Normas
fundamentais do processo civil brasileiro do CPC/2015
A sensível atualização do
processo civil brasileiro se deu quando foi construído o chamado modelo
constitucional[1]
de processo civil. Aliás, os princípios e valores constitucionais servem para
disciplinar todo tipo de processo.
O primeiro princípio é o
devido processo legal que representa a célula mater para os outros princípios
como a isonomia, do juiz natural, da inafastabilidade da jurisdição, do
contraditório, da ampla defesa, da motivação das decisões judiciais e da
duração razoável do processo.
É importante frisar que o rol
das normas fundamentais encontrado no primeiro capítulo do CPC/2015 não é
exaustivo. Inclusive o princípio do juiz natural não é expressamente
mencionado.
O CPC/2015 afirma
expressamente o princípio da inafastabilidade da jurisdição que assegura amplo
e universal acesso ao Judiciário, vide o art. 3º do CPC/2015 que reconhece e
admite o uso da arbitragem bem como os meios de solução consensual dos
conflitos de interesses.
Os métodos consensuais[2] devem ser estimulados
francamente pois se mostram, por vezes, mais adequados que a imposição vertical
de julgamentos.
A solução da causa deve ser obtida
em tempo razoável, incluindo também a atividade satisfativa. Deve a sentença
ser tempestiva e a garantia de duração razoável do processo deve ser
compreendida de forma panorâmica, cogitando da duração total do processo.
Há um forte compromisso do novo
diploma legal com a duração razoável do processo permitindo o direito ao
processo sem dilações indevidas. Mas, isto não significa que a celeridade
processual obtida a qualquer custo pois deve respeitar as garantias
fundamentais, permitindo amplo debate entre os sujeitos do procedimento e, o
contraditório[3]
exige o tempo,
O novo sistema traz a
vinculação a precedentes judiciais, especialmente no que se refere às causas
repetitivas; a construção de mecanismos de antecipação de tutela, tanto para
situações de urgência como nos casos em que a antecipação se funda na
evidência; a melhoria do sistema recursal, com diminuição de oportunidades
recursais. E, tudo isso contribui para a duração razoável do processo prometida
desde a EX 45/2004.
Os artigos 4º, 317 e 488 são
exemplos de onde se extrai o princípio da primazia da resolução do mérito.
As normas fundamentais do
processo civil brasileiro acenam com definitiva constitucionalização do
processo civil incluindo tanto os princípios e valores explícitos ou implícitos
no texto constitucional vigente. Assim todas as normas processuais devem ser
interpretadas de acordo com a Constituição.
Aliás, a afronta à
Constituição ou mesmo à lei que repete o texto constitucional continua
reverberando uma norma constitucional, não obstante sua previsão em norma
infraconstitucional. Portanto, a violação da referida norma é impugnável por
recurso extraordinário.
O que reafirma o processo como
método de resolução do caso concreto evitando-se a extinção do feito sem
resolução do mérito, através de oportunização do saneamento do vício.
Um bom exemplo é o caso de se
interpor o recurso sem a devida comprovação de recolhimento de custas
judiciais, devendo haver a intimação para efetivar o depósito recursal (agora
em dobro para incentivar a prática como mero mecanismo protelatório).
Ou quando o texto legal afirma
que sempre que possível, o juiz resolverá o mérito[4], sempre que a decisão for
favorável à parte a quem aproveitaria eventual pronunciamento nos termos do
art. 485 do CPC/2015.
Outro princípio prestigiado é
o da boa-fé objetiva que deve orientar a interpretação da postulação e da
sentença e, permite ainda, a imposição de penalidade quando houver abuso de
direitos processuais e as condutas dolosas de qualquer dos sujeitos do
processo, vedando inclusive os comportamentos contraditórios.
É o princípio da boa-fé
objetiva[5] que impede que o julgador
profira decisão, sem motivar de forma específica e, ainda requer que haja
justificação de decisões diferentes sobre uma mesma questão de direito
aplicável às situações de fato análogas, ainda que em processos distintos.
O princípio do contraditório é
um dos princípios mais relevantes do processo, por essa razão que Fazallari
indica que o processo deve ser entendido como procedimento em contraditório que
tanto qualifica o Estado de Direito e, mais especificamente, o Estado
Constitucional brasileiro onde a construção judicial dar-se-á através de um
procedimento que tem plena observância de um contraditório efetivo, dinâmico e
pleno.
Enfim, o contraditório
significa dupla garantia: a participação com a influência na formação do
julgamento e da não-surpresa. O contraditório deve, portanto, garantir a
participação dos litigantes no procedimento destinado a produzir decisões que
as afetem.
Portanto, a decisão como
resultado do processo deverá ser fruto de intenso debate dialogal e da efetiva
participação e cooperação dos interessados. Não se admite que a decisão seja
fruto do solipsismo do juiz[6] posto que não seja
compatível com o atual modelo constitucional do processo.
Na parte final do art. 7.º há
previsão que representa uma das novidades do CPC-15, porquanto o disseca.
O princípio da igualdade no
processo se observa em quatro aspectos:
1. A imparcialidade do juiz;
2. É preciso que haja igualdade no acesso à
justiça;
3. Redução das dificuldades de acesso à
justiça (financeira, geográfica – possibilidade expressa de sustentação oral
por videoconferência, comunicação – deficiência auditiva: o código prevê
expressamente a exigência de utilização da LIBRAS quando houver partes ou
testemunhas que dela precisem);
4. Paridade de informações.
O Código não só cria o art.
7º, mas traz várias concretizações da cláusula geral da igualdade. Outro
exemplo de manifestação do princípio da igualdade é a regra da tramitação
prioritária, prevista no art. 1.048, CPC-15.
In
litteris: Art. 1.048. Terão
prioridade de tramitação, em qualquer juízo ou tribunal, os procedimentos
judiciais:
I - em que figure como parte
ou interessado pessoa com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos ou
portadora de doença grave, assim compreendida qualquer das enumeradas no art.
6o, inciso XIV, da Lei no 7.713, de 22 de dezembro de 1988;
II - regulados pela Lei no
8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente).
§ 1º A pessoa interessada na
obtenção do benefício, juntando prova de sua condição, deverá requerê-lo à
autoridade judiciária competente para decidir o feito, que determinará ao
cartório do juízo as providências a serem cumpridas.
§ 2º Deferida a prioridade, os
autos receberão identificação própria que evidencie o regime de tramitação
prioritária.
§ 3º Concedida a prioridade,
essa não cessará com a morte do beneficiado, estendendo-se em favor do cônjuge
supérstite ou do companheiro em união estável.
§ 4º A tramitação prioritária
independe de deferimento pelo órgão jurisdicional e deverá ser imediatamente
concedida diante da prova da condição de beneficiário.
Outro princípio de relevância
é o do respeito ao autoregramento da vontade no processo. Inicia que o
processo, para ser considerado devido, não pode se dar em ambiente hostil ao
exercício da liberdade, liberdade concretizada no poder de autoregramento, no poder
de criar e regular a própria vida. O poder de autorregular-se é inerente à
liberdade humana.
Portanto, o processo deve ser
arquitetado num ambiente próprio e compatível com o exercício da autonomia
privado. Não podendo conter restrições irrazoáveis ao exercício do poder de
autoregramento.
O CPC/2015 é todo estruturado
com base nesse princípio, dotado inclusive de estímulo à autocomposição
amigável, a homologação de acordo de qualquer natureza, incluindo outros
sujeitos e lides, consagrando cláusula geral de negociação.
E, habilitando o magistrado a
todo momento proceder a tentativa de conciliação ou mediação do conflito de
interesses. Trata-se de uma das exceções ao impulso oficial, posto que permite
às partes, por acordo, modular o tramitar processual. Uma clássica exceção ao
impulso oficial era a instauração de inventário de ofício, o que não subsiste
no CPC/2015.
Há outro princípio presente no
art. 6º que tem trazido bastante polêmica posto que visa transforma o processo
num ambiente cooperativo, enfeixado numa comunidade de trabalho em que vigorem
a lealdade e o equilíbrio entre os sujeitos do processo. Situa-se entre dois
extremos do modelo publicista (juiz como personagem central do processo) e o
modelo adversarial ou liberal (aquele que dá proeminência às partes).
O princípio da cooperação
impinge aos sujeitos do processo o diálogo evitando-se a assimetria entre eles.
Sendo um natural corolário da boa-fé objetiva. Cooperar é agir em conjunto e em
conformidade com os deveres advindos da boa-fé.
É a transformação do processo
onde a cooperação gera para o magistrado alguns deveres como: o dever de
consulta, o dever de prevenção, o juiz tem dever de apontar as eventuais falhas
do processo, e indicar que forma tal defeito pode ser corrigido, o dever de
esclarecimento que deve pedir a parte total esclarecimento quanto a postulaçaõ
e, por fim, o dever de auxiliar as partes na remoção dos óbices processuais
formais ou de mérito que é dever muito consagrado no direito germânico. Mas,
segundo Fredie Didier Jr, não existe um dever geral de auxílio no Brasil.
O que justifica o inteiro teor
do art. 10 do CPC/2015 mesmo diante de questão de ordem pública que poderia
decidir de ofício. Adverte Flexa, Bastos e Macedo que julgar alguma questão de
ofício significa que o juiz vai analisar um ponto sem que as partes tenham
feito qualquer provocação.
Uma vez resolvido que vai
julgar sem ter sido provocado, o magistrado deve ouvir as partes a respeito,
evitando não apenas que as partes sejam surpreendidas pela decisão, mas também
que o juiz tenha proferido decisão desconhecendo algum argumento relevante.
Os mesmos autores continuam
ressaltando que existem exceções ao dever de consulta, nas hipóteses em que o
julgador pode prolatar decisões de ofício e inaudita altera pars, como o
reconhecimento da prescrição e da decadência, liminarmente na forma do art.
322, §1º so CPC/2015.
As bases da fundamentação da
decisão judicial devem ser submetidas ao crivo do contraditório, sendo
assegurada ainda a oportunidade para que as partes se manifestem sobre todo e
qualquer possível fundamento. Incluindo-se as matérias pertinentes a falta de
legitimidade ou de interesse processual.
Lembremos que a matéria de
ordem pública pode ser apreciada de ofício, indiferentemente de arguição por
algum dos litigantes. Mas, a autorização para conhecer de ofício, não importa
em decidir sem a observância do prévio contraditório.
O modelo constitucional de
processo impõe um processo comparticipativo, policêntrico e não mais centrado
na pessoa do juiz, posto que o feito seja conduzido por diversos sujeitos como
as partes, o julgador, o Ministério Público que são igualmente importantes para
o resultado da atividade processual.
Revela-se profundamente funcional o princípio da cooperação consagrado no art. 6º do CPC/2015 e que vem reforçar a legitimação do resultado alcançado pela atividade jurisdicional e pelo processo.
O modelo constitucional de
processo então se mostra em ser cooperativo, comparticipativo, exigindo
comportamento ético e leal, agindo de forma a evitar vícios que sejam capazes
de acarretar a extinção do feito sem apreciação do mérito, além de caber todos
os deveres mútuos de esclarecimento e de transparência.
As decisões judiciais só são
legítimas quando produzidas com respeito ao contraditório prévio, efetivo e
dinâmico. Por isso que o artigo 9º expressamente dispõe que não se proferirá
decisão contra uma das partes sem que as partes sejam ouvidas previamente, pois
assim, não haverá a violação do contraditório.
Daí a legitimidade
constitucional de se julgar improcedente o pedido liminarmente sem a prévia
citação, vide art. 332. É que nesse caso se decidirá a favor do réu sem
ouvi-lo, previamente, mas o autor contra quem se decide, terá sido ouvido
anteriormente à prolação da sentença de improcedência liminar[7].
Há, porém, três exceções onde
há o contraditório diferido ou postergado, o primeiro caso é o caso da tutela
provisória de urgência que impõe o deferimento inaudita altera pars. Por força
do princípio da proporcionalidade a exceção ao contraditório é justificada a
fim de causar o menor prejuízo possível.
Lembremo-nos que a decisão
pode ser modificada e mesmo até cassada a qualquer tempo após a efetivação do
contraditório. Frise-se que não há supressão do contraditório, mas tão-somente
a postergação.
Utiliza-se da técnica de
aceleração do resultado do processo que é compatível com a duração razoável do
processo em casos em que já existe precedente judicial que vincula o juiz
competente para conhecer da causa.
Mas não se trata de decisão
definitiva. A segunda exceção é no caso de tutela de evidência firmada em
contrato de depósito, comprovado documentalmente, onde se determina a entrega
imediata da coisa depositada sob pena de cominação de multa.
A última exceção é a decisão
que determina a expedição do mandado monitório, vide art. 701 do CPC/2015 onde
existe a chamada inversão de iniciativa do contraditório só se torna pleno,
caso o demandado optar por oferecer os embargos, vide art. 702, sem os quais
constituir-se-á de pleno direito o título executivo judicial (vide art. 701,
§2º).
Salienta Alexandre Freitas
Câmara que sempre foi próprio da cultura brasileira do processo civil admitir a
prolação de decisões fundadas nos argumentos sem prévio contraditório. Pois
acreditava-se plenamente na parêmia “dá-me os fatos que te darei o direito”,
mas doravante com a exigência do contraditório dinâmico que é mais compatível
com o Estado Constitucional.
Portanto, torna-se mais
legítima e democrática a decisão judicial construída em contraditório do qual
todos participantes do processo tiveram acesso, e aos quais incumbem debater
todo e qualquer fundamento da decisão judicial prolatada.
Referências:
CÂMARA, Alexandre Freitas. O
novo Processo Civil Brasileiro. São Paulo: Atlas, 2015.
FLEXA, Alexandre; MACEDO,
Daniel. BASTOS, Fabrício. Novo Código de
Processo Civil. O que é inédito. O que mudou. O que foi suprimido. Salvador:
Editora Jus Podivm, 2015.
DE MELO, Nehemias Domingos
(coordenador) Novo CPC Anotado. Comentado. Comparado. Colaboradores: Denise
Heuseler, Estefânia Viveiros, German Segre, Gisele Leite, Marcia Cardoso
Simões. São Paulo: Editora Rumo Legal, 2015.
HARTMANN, Rodolfo Kronemberg.
Novo Código de Processo Civil. Comparado e Anotado. Niterói: Impetus, 2015.
MARINONI, Luiz Guilherme;
ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo Curso de Processo Civil. Volume
2. Tutela dos Direitos Mediante Procedimento Comum. São Paulo: Editora Revista
dos Tribunais, 2015.
[1]
O Estado Constitucional vem sequencialmente de um Estado Liberal que buscava,
através da livre iniciativa privada, o acúmulo do lucro e o aumento do capital
para uma proposta de Estado intervencionista, paternalista e que inibia toda e
qualquer atitude privada, surge um novo Estado, com característica peculiar, a
função social, a qual se especifica em diversos campos de atual.
Na história constitucional
mundial, a Constituição Mexicana de 1917 foi a primeira a expressar as três
características distintivas do Estado contemporâneo. São estas: a) manter
consagrados os Direitos individuais; b) inserir como Direitos Fundamentais
também os Direitos Sociais e/ou os Direitos Coletivos; c) assegurar a efetiva
realização desses Direitos, estabelecer e disciplinar a intervenção do Estado
do Estado nos domínios econômico e social.
A referida tríade demonstra
a tentativa de adaptação do Estado às constantes transformações sofridas pela
sociedade. Estado e sociedade estão fortemente unidos entre si através de
relações complexas que se inter-relacionam.
A crise do Estado liberal
se tornou mais evidente nas primeiras décadas do século XX, e um dos fatores
principais foi o excessivo relativismo axiológico da lei que provocou um
afastamento do Estado das práxis social e econômica. Some-se a isso a
constatação do caráter conflitivo da realidade social em contraposição a uma
ideia de Direito neutro frente a tais conflitos. Portanto, no Estado
Constitucional, a Constituição assumiu caráter normativo e passou a integrar
positivamente o plano de juridicidade superior e fortalecida por acréscimo de
princípios vinculantes e indisponíveis para todos os poderes do Estado.
[2]
O Novo Código estabelece nova norma fundamental processual. Trata-se do
princípio de promoção pelo Estado da solução por autocomposição. Consagra uma
verdadeira política pública de solução consensual dos conflitos.
Consagra a Resolução 125/10
do CNJ, que disciplinava a temática. Todo o Código é estruturado nesse sentido:
no sentido de estimular a autocomposição. O não pagamento de custas em caso de
transação é exemplo de estímulo à solução consensual de conflitos. A adição, no
acordo, de outras lides e pessoas, segue a mesma sistemática.
[3]
Há doutrinadores que defendem ser o contraditório composto por um quadrinômio: informação,
reação, influência e cooperação, entendendo como o direito de a parte ter
ciência de todos os atos e termos do processo, manifestar-se sobre todos estes
atos e termos, influenciar no conteúdo da decisão judicial e viabilizar a
cooperação entre as partes e o juiz, entendimento que está em consonância com
as diretrizes do Código Fux.
[4]
Nesse sentido, o art. 139, XI do Código de Processo Civil, traduz corolário do
princípio da primazia da decisão de mérito. De igual modo, o juiz não pode
indeferir a petição inicial, sem antes mandar que o autor a emende. Além disto,
não pode o relator de um recurso, sem antes conceder à parte o direito à
emenda, inadmitir o recurso por ausência de requisito sanável. Uma novidade: apelação contra qualquer
sentença sem exame de mérito permite retratação, para permitir que o juiz possa
reconsiderar e julgar o mérito.
Nessa mesma linha, vem o art.
1.029, § 3.º. Seu propósito é facilitar a decisão de mérito desses recursos. É
um marco na concretização no princípio da primazia da decisão de mérito. Também
foi reproduzido na lei 13.015/14, já produzida com base no novo CPC.
[5]
O art. 5.º, por sua vez, consagra o princípio da boa-fé processual. Antes, era
preciso extrair o princípio da boa-fé do devido processo legal. A redação deixa
claro que o princípio da boa-fé se dirige a todos os sujeitos do processo,
inclusive ao juiz. A redação é cópia do
Código de Processo Civil Suíço. Assim, acaba a discussão se o princípio incide apenas
para a parte.
Não se pode confundir o
princípio da boa-fé objetiva e boa-fé subjetiva.
Esta é um fato da vida, o
fato de alguém acreditar que está agindo licitamente; aquela, não é fato, é
norma, um princípio segundo o qual os comportamentos humanos devem estar
pautados em um padrão ético de conduta.
O art. 5.º é exemplo de
cláusula geral processual. Significando que se trata de um dispositivo
normativo construído de maneira indeterminada tanto em relação a sua hipótese
normativo quanto a sua consequência normativa. Caberá aos Tribunais decidir os
comportamentos de acordo com a boa-fé.
Os doutrinadores alemães já
identificaram a concretização do princípio da boa-fé em quatro grupos de
situações:
1. O princípio da boa-fé torna ilícita
qualquer conduta de má-fé;
2. Abuso do direito no processo (considerado
comportamento ilícito porque contrário à boa-fé – “o mero capricho não se
tutela”);
3. Comportamento contraditório (proibição do
venire contra factum proprium);
4. Supressio processual (supressio é a perda
de um direito pelo fato de não ter exercido esse direito por um tempo tal que
gerou na outra parte a expectativa de que não mais se exerceria). O silêncio no
controle de admissibilidade do processo gera nas partes processuais a
expectativa de que o processo estava regular. Eis um exemplo de supressio.
[6]
Para explicar o solipsismo, atrevo-me, a literalmente citar Lenio Streck de
impecável lucidez, no seu texto intitulado "O juiz, a umbanda e o
solipsismo: como ficam os discursos de intolerância? Disponível em:
http://www.conjur.com.br/2014-mai-22/juiz-umbanda-solipsismo-ficam-discursos-intolerancia,
acesso em 22.02.2016.
In litteris:(...)" Decidir não é escolher. Escolhas são da
ordem de nossa razão prática. Escolhe-se entre ir ao cinema ou ao futebol. Mas
quando o juiz decide (judicialmente falando) deve fazê-lo a partir do Direito.
Evidente que a decisão não é um ato subsuntivo (a subsunção sequer se sustenta
filosoficamente; subsunção é tão fictícia quanto a sustentação da verdade
real). Mas a decisão tampouco é um ato arbitrário. O juiz não é escravo da
lei.... Óbvio isso. Mas, por favor, ele tampouco é dono da lei (ou da
Constituição ou do conceito de religião ou do conceito de cultura ou do
conceito de preconceito ou do conceito de discurso de ódio)."
[7]
A improcedência liminar do pedido fora inserida no CPC/1973 pela Lei
11.277/2006. Seu objetivo passou a ser possível para que o juiz deixasse de
determinar a citação do demandado e julgasse desde logo o mérito, ou seja,
permitindo o adentrar ao exame da causa de pedir e do pedido para rejeitá-lo
liminarmente. Não tardou surgir o questionamento se não haveria violação do
contraditório e do devido processo legal. Tanto que o Conselho Federal da OAB
propôs a Ação Direta de Inconstitucionalidade 3.695, até hoje pendente de
julgamento. A resposta, contudo, é negativa.
A decisão dada pelo juiz será necessariamente desfavorável ao autor e,
consequentemente, favorável ao réu, motivo pelo qual não se viola o
contraditório.
A improcedência liminar
também respeita o devido processo legal, posto que estabelecida pela lei de forma
mais sofisticada quando presentes as hipóteses específicas. Com o CPC/2015 a
redação fora simplificada e aperfeiçoada e retificada as impropriedades antes
existentes. O aperfeiçoamento técnico trouxe a ampliação do âmbito de
incidência da norma que passa também incluir a hipótese em que haja a matéria
fática e todas as provas pré-constituídas já sejam trazidas na inicial, mas
insuficientes para respaldar a pretensão autoral.
No CPC/2015 há, ademais,
ganho com a objetivação das hipóteses em que seja possível a improcedência
liminar. Em lugar de deixar margem ampla ao subjetivismo judicial sobre a
aplicabilidade da improcedência liminar sempre que “no juízo já houvesse sido
proferida sentença de total improcedência”, o CPC/2015 delimita,
restritivamente, quando o instituto será possível: sempre que a pretensão
contrariar enunciado de súmula do Supremo Tribunal Federal ou do Superior
Tribunal de Justiça; acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo
Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos;
entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de
assunção de competência.