Pesquisando historicamente sobre a audiência,
verifica-se que ao tempo das Ordenações, a audiência não se apresentava
propriamente como um ato processual, mas como ato ordenatório e coordenador da
atividade forense em geral.
Significava a sessão em que o juiz pessoalmente ouvia
as partes, por si ou por seus advogados e procuradores, deferia seus
requerimentos, proferia sua decisão sobre as questões de fácil e pronta solução
e, publicava suas sentenças sejam interlocutórias ou definitivas.
A audiência ordinária consistia num tempo durante o
qual o juiz ficava à disposição dos litigantes para a prática de atos de
natureza administrativa, ouvindo requerimentos dos presos, as pessoas religiosas
e mulheres que estivessem presentes, em seguida, os advogados e procuradores,
começando pelo mais antigo, realizava-se assim, atos processuais de maior
relevância, em vários processos, apresentando os advogados, os termos de
recursos e protestos.
Todos os termos da audiência eram lançados nos
respectivos livros encadernados para os escrivães, depois em seus cartórios os
transcreverem em seus respectivos feitos. E as Ordenações Portuguesas eram
expressas em que, “depois de acabar de ouvir a agente, que na audiência
estiver, não a levantaria o juiz, sem antes mandar perguntar pelo porteiro, em
alta voz, se ainda alguém havia que quisesse requerer alguma cousa” (Ord, Tít.
19, §4º).
Pereira e Souza apud Carreira Alvim conceituava a
audiência como sendo o lugar no qual os juízes ouvem as partes por si, por seus
advogados ou procuradores. Neste lugar é que as causas devem prosseguir os seus
termos, sendo regulados pelos juízes que a elas presidem. Decidem-se em audiência
as questões de fácil expedição.
Já Othon Sidou afirma que audiência como “momento
culminante da atividade jurisdicional” constituiu e, ainda constitui, o núcleo
do processo em todos os tempos: “os reis primitivos, depois os juízes que
passaram a exercitar a distribuição da justiça em nome do monarca, o iudex e o pretor romanos, o vizir
egípcio, o cádi muçulmano e o Rachimbourg
germânico sempre ouviram de viva voz as partes, antes de fazerem ouvir seu
julgamento.
No CPC de 1939 ao qual não se pode negar o crédito pela
modernização da estrutura e dos conceitos básicos do processo civil brasileiro,
substituíra a antiga concepção duelista pela ideia de o processo ser
instrumento público e dinâmico de atuação da lei, a audiência passou a ser ato
processual integrante de cada determinado processo, suprimidas as antigas
audiências ordinárias, de evidente inutilidade, retratando apenas um ritualismo
superado e inócuo.
Assim, a audiência de instrução e julgamento tornou-se
no CPC de 1939 um termo essencial do processo ordinário, não se podendo
conceber a sua preterição. É quando o processo viveu a sua hora culminante,
porque é nela que o juiz entra em contato com as provas, ouve o debate e,
pronuncia a sentença.
Assegurou a importância da audiência inclusive nas
causas em que a pretensão das partes se fundamentasse em prova exclusivamente
documental, por possibilitar, mesmo em tais casos, não apenas a realização do
debate oral, como ainda, ser proferida logo a sentença e, o prazo para a
interposição dos recursos começava de pronto a fluir, sem a necessidade de
novas intimações.
O CPC de 1939 realmente adotou o sistema oral, apesar
de manter a função de documentação, apresentando-se no simples caráter
preparatório do debate oral, ou seja, contém o anúncio das declarações que
serão feitas em audiência.
Na lição de Chiovenda, as declarações juridicamente
relevantes far-se-ão somente em audiência, nesta se deseja mantê-las, deve-se
também confirmar oralmente as declarações anunciadas e escritas, mas pode se
modificar, retificar ou abandoná-las e formular outras não anunciadas.
Usualmente a declaração oral não faz mais que evocar as declarações escritas,
constituindo uma referência a estas, não se entende, porém, olvidar as alegações
escritas ou simplesmente contrariá-las, se não é feita ou evocada oralmente em
audiência, perdem as declarações
escritas sua relevância original.
Todavia o processo brasileiro, continuou consagrando a
regra de que as declarações fundamentais das partes se contêm na petição
inicial e na contestação apresentadas não com a função de meros escritos
preparatórios, mas como declarações de vontade em definitivo traçando os lindes
da pretensão e da resistência.
O CPC de 1939 adotou o processo oral e suas regras da
imediação que Chiovenda considerou a essência da oralidade, da concentração e
da identidade física do juiz, e regras que aliadas à atividade dos litigantes,
realmente romperam em definitivo com os conceitos dominantes no antigo
processo, já irrecusavelmente superado, inapto a atender as necessidades de
eficácia da atuação jurisdicional em uma sociedade econômica e culturalmente em
franco processo e evolução.
Liebman que teve certeira influência no CPC de 1973
considerou indispensável a audiência posto ser inaceitável suprimir a
oralidade, ainda mais, num sistema legislativo brasileiro, onde havia uma única
audiência que era a de instrução e julgamento destinada ao conhecimento do
mérito.
Eliézer Rosa apud Carreira Alvim definiu a audiência
de instrução e julgamento como o ato processual público solene, substancial do
processo, presidido pelo juiz[1], onde se instrui, discute
e decida a causa. Revelou o nobre doutrinador que, no entanto, a audiência
nunca obteve o sentido que a teoria tanto enaltecera, referindo-se à má praxe
de os advogados substituírem as alegações orais por memoriais escritos de
antemão ou, ainda, de simplesmente se reportarem às peças básicas da fase
postulatória.
Mas a realização da audiência muitas vezes
representava um fator de procrastinação e não de aperfeiçoamento no andamento dos
processos, pelo atraso decorrente das pautas de juízes sobrecarregados de
trabalho.
Nas antigas ações executivas não contestadas e
presentes no CPC de 1939 bem como as demandas baseadas em prova somente documental,
realmente as audiências eram reduzidas à simples formalidade de um simbólico
debate oral, que nada contribuíam para a encontrar a melhor solução da causa,
mas sim, para acarretar indesejado retardamento, sendo apenas uma homenagem
bizarra a um princípio teórico na prestação jurisdicional.
Galeno Lacerda em sua magnífica tese sobre Despacho
Saneador em 1953 pioneiramente sustentou a possibilidade de julgamento
antecipado do mérito no momento processual do despacho saneador, impugnando o
posicionamento doutrinário de Liebman. Retrucou afirmando que Liebman
situava-se no plano da pura técnica processual e a luz dela é que interpretou a
lei brasileira. Enxergava a lei brasileira, porém com olhos italianos.
Não se ousa negar os méritos óbvios da oralidade e as
virtudes das audiências. Mas, se postula efetivamente por uma visão teleológica
do processo[2].
Assim Galeno Lacerda advertiu in litteris:
“Antes de se afirmar que o processo brasileiro[3] é oral, que o debate e
audiência são essenciais, impõe-se, primeiro, indagar quais, em nosso sistema,
a natureza e a finalidade de tais atos. ”
Afinal há de se distinguir os atos essenciais
indispensáveis à constituição e aos fins da relação processual de outros atos
nem tão essenciais, posto que pertençam à esfera da disponibilidade das partes
ou à do juiz. Assim, exemplificando: o recurso, a contestação, a exceção, a
perícia que não constituem atos essenciais ao processo.
Destacou Galeno Lacerda que podemos vislumbrar pelo
menos três objetivos da audiência: provar, discutir e julgar. E, o motivo pelo
qual não se pode considerar a audiência ato essencial se prende primeiramente
porque nem toda prova nesta se pode produz. A prova documental, por exemplo, se
oferece ora nos atos de postulação ou de contestatória. Reservando-se para
audiência, apenas, as inspeções diretas e provas orais tais como
interrogatórios de peritos, depoimento das partes e de testemunhas.
Portanto, caso as provas orais não se fizerem
necessárias, a audiência para colhê-las será ato inútil e dispensável. Outro
motivo é porque a prova pertence ao poder de disposição da parte ou do juiz.
Sendo certo que o destinatário da prova é o juiz. Como ato disponível, o meio
através do qual possa manifestar-se é a audiência – não sendo essencial ao
processo.
Não se pode negar que a audiência continua a ser ato
disponível, renunciável e cuja existência pertence ao alvedrio dos litigantes.
Portanto, não será daí que a audiência possa receber nota e adjetivo de ato
essencial ao processo.
Conclui-se que são plenamente disponíveis para os
litigantes ou mesmo para o magistrado todos os atos a serem praticados dentro
da audiência em razão dos quais esta existe.
Concluindo, Lacerda é peremptório em aduzir que entre
nós, a oralidade não é imperativa, mas disponível. Nossos atos postulatórios
são escritos, e sua apresentação em juízo e a produção probatória documental,
tantas vezes a única a realmente existir, não se fazem em audiência, portanto
tais discussões orais são sumariamente renunciáveis, e nossas sentenças, salvo
a publicação, independem igualmente de audiência.
Percebe-se que Liebman raciocinou, no Brasil, em
termos da oralidade europeia, e mais particularmente a italiana. E, sua
afirmação de que a petição inicial, a contestação e a réplica não são
absolutamente suficientes para dar ao juiz um conhecimento satisfatório da
causa é puro dogmatismo. Se o réu com a contestação, demonstrou cabalmente a
prescrição ou a coisa julgada, ou pagamento, ou a transação, e ao autor não
assiste nenhum argumento consistente lhe opôs, ao voltar a se manifestar no
feito, o juiz restará habilitado a julgar a lide.
Se a audiência, portanto, em nosso processo, não é ato
essencial, desaparece a única razão, que ao ver de Liebman, impediria decisão a
respeito do mérito por ocasião do despacho saneador.
A jurisprudência pátria da época, no entanto, sendo
fiel ao texto do diploma processual de 1939 só aceitava a supressão da
audiência em face da não-contestação do réu, nos procedimentos especiais e ante
a expressa autorização legal para o juiz de plano sentenciar.
E a referida lição veio a conduzir a uma das inovações
mais exitosas e acolhida sob aplausos gerais no CPC de 1973 ao julgamento
antecipada da lide, ou melhor, ao julgamento imediato da lide. O que mais tarde
veio redundar no indeferimento liminar da petição inicial ou a decisão liminar
de mérito.
Apesar de festejado o julgamento antecipado da lide
deve ser usado com ponderações e prudência, a fim de não implicar graves riscos
para o direito de defesa. A eminente professora Ada Pellegrini Grinover tecendo
considerações sobre “O Julgamento Antecipado da Lide – Enfoque Constitucional”
concluiu que: “O novo instituto, destinado a conferir ao processo maior
celeridade, economia e concentração, representa uma escolha de política
legislativa em detrimento da oralidade, e deve ser usado com cautelas, para que
não haja prejuízo para a defesa dos direitos das partes. ”
Arruda Alvim, eminente professor, também escreveu que
o princípio da oralidade nasceu inflacionadamente, tendo sido reduzido aos seus
devidos termos. E, considerou que o auge da oralidade não reside, como
consignado por Chiovenda e abonado por Liebman no debate oral realizado pelos
advogados, mas sim, na aplicação do princípio[4] da imediatidade do juiz,
de seu contato direto com a prova oralmente recebida que é sublinhado pela
concentração, para que as imagens e provas colhidas pelo juiz não esmaeçam de
sua memória pelo decurso do tempo e, pela regra da identidade física do julgado
– o juiz que julga deve ser, sempre que possível, o mesmo que desfrutou das
vantagens do contato imediato como prova oral.
Desde do CPC de 1939 tentamos sem êxito enfatizar a
tônica da oralidade e do contraditório[5] no debate verbal realizado
em audiência, e, para tanto, tornou a audiência como ato essencial do procedimento
ordinário.
No entanto, o Código Buzaid reduziu a oralidade àquilo
que seja essencial, ou seja, para consagrá-la onde se imponha como
imprescindível para a apuração dos fatos a serem emergidos da prova oral.
Acentuou ainda Arruda Alvim a universalidade da
atenuação do princípio da oralidade tal como inicialmente fora formulado,
citando que na própria Alemanha, o professor Fritz Baur, observou também que o
princípio da oralidade, pelo menos com a referida alta intensidade, é uma
irrealidade e é impraticável.
A admissão pelo legislador brasileiro da possibilidade
do julgamento antecipado da lide, com a abolição da audiência veio a reduzir a
oralidade às suas verdadeiras e úteis dimensões. Pois o que importa é a justa
composição da lide, ou seja, a imediação que é compatível com o processo
escrito.
Afinal na Alemanha cresceu a convicção de que a
oralidade e a imediatidade não podem ser óbices à realização rápida e econômica
do processo, cabendo ao juiz ponderar e sopesar caso a caso, a utilidade desses
princípios, que somente serão aplicáveis quando as vantagens inerentes a esses
princípios forem maiores que as desvantagens.
A audiência de instrução e julgamento é ato processual
complexo, por envolver outros atos e por sua duração, extensão e espaço, onde
está presente necessariamente o juiz a preside e dirige, caracteriza-se pelo
elevado grau que representa de imediatidade e de concentração.
Resta ainda a lembrança que a audiência é um ato
processual obediente ao princípio geral da publicidade, trata-se de ato solene,
no sentido da observância de determinadas formalidades, cuja infringência,
todavia, regra geral, só acarretará invalidade na medida em que ofendido algum
princípio fundamental do processo[6], como o da igualdade das
partes dentro do contraditório.
Mas, reconheçamos que atualmente a audiência não se
constitui um ato substancial ao processo, ou seja, indispensável à obtenção do
julgamento do mérito, eis que o procedimento comum ordinário prevê o julgamento
antecipado da lide, com exclusão da audiência, como forma simplificada do
procedimento padrão. Havendo ainda a possibilidade de improcedência liminar.
Mais adequada e sóbria fora a definição trazida por
Cândido Dinamarco de que a audiência de instrução e julgamento é um ato
processual complexo realizado publicamente em primeiro grau de jurisdição e do
qual participam o juiz, advogados, testemunhas, serventuários de justiça e as
partes, com o objetivo de obter a conciliação destas, realizar a prova oral, o
debater a causa e proferir sentença.
É cabível desdobrar as atividades normalmente
relacionadas com a audiência, a saber: atos de preparação da audiência;
abertura e pregões; tentativa de conciliação e atividades de instrução
(depoimentos orais; eventuais juntada de documento); decisões interlocutórias
proferidas no decurso da audiência; debates orais (caso não substituídos por
posteriores razões finais escritas); prolação de sentença em audiência (caso o
juiz não escolha proferi-la posteriormente) e, por fim, a lavratura do termo
(pela forma tradicional ou pela forma eletrônica).
A Lei 8.952/94 trouxe a lume a audiência preliminar,
no CPC/73, no art. 331, que nos processos sob rito ordinário será realizada ao
término da fase postulatória e após cumpridas as providências preliminares, audiência
dotada de múltipla finalidade, a saber: a) tentativa de conciliação; b)
atividades finais de saneamento. c) ordenação da instrução probatória; d)
designação, se necessária, da audiência de instrução e julgamento. Evidentemente
galgada a conciliação amigável da lide, suprime-se os provimentos atinentes as
letras b, c e d.
Caso a demanda versar sobre direitos sobre os quais
não se possa transigir, a audiência preliminar não se fará necessária e, o juiz
irá prover, por decisão de saneamento, quanto aos eventuais vícios processuais
e quanto à organização da prova a ser produzida.
A abertura da audiência, com os pregões, é formalidade
essencial, afirmou Moacyr Amaral Santos: “a falta de pregão importa em nulidade
da audiência, alegável pela parte não apregoada e que por isso não tenha
comparecido à mesma. Comparecendo, apesar de não apregoada, sanado estará o
vício e válida será a audiência”.
A omissão da formalidade do pregão é causa de nulidade
se tiver havido prejuízo para o não-apregoado, por mínimo que seja, o seu
interesse. O comparecimento, sem prejuízo, dá validade à audiência.
Realizar-se-ão a portas fechadas, entretanto, as
audiências nos casos de processos sob o regime de segredo de justiça, e tais
são aqueles previstos no art. 155 do CPC/73 (art. 189 do Novo CPC), apesar de
que em regra as audiências sejam públicas. Borges da Rosa, comentando o diploma
legal pretérito, arrolou entre os motivos de interesse social aqueles que
pudesse causar danos à sociedade, à coletividade, ao País, ao Estado, ao
Município e à Justiça ou a outros institutos, repartições ou estabelecimentos
de caráter público ou social, ou ao bem-estar, à ordem, à paz, ao sossego, à
tranquilidade, à segurança pública, etc.
As hipóteses de segredo de justiça[7] parecem ser taxativas. Mas
nos processos que em princípio não tramitam em segredo de justiça, poderá o
magistrado determinar, em ocorrendo justo motivo, que algum ato de instrução, como
a oitiva de alguma das partes, ou depoimento testemunhal, ou a inspeção na
pessoa de alguém, se efetive a portas cerradas.
Na audiência a portas cerradas, permanecem na sala
apenas os servidores da justiça (escrivão, meirinho, o representante do
Ministério Público, os advogados dos litigantes, além do juiz e do depoente).
E, todos presentes ficam vinculados ao dever de sigilo, respondendo no foro
criminal e cível pelo descumprimento de tal dever.
Apesar do processo tramitar em segredo em justiça, a
abertura da audiência é feita publicamente, com os respectivos pregões. Ocorre
divergência doutrinária quanto à manutenção do sigilo no momento da prolação e
publicação da sentença na audiência.
Ressaltando-se que o CPC vigente restringe a
possibilidade de obter certidão do dispositivo da sentença apenas ao terceiro[8] que demonstra interesse
jurídico, mantido, pois in totum o
segredo de justiça, salvo para os litigantes e a fundamentação do decisório
(art. 189 do Novo CPC).
O CPC/73 retomou a tentativa de conciliação com as
velhas origens lusitanas. E, mesmo a Constituição do Império brasileiro em seu
art. 161 previa que não se começasse processo algum, sem se fazer constar que
se tem intentado o meio da reconciliação, confiado, então, aos juízes de paz
eletivos.
A audiência de conciliação só se realizaria quando não
se configurar a hipótese de julgamento antecipado da lide. Se, para formar o
seu convencimento, necessitar o magistrado de outros elementos probatórios,
quando se passará à instrução.
Há ainda segunda tentativa conciliatória que pode ser
promovida no início da audiência de instrução e julgamento. Dinamarco observou
que a audiência preliminar é destinada precipuamente às atividades tendentes à
conciliação, e manda proceder ao início da audiência de instrução e julgamento.
Afinal, afirma o grande processualista paulista que seria arbitrário suprimir a
segunda tentativa de conciliar, quando as tendências do tempo são ampliativas
da atividade conciliatória.
A franca valorização dos meios alternativos de solução
dos conflitos é uma linha bem traçada através das ondas renovatórias do
processo civil brasileiro e, hoje a tentativa de conciliar está incluída, pela
própria Reforma, entre os deveres fundamentais do juiz[9]. Por essa razão o atual
teor do art. 125, inciso IV do CPC/73(art. 139 do Novo CPC) que informa que
compete ao juiz, a qualquer tempo, tentar conciliar as partes.
Frise-se que a sentença homologatória de conciliação
ou de transação poderia versar a questão mesmo que não estivesse em juízo, isto
é, alheia à res in iudicium deducta,
mas mesmo assim constituía título executivo judicial.
Neste ponto, a circunstância de que a Lei 9.307/97
relativa à arbitragem, houvesse a alterado a redação inadvertidamente omitindo
a referência à questão não posta em juízo. A tese, embora tal omissão,
permanecia a mesma. Para aplacar as dúvidas, veio a Lei 10.358/2001 que arrolou
entre os títulos executivos judiciais: a sentença homologatória de conciliação
ou de transação, ainda que verse matéria não posta em juízo e a sentença
arbitral.
Versando a lide sobre direitos patrimoniais de caráter
privado impende ao juiz o dever de tentar a conciliação, que constitui, como
que um ponto de encontro entre a autocomposição e heterocomposição da lide. As
próprias partes fixam o conteúdo do ato (geralmente uma transação, mais
raramente o reconhecimento do pedido ou renúncia à pretensão), mas assim agem
debaixo da mediação e sugestões do magistrado, que buscará leva-las a uma
solução conforme com equidade e que não traga em si o germe de novos litígios
ou contenha cláusula ofensiva a normas jurídicas cogentes.
Obtida a conciliação, que inclusive pode versar,
questões alheias à coisa julgada, suas cláusulas são consignadas no termo da
audiência, seguindo-se a sentença homologatória e o encerramento da audiência.
Transitada a sentença em julgado, os efeitos do
negócio jurídico material adquirem a imutabilidade e indiscutibilidade próprias
da coisa julgada material (pois terão valor de sentença). É como se houvera
julgamento de mérito, pois a conciliação e a sentença agem simultânea e
imediatamente sulla lite e sul processo.
Não obtida a conciliação, ou se houver apenas parcialmente o acordo, a
audiência prosseguirá.
Em se participando pessoa jurídica de direito público[10], não é de se tentar, em
regra a conciliação das partes, em face da indisponibilidade do interesse
público, subjacente à pretensão ou à defesa.
Curial salientar é se o juiz não deverá incluir no
termo de audiência as ofertas e recusas de propostas conciliatórias, quando
infrutíferas. Pois tal conduta importaria em enfraquecer a posição da parte, e
ninguém mais se animaria às tentativas conciliatórias se pudessem,
praticamente, importar em virtual reconhecimento de direitos alheios.
Os dados colhidos na fase conciliatória não podem
influenciar o juiz sobre o conteúdo das provas, quando as afirmações que advenham
das partes ainda devam ser confirmadas pelas provas.
A lei processual impõe ao juiz o dever de tentar a
conciliação. Mas, as partes, todavia não estão obrigadas ao comparecimento pois
não consta nenhuma sanção para os casos de inobservação da intimação. Mas, por
outro lado, o Novo CPC impôs a todos os sujeitos do processo, o dever de
colaboração e, ainda, a construção de contraditório participativo. Assim, em
regra realizar-se-á a audiência de conciliação, e as demais hipóteses de sua
não realização correspondem a honrosas exceções.
Cumpre notar que a pena de confissão no caso de a
parte apesar de intimada para prestar depoimento pessoal, e que não se aplica
no caso de chamamento apenas para a tentativa de conciliação.
É razoável a possibilidade de aparte, ser pessoa
jurídica, fazendo-se presente na audiência para efeito de conciliação, por
preposto, devidamente credenciado pelo órgão da pessoa jurídica. Mas, para a
conciliação possa merecer a devida homologação, é naturalmente necessário que o
preposto, ou o advogado disponha dos necessários poderes (poder de transigir).
A ausência da parte, devidamente simplesmente recusa à conciliação. O juiz
mandará consignar tal circunstância e prosseguirá a audiência.
A ausência do advogado da parte à audiência significa
que está processualmente ausente. Todavia, a orientação dominante é no sentido
de que a conciliação em audiência pode processualmente se realizar mesmo sem a
presença de advogado.
Pontes de Miranda acentuou que os pressupostos para a
conciliação são os que existem para os atos constitutivos das partes
(capacidade de ser parte, capacidade processual e poder de representação
legal). O que se há de exigir para a conciliação é que o sistema jurídico, no
plano de Direito Privado (ou público) faz obrigatório para a existência e a
validade dos negócios jurídicos, especialmente das transações.
Tema outrora polêmico, era saber se necessário que a
parte fosse intimada pessoalmente para o comparecimento à audiência ou se
admitiria que tal intimação fosse feita na pessoa de seu advogado, munido de
poderes de transigir.
De alta relevância prática e doutrinária é a
consequência da omissão das tentativas de conciliação, no plano da validade da
audiência realizada e da sentença proferida não obstante dita omissão.
A disponibilidade da pretensão de direito material,
notadamente direitos patrimoniais de caráter privado, torna defesa a aplicação
de sanção de nulidade. Obtida a
conciliação, composta estará a lide e se extinguirá o processo. Assim,
prosseguirá a audiência, sendo válidos todos os atos processuais até então
praticados, pois evidenciada a impossibilidade da autocomposição do litígio e a
necessidade de heterocomposição.
Prevalente é a orientação adotada pelo Superior
Tribunal de Justiça: “Conciliação. Não se anula o processo para retornar à fase
da conciliação, se já proferida a sentença e composta a lide pela manifestação
judicial”. (REsp 207.785, 4ª Turma, Rel. min. Ruy Rosado de Aguar, ac.
19.08.1999, DJU 03.11.1999, p.118).
Pontes de Miranda ainda nos ensinou que “o
procedimento conciliatório é pressuposto do procedimento contencioso, mas não
da sentença de mérito”, concluiu que se o juiz determinar o comparecimento das
partes e tentar conciliá-las, daí não resulta nulidade da sentença: o
pressuposto é do procedimento contencioso, nas espécies que alei aponta, porém
não de sentença. Trata-se como mencionou a legislação germânica de 1924 de
acomodação voluntária da disputa jurídica.
Registrou Alfredo Buzaid que por influência do Direito
Romano e com sua evolução o direito europeu construiu duas soluções bem
similares: a da audiência preliminar e do despacho saneador.
A primeira solução surgirá na Itália em 1834 a prima udienza ou audiência preparatória
transplantou-se para a Zivilprozessordnung
alemã (ZPO) e para o Código de Processo Civil austríaco, onde o juiz resolve
toda a questão que não seja de mérito. Mas apesar de conter matéria puramente
processual poderá conduzir à uma resolução de mérito seja quando ocorre acordo
ou renúncia.
Também conheceram a prima udienza os escoceses em 1868 e, depois, os ingleses (1883)
que criaram a summons for directions
que dividia o processo britânico em dois: a primeira fase de atividades
preparatórias e a segunda fase destinada à decisão do mérito da causa.
Nos EUA deu-se a simplificação do processo,
verificando os juízes que num exame preliminar poderiam solucionar amigavelmente,
grande número de feitos, antes do julgamento da questão principal, ou pelo
menos, conseguiria elucidar boa parte das questões.
As audiências pré-trial
(que labora um julgamento preparatório) que rapidamente se difundiu nos EUA.
Todas essas experiências servem para buscar uma simplificação tornando o
processo num hábil instrumento para a bora administração da justiça.
Anotou Galeno Lacerda que apenas quatro a cinco por
cento das ações propostas perante os tribunais ingleses chegam à audiência de
julgamento, a maioria se resolve na fase preliminar, na audiência de summons for directions.
Outra vantagem trazida pela Lei 10.44/2002 foi o
saneamento[11]
oral, sem eliminar o despacho saneador, o que serve para imprimir maior
celeridade ao processo e uma rápida prestação jurisdicional.
A audiência preliminar segundo Cândido Dinamarco seria
palco da conciliação e da organização do processo, concentrando-se, num único
momento, a conciliação e saneamento, dando oportunidade aos advogados das
partes de expor suas razões sobre as questões e provas diretamente ao juiz.
Também a instrução se dimensiona ao necessário para o deslinde da controvérsia.
De regra, os direitos dos entes públicos (tais como
União, Estados, municípios e autarquias) são considerados como direitos
indisponíveis, portanto, entende-se ser dispensável a conciliação. Mas seria um
equívoco identificar a natureza do direito material dos entes públicos[12] com a possibilidade de
transação.
Apesar de que, de regra, esses direitos sejam intransigíveis
posto que os procuradores não dispõem de poder de disposição, sem estarem
expressamente autorizados. Até que a Lei Orgânica da Advocacia Geral da União
dispõe a atribuição do Advogado-Geral da União: “VI – desistir, transigir e
firmar compromisso nas ações de interesse da União nos termos da legislação
vigente”.
De sorte que a possibilidade de transação dependerá
muitas vezes, da posição do ente público no processo, seja autor ou réu, bem
como da índole da controvérsia até antes da natureza do direito.
Frise-se que a conciliação nem sempre depende da
natureza do direito, estando antes relacionada ao grau de interesse que o ente
público tenha na demanda. Embora indisponíveis os direitos e educação dos
filhos e, etc., nada impede a transação sobre estes; da mesma forma, os
direitos provenientes de acidente do trabalho são indisponíveis, dado o seu
caráter alimentar, o que não impede a transação das partes.
Sergio Bermudes ressalta que a conciliação pode recair
também sobre direitos indisponíveis, como os alimentos quando as partes podem
acordar quanto ao valor da prestação; o investigado pode reconhecer,
espontaneamente, a paternidade no curso do processo de investigação. E,
conclui: “Enquanto não corrigido o defeito da lei, pode ele ser reparado,
quando aos direitos indisponíveis suscetíveis de composição, mediante a
aplicação do art. 125, IV.
Apesar disso, reafirma Dinamarco que é corretíssima a
exclusão da conciliação da audiência preliminar relativamente às causas que
versem sobre direitos indisponíveis.
Quando a demanda não comportar, ainda que em tese, a
transação, à qual se destina precipuamente a audiência prévia, é evidente a
desnecessidade de sua designação, para os demais fins a que alude, podendo tais
questões ser resolvidas por simples despacho, fora dela.
Mas a audiência prévia ou de conciliação serviu para
imprimir maior agilidade ao processo, com economia de atividade processual, e
não transformar em orais a prática de atos processuais, que podem ser, de
imediato e normalmente praticados por escrito. Mas, Dinamarco acreditava que a
audiência preliminar se realizaria no procedimento ordinário brasileiro,
sempre, a não ser quando extinto o feito antes dela.
Havendo circunstâncias da causa que evidenciam ser
improvável a conciliação, o juiz poderá, desde logo, sanear o processo e
ordenar a produção da prova. Assim o saneamento será de rigor se houver alguma
irregularidade a ser corrigida, ou houver necessidade de deferimento de prova,
a ser produzida na audiência, pois, do contrário, deverá proceder ao julgamento
antecipado da lide.
A sistemática da reforma do CPC/73 foi no sentido de
aproveitar ao máximo a audiência prévia, mesmo quando não se tenha o êxito da
conciliação, para preparar o feito para os atos finais, fixando os pontos
controvertidos, decidindo as questões processuais pendentes, determinando as
provas a serem produzidas e, designando a audiência de instrução e julgamento.
O prazo para realização da audiência prévia no CPC/73
era meramente programático ou prazo impróprio, e sendo ultrapassado, não gera
mais que eventuais consequências de ordem correicional, quando injustificável o
excesso.
O ponto de divergência ou ponto controvertido nada
mais é do que questão de fato ou de direito que cumpre ao juiz resolver. Assim
ensinava Carnelutti para quem toda afirmação contida nas razões (da pretensão
ou da contestação), a respeito da qual surge uma dúvida, torna-se uma questão.
Em outras palavras, a questão é o ponto duvidoso, de
fato ou de direito, e sua noção é correlata à noção de afirmação. Não há dúvida
de que a expressão ponto controvertido traduz, o que realmente pretendeu
traduzir, ou seja, ponto a respeito do qual instaurou-se uma controvérsia.
Registrou Galeno Lacerda que a audiência preparatória
do direito alemão tinha, igualmente, por função principal, além da tentativa de
conciliação, fixar o ponto litigioso para efeito da delimitação da prova e
possível discussão da causa em uma só audiência perante o colégio.
O significado real de “fixar pontos controvertidos” é
mais do resumir o que alegaram as partes, do que simples asserção do que
afirmaram, compreende, a um só tempo, as questões de fato e as questões de
direito. Na linguagem de Pontes de Miranda, é o momento de pôr, “os pontos nos
iis”.
A crítica de Sergio Bermudes é injusta, de que o
primeiro ponto da atividade do juiz é a decisão das questões processuais
pendentes, vindo só depois os pontos controvertidos, sobre os quais devem
recair a prova. Além de a prova não incidir apenas sobre os pontos
controvertidos, poderá ir sobre a questão processual, como, por exemplo, o
domicílio, para fins de determinação do foro, compreendem-se neles igualmente
as questões de direito, que, no geral, não carecem de prova.
Dispõe os Códigos italiano[13] e português dispõem que o
juiz regulando a discussão em audiência, determina os pontos sobre os quais
esta deve desenvolver-se, assim o magistrado selecionará, dentre os fatos
articulados, os que interessam à decisão da causa.
Evidentemente os advogados podem e devem influir na
fixação dos pontos controvertidos, fazendo ver ao juiz, os eventuais equívocos
que haja cometido, como por exemplo, incluindo pontos incontrovertidos e, não
obtendo sucesso, devem recorrer da decisão, sob penda de preclusão.
Embora essa providência tenha também o propósito de
depurar a discussão, restringindo-a ao que interessa realmente ao julgamento da
causa, recomenda-se, todavia, cautela aos magistrados, evitando recursos que
possam comprometer a celeridade do processo.
Registrem-se, por oportunas, as seguintes observações
de Pedro Batista Martins comentando o art. 269 do CPC/39 que guarda
correspondência com o art. 331, segundo parágrafo do CPC/73 (e que por sua vez,
corresponde ao art. 357 do Novo CPC): “Não é do espírito da lei investir o juiz
da autoridade soberana de ditar os rumos da discussão. Ele fixará o objeto da
demanda e os pontos em que se manifestou a divergência. Mas o advogado que com
semelhante orientação não se conformar, poderá advertir o juiz da inconveniência
de adscrever-se a discussão dos pontos cujos exame lhe pareça de utilidade.
A formalidade foi instituída, antes, com a preocupação
de aumentar os meios de controle do advogado, que poderá, através da orientação
traçada pelo juiz, verificar se ele se acha cumpridamente informado das
questões suscitadas no processo. Se o juiz recomendar à discussão teses que não
interessem aos debates e omitir outras que aos advogados pareçam
imprescindíveis, ou mesmo úteis, poderão eles chamar o juiz desalento à
realidade, prevalecendo-se do ensejo para lhe dar os necessários
esclarecimentos”.
O mesmo registro é igualmente realizado por Frederico
Marques, nas suas Instituições de Direito Processual Civil. Para evitar
recursos, deve o juiz oportunizar às partes a indicação dos pontos que entendam
merecer discussão.
O objeto da demanda é caracterizado pelo pedido e
causa de pedir com referência à defesa que se lhes contrapôs; na fixação dos
pontos controvertidos ou de divergência, deve o juiz pôr em relevo o
contraditório, as afirmações de uma parte que não coincidem com os da
outra. Traduzindo, o objeto da demanda é
determinado em função do pedido que demarca a res iudicanda, enquanto os pontos de divergências se condensam na
controvérsia sobre questões de fato e de direito constitutivas do objeto lógico
da decisão.
No sentido de propor a simplificação, a tentativa de
conciliação no limiar do processo de conhecimento, antes da integração
definitiva da lide, com o que tornaria dispensável a constituição do advogado e
desnecessária a apresentação da própria defesa.
No CPC/73 já existe a faculdade do juiz expressa no
art. 125, inciso IV onde se lê que compete-lhe tentar, a qualquer tempo,
conciliar as partes.
Assim a conciliação in limine litis fora prevista no
procedimento sumário (que fora suprimido pelo Novo CPC) que previa que a
apresentação da defesa apenas ocorreria quando não for obtida a conciliação. E,
tal possibilidade se dava em razão da total concentração de atos processuais
numa única audiência (que reúne a defesa, instrução e decisão), o que não
ocorre no procedimento ordinário, composto de três fases distintas que devem
ser cumpridas ao longo do trajeto procedimental.
Frise-se que as partes deverão comparecer ou seus
procuradores habilitados a transigir pois nessa audiência tem lugar não só a
tentativa de conciliação, mas, também diversos atos processuais tais como a
fixação de pontos controvertidos, decisão de questões processuais pendentes,
determinação das provas a serem produzidas, sujeitos aos efeitos da preclusão.
Cumpre assinalar que diante da fixação judicial dos
pontos controvertidos, caberão aos advogados prover participação ativa na
audiência, não apenas referente a tal fixação, mas igualmente na determinação
dos meios de provas, a exigir muitas vezes esclarecimentos sobre a sua
utilidade.
Em geral, na prática, os advogados realizam um
protesto genérico por provas, tornando necessária sua especificação, devendo
estarem presentes à audiência, sob pena de preclusão.
Como os princípios da economia e celeridade
processuais aconselham que não se perca audiência, para se possa realizar algum
ato processual, e caso as partes houverem comparecido à audiência prévia,
apesar de ausentes seus advogados (tenham ou não sido regularmente intimados ou
citados) nada impede que prossiga o juiz na tentativa de conciliação, por se
tratar de ato que envolva exclusivamente as partes e o juiz.
Conclui-se que a participação das partes, na
conciliação, exclui a de seus patronos e, vice-versa, a dos patronos habilitados
a transigir exclui a das partes. Ressalve-se que a conciliação em tais
condições não determina, por si só, a nulidade do ato, salvo, se ausente o
patrono por defeito de comunicação processual e for comprovado o eventual
prejuízo à parte. O que reafirma o princípio pas nullité sans grief.
Todavia, caso o juiz constate que a ausência dos
advogados decorreu de falha ou defeito de intimação, pode tudo o mais, provendo
então através de despacho saneador escrito, ou na própria audiência,
intimando-se, depois, as partes, para ciência da decisão; em nova audiência,
caso entenda proceder ao saneamento oral (intimando-se igualmente as partes).
No que tange as questões processuais pendentes, não há
dúvida que alcança igualmente os pressupostos processuais, as condições da ação
e toda questão de índole eminentemente processual ou procedimental, excluídas,
naturalmente, as questões de mérito.
A decisão que fixar os pontos controvertidos é
interlocutória, bem como a que deferir provas e designar a audiência de instrução
e julgamento, ou que resolver as questões sem importar em sacrifício da relação
processual. No entanto, será decisão terminativa, se resolvendo a questão
processual, vier a extinguir o processo sem resolução do mérito.
Não se impõe a realização da audiência prévia de
conciliação quando a questão de mérito for unicamente de direito ou, sendo de
direito e de fato, não houver necessidade de produzir prova em audiência
(inciso I) e quando ocorrer à revelia (inciso II), além do que expressa, que
aquelas providências somente terão lugar, se necessário.
Enfim, só haverá a audiência prévia se, não sendo caso
de julgamento antecipado da lide, for transigível o direito; do contrário, será
desnecessária, a não ser que tenha o juiz fundados motivos para considerar possível
a conciliação.
Evidentemente que os advogados não devem pretender a
designação de audiência prévia, com intuito protelatório, nem os juízes
designá-la quando for a hipótese comporte julgamento antecipado da lide.
Institui-se no Brasil,
conforme nos informa Didier Jr, a política pública de tratamento adequado dos
conflitos jurídicos, com evidente estímulo à solução por autocomposição
conforme o teor da Resolução 125/2012 do Conselho Nacional de Justiça.
Enxerga-se na solução
negocial processual não é apenas meio eficaz e econômico para a resolução dos
litígios, sendo relevante instrumento de desenvolvimento da cidadania, em que
os interessados passam a ser protagonistas da construção da decisão jurídica
que regula as suas relações.
O CNJ tem atuado como
relevante papel como gestor desta política pública, no âmbito do Poder
Judiciário, reafirmando que o Estado promoverá sempre a possível a solução
consensual dos conflitos. Até mesmo na seara do Poder Executivo, a solução
autocompositiva é estimulada havendo a possibilidade de acordos de parcelamento
de dívidas fiscais e de instauração de câmaras administrativas de conciliação
revelam bem esta tendência.
Mediação e conciliação
são formas de solução de conflito pelas quais um terceiro intervém em processo
negocial, com a função de auxiliar as partes a chegar a solução da lide. Ao
terceiro não caberá resolver o problema, conforme acontece na arbitragem. O
mediador ou conciliador exerce um papel de catalisador da solução negocial do
conflito.
Ambas são técnicas que
costumam ser apresentadas como principais exemplos de solução alternativa de
controvérsias, que corresponde a sigla ADR que em inglês significa alternative, dispute resolution.
É fato que a diferença
entra as duas técnicas é sutil. A doutrina costuma considera-las como técnicas
distintas para a obtenção de autocomposição.
O conciliador tem uma
participação mais ativa no processo de negociação, podendo, inclusive, sugerir
soluções para o litígio. O mediador exerce um papel um pouco diverso. Cabe a
ele servir como veículo de comunicação entre os interessados, sendo facilitador
do diálogo[14]
entre os litigantes, auxiliando-os a compreender as questões e os interesses em
conflito, de modo que possam identificar, por si mesmos, soluções consensuais
que gerem benefícios mútuos.
Na técnica de mediação, o
mediador não propõe soluções aos interessados. É mais indicada nos casos onde
exista uma relação anterior e permanente entre os interessados, como nos casos
de conflitos societários e familiares. O êxito da mediação ocorre quando se
consegue construir a solução negociada do conflito.
Os parágrafos segundo e
terceiro do art. 165 do Novo CPC ratificam essa diferenciação. E, em ambos
casos, veda-se a utilização, pelo terceiro, de qualquer tipo de constrangimento
ou intimação para que as partes conciliem.
Cumpre ainda destacar os
arts. 308, terceiro parágrafo, art. 303, inciso II, art. 329 e ainda o art.
334, quarto parágrafo do Novo CPC[15] quando se tem as
hipóteses em que não será realizada a audiência de conciliação ou mediação (o
que representa uma exceção).
A mediação e conciliação
podem ocorrer também extrajudicialmente, mesmo quando já existente o processo
judicial. Neste último caso, o mediador e conciliador são auxiliares da
justiça.
E, tal qualificação é
relevante, pois a estes devem ser aplicadas as regras relativas ao impedimento
e suspeição (arts. 148, III, 170 e 173, II do Novo CPC). Tanto o mediador e o
conciliador são vinculados à Administração Pública (vide arts. 167, 174 e 175
do Novo CPC). Sendo importante que se trate de atividade remunerada, até mesmo
que exista aprimoramento no nível desses auxiliares da justiça. Mas, não impede
que sejam feitas pro bono, como
trabalho voluntário.
Os interessados podem
escolher consensualmente, o mediador e conciliador e a câmara privada para a
realização da autocomposição e pode recair em profissional que não esteja
cadastrado perante o tribunal. Mas, nesse caso, será preciso providenciar este
cadastro.
A relevância do cadastro
pois tais auxiliares da justiça deverão passar por curso de capacitação, cujo o
programa é definido pelo mesmo CNJ em conjunto com o Ministério da Justiça,
além de se submeterem as reciclagens periódicas.
A conciliação e a
mediação são informadas pelos princípios da independência, da imparcialidade,
do autorregramento da vontade, da normalização do conflito, da
confidencialidade, da oralidade, da informalidade e da decisão informada (art.
166 do Novo CPC).
O princípio da
autorregramento da vontade é corolário da liberdade. Assim tudo é projetado
para que as partes definam a melhor solução para o seu problema jurídico. A
respeito à vontade das partes é absolutamente fundamental, podendo ser
considerado, aliás, o princípio mais importante no particular. O mediador e o
conciliador, estão, por essa razão, proibidos de constranger os interessados ou
litigantes à autocomposição.
Pode a vontade das partes
direcionar-se no sentido de definir as regras procedimentais da mediação ou
conciliação, e naturalmente, até mesmo, à extinção do procedimento negocial.
A confidencialidade
abarca a todas informações produzidas ao longo do procedimento autocompositivo,
cujo teor não poderá ser usado para fim diverso daquele previsto pela expressa
deliberação das partes. Portanto, conclui-se que o mediador e conciliador têm o
dever de sigilo profissional.
A oralidade e a
informalidade orientam a mediação e conciliação. É recomendável que a
negociação se realize em ambiente tranquilo, se possível sem atritos, barulhos,
e num ambienta onde todos os aspectos coadunam para haver um diálogo franco e
tranquilo o que reforça a prática da oralidade e informalidade.
Com razão, Didier Jr.,
faz crítica sensata ao aduzir que a autocomposição não pode ser encarada como
remédio para todos os males, e nem deve ser vista como forma de diminuição de
causas que tramitam no Judiciário ou técnica de aceleração de processos.
Em verdade, há valores
subjacentes à política pública de dar tratamento adequado dos conflitos
jurídicos, com incentivo à participação do indivíduo na elaboração da norma
jurídica que regulará o seu caso e o respeito a sua liberdade, concretizado no
direito ao autorregramento[16] e o acesso à justiça.
Adverte o notável jurista
baiano que é ilícita a postura de alguns magistrados que constrangem as partes
à realização de acordos judicial. Aliás, nada recomendável que o juiz da causa
exerça as funções de mediador e conciliador. Principalmente quando há
desequilíbrio de forças entre os litigantes o que é fator comum a levar as
partes a pactuarem acordo lesivo ao seu interesse.
Há de se alertar que a tentativa de conciliação não é
uma novidade no ordenamento jurídico brasileiro. Ao revés, já sofreu diferentes
momentos, uns favoráveis, outros nem tanto, conforme se possa extrair das
seguintes passagens em nosso direito positivo, a saber: art. 164 da
Constituição Imperial de 1824 que obrigava a tentativa de conciliação; o art.
5º da Lei Imperial de 13.10.1827, que impunha ao Juiz de Paz a tentativa de
conciliar as partes; as Ordenações Afonsinas e as Ordenações Filipinas (Livro
III, Título XX,§ 1º) que previam a tentativa de conciliação; o Regulamento 737,
que reservava capítulo acerca da tentativa de conciliação no tocante às causas
comerciais; o Decreto 1.030, de 1980, Lei 1.138, de 1905, o Decreto 5.433, de
1905 e o Decreto 5.561, de 1905, que durante o Governo Republicano suprimiram
as formas de conciliação até então existentes; os arts. 847 e 850 que na CLT
garantiam dois momentos à tentativa de conciliação; a Lei 968 de 10.12.1949,
que tratava da conciliação no procedimento de desquite litigioso; e, o Código
de 1973.
Deve-se considerar os ensinamentos de Carnelutti, ao
afirmar que exclusivamente por meio da vida em sociedade os homens podem
atender grande parte das suas necessidades, e porquanto a guerra entre eles
desagrega a sociedade, a composição dos conflitos se converte em interesse
coletivo.
A audiência preliminar marcou uma das principais
mudanças concebidas pela reforma do processo civil brasileiro e contribuiu
decisivamente para a aceleração da prestação jurisdicional, seja pelo fim
amigável do litígio, seja pela facilitação e organização do prosseguimento do
processo.
Ademais a audiência apresenta diferentes e relevantes funções
à adequada solução da lide, destacando-se: a) conciliação; b) saneamento do
processo; c) a fixação de pontos controvertidos; d) a determinação das provas a
serem produzidas.
A exposição de motivos da Lei 3.376 de 2000 merece ser
destacada para se entender a real dimensão da tentativa de conciliação: “Substitui-se a expressão “direitos
disponíveis” pela expressão, bem mais abrangente, “direitos que admitam
transação”. De outra parte, a expressão “ audiência de conciliação”
apresenta-se imprópria, porquanto se cuida de ato processual complexo destinado
à tentativa de conciliação, ao saneamento das questões processuais pendentes, à
ordenação das provas e à designação, se necessária, da audiência de instrução e
julgamento: daí a nova denominação alvitrada “audiência preliminar”. (...).
Além disso, o projeto acrescenta ao art. 331 um §3º,
tornando explícito que se o direito em lide não admitir transação, poderá ser
dispensada a própria audiência preliminar, lançando o juiz nos autos, desde
logo, a decisão de saneamento e ordenação da prova (orientação preconizada por
José Carlos Barbosa Moreira). Assim também se as circunstâncias da causa
evidenciarem ser improvável a transação naquele momento processual. Por fim,
permite-se que a parte possa fazer-se representar por procurador ou preposto
com poderes para transigir, permissão útil, v.g., para as pessoas jurídicas de
maior porte”.
Barbosa Moreira referiu-se que: “a introdução da audiência
destinada primordialmente à tentativa de conciliação das partes é uma face de
dois gumes. Pode, se vingar à tentativa, abreviar o feito de modo considerável.
No caso contrário, porém, alonga o curso do processo, sem outros ganhos que o
da fixação imediata dos pontos controvertidos, o da solução das questões
processuais pendentes, o da determinação das provas a serem produzidas e o da
designação, se necessário, da audiência de instrução julgamento. (In: Moreira, J.C. Barbosa. Reformas
processuais, Jornais Síntese, n. 25, pp.1-6, março 1996c).
É verdade que o CPC/73 elegeu o vocábulo “transação”,
mas, sem dúvida, esta não repele o propósito de se enfrentar o tema da
audiência relacionado ao instituto da conciliação. O emprego do termo
“transação” evidentemente segue versando sobre o interesse conciliatório das
partes.
A respeito das eventuais diferenças entre conciliação
e transação, já elucidou Athos Gusmão Carneiro: “ A conciliação diverge da
transação pelo seu caráter de ato praticado do curso do processo, mediante a
iniciativa e com a intervenção do magistrado; por seu conteúdo substancial, nem
sempre implicando recíprocas concessões; pelas consequências de ordem
processual. Estas últimas, entretanto, podem ser comuns à transação avençada
diretamente pelas partes fora do processo, e comunicadas ao juiz ora como causa
de cessação do objeto do litígio, ora para obter a homologação e a
executoriedade do acordo que estabeleça prestações a serem cumpridas. (In: CARNEIRO, Athos Gusmão. A
conciliação no novo código de processo civil. Porto Alegre: AJURIS, 1974).
A procura da conciliação é fenômeno que há muito vem
sendo destacado pela doutrina, conforme demonstram as palavras de Piero
Calamandrei, aliás alegou que a ênfase à função conciliadora, multiplicando as
intervenções fora e dentro do processo, não deve ser interpretada como indício
de pouca confiança na Justiça nem como desvalorização da luta pelo direito,
cuja utilidade social deve ser particularmente sentida em um ordenamento
baseado no princípio da legalidade. Se a
função da conciliação fosse a de calar o sentido jurídico dos cidadãos,
habituando-os a preferir às sentenças justas as soluções menos cansativas de
cômoda renúncia, a mesma estaria em antítese com os fins da Justiça, e não
poderia encontrar lugar novo Processo Civil, que trata de reforçar a autoridade
do juiz no Estado.
Em outros países, a simpatia com que se enxerga a
conciliação (outra manifestação da tendência, já observada, que queria
transformar todo o Processo Civil em jurisdição voluntária) é baseada num
sentimento de crescente ceticismo com a legalidade e com a Justiça judiciária,
tanto que até se criou um termo irônico (decisionismus)
para definir a ilusão daqueles que acreditam poder resolver todos os conflitos
com uma decisão segundo o Direito; pode ocorrer, assim, que o prestígio que se
dá à função conciliadora esteja de acordo com descrédito dado à legalidade, e
indique um retorno à concepção da Justiça como mera pacificadora social”.
Já Francesco Carnelutti apontou: “Na realidade,
contudo, as enormes dificuldades de uma boa organização do processo agravam seu
custo, comprometem seu rendimento e contribuem para que a solução contratual
predomine notavelmente no equilíbrio sobre a solução judicial.
Destarte, em vez da transação, pode ter lugar o
reconhecimento jurídico do pedido, a renúncia ao direito ou, até mesmo, a
desistência da ação. Sendo que, em tais casos, também há o fim do processo.
Apesar de a tentativa de conciliar se apresente como
um dever do julgador, as partes não suportam qualquer espécie de penalidade
pelo seu não-comparecimento à audiência preliminar. Ainda que haja a ausência
dos advogados terá a mesma sorte, ou seja, nenhuma penalidade, ressalvada a
ausência de oportunidade de apresentar manifestação sobre: de eventual
saneamento do feito; da fixação de pontos controvertidos; as determinações das
provas a serem produzidas.
E, sobre tais decisões, inclusive, julga-se
desnecessária futura intimação, desde que procedida de forma correta a
cientificação sobre a audiência preliminar.
Mas, há de se mudar a mentalidade vigente e tornar
mais efetivos os princípios de oralidade e da concentração, tão almejados desde
o Código Buzaid reformado, para que seja cumprido o ônus do comparecimento à
audiência de conciliação.
A oitiva do Ministério Público deve ser verificada
conforme o caso concreto. A fim de que se avaliada a possibilidade de ser
obtida uma transação, sem prejuízo das exigências legais, como por exemplo, a
autorização do representante legal de menor.
Mudou-se a orientação sobre a obrigatoriedade da
audiência de conciliação, pois não dependerá apenas da vontade das partes e nem
do arbítrio do julgador, trata-se de ato obrigatório, sob pena de nulidade,
exceto as hipóteses que o Novo CPC prevê como cabíveis para a sua não
realização.
Conveniente frisar que estando presentes os
litigantes, desde que sejam maiores e capazes, pouco importa a presença de seus
advogados, no que tange à tentativa de conciliação. É que, existindo o
interesse na solução da lide, deverá o juiz incentivar e validar tal medida,
embora seja obviamente conveniente o auxílio dos advogados.
Enfim, o
processo pós-moderno, visto como instituição, não atende as lições de Maurice
Hauriou ou dos administrativistas franceses do século XIX ou dos juristas das
décadas do século XX, sequer pelas posições sociológicas de Guasp e Morel, mas
pelo grau de autonomia jurídica como se desponta no discurso de nosso vigente
texto constitucional, reafirmando-se como conquista histórica da cidadania fundamentada
em princípios e institutos de inerência universalizante e ampliativa.
Não se pode
admitir no âmbito do Estado Democrático de Direito, a hierarquia existente
entre as instituições jurídicas ou a prevalência de uma sobre as outras no bojo
constitucional, como se fossem caixas de ferramentas à escolha e a serviço do
Estado absoluto e totalitário.
Nesse
diapasão, se propõe a construção de uma teoria do processo à luz do Estado
Democrático de Direito, onde a evolução não é só considerá-lo como procedimento
em contraditório, mas como uma instituição jurídica, definida e
constitucionalizada, ligada às condições de legitimação das decisões judiciais
e alinhadas ao paradigma do Estado Constitucional.
Urge, então,
a necessidade de redimensionarmos a Ciência do Processo e construirmos uma
teoria avançada à luz do Estado Constitucional, onde a evolução do processo vai
além de ser mero procedimento em contraditório, mas como uma instituição
jurídica e constitucional ajustada a propiciar a pacificação social e a
reafirmação da cidadania e da justiça.
Por derradeiro, cumpre
registrar e enaltecer a participação importante e produtiva aos debates que
permearam o tramitar do CPC de 2015 de Athos Gusmão Carneiro, notável
doutrinador, professor e processualista
brasileiro que infelizmente faleceu antes que fosse finalmente sancionado, mas
o que não impede, em reconhecer e render sinceras homenagens ao seu labor
acadêmico sempre preocupado com o aperfeiçoamento do processo civil brasileiro
a fim de atender de forma adequada e eficaz as garantias constitucionais do
processo.
Referências:
CALAMANDREI,
Piero. Eles, Os Juízes vistos por um advogado. São Paulo: Martins Fortes, 2002.
___________________
. Instituições de Direito Processual Civil. Volumes 1, 2 e 3. São Paulo:
Bookseller, 2003.
CARNEIRO, Athos Gusmão.
Audiência de Instrução e Julgamento e Audiências Preliminares. 13ª ed., Rio de
Janeiro: Forense, 2007.
CARREIRA ALVIM, José
Eduardo. Código de Processo Civil Reformado. 6ª edição. Rio de Janeiro:
Forense, 2003.
CHIOVENDA, Giuseppe.
Instituições de Direito Processual Civil. 2ª edição. Volumes I, II e III. São
Paulo: Bookseller, 2000.
CRUZ E TUCCI,
José Rogério. Piero Calamandrei: vida e obra - contribuição para o estudo do
processo civil. São Paulo: Editora Migalhas, 2012.
DIDIER JR., Fredie. O
Curso de Direito Processual Civil. V.1, 17ª edição. Salvador: Jus Podvm, 2015.
DINAMARCO, Cândido
Rangel. A Reforma do Código de Processo Civil. 1. ed. São Paulo: Malheiros,
1995.
GALENO LACERDA. Despacho
Saneador. Porto Alegre: Sergio Fabris, 1990.
LANES, Júlio César
Goulart. Audiências: Conciliação, Saneamento, Prova e Julgamento. 1ª edição,
Rio de Janeiro: Forense, 2009.
LIEBMAN, Enrico Tullio.
Estudos sobre o Processo Civil Brasileiro. São Paulo: J. Bushatsky, 1976.
SIDOU, J. M. Othon.
Dicionário Jurídico. 5ª edição. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1999.
SANDES, Luiz Calixto. A direção do processo e o papel
do juiz no princípio Constitucional e Jurisdicional. Disponível em: http://www.egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/anexos/15843-15844-1-PB.pdf Acesso em 03.06.2015.
SILVA, De Plácido.
Vocabulário Jurídico Conciso. 2ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2010.
Autoras
Gisele Leite
Denise Heuseler
[1]
A direção do
processo é feita em primeiro lugar pelo impulso procedimental, do qual a lei
expressamente indica vide o art. 3º do Novo CPC. Não obstante seja das partes o
interesse primário para a solução dos conflitos em que estão envolvidas, nem
por isso, se pode desconsiderar que o processo é instrumento público de
exercício de uma função pública, que é a jurisdição. Lembrando que o processo
não é um negócio ou mesmo um jogo entre os litigantes mais uma instituição
estatal voltado a pacificação social.
[2]
A evolução das
teorias da natureza jurídica do processo, desde a teoria contratualista,
passando pela teoria da relação jurídica, atualmente instrumentalista ou
relacionista/teleológica, teoria da situação jurídica, teoria do processo como
instituição, teoria do processo como procedimento em contraditório ou
fazzaliariana chegamos enfim, a
teoria neoinstitucionalista e, ainda ao
neoprocessualismo (a qual se filia o Novo CPC brasileiro), buscando relacionar
os conceitos de processo, procedimento, provimento e jurisdição, aos princípios
do contraditório, ampla defesa, devido processo legal e isonomia (princípios
reconhecidos como fundamentais). É certo que se deve a Büllow que inspirado nos
ensinamentos de Búlgaro expôs em 1868, em sua obra intitulada "Teoria dos
pressupostos processuais", é considerada o marco inicial da construção da
ciência processual e que abriu horizontes para o nascimento da autonomia do
processo ante o conteúdo do direito material.
[3]
A visão
anacrônica sobre os sistemas jurídicos atuais não pode mais ser dicotomizada,
colocando-se em lados opostos, aqueles que se encontram atrelados à família
romano-germânica, da Civil Law e, de
outro lado, aqueles ligados à tradição anglo-americana, da Common Law. Portanto, pode-se dizer que, no sistema italiano, a
partir da Carta de 1947, há verdadeira aproximação do sistema da Common Law ao da Civil Law. O mesmo tem ocorrido no sistema judiciário alemão. De
fato, a Lei Fundamental de Bonn, de 1949, é expressa em prever, em seu art.
94.2, o efeito vinculante das decisões do Tribunal Constitucional, salientado,
ademais, que lei federal disporá sobre a organização e o procedimento,
precisando os casos em que seus julgados terão eficácia de lei.
Assim sendo,
mostra-se possível dizer que, também, no sistema alemão existe verdadeira
aproximação do sistema codificado ao da Common
Law. Em Portugal, segundo José
Joaquim Gomes Canotilho (1992, p. 1079/1082), de acordo com o art. 282º/1 da
Constituição Portuguesa, as decisões do Tribunal Constitucional possuem força
obrigatória geral, demonstrando: a) vinculação geral, ao submeterem o
legislador, que não pode reeditar normas julgadas inconstitucionais ou
neutralizar a decisão através de convalidação retroativa; b) força de lei,
porque tais deliberações, em face do valor normativo que ostentam, espraiam
seus efeitos perante as pessoas físicas e coletivas privadas.
[4]
Aplica-se também
o princípio da subsidiariedade, porém, infelizmente em sua maioria os juízes
deixam de sanear o processo e, quando o fazem é exatamente na audiência que
pode ser a de conciliação. Tanta a efetiva direção do processo pelo impulso
oficial e saneamento constitui fator relevantíssimo para a celeridade da oferta
de tutela jurisdicional, evitando tanto as atividades inúteis como os
retrocessos indesejáveis.
[5]
A garantia
constitucional do contraditório igualmente endereça-se ao magistrado, como
imperativo de função no processo e, não como mera faculdade. A doutrina mais
moderna indica que o art. 16 do Noveau
Côde Precédure Civile Français como a expressão da exigência de participar
também endereçada ao juiz. O que corrobora o Código Civil Português, em sua
atual redação, que estabelece que: "o juiz deve observar e fazer cumprir,
ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo em
caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de fato, mesmo
que de conhecimento oficioso, sem que
as partes tenham tido a possibilidade de sobre ela se manifestarem (vide art.
3ª, 3 do CPCP).
[6]
O princípio do
dispositivo resta mitigado e a experiência mostra que o julgador contemporâneo
vem suprindo paulatinamente as deficiências probatórias do processo, não se
desequilibra por isso, nem se torna parcial. Mas, isso não significa que o juiz
deva assumir paternalmente a tutela da parte negligente. Desta forma, a
garantia do contraditório lhe exige que saia da postura de indiferença, e
percebendo a possível produção probatória que as partes não requereram, tome a
iniciativa e manda que haja a dita produção. Também lhe exige para a
efetividade da isonomia processual que diligencie que a parte que não pôde ou
não soube diligenciar,
[7]
Contudo, deve ser
anotado que o segredo de justiça se refere aos atos do processo e não à sua
própria existência, que sempre será pública. Neste sentido: ―(...). O CPC não
explica a extensão do segredo, que afeta todos os atos praticados no processo,
como acima ficou dito. Cumpre distinguir, porém, entre o sigilo sobre o
conteúdo do processo, que a lei impõe, e o segredo quanto à existência mesma do
processo, de que a lei não cogita; não impõe. (...).
[8]
A questão
relevante é se deve ser dada oportunidade para as partes originárias
manifestarem-se quanto ao pedido. Entendendo o julgador, de plano, que o pedido
deve ser indeferido, pensamos que tal providência mostra-se desnecessária, até
porque não há nulidade sem prejuízo. Havendo possibilidade de ser acolhida a
postulação, mostra-se, segundo minha opinião, indispensável a prévia oitiva das
partes envolvidas sob pena de restar violado o princípio constitucional do
contraditório.
[9]
Enfim, o processo
contemporâneo repudia a ideia de juiz-Pilatos que, em face da instrução
probatória malfeita resigna-se a fazer a injustiça atribuindo à falha aos
litigantes e sacrificando o acesso à justiça. O juiz exerce o poder-dever de
direção do processo também mediante a atividade de saneamento que é por
definição inquisitiva, e, portanto, independente de provocação das partes.
[10]
De início,
registra-se a posição de que nem todos os direitos relacionados às pessoas de
direito público são necessariamente indisponíveis. Há uma série de demandas
relacionadas a interesses defendidos pela União e seus entes vinculados que não
têm natureza de bem indisponível, como, por exemplo, a questão patrimonial.
Assim, se há controvérsia sobre a propriedade de um imóvel instaurada entre uma
autarquia e a União, isso certamente não pode ser tratado como direito
indisponível.
A Advocacia-Geral
da União (AGU) editou, no dia 27 de novembro de 2007, três atos normativos
internos, que norteiam as competências e os procedimentos para a solução de
controvérsias jurídicas no âmbito da sua Câmara de Conciliação e Arbitragem da
Administração Federal (CCAF). Trata-se do Ato Regimental nº 05, que dispõe sobre
a competência, a estrutura e o funcionamento da Consultoria-Geral da União – à
qual se vincula a CCAF; da Portaria nº 1.276, que designa equipe de membros da
AGU para compor a CCAF; e da Portaria nº 1.281, que regulamenta o deslinde, em
sede administrativa, de controvérsias de natureza jurídica entre órgãos e
entidades da Administração Federal.
Esses três atos infralegais citados abeberam-se da competência da AGU
prevista na Lei Complementar nº 73/1993 (art. 4º, I, X, XI, XIII e XVIII, e §
2º) [01], na Lei nº 9.028/1995 (art. 8º-C) [02] e na Medida Provisória nº
2.180-35/2001 (art. 11).
[11]
Sanear significa
depurar o processo de imperfeições, deixando-o bom para prosseguir sem questões
técnicas a resolver. Outro dever do juiz contemporâneo é o de ter iniciativas
probatórias em certos casos. Posto que a
visão tradicionalista do processo, com exagerado apego àquela ideia de um jogo
em que ocorre a esgrima das partes com as armas que tiver, levava a crença de
que o juiz ao tomar alguma iniciativa de prova, arriscar-se-ia temerariamente a
perder a imparcialidade para julgar depois.
[12]
Para Ellen
Gracie, a maior dificuldade será empregar a mediação na administração pública.
Pelo novo CPC, os entes públicos devem instalar câmaras de conciliação e
arbitragem. Segundo a ministra aposentada, o problema é que a administração não
costuma autorizar seus procuradores a transacionar direitos, nem mesmo para
resolver a questão na esfera extrajudicial. “O x dessa questão é essa
desconfiança com relação aos procuradores. Isso vai demandar uma mudança de
mentalidade” (In: FRANCO, Cintia. A solução consensual de conflitos no novo
Código de Processo Civil. Disponível em: http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/9012/A-solucao-consensual-de-conflitos-no-novo-Codigo-de-Processo-Civil Acesso em
03.06.2015).
[13]
Depois do fim da
segunda grande guerra mundial e da queda do fascismo, muitas vozes se erguera
em prol de uma nova codificação processual italiana. Os advogados reuniram-se
com o Conselho Nacional Forense, presidido por Piero Calamandrei, autor do
Código de 1940. Após muitas discussões, veio a Lei 582, de 14 de julho de 1950,
enfim, alterou o Código de Processo Civil.
Em resumo, a
reforma de 1950 repristinou a citação para uma audiência fixa; suprimiu o
regime das preclusões e os relativos poderes discricionários do juiz instrutor,
admitindo a recorribilidade das suas decisões, bem como da sentença não
definitiva; além de alterar o regime da apelação e a disciplina da iniciativa
processual.
[14]
Importante
ressaltar que o juiz participa ativamente do contraditório também através do
diálogo com as partes. E, a contemporânea tendência do processo afastou o
irracional dogma que propunha que o juiz que venha expressar seus pensamentos e
sentimentos sobre a causa estaria cometendo pré-julgamento, e, portanto,
afastando-se do dever sagrado de imparcialidade. Não se perde a equidistância
entre os litigantes quando se tenta conciliá-las, e nisto, o direito processual
do trabalho tem avançado prudentemente.
[15]
Art. 334 § 4º do NCPC, in litteris: “A
audiência não será realizada: I – se
ambas as partes manifestarem, expressamente, desinteresse na composição
consensual; II – quando não se admitir a autocomposição. (...) § 7º A audiência
de conciliação ou de mediação pode realizar-se por meio eletrônico, nos termos
da lei. § 8º O não comparecimento
injustificado do autor ou do réu à audiência de conciliação é considerado ato
atentatório à dignidade da justiça e será sancionado com multa de até dois por
cento da vantagem econômica pretendida ou do valor da causa, revertida em favor
da União ou do Estado. (...) § 9º As partes devem estar acompanhadas por seus
advogados ou defensores públicos”.
[16]
Enfim, pretendemos sair da cultura de litigiosidade
para ir em direção da cultura da pacificação e, por isso, andou bem o Novo CPC
em prestigiar os meios alternativos de solução de controvérsias, como a
conciliação, a mediação e a arbitragem.