Resumo: O conceito de justiça
não foi pacífico, mas a contemporaneidade acendeu ainda mais a pira
epistemológica em face das incertezas constantes.
Palavras-chave: Acesso à
justiça. Justiça. Equidade. Idade Contemporânea. Axiologia.
A justiça diante de tantas
incertezas da sociedade contemporânea, onde vige um tempo de aceleradas
mudanças, quando a emergência dos poderes não institucionais produz um discurso
e uma prática de deslegitimação progressiva de qualquer forma de autoridade.
A Justiça e as instituições
são, paradoxalmente, reposicionadas no centro, como sendo último refúgio de
valores individuais, como derradeiro resgate de cidadania ou dignidade humana[1].
Precisamos reconhecer que o
papel do juiz contemporâneo é complexo e multifacetado dotado simultaneamente
de técnica e filosofia. Não basta a literalidade da lei, nem a extrema
sensibilidade do intérprete.
O modelo axiológico do
Iluminismo[2] que guiou as criações
institucionais e simbólicas da modernidade fez, enfim, sedimentar valores e
referências comuns que se pensaram intemporais e, que hoje parece ceder à
urgência e à dinâmica de modelos mutantes, voláteis e de diferentes lógicas,
presentes em diferentes sistemas jurídicos. Há, realmente, a pluralidade de
várias racionalidades interpostas e superpostas.
A sociedade multifragmentada
gera constantemente novos conflitos de interesses, assim, o indivíduo segregado
e atomizado pode desmoronar a qualquer momento nas redes de segurança e, no
resguardo que bem caracteriza os modelos recentes, encontra-se a justiça
restaurativa.
Afinal, a justiça tradicional
já não consegue mais responder à grande inflação de demandas. Mesmo com a
duração razoável do processo e o advento do processo eletrônico, juizados
especiais, não consegue competir com a litigiosidade massiva e dinâmica.
Cumpre advertir que em nada
adianta, debelar a consequência, sem ir diretamente até a causa do conflito de
interesses. Não basta a judicização[3] do social, do cultural ou
do político.
Afinal, o direito é bem mais
que o mero instrumento da ação judicial. É o apelo crescente ao judicial e a
intervenção frequente do juiz e a forte desconfiança da política perturba muito
a estrutura social contemporânea.
Não se pode admitir que a
função judicial se torne subalterna, nem que a função de aplicar a lei seja
reconduzida pelo juiz que a segunda na expressão de Montesquieu “a boca que
pronuncia as palavras da lei”.
Enfim, a Justiça atomizou-se
progressivamente, particularmente na década de oitenta do século XX
assumindo-se como poder moderador da democracia. Absorvendo a transferência da
democracia para a dimensão da decisão judicial. Por essa razão, prioriza-se o
plenário que se opõe naturalmente a decisão monocrática do relator.
O juiz tornou-se malgré lui
(apesar dele), sendo um ator político central e verdadeiro garantidor de
liberdades fundamentais, sendo forte referencial da consciência moral da vida
social, política e econômica, ou com desejar alguns, o guardador de promessas
republicanas (na expressão de Antoine Garapon).
Dentro do paradigma
federalista em se conceber os três poderes como modelos racionais ou
tipos-ideais, na linguagem weberiana. Portanto, é possível perceber que os
modelos estatais, aliados às concepções de Constituição caminham em consonância
com a predominância de um ou outro daqueles poderes constituídos, sendo que a
ascensão do Judiciário na qualidade de guardião das promessas não cumpridas
fora um resultados desta conjuntura de falha os descrédito nos dois outros
poderes.
Também a globalização
modificou a dogmática do direito, pois há uma nova ordem socioeconômica de jaez
poliédrico e multicêntrico, o que acarreta alterações na compreensão da
realidade e na capacidade da ordem jurídica para dar resposta às exigências do
tempo que se precipita em permanente futuro.
Há complexas redes normativas
que se interpenetram e mutuamente se influenciam, há novos valores, novas
dimensões e diversos conceitos. Houve as redescobertas dos princípios
fundamentais doravante dotados de dimensão operativa e que moldam a
interpretação.
Enfim, a Justiça foi convocada
a ocupar o locus central no funcionamento das democracias nas sociedades
abertas e plurais. Procura-se a justiça que seja transversal à sociedade e à
solicitação vêm dos indivíduos em busca de direitos de refúgio da dispersão e
atomização do individualismo em confronto com o totalitarismo suave das
maiorias, como do próprio Estado[4] que criou mecanismos
defensivos tanto que se tornou um notável consumidor da justiça.
Observamos a juridização e a
judicialização em várias dimensões das relações sociais e, assim, tem-se a
maior intervenção do Estado sobre a vida individual e coletiva.
A judicialização significa que
algumas questões de expressiva repercussão política ou social estão sendo
resolvidas pelo Poder Judiciário e, não pelas instâncias políticas tradicionais
tais como o Congresso Nacional e o Poder Executivo. A judicialização no cenário brasileiro é
decorrente do modelo constitucional que se adotou e, não de um exercício
deliberado de vontade política.
Novamente, repriso que o Poder
Judiciário[5] é devidamente provocado a
se manifestar e o faz dentro dos limites dos pedidos formulados. Portanto, aos
tribunais não há outra alternativa senão conhecer ou não das ações propostas e
se pronunciar ou não sobre o mérito, toda vez que preenchidos dos requisitos de
cabimento. Conclui-se que o Judiciário atua além de suas competências, mas
lastreado em lei[6].
Basta enfocarmos para o exemplo
que é a Justiça Constitucional[7] com o julgamento da
própria lei, ou ainda, o modo de gestão administrativa, o que normalmente,
afeta a diversidade das sociedades democráticas.
A perturbação crítica sobre os
limites da intervenção judicial decorre por vezes, na linguagem menos rigorosa utilizada
em alguns momentos discursivos do uso desviante de meios processuais
disponíveis e dos instrumentos legais como modo de ação ou de confronto
político; o uso alternativo do direito penal no confronto político (ou o
deslocamento do confronto para o processo penal) o que introduz ruído e
obstáculo na dinâmica funcional dessas instituições.
A legalidade e imposição de
critérios de legalidade, controle de meios para fins alternativos constituem
instrumentos que permitirão recolocar o problema em sua verdadeira dimensão e
desconstruir os equívocos que por vezes acompanham a imputação crítica do
ativismo judicial.
Lembremos que a Justiça
representada pelo Judiciário não se pronuncia se não for solicitada, tendo,
ainda, que responder de forma fundamentada (em fatos e fundamentos jurídicos)
sempre que for decidir oficialmente.
Assim, a Justiça ficou mais
exposta à visibilidade mediática com os risos de destemporalização do imediato,
sem explicação da sobreposição de papéis.
Enfim, o lugar da Justiça
enquanto valor e instituição e, também, a função do juiz ficou, pois, central
nas democracias, porque é chamada a intervir nas suas várias dimensões, seja
nas relações entre os cidadãos, ou associações, empresas e o Estado, seja por
atuar como instituição formal de regulação política, porque traz o reequilíbrio
dos problemas e soluções para a acidade.
A Justiça assume centralidade e o consequente poder de intervenção, mas, o
poder da Justiça inquieta produz afinal o anátema[8] do contra-poder.
O problema da justiça é
eminentemente filosófico e a ciência do direito nunca lhe deu a devida atenção.
Mas, no século XX se deu a possibilidade de haver um conceito racional de
justiça, conforme fez Hans Kelsen.
Nas democracias décadas se
multiplicaram os estudos jurídicos sobre o problema da justiça, procurando
dar-lhe um tratamento científico e metodológico.
Investigam-se como concretizar
o conceito de justiça através de normas jurídicas gerais e abstratas e das
decisões judiciais sobretudo, analisando os valores envolvidos em cada caso
concreto e, ainda, permite a ponderação à luz da proporcionalidade.
O conflito existente entre o
Direito natural e o Direito positivo veio encontrar a solução no século XX, sem
que se precise escolher entre um destes, excluindo o outro, mas sim, se
procurar colocar uma síntese dialética que contemple ambos os direitos.
Atualmente se reconhece a
possibilidade de se ter uma conceituação racional e objetiva da justiça,
deixando de ser questão puramente metafísica, para se tornar uma preocupação
prática e cotidiana de magistrados, advogados e demais operadores de direito.
Enfim, é preciso de espírito
crítico laborando para obter os acertos e os erros de cada concepção de justiça
em particular. A justiça, não é, conforme imaginava o positivismo, o elemento
irracional do Direito, mas sim, o justo oposto, por ser precisamente o fator
que lhe confere racionalidade e cientificidade e, que não constitui a razão de
ser de toda e qualquer norma jurídica, sem a qual o Direito não passaria de mero
arbítrio e força, sendo insuscetível, pois, de qualquer estudo científico
sistemático.
Entende-se o conceito de
justiça social está relacionado às desigualdades sociais e às ações voltados
para a resolução desse problema. A justiça social consiste no compromisso do
Estado e instituições governantes em buscar mecanismo para compensação de
desigualdades sociais geradas pelo mercado e pelas diferenças sociais.
O prensador que melhor
delineou a justiça social foi John Rawls que estabeleceu três pontos para se
alcançar o princípio da equidade, a saber: 1. Garantia das liberdades
fundamentais para todos; 2. Igualdade de oportunidades; 3. Manutenção de
desigualdades apenas para favorecer os mais desfavorecidos. Portanto, a justiça
social pretender promover o crescimento de um país para além das questões
econômicas.
No ordenamento jurídico pátrio
não está prevista nos artigos 4º e 5º da Lei de Introdução ao Código Civil
(Dec.-Lei 4.657/1942) e, hoje acertadamente denominada Lei de Introdução das
Normas do Direito Brasileiro.
Há dificuldade centrada em
conceber a equidade sob as formas em que pode se revestir, visto ser possível
assumir a forma integrativa e, também, a forma valorativa.
A equidade[9] não é apenas o
abrandamento da norma em um caso concreto, como também sentimento que brota no
âmago do julgador, conforme sintetiza Sílvio Venosa.
O Ministro Luiz Fux, ao tratar
a equidade como valor, menciona que essa deve atender aos fins sociais e às exigências
do bem comum. Assim, a equidade integrativa corresponde a uma ideia de justiça
da consciência média que está presente nas comunidades. É uma justiça do caso
concreto. Aquilo que o próprio legislador diria se tivesse presente, o que
teria incluído na lei se tivesse conhecimento do caso concreto.
Já a equidade corretiva se
refere à Ética a Nicômaco[10], aquela que o juiz vai
aplicar quando tiver a necessidade de afastar uma injustiça que resultaria da
aplicação estrita da lei. É o caso do artigo 944, parágrafo único do Código
Civil brasileiro que afirma que o juiz poderá quando o grau de culpa for
pequeno e a extensão do dano for muito grande, fazer uma correção para não
aplicar a regra que diz que a indenização há de corresponder à extensão do dano.
No direito contemporâneo há a
equidade substitutiva, integrativa e interpretativa que possuem três funções, a
saber: na função substitutiva, a equidade constitui um instrumento posto caso a
caso pela lei à disposição do juiz para especificação em concreto dos elementos
que a norma de direito não pode resolver em abstrato. Finalmente, em sua função
interpretativa que busca estabelecer um sentido adequado para regras ou
cláusulas contratuais em conformidade com os critérios de igualdade e
proporcionalidade.
No direito processual civil
brasileiro desde o CPC de 1973, a equidade substitutiva deixou de existir. Pois
o artigo 127 do CPC/1973 traduz a ideia de equidade integrativa. Porém,
raramente vigorante e, a maioria das hipóteses previstas no Código Civil de
2002, onde o legislador fez uso da equidade integrativa.
Com precisão cirúrgica, Caio Mário da Silva Pereira advertiu sobre a equidade, in
litteris:
“É, porém, arma de dois gumes.
Se, por um lado, permite ao juiz a aplicação da lei de forma a realizar o seu
verdadeiro conteúdo espiritual, por outro lado, pode servir de instrumento às
tendências legisferantes do julgador que, pondo de lado o seu dever de aplicar
o direito positivo, com ela acoberta em desconformidade com a lei.
O juiz não pode reformar o
direito sob pretexto de julgar por equidade, em lhe é dado negar-lhe vigência
sob fundamento de que contraria o ideal de justiça. A observância da equidade,
em si, não é um mal, porém sua utilização abusiva é de todo inconveniente seu
emprego há de ser moderado, como temperamento do rigor excessivo ou amenização
da crueza da lei.”. (In: PEREIRA, Caio Mário da
Silva. Instituições de Direito Civil, volume I, 5º edição. Rio de Janeiro:
Forense, 1992, p. 57).
Apesar da dogmática[11] inerente à equidade,
enquanto valor, ser muito clara e bem sedimentada, a equidade enquanto
instrumento hábil provoca verdadeira confusão, em todos os planos,
principalmente no foro em geral.
Em rápida pesquisa aos
arrestos civis, a utilização da equidade, sob diversos ângulos, objetivando
apresentar justiça do caso concreto, à revelia, de toda à dogmática aplicada na
equidade enquanto instrumento para suprir lacunas, excepcional e extraordinária
ao comando legal previsto no artigo 4º LRNB.
Atualmente, o comando contido
no artigo 5º da LRNB da Lei 12.376/2010 para legitimar a ampla e irrestrita
aplicação de equidade a várias situações concretas, ora seu comando é
confundido com o teor de um princípio geral do direito para legitimar sua
aplicação com base no artigo 4º do mesmo diploma legal. Em ambas as situações
ocorre o erro do exegeta.
O Direito Português em postura
de franca vanguarda optou por estabelecer limites à equidade in verbis:
“Valor da Equidade. Os Tribunais só podem resolver segundo a equidade: a)
Quando haja disposição legal que o permita; b) Quando haja acordo das partes e
a relação jurídica não seja indisponível; c) Quando as partes tenham,
previamente, convencionado o recurso à equidade, nos termos aplicáveis à
cláusula compromissória (In: Código Civil Português, Decreto- Lei 47.344, de
25.11.1966, artigo 4º).
A Justiça em Arendt aparece em
sentido equitativo e , abordou o tema a partir das experiências do
totalitarismo no regime nacional-socialista alemão (1933-1945)[12] que utilizou o
esvaziamento normativo.
Por equidade se entende a
adequação do direito (em sentido amplo, abrangendo a Lei, a Constituição, a
Jurisprudência e os atos praticados pela administração pública) ao caso
concreto.
Lembremos que a esfera pública
é o local da igualdade na pluralidade. O social para Arendt é uma distorção. O
político vira um trabalho, uma espécie de profissão. O público passa ter a
preocupação privada e o público acaba desaparecendo.
A discussão da justiça
distributiva em saúde no Brasil tem se limitado parcialmente em interpretar o
preceito de equidade e como este deve fundamentar a orientação dada às
políticas públicas de saúde, principalmente no âmbito do SUS.
Longe de haver consenso até
mesmo dentro do debate internacional, posto que visa a progressiva redução das
desigualdades entre os cidadãos de uma sociedade democrática. O princípio da
justiça distributiva da equidade consiste em tratar igualmente os iguais e
desigualmente os desiguais.
Alguns dos filósofos
contemporâneos preocupados com a ideia de justiça são unânimes ao afirmarem que
muitas das teorias são indissociáveis ao que Rawls postulou na bíblia chamada “A
theory of justice”[13] (1971). E, uma das
maiores preocupações de Rawls é postular princípios justos para pessoas livres,
racionais e razoáveis.
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[1]
A palavra "dignidade" possui múltiplos usos, mesmo quando em
referência aos seres humanos. Há, basicamente, três sentidos diferentes, a
saber: a dignidade como status superior de certas pessoas, pela sua posição
social ou pela função que exercem; dignidade como virtude de alguns indivíduos,
que agem e se portam de maneira altiva; e dignidade como valor intrínseco,
atribuído a cada pessoa humana. pessoa humana e seus direitos, ocorridas desde
o Iluminismo, a ideia da dignidade como status tem ainda hoje projeções
relevantes, conscientes ou não, na cultura social, política e jurídica de
muitas sociedades contemporâneas, especialmente nas que mantêm fortes traços
desigualitários, como a brasileira. Ela se mantém, por exemplo, em nossa
linguagem comum, em que a dignidade é por vezes associada ao exercício de
funções tidas como nobres. É nesse sentido que se alude à dignidade de certos
cargos públicos. Outro significado corrente da dignidade se liga à “conduta
digna”. Cogita-se em dignidade quando se considera louvável e altivo o
comportamento de uma pessoa diante de circunstâncias em geral adversas. A
dignidade, nesse sentido, consiste numa espécie de virtude, que pode ser
associada a certas pessoas não pelo seu status social, mas pelas suas ações e
postura. No Direito contemporâneo, a palavra “dignidade” tem sido usada em um
terceiro sentido, geralmente associado aos direitos humanos. A dignidade é
empregada como qualidade intrínseca de todos os seres humanos,
independentemente do seu status e da sua conduta. A dignidade é ontológica, e
não contingente. Em outras palavras, todos os indivíduos que pertencem à
espécie humana possuem dignidade apenas por serem pessoas. Não se admitem
restrições relativas a fatores como gênero, idade, cor, orientação sexual,
nacionalidade, deficiência, capacidade intelectual ou qualquer outro. E ninguém
se despe da dignidade humana, ainda que cometa crimes gravíssimos, que pratique
os atos mais abomináveis.
[2]
O Iluminismo fora movimento de ideias originado no século XVII na Holanda. Mas,
somente no século posterior que houve o desenvolvimento e expansão dos ideais
iluministas pelo norte da Europa e pela América. Seu principal objetivo era
utilizar a razão humana para compreender os fenômenos e romper com a
mentalidade ora vigente, ou seja, opor-se ao Ancien Régime. Em linhas gerais,
se caracterizou por ser um sistema de governo em que o governante se investia
de poderes absolutos, sem limites, exercendo de fato e de direito os atributos
da soberania. Segundo Bobbio, o Iluminismo não foi um movimento homogêneo. Pelo
contrário, fora uma mentalidade desenvolvida no decorrer do século XVIII por
parte de um grupo da sociedade, grupo este composto basicamente por
intelectuais, burgueses e alguns reinantes. Houve várias divergências no que
diz respeito ao Iluminismo existente em países como a Alemanha, a Espanha,
Itália, Áustria e países da Europa Oriental.
[3]
É definida como ação ou efeito de juridicizar, de atribuir caráter jurídico a;
atribuição de caráter jurídico a algo ou resolução de um assunto sob o ponto de
vista jurídico. Observa-se que a
efetivação do direito à saúde, por exemplo, envolve a preservação da
continuidade das políticas públicas por meio do diálogo. Deste modo, os
conflitos políticos sofrem muito mais uma juridicização (conflitos são
discutidos sob o ponto de vista jurídico) do que uma judicialização (ao máximo,
se evita levá-los ao Judiciário), pois a intenção consiste em evitar a via
judicial e adotar múltiplas estratégias e pactuações extrajudiciais. A
possibilidade de atuar de forma independente permite o destaque político do MP
como mediador na saúde.
[4]
Dados do Relatório Justiça em Números 2018 revelam que dos 80 milhões de
processos que tramitavam no Judiciário brasileiro no ano de 2017, 94% estão
concentrados no primeiro grau. Nesta instância estão, também, 85% dos processos
ingressados no último triênio (2015-2017); 84% dos servidores lotados na área
judiciária, 69% do quantitativo de cargos em comissão, 61% em valores pagos aos
cargos em comissão, 75% do número de funções comissionadas e 66% dos valores
pagos pelo exercício das funções de confiança. O Relatório Justiça em Números
2020 apresenta também os gargalos da Justiça brasileira. A litigiosidade no
Brasil permanece alta e a cultura da conciliação, incentivada mediante política
permanente do CNJ desde 2006, ainda apresenta lenta evolução. Em 2019, apenas
12,5% de processos foram solucionados via conciliação. Em relação a 2018, houve
aumento de apenas 6,3% no número de sentenças homologatórias de acordos, em que
pese a disposição do novo Código de Processo Civil (CPC), que, em vigor desde
2016, tornou obrigatória a realização de audiência prévia de conciliação e
mediação. Conforme registrado no presente Relatório, aproximadamente 31,5% de
todos os processos que tramitaram no Poder Judiciário foram solucionados. (In:
Justiça em Números 2020: ano-base 2019/ Conselho Nacional de Justiça: CNJ:
2020. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2020/08/WEB-V3-Justi%C3%A7a-em-N%C3%BAmeros-2020-atualizado-em-25-08-2020.pdf
Acesso em 9.11.2020)
[5]
Apenas a título de exemplificação, traz-se os casos concretos reais de
judicialização ocorridos recentemente no Brasil. Casos de judicialização da
política, a saber: o rito do processamento do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff que fora
analisado pelo STF; a definição do afastamento do então Presidente da Câmara
dos Deputados, também realizados pelo STF. Casos de judicialização da vida, a
saber: o reconhecimento da possibilidade de união estável entre pessoas do
mesmo sexo, assim decidida pelo STF, no ano de 2011, em sede de Ação Direta de
Inconstitucionalidade 4277 e Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental
132; STJ após decisão do STF acima, entendeu pela possibilidade da conversão da
união estável homoafetiva em casamento; Definição, tratamento e facilitação do
casamento entre pessoais do mesmo sexo, sob determinação do Conselho Nacional
de Justiça em Resolução editada em 2013, com o fim proporcionar efetivação ao
entendimento do STF e do STJ supramencionados.
[6]
Infelizmente, a judicialização da saúde não resolve o problema de acesso aos
tratamentos no SUS. Nem para o governo essa também não é alternativa ideal,
pois a União ou o Estado gastam bastante na compra de medicamentos individuais
para obedecer a decisões do Poder Judiciário do que se os medicamentos fossem
adquiridos em quantidade, com valores negociados para todos que dele
necessitam. Como não é possível prever o montante do orçamento que será
destinado ao atendimento de ações judiciais, os gestores públicos enfrentem
maiores desafios em manter um serviço de saúde funcional e eficiente para a
produção, já que alguns recursos precisam ser realocados. Os gastos do governo
para cumprir determinações judiciais estão batendo recordes: estima-se que em
2016 o Governo Federal tenha gasto com medicamentos o montante de R$ 1,6 bilhão
com pacientes que buscaram a judicialização. Esse número foi de R$ 800 milhões
em 2014 e de R$ 1,2 bilhão em 2015. Todo ano, essa despesa atingem novo recorde
e esse valor equivale a 10% do montante que o governo investiu em 2015 na
compra de medicamentos previstos na rede pública para atender toda a população
brasileira.
[7]
A verificação de que a Justiça Constitucional desenvolve tarefas para além do
sempre referido e propagado controle da constitucionalidade das leis acaba
promovendo certo impacto na (forma de) análise e aproximação de assuntos e
preocupações também centrais à própria Justiça Constitucional. Assim é que os
elementos do denominado processo constitucional objetivo e o tema, tão caro à
teoria clássica, da legitimidade de um Tribunal Constitucional (envolvendo
questões como o recrutamento de seus integrantes e o tempo máximo de exercício
desse cargo) devem ser avaliados não apenas em função daquela tarefa de
controle de leis, mas sim em contemplação a toda a gama de extensas funções
exercidas (ou exercitáveis) pela instituição do Tribunal Constitucional, em
consonância com a contemporânea teoria da Constituição.
[8]
Anátema significa em grego antigo, uma oferta votiva e, depois maldição era, na
Grécia Antiga uma oferenda colocada no templo de uma deidade, constituída
inicialmente por frutas ou animais, e posteriormente, por armas, estátuas e,
etc. Seu maior objetivo era agradecer por uma vitória ou outro evento
favorável. Os anátemas acontecem em celebrações públicas e são feitas por
pontífices maiores, como bispos e cardeais. Em algumas tradições cristãs
existem ritos específicos para o anátema. O anátema é o mais severo caso de
excomunhão, ocorrendo somente nos piores casos possíveis de heresia contra a
fé.
[9]
De Plácido e Silva, e m seu consagrado Vocabulário Jurídico, trata com mais
profundidade da equidade: “E Q U I D A D E. Derivado do latim aequitas,
de aequus (igual, equitativo), antigamente era tido em sentido análogo
ao de justiça, pelo que, por vezes se confundiam. E, assim, tanto um com o
outro se compreendiam como a disposição de ânimo, constante e eficaz, de tratar
qualquer pessoa, segundo sua própria natureza, ou tal como é, contribuindo em
tudo que se tem ao alcance, desde que não seja em prejuízo próprio, para
torná-la perfeita e feliz. E, ampliando este sentido, chegavam a equipará-la à
caridade, interpretando-a como a bondade cordial, e m virtude da qual não se
exige com rigor aquilo a que temos direito, porque nos pertence ou nos é
devido, chegando-se ao extremo de uma liberalidade desmedida, para relaxar,
voluntariamente, nossos próprios direitos, mesmo reais, e m proveito de outrem.
E, assim, a equidade não é a justiça. C o m p õ e o conceito deu m a justiça
fundada na igualdade, na conformidade do próprio princípio jurídico e, em
respeito aos direitos alheios.
[10]
Ethica Nicomachea é a principal obra de Aristóteles sobre Ética. Nesta
se expõe sua concepção teleológica e eudaimonista de racionalidade prática, sua
concepção da virtude como mediania e suas considerações acerca do papel do
hábito e da prudência. Em Aristóteles, toda racionalidade prática é teleológica,
quer dizer, orientada para um fim (ou um bem, como está no texto). À Ética cabe
determinar a finalidade suprema (o summum bonum), que preside e
justifica todas as demais, e qual a maneira de alcançá-la. Essa finalidade
suprema é a felicidade (eudaimonia), que não consiste nem nos prazeres,
nem nas riquezas, nem nas honras, mas numa vida virtuosa. A virtude, por sua
vez, se encontra no justo meio entre os extremos, e será encontrada por aquele
dotado de prudência (phronesis) e educado pelo hábito no seu exercício.
Vale destacar aqui que a ideia de virtude, na Grécia Antiga, não é idêntica ao
conceito atual, muito influenciado pelo cristianismo. Virtude tinha o sentido
da excelência de cada ação, ou seja, de fazer bem feito, na justa medida, cada
pequeno ato (além disso os valores da altura e local em que ele escreveu tal
obra eram bem diferentes dos leitores atuais; a palavra bem ou mal por exemplo
apresenta significados totalmente opostos).
[11]
A dogmática contemporânea do direito mais se parece um cemitério de ideias
mortas. Pois ali crescem, se reproduzem e morrem diariamente as distintas e
heterogêneas concepções sobre o que é, sobre o que deveria ser e sobre como
aplicar o direito. Aliás, cada um dos doutrinadores defende seu próprio
conceito de interpretação e aplicação do direito, de argumentação jurídica, de
racionalidade, de justiça. A dogmática persiste em oscilar entre um
pós-modernismo sem sentido e/ou um acusado formalismo que corresponde com uma
fase já prevista da cultura jurídica, senão que também persevera em formular
construções doutrinárias cuja principal característica e utilidade é a de
servir como mero mecanismo de legitimação posterior à decisão. Nas palavras de
Rüdiger Lautmann (1972): “As citações literárias nos escritos das sentenças
cumprem essencialmente, uma função de persuasão; ditas citações buscam outorgar
à sentença a aparência de correção e de dignidade científica”. In: FERNANDEZ,
Atahualpa; FERNANDEZ BISNETO, Atahualpa. Dogmática jurídica. Disponível em:
https://ambitojuridico.com.br/edicoes/revista-75/dogmatica-juridica/ Acesso em
10.11.2020.
[12]
Volksgerichtshof (VGH), em alemão "tribunal do povo", foi uma
corte especial de justiça ou, mais precisamente, um tribunal político que
esteve ativo na Alemanha entre 1934 e 1945, tendo sido responsável pelo
julgamento de acusados de crimes de alta traição e atentado contra a segurança
do Estado, praticados pela resistência alemã durante o regime nazista. Foi
instituído por Adolf Hitler, após o episódio do incêndio do Reichstag,
em 27 de fevereiro de 1933, que havia sido provocado pelos nazistas para
justificar a supressão das liberdades individuais que se seguiu. O tribunal é
tristemente célebre pelo grande número de sentenças de morte (mais de 5000)
pronunciadas em seus poucos anos de existência, sobretudo entre 1942 e 1945,
sob a presidência do juiz Roland Freisler, cuja atuação é tida como exemplo de
desvio da lei (Rechtsbeugung) e submissão da justiça ao terror
organizado de Estado, sob o nazismo.
[13]
Uma “Teoria da Justiça”, é uma obra de filosofia política e ética de John
Rawls, considerada uma das obras de teoria política mais importantes do século
XX. Nesta Rawls tenta resolver o problema da justiça distributiva, a
distribuição socialmente justa de bens em uma sociedade, por meio da utilização
de uma variante do conhecido dispositivo do contrato social. A teoria
resultante é conhecida como "justiça como equidade", e dela Rawls
deriva seus dois princípios de justiça. Esses, ditam que, primeiro, a sociedade
deve ser estruturada de forma que a maior quantidade possível de liberdade seja
dada aos seus membros, sendo isso limitado unicamente pela noção de que a
liberdade de um membro não deva infringir a liberdade de um outro membro. Em
segundo lugar, as desigualdades sociais ou econômicas só são aceitáveis se a
situação daqueles em pior situação for melhor do que ela seria em um sistema de
distribuição uniforme. Como parte do segundo princípio, se existe uma
desigualdade benéfica, essa desigualdade não deve dificultar que pessoas em
pior situação ocupem posições de poder, como por exemplo um cargo público.
Publicado originalmente em 1971, A Theory of Justice foi revisado em
1975 (para edições estrangeiras) e 1999.
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