, Brabâncio,
sem provas[13],
acusa Othello ter induzido sua filha casar-se com ele através de bruxarias e
magia negra. Othello, na qualidade de grande general de Veneza gozava de estima
e confiança do Estado, por ser leal, corajoso e ter atitudes nobres, e em sua
defesa, realizou simples relato da sua história[14] de amor no que foi
plenamente confirmado pela própria Desdêmona.
Othello[15] era o único general e
líder capaz de conduzir o exército em contra-ataque a uma esquadra turca que se
dirigia à ilha de Chipre. Othello fora, finalmente, inocentado e, o casal e a
tropa seguiram para Chipre, em barcos separados.
Durante a viagem uma forte
tempestade separou as embarcações e, por conta disso, Desdêmona chegou em
primeiro lugar na ilha. E, pouco depois, Othello desembarca com a novidade que
era finda a guerra pois toda esquadra turca fora destruída pela fúria das
águas. O que o Mouro ignorava é que na ilha, enfrentaria outro inimigo, ainda
mais fatal, do que os turcos.
Na ilha, Yago munido de seu
ódio por Othello e Cássio, começou semear a discórdia entre o casal, tanto que
concebeu ardiloso plano de vingança para arruinar seus inimigos. Yago era hábil
e profundo conhecedor da natureza humana e, sabia que, de todos os tormentos que
tanto afligem a alma, o ciúme é o mais intolerável e incontrolável dos
sentimentos humanos[16].
Sabia que Cássio era quem mais
detinha a confiança do general e, devido a sua beleza e eloquência, qualidades tanto
apreciada pelas mulheres, ele era exatamente o tipo de homem capaz de despertar
o ciúme de um homem de idade avançada, como era Othello, casado com uma jovem e
bela mulher branca. E, começou a arquitetar seu plano.
Cássio, num momento
celebrativo, embriaga-se e envolve-se em briga com Rodrigo, durante uma festa
que os habitantes de Chipre ofereceram a Othello. Quando o mouro sabe do
acontecido, destitui Cássio de seu posto de tenente.
E, nessa mesma noite, Yago
começa a jogar Cássio contra o general. Falava, dissimuladamente, do certo
repúdio a atitude do general, que sua decisão tinha sido muito rígida e, que
Cássio poderia pedir a Desdêmona que intercedesse junto à Othello.
Emocionalmente abalado, Cássio procura Desdêmona e cumpre fielmente o plano de Yago.
Yago, então, se insinuou a
Othello que Cássio e sua esposa poderiam estar tendo um caso amoroso[17]. E, tal plano foi tão bem
traçado que, então, Othello passou a desconfiar da esposa.[18]
Yago sabia que o mouro havia
presenteado sua mulher com velho lenço de linho bordado com morangos, o qual tinha
herdado de sua mãe. Yago induz Emília, a roubar tal peça e, informa, em
seguida, ao general que sua mulher havia presenteado o seu amante com ele.
Othello, então, enciumado
questiona, rispidamente, a esposa sobre o lenço e, esta, ignorando que este estava
com Yago, não soube explicar o desaparecimento dele. Yago, colocou o lenço no
interior do quarto de Cássio para que ele o encontrasse.
Mais tarde, Yago fez com que
Othello se escondesse e ouvisse um diálogo seu com Cassio. Falavam sobre
Bianca, uma meretriz e amante de Cássio, mas como Othello ouviu apenas
parcialmente a conversa, ficou com a impressão de que estavam falando de
Desdêmona.
Algum tempo depois, Bianca
chega e Cássio dá a ela, o lenço que encontrou no seu quarto para que
providenciasse uma cópia. As consequências foram nefastas, primeiro, Yago que
jurando lealdade ao seu general, disse que, para vingá-lo, mataria Cássio, mas
sua real intenção era matar Rodrigo e Cássio.
No entanto, isso não ocorreu
e, Rodrigo acaba morrendo e, Cássio é ferido tendo uma perna mutilada.
Depois, Othello descontrolado
e louco de ciúmes, foi à procura da esposa, e acreditando que era adúltera, a asfixia
em seu quarto. Após isso, Emília, sabendo que sua senhora fora cruelmente
assassinada, revelou a Othello, Ludovico (parente de Brabâncio) e Montano
(governador de Chipre antes de Othello) que tudo fora tramado por seu marido e,
que sua senhora jamais fora infiel[19] e adúltera.
Yago então, enraivecido, mata
Emília e foge, porém, logo é capturado. Othello, desesperado ao saber que
matara sua amada esposa injustamente, apunhalou-se, caindo sobre o corpo de sua
mulher e, morreu beijando-a.
Ao fim, da tragédia, Cássio
passou a ocupar o lugar do general Othello e, Yago fora entregue às autoridades
para ser julgado e Graciano, uma vez que seu irmão Brabantino morrera, ficou
com bens do mouro[20].
Há sinais de racismo permeiam
toda a peça teatral, presentes na fala de Yago, inimigo secreto do general,
quando em conversa com o pai de Desdêmona, aduz que agora mesmo, neste exato
momento, “um velho bode negro está cobrindo vossa ovelha branca” ...
O clímax da peça é o momento
em Desdêmona é morta, ao mesmo tempo, em que se revela toda a trama de
manipulações e maquinações. E, no momento seguinte, retoma Othello a razão,
porém, o ato já está consumado. No fundo, todos tentam se convencer que o
general é honrado, mas se tornou perverso e assassino pelo infortúnio do
destino que o fez sucumbir à loucura e irracionalidade.
A tragédia se consolida não
apenas pela vingança de Yago, mas também pela culpa de Othello que desconfiado,
acredita que a esposa não mais o ama em razão de ser mouro, levando-a a
traição.
Essa peça assim como tantas
outras de Shakespeare pode render bom debate sobre a aparência e a realidade. A
começar pelo Yago, um dos maiores vilões de toda literatura. Em sua essência, é
pérfido, maquiavélico e sem limites. E, finge lealdade a Othello, apesar de
sinceramente odiá-lo.
O personagem do general
Othello se mostra um homem forte, viril e seguro e, que acreditava nos
sentimentos de sua amada esposa. Porém, foi facilmente dominado pelo ciúme
quando, então, revela suas fraquezas mais eloquentes.
O pai de Desdêmona, por sua
vez, um senador rico também mascara os seus reais valores. E, se a princípio exaltava
Othello[21] como grande líder e
general, em seguida, o ridiculariza, pelo negrume de seu peito.
A tragédia foi publicada pela
primeira vez por volta de 1622, porém sua composição é datada de 1604[22]. A linguagem do autor foi
rica e criadora e, contém todos os elementos anglo-saxônicos e latinos da
língua inglesa.
Shakespeare busca a comédia e
o romance naturalmente, mas chega à tragédia por meio da violência e da
ambivalência; atribuiu ao Mouro um caráter mais nobre e refinado, e também uma
função de destaque em Veneza; aumentou a importância de Emília na trama;
acentuou a malignidade de Yago; criou novos personagens e eliminou outros.
Em verdade, diferentemente de
Lord Byron[23],
que exibe por toda a Europa o coração sangrando, contudo, a imensa agonia dos
sentimentos de Othello ao matar Desdêmona, é informada não apenas pela
intensidade exterior, mas, também pela interior já que Othello, ao final, se
suicida.
Othello é uma tragédia regida
pelo ciúme, uma peça de construção perfeita, onde o ciumento mouro e a maldade
diabólica de Yago, arquitetam os acontecimentos[24].
Inicialmente, pode-se
enquadrar a conduta de Othello como sendo homicídio qualificado pelo
feminicídio[25],
ora previsto no artigo 121, §2º do Código Penal brasileiro. Sendo
particularmente qualificado por envolver violência doméstica e familiar.
Deve-se afastar a
qualificadora de motivo fútil, em razão do pacífico entendimento de que não configura
quando o agente é movido por ciúme. Nem tampouco a qualificadora relativa à
surpresa do ataque, vez que Desdêmona se encontrava acordada e ciente de que
seria morta por seu marido, já que anunciara antes o golpe fatal[26].
É possível que se possa
reduzir a penal, pois o agente pratica o ilícito movido ou sob o domínio de
violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, uma vez que
não houve qualquer ação da esposa, no sentido de provocar a ira do general e
esposo.
Por mais que Othello
acreditasse ter sido traído por sua esposa, isto jamais foi praticado, nem ato
de provocação dirigido àquele que pudesse ensejar uma ação reativa imediata ou a
posteriori.
O Código Penal brasileiro, em
seu art. 26, positiva ser “isento de pena o agente que, por doença mental ou
desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da
omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de
determinar-se de acordo com esse entendimento”.
É o que se denomina de
inimputabilidade penal, que acarreta, no processo penal, à chamada absolvição
imprópria, quando o julgador prolata sentença absolutória, podendo, contudo,
impor medida de segurança ao agente.
Outrossim, trata ainda o
Código Penal brasileiro da chamada semi-imputabilidade, quando, em seu art. 26,
parágrafo único, aduz que “a pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o
agente, em virtude de perturbação de saúde mental ou por desenvolvimento mental
incompleto ou retardado não era inteiramente capaz de entender o caráter
ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento”.
Afinal, para o direito penal,
quando se tratar de doença mental, ou imputabilidade penal, seu conceito deve
ter ampla significância. E, se defende que o termo compreende não apenas
estados mórbidos e crônicos de turvação de espírito, como ainda, os
transitórios que causem efeitos assemelhados, id quest, qualquer
enfermidade que venha a combalir as funções psíquicas.
E, segundo Aníbal Bruno
(1967), entre as doenças mentais, in litteris:
“se incluem os estados de alienação mental
por desintegração da personalidade, ou evolução deformada dos seus componentes,
como ocorre na esquizofrenia, ou na psicose maníaco-depressiva e na paranoia;
as chamadas reações de situação, distúrbios mentais com que o sujeito responde
a problemas embaraçosos do seu mundo circundante; as perturbações do psiquismo
por processos tóxicos ou tóxico-infecciosos. E, finalmente, os estados
demenciais, a demência senil e as demências secundárias.”
Como se vê, o estado emocional
abalado momentâneo, a depender do grau, pode ser visto como transtorno mental
transitório[27]
apto a aniquilar ou reduzir a capacidade de entendimento ou o self control do
agente[28].
Por emoção, Nélson Hungria
(1958) entende “um estado de ânimo ou de consciência caracterizado por uma viva
excitação do sentimento”, sendo, pois, “uma forte e transitória perturbação da
afetividade, a que estão ligadas certas variações somáticas ou modificações
particulares das funções da vida orgânica”.
Para Hungria (1958), “a
emoção, quando atinge seu auge, reduz quase totalmente a vis electiva em
face dos motivos e a possibilidade do self control”.
Porém, existem ainda as
enfermidades que não retiram totalmente a vis electiva ou controle
próprio, mas os reduzem consideravelmente, conforme é o caso dos que chamamos
de fronteiriços e, assim definidos por Fernando Pedroso, in verbis:
“Habitam, então, nessas zonas crepusculares,
os indivíduos chamados de fronteiriços ou de demi-fous, cuja consciência
encontra-se em déficit, situando-se na faixa cinzenta, na linha
divisória da sanidade e insanidade. São os semi-imputáveis. (…).
Os inimputáveis não respondem
por pena de privação de liberdade (e, sim, por medidas de segurança[29]) enquanto o
semi-imputáveis apenas a pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o
agente, em virtude de perturbação de saúde mental ou desenvolvimento mental incompleto
ou retardado não era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato
ou determinar-se de acordo com esse entendimento.
Enquanto nas hipóteses de
inimputabilidade há supressão e anulação da capacidade de discernimento, na
responsabilidade porque é diminuída, o que se verifica é, enfim, a sua redução
ou diminuição, o seu enfraquecimento, o que exige do agente um esforço maior
para atingi-la. A diferença entre as duas situações, por conseguinte, reside e
repousa no grau da incapacidade. (…)[30]
A doutrina mais moderna, a
respeito dos doentes da zona cinzenta, representada por Cézar Roberto Bittencourt
(2004), explica: “Entre a imputabilidade e a inimputabilidade existem
determinadas gradações, por vezes insensíveis, que exercem, no entanto, influência
decisiva na capacidade de entender e autodeterminar-se do indivíduo”. (…)
Situam-se nessa faixa
intermediária os chamados fronteiriços, que apresentam situações atenuadas ou
residuais de psicoses, de oligofrenias e, particularmente, grande parte das
chamadas personalidades psicopáticas ou mesmo transtornos mentais[31] transitórios.
Esses estados afetam a saúde
mental do indivíduo sem, contudo, excluí-la. Ou, na expressão do Código Penal,
o agente não “inteiramente” capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de
determinar-se de acordo com esse entendimento. A culpabilidade fica diminuída
em razão da menor censura que se lhe pode fazer, em razão da maior dificuldade
de valorar adequadamente o fato e posicionar-se de acordo com essa capacidade.”[32]
Enfim, é possível concluir que
tanto o amor como a paixão são capazes de provocar sensíveis alterações emocionais
com influência decisiva, seja sobre a capacidade de entendimento, seja sobre a
possibilidade de autocontrole, podendo ser considerados como autênticos
transtornos mentais transitórios a ensejadora a inimputabilidade ou até
semi-imputabilidade.
Othello[33] embora homicida e
feminicida, pode ter sua pena reduzida pela semi-imputabilidade prevista pelo
artigo 26 do Código Penal brasileiro.
É preciso compreender que o
mundo de Shakespeare era um mundo em transição, transformação pelo Renascimento,
pelas Grandes Navegações que descobriram o Novo Mundo, pelo Iluminismo e
heliocentrismo de Copérnico[34] (que provou que a Terra
girava em torno do Sol). As novas tecnologias apareceram e transformaram tudo,
como a invenção da prensa de Gutenberg que permitiu a cópia de obras e
impressos. E, as cidades começaram a crescer e a burguesia a florescer.
Com maior presença da razão,
apesar de tantas guerras e violências que se alastraram pela Europa e,
contribuíram para a formação dos Estados.
Com a Idade Moderna retirou-se
Deus no centro do universo e colocou-se o homem em seu lugar. Eis, uma das
características do Renascimento que é o individualismo, que se transformou em
otimismo, na medida em que ampliou a crença nas próprias potencialidades do
homem e, em um espírito de aventura intelectual e artística.[35]
Segundo Harold Bloom, as
criações do bardo expressaram o conhecimento e o espírito da época moderna, que
definiu a condição humana como entendemos atualmente. Afinal, em Shakespeare, o
homem é o responsável pela construção do próprio destino.
A dramaturgia do bardo é
repleta por personagens emblemáticos e de todas as idades tal como Hamlet,
Ofélia, Otelo, Yago, Cleópatra, Rei Lear, Macbeth, Desdêmona, Rosalinda, entre
outros, pois ao total, criou mais de mil personagens todos dotados de grande
dimensão e de profundidade filosófica e metafísica. São personagens
extraordinários que discutem valores e formas de consciência[36].
No contexto isabelino,
registrou-se crescente recorrência de mouros em território inglês, a Rainha
Elizabeth I decide, então, por expulsar grande parte desses estrangeiros. E,
tais ações refletiam o temor do período de que a cultura errante, pagã e
lasciva dos mouros, segundo os padrões elisabetanos pudesse colocar em risco a
organização política e social então vigente.
A imagem[37] de Othello é depreciada
não em razão de cor da pele ou origem, e sim pelo fato de não ser europeu,
considerado o Outro, o estranho e alheado. Assim os mouros figuravam como
aberrações, associando-os à monstros.
O que revela a contumaz
desconfiança do europeu em referência aos costumes e manifestações culturais de
outros povos e de outras culturas. Desde a Antiguidade Clássica já havia uma
forte preocupação em proteger o Ocidente da influência e dominação do Oriente.
Assim, o bardo buscou a representar os turcos como sendo povo bárbaro e
demoníaco em total contraste com a moral e justiça cristã.
Uma curiosidade[38], essa peça é a que mais
se assemelha a Dom Casmurro de Machado de Assis, onde até hoje nos questionamos
se Capitu traiu Bentinho. Inclusive, há uma cena, na obra em que Bentinho vai
ao teatro justamente para assistir à peça de Shakespeare, Otelo.
A leitura de Otelo[39] deve ser feita
contextualizada, o que possibilita ao leitor contemporâneo entender sobre época
que cobre as atitudes e a manifestação cultural de outro tempo e outra
sociedade[40].
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[1] Violência doméstica ou familiar: quando o
crime resulta da violência doméstica ou é praticado junto a ela, ou seja,
quando o homicida é um familiar da vítima ou já manteve algum tipo de laço
afetivo com ela. Esse tipo de feminicídio é o mais comum no Brasil, ao
contrário de outros países da América Latina, em que a violência contra a
mulher é praticada, comumente, por desconhecidos, geralmente com a presença de
violência sexual.
[2]
A tragédia traz temas muito atuais tais como racismo, amor, ciúme, traição e
xenofobia. Traz Yago, como um vilão persuasivo e inteligente que enganou a
todos, passando-se como íntegro, obediente e conselheiro. Já Desdêmona é a
esposa fiel, casta e passiva que abandona seu pai Brabâncio para casar-se com
Othello, secretamente.
[3]
O Dicionário de Nomes, Termos e Conceitos Históricos, de Azevedo (1990) informa
que mouros é nome pelo qual, de maneira geral, eram designados, na Península
Ibérica, durante a Idade Média, os muçulmanos ali instalados: árabes, berberes
e outros. O termo foi especialmente empregado com relação aos que viviam em
território cristão por força da capitulação de cidades ou do cativeiro de
guerra.
[4]
O nome Yago, advém do latim Iacobus, que por sua vez é latinização de um
nome hebreu Ya’akov ou Jacó, que significa literalmente calcanhar. De
fato, sabe-se que Jacó teria nascido segurando o calcanhar de seu irmão gêmeo,
Esaú. Além destas versões, este nome também tem as variantes como Diogo e
Jaime. É também um nome bíblico mencionado no Antigo Testamento, como sendo o
filho de Isaac e Rebeca, que se tornou o pai dos doze fundadores das doze
tribos de Israel.
[5]
Rodrigo é outro personagem que através de suas ações, revela má índole, é amigo
e confidente de Yago. Mas, o General Othello faz jus ao casamento com Desdêmona
devido as suas boas qualidades que afirma ter. Nessa cena, o bardo protege o
protagonista ao evitar imagens negativas, enquanto apresenta Yago como tão
persuasivo quanto diabólico.
[6]
Otelo e o Chipre: o período histórico de que trata a peça data da invasão Turca
ao Chipre, que está sob governo de Veneza (1489) e a utilizaram como centro
comercial.
[7]
O significado de Desdêmona é a que possui má sorte. Do grego, significa de má
estrela, a que teme a Deus. Desdêmona é assassinada em seu quarto, em sua cama,
sendo possível a leitura simbólica da própria violência contra a mulher.
[8]
Emília, esposa de Rodrigo e aia de Desdêmona faz discurso feminista para sua
senhora. E, afirma que as mulheres também têm sentimentos e sentem prazer da
mesma forma que o sexo masculino. Assim, Emília a incentiva a deixar de ser
submissa e não acatar todas as ordens de seu marido.
[9]
Melville inicia a tradução de Otelo, o Mouro de Veneza com o diálogo entre
Rodrigo e Yago, oficiais da guarda de Veneza. O último se sente desprezado pelo
general Otelo que, ao escolher Miguel Cássio para
o posto de tenente,
provocou um profundo espírito diabólico na personagem. Dessa forma, Yago inicia
o seu plano vingativo: eliminar o mouro e seu Miguel Cássio. Por sua vez, Otelo
se apaixona por Desdêmona e se casam secretamente sem o consentimento de
Brabâncio, o pai da moça. Na noite da fuga, Iago começa o seu plano, acorda
Brabâncio e avisa-lhe do roubo da filha.
[10]
O significado do nome Othello é rico, poderoso e afortunado. Algumas fontes
informam que o nome significado próspero, mas não há como comprovar. A origem
do nome Otelo é teutônica, sendo variação de Otílio, Oto. E, ainda há a maneira
italiana de descrever Otto.
[11]
A esposa de Otelo, Desdêmona, tem relativamente poucas falas famosas. Sua frase
mais famosa é a do ato I, cena III: "Meu nobre pai, percebo um dividido
dever". É o início de um discurso que ela faz a seu pai, no qual ela diz
que sua lealdade está dividida entre ele e seu marido. Ela está explicando que,
mesmo que ela seja uma filha e obediente, ela não pode fazer o que seu pai
quer, porque ela deve ainda mais obediência a Otelo.
[12]
É verdade que, na época de Shakespeare, qualquer pessoa mais morena era chamada
de negra. Aparentemente, Otelo nasceu na Mauritânia, sendo assim um
"mouro", isto é, alguém de pele olivácea, sangue africano,
melancólico e turvo. Só que a peça só funciona se Otelo for negro de verdade. O
filme em cartaz mostra um ator -Laurence Fishburne- que é negro mesmo,
"beiçudo" como recomenda o texto de Shakespeare.
[13]
Pouco importa se as "provas" que Iago apresenta do adultério de
Desdêmona são fraquíssimas, quando o que vemos é o nascimento, a maturação e o
rebentar da suspeita e do ciúme na alma de Otelo. O espetáculo psicológico, o
poder da dúvida, a corrosão de um caráter como o de Otelo de certo modo
independem dos motivos, dos fatos, das calúnias de Iago. Tudo se torna
plausível, porque parece vir de dentro de Otelo, não do bom senso do
espectador.
[14]
A Inglaterra do bardo ainda
estava na transição entre a Idade Média e o Renascimento, e temos neste drama,
uma vez mais, um campo de batalha entre as duas concepções do mundo. Iago é
humanista ao extremo – “Vós, razão, sois minha deusa.” – pois para ele a
humanidade é o que há de mais elevado na existência, e como tal a humanidade
está limitada a razão e a natureza. No humanismo renascentista o racionalismo
no pensamento e o naturalismo nas artes caminham juntos – a negação
racionalista de tudo que é sobre-humano e sobrenatural. É isso que a personagem
medieval Hamlet chama de “filosofia” – “Há mais coisas entre o céu e a terra,
Horácio, do que pode sonhar tua filosofia.”, e que o também medieval Vicêncio
de Medida por Medida resume como a maldade de Bernardino, “Homem! Dizem que
tens uma lama teimosa que nada aprende além deste mundo.”. Iago, o humanismo, é
inimigo do homem.
[15]
Otelo é negro e mouro, ou seja, muçulmano, mas que adotou o cristianismo.
Desdêmona, branca. Muitas vezes vai ser discutido se é verdadeiro o amor da
branca pelo negro. Muitas vezes esse relacionamento vai ser chamado de
monstruoso. O “monstro” é um dos elementos capitais da peça. O ciúme é um
monstro, Otelo é um monstro. O
“demônio”, da mesma forma, é frequentemente invocado.
[16]
A construção retórica se dá com discurso de Yago chamando a atenção de todos
para o contraste físico dos personagens, e através da imaginação, insinuar em
suas ações que ele é capaz de perpetrar atos pecaminosos ou que contrariam o
contexto europeu. Logo no início da peça teatral, Yago compara Othello aos
animais.
[17]
O amor é a única loucura de um sábio e a única sabedoria de um tolo. Mas, o
amor é cego, por isso, enquanto houver um louco, um poeta e um amante haverá
sonho, fantasia e amor. E só assim, sobreviverá alguma esperança.
[18]
Na análise feita por Bloom considera quase toda a fortuna crítica a respeito da
obra, da qual se utiliza para fundamentar suas análises; ora elogiando a peça,
ora criticando-a de forma firme, mas sempre usando um estilo fluido e
agradável. A ideia central foi resgatar a dignidade e a glória do Mouro, ou
seja, repetindo os próprios termos do bardo.
[19]
Primeiramente, deve-se alertar que não se confunde lealdade com fidelidade,
quando se cogita de amor são pré-requisitos para todas as atividades sociais
sem o custo de causar a falta de paz. É, ainda, notório que sem atributos e
valores não há o que nos leve ao amor. O discurso de Yago é cuidadosamente elaborado
e, refletir a arte do convencimento, pois sabe usar bem a linguagem e escolhe
os momentos propícios para enganar a todos, e plantar a semente da desconfiança
em Othello. A retórica foi, ao longo dos séculos, se transformando em sinônimo
de recursos embelezadores dos diálogos, ganhando, por vezes, até certo tom
pejorativo. Aristóteles trouxe à lume a obra "Arte retórica" que pode
ser considerada uma espécie de síntese das visões que se acumulavam em torno
dos estudos retóricos, assim como m guia dos modos de se fazer o texto
persuasivo. Assim, a obra apresenta um corpo de normas e regras que visam
explicar o que é como se faz e qual significado dos procedimentos persuasivos.
Para Aristóteles, a retórica é a faculdade de ver teoricamente o que, em cada caso,
pode ser capaz de gerar a persuasão.
[20]
Ao final, Otelo fere Yago, mas não consegue matá-lo, e enterra um punhal em seu
próprio peito. Cássio, como governador, ordena a tortura e execução de Yago.
[21]
Otelo é drama sobre autos morais, sobre reputação e sedução masculina e, de
forma sutil sobre uma companhia teatral. A partir de todos esses fios, sua
história de amor, em que Iago derrota o herói e a heroína é tensamente urdida.
Os defeitos que existem na urdidura não são perceptíveis para plateia e a peça,
escrita com imensa segurança e habilidade. Desdêmona é intimamente relacionada
às mulheres de sua época. Foi afetuosamente humanizada através de suas pequenas
e desastrosas indiscrições, sua rebeldia para com Brabâncio e seu zeloso
carinho pelo mouro, que nunca deixou de ser uma personagem meio opaca.
[22]
Em Otelo fazem-se emergir os riscos ligados a um amor que agita os seus limites
étnicos e se aventura no contato com um mundo diferente do seu. O Mouro de
Veneza foi uma história inspirada na já conhecida novela de Giraldi Cinthio
(1504-1573), novelista e poeta italiano e levada a cena pela primeira vez em 1
de novembro de 1604.
[23]
George Gordon Byron (1788- 1924), conhecido como Lord Byron foi poeta inglês e
uma das mais relevantes e influentes figuras do romantismo. Há seus extensos
poemas narrativos como Don Juan, A peregrinação de Childe Harold e She Walks
in Beauty. Foi tanto festejado como criticado em vida por seus excessos
aristocráticos, e até por conta de boatos de sua escandalosa relação amorosa
com sua meia-irmã.
[24] Salienta Sartori que mesmo a mulher obtendo
maior liberdade, ainda era motivo de preocupação à sociedade patriarcal. E,
pouco antes dessa época, ocorreu a Reforma Protestante, que trouxe grandes
mudanças para a sociedade inglesa. O bardo considerado como escritor atemporal
soube bem representar os problemas da alma humana, e sua obra é contemporânea.
A importância da figura feminina nas peças de Shakespeare é enorme, e se
sustentou por uma postura relativista, que define o sujeito como sendo fruto
não apenas de fatores biológicos e psicológicos, mas igualmente, de
determinações culturais e históricas.
[25]
A palavra “feminicídio” ganhou destaque no Brasil a partir de 2015, quando foi
aprovada a Lei Federal 13.104/15, popularmente conhecida como a Lei do
Feminicídio. Isso porque ela criminaliza o feminicídio, que é o assassinato de
mulheres cometido em razão do gênero, ou seja, a vítima é morta por ser mulher.
O feminicídio é o homicídio praticado contra a mulher em decorrência do fato de
ela ser mulher (misoginia e menosprezo pela condição feminina ou discriminação
de gênero, fatores que também podem envolver violência sexual) ou em
decorrência de violência doméstica. A lei 13.104/15, mais conhecida como Lei do
Feminicídio, alterou o Código Penal brasileiro, incluindo como qualificador do
crime de homicídio o feminicídio.
[26]
Othello e Desdêmona, metaforicamente, representam a alma e o espírito. E, Yago
era o diabo que tudo fará para arruinar o amor e o matrimônio, contrapondo-se à
união do céu e da terra que é a única forma possível de se obter a realização
humana. E, Yago interpõe a razão, e é capaz de convencer a terra de que o céu
não existe, portanto, não existe essa subordinação. Yago traduz um mundo conforme Marcuse, Freud,
Marx e Foucault o definiram.
[27]
O ciúme patológico e delirante também conhecido como Síndrome de Otelo onde há
ideias prevalentes ou sobrevaloradas e são prevalentes sobre outros pensamentos
e de grande relevância afetiva para o indivíduo que as produz. De acordo com o
Manual Diagnóstico e Estatísticos de Transtornos Mentais é DSM-IV-TR,2002, o
Transtorno Delirante Paranoico do tipo ciumento.
[28]
A loucura interessa para o Direito, na - medida em que ela é elemento
determinante para a capacidade. Capacidade para praticar atos da vida civil.
Atos que fazem fatos, que fazem contratos, que fazem negócios... que expressam
VONTADE. Vontade dentro dos limites de uma razão. Razão razoável e com
razoabilidade. E qual o limite desta razão? Os atos jurídicos são determinados
essencialmente pela vontade e esta por sua vez por fatores de ordem psíquica. É
neste sentido a afirmação de Del Vecchio: "É ainda preciso conhecer a
natureza dos processos psíquicos, da atividade do espírito, para compreender a
origem do Direito... O Direito desenvolve-se inteiramente na ordem dos fatos
psíquicos.". (In: PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Todo gênero de louco – uma
questão de capacidade. Disponível em: https://www.direitodefamilia.adv.br/2020/wp-content/uploads/2020/07/rodrigo-da-cunha-pereira-todo-genero-de-louco.pdf
Acesso em 20.11.2021).
[29]
A medida de segurança compreende as internações, seja em hospital e tratamento
psiquiátrico, bem como tratamento ambulatorial, conforme artigo 96 do Código
Penal: As medidas de segurança são: I) internação em hospital de custódia e
tratamento psiquiátrico ou, à falta, em outro estabelecimento adequado; II)
sujeição a tratamento ambulatorial.
[30]
QUEM SÃO OS INIMPUTÁVEIS? Os doentes mentais ou os que possuem o
desenvolvimento mental incompleto ou retardado, e que no momento do delito, se
encontravam em estado incapaz de compreender a ilicitude do ato; Os menores de
18 anos; Os que cometeram crime em estado de embriaguez completa, desde que
seja proveniente de caso fortuito ou força maior; Os maiores de setenta anos, que
possuem benefícios para cumprir a pena tendo em vista a idade avançada.
[31]
Transtornos mentais são alterações do funcionamento da mente que prejudicam o
desempenho da pessoa na vida familiar, social, pessoal, no trabalho, nos
estudos, na compreensão de si e dos outros, na possibilidade de autocrítica, na
tolerância aos problemas e na possibilidade de ter prazer na vida em geral.
Isto significa que os transtornos mentais não deixam nenhum aspecto da condição
humana intocado.
[32] “Não podemos todos ser mestre, nem todos os
mestres podem ser lealmente seguidos.”
[33]
Otelo representa um dilema sociopolítico, um mouro heroico no comando das
forças armadas de Veneza, tão sofisticada em sua decadência. Há um combinado
mercenarismo e romance Em Otelo há uma simplicidade heroica é também, uma
cegueira heroica. Tal característica faz parte do herói ideal da metáfora de
Shakespeare. Se Desdêmona se apaixona
pelo guerreiro em Otelo, e este pelo sentimento que ela alimenta por ele, o
casamento não altera a natureza de Otelo, embora altere seu relacionamento com
Veneza, tornando-o, mais do que nunca, um intruso.
[34]
Na história ocidental, o heliocentrismo é uma importante doutrina que impactou
a forma de pensar sobre o lugar da humanidade no universo. Assim, ela fez oposição com as ideias também
da Igreja Católica no século XVI. Os
principais conceitos de Copérnico apontavam a Terra girando em torno de si
própria como um dos seis planetas conhecidos orbitando o Sol. A ordem dos
planetas era a seguinte: Mercúrio, Vênus, Terra, Marte, Júpiter e Saturno
(somente mais tarde foram descobertos Urano, Netuno e Plutão). O estudioso
ainda determinou as distâncias dos planetas ao Sol. Copérnico também deduziu
que a velocidade orbital dos planetas é proporcional à distância do Sul. Os
estudos de Copérnico foram considerados uma subversão e refutados pela Igreja
Católica, que colocaram sua obra - “Revolutionibus Orbium Coelestium –
Das Revolução dos Corpos Celestes” – na lista dos livros proibidos pela Santa
Inquisição.
[35]
A peça Othello, o Mouro de Veneza ao enfatizar as controvérsias geradas pelo
confronto entre culturas, raças, ideologias, gêneros, entre o público e o
privado, entre colonizadores e colonizados, veio evidenciar de forma
contundente a experiência diaspórica da humanidade, o que veio a ser tornar a
condição arquetípica da modernidade. Promove a boa análise da relação entre
discurso e o poder.
[36]
É significativa a maneira como na sua última fala Otelo faz questão de
demonstrar como encara seus atos na trama e que se preocupa que relatem a sua
história tal como a interpreta; claramente ele se incomoda pelo modo como seus
atos serão vistos pela posteridade: Suplico aos senhores que, em suas cartas,
quando relatarem esses atos infelizes, falem de mim como sou. Que nada fique
atenuado, mas que se esclareça também que em nada houve dolo. Depois os
senhores devem mencionar este que amou demais, com sabedoria de menos; este que
não se deixava levar por sentimentos de ciúme, mas, deixando-se levar por
artimanhas alheias, chegou aos extremos de uma mente desordenada. (SHAKESPEARE,
2003, p. 396).
[37]
A imagem de Othello mostra um grande guerreiro, líder e soberbo, porém, perde
seu autocontrole. Ao saber de suposta traição de sua esposa. O ciúme aflora
doentio. Othello sente tanto ciúme que se revela como monstro à espreita de sua
presa. Enquanto Desdêmona transborda de amor por aquilo que destruirá sua vida.
[38]
Entre Yago e Othello. A peça Otelo nos conduz a um modo de interpretação que
será ampliado pela criação de novos personagens de grande densidade psicológica
nas obras shakespearianas apresentadas aqui, onde, por vezes, a alternância de
papéis, leva-nos a uma surpresa, que, por sua vez, conduz-nos a um entendimento
mais imaginativo.
[39]
A ópera Otello de Giuseppe Verde é considerada trabalho agradável com base na
obra de Shakespeare. Para muitos tenores, o papel de Otello é a suprema
coroação de sua carreira.
[40]
Em nenhuma outra tragédia Shakespeare foi tão cuidadoso, como em Otelo, ao
caracterizar o protagonista como uma pessoa nobre e respeitada. A desonestidade
e a capacidade de intriga de Iago, como também o propósito do alferes em
retratar Otelo da forma mais desfavorável possível, têm o poder de ressaltar,
ainda mais, a alta categoria de Otelo (SHAKESPEARE,1999). Torna-se claro na
peça que Otelo é considerado indispensável pelo governo veneziano por sua
destreza e habilidade na guerra. E, também, torna-se claro, que é por esse
motivo, que os venezianos o toleram, que toleram o seu casamento com Desdêmona.
Tal como já foi mencionado anteriormente, há um descompasso entre o
reconhecimento de Otelo como o grande general e de seu reconhecimento como um
cidadão, ou seja, existe um conflito evidente na peça entre os interesses do
estado e os interesses do indivíduo.