Resumo: O
neoconstitucionalismo contemporâneo veio para se opor às teses do
constitucionalismo, numa perspectiva oposta à metodologia clássica. Em verdade,
não mais se aceita um direito submisso à discricionariedade e que tenha mera matriz teórica e acrítica da hermenêutica
jurídica.
Palavras-Chave:
Constitucionalismo. Neoconstitucionalismo. Direito Constitucional. Constituição
Federal Brasileira de 1988. Interpretação constitucional.
A Constituição Federal se
sistematiza através de relação dialética entre regras e princípios, expandindo
seus efeitos por todos os demais ramos do Direito. A eleição dos critérios de
interpretação, nos casos de confronto de valores e/ou princípios, considera a
abertura semântica existente nas normas constitucionais.
Justifica-se, portanto, a
existência de interpretação propriamente constitucional onde se prioriza certos
cânones jurídicos que podem ser revelados pelas súmulas vinculantes. O conceito
do neoconstitucionalismo é árduo pois abrange doutrinadores das mais diversas
correntes e que são substancialmente diferentes, embora componham a mesma
essência do neoconstitucionalismo.
Humberto Ávila ratificando a
ideia da impossibilidade de se conceituar o neoconstitucionalismo aduz que não
apenas um único conceito de neoconstitucionalismo. E, diversos doutrinadores,
possuem concepções, elementos e perspectivas que torna inviável esboçar uma una
e única teoria do neoconstitucionalismo.
De toda sorte é preciso para
obter adequada compreensão do fenômeno neoconstitucionalista, que passemos numa
digressão histórica, a fim de entender a estrutura lógica do fenômeno jurídico.
Cumpre ainda observar a
ascensão e a decadência do jusnaturalismo que vem sendo empregada há muito tempo.
E, sendo corrente filosófica que denota ordem axiológica que é derivada de
naturais pretensões humanas legítimas, que esquadrinham quadro de prerrogativas
de direitos ínsitas aos seres humanos, sem qualquer relação com normas
jurídicas advindas do Estado. E, portanto, independem do direito positivo.
O jusnaturalismo deita raízes
na Antiguidade Clássica atravessando o tempo e possui sérios reflexos
atualmente. Suas grandes transformações ocorridas ao longo da Idade Média, e
ainda, as suas múltiplas formas, pode-se, resumidamente entendê-lo por duas
vertentes: 1. a de uma lei estabelecida pela vontade de Deus; 2. de uma lei
ditada pela razão.
Aristóteles ao escrever sobre
a Justiça política em sua obra Ética a Nicômaco afirmou que:
“Da justiça política é uma parte natural
e em parte legal: natural é aquela que tem a mesma força em todos os lugares e
não existe por pensarem os homens deste ou daquele modo; a legal é que de
início pode ser determinado indiferentemente, mas deixa de sê-lo depois que foi
estabelecido”. (In: Aristóteles. Ética a Nicômaco, p.117).
Com a modernidade, veio Hugo
Grócio[1] prover a distinção entre
Direito Natural e Direito Positivo. E, definiu o Direito natural como um ditame
da justa razão destinado a mostrar que um ato é moralmente torpe ou moralmente
necessário, segundo seja ou não conforme a própria racional do homem, e a
mostrar que tal ato é, em consequência disto, vetado ou comandado por Deus,
enquanto o supremo autor da natureza. O direito voluntário, portanto, é o que
provém do poder estatal, daí a origem do Direito positivo.
A essência do pensamento
jusnaturalista se iniciou particularmente no século XVI, com a reforma
protestante[2],
a formação dos Estados nacionais e a chegada de europeus à América,
desenvolve-se em um ambiente cultural não mais submisso à teologia cristã.
O jusnaturalismo passa a ser a
filosofia natural do Direito e associa-se ao Iluminismo[3] na crítica à tradição
anterior, dando substrato jurídico filosófico às duas grandes conquistas do
mundo moderno, a saber: a tolerância religiosa e a limitação ao poder do
Estado.
Foi marcante a obra de Thomasius[4]
(Fundamentos) de 1705 que veio separar a Teologia da filosofia e, ipso facto,
seu conceito de Direito natural também se modificará. Nessa nova fase, o
direito natural nem era considerado como direito, mas como mero conselho.
Dessa mudança paradigmática
desbocou no surgimento do jusnaturalismo moderno que admite a concomitante
existência do direito natural e do direito positivado, sendo este derradeiro,
inevitável resultado daquele.
Daí, temos a crença de que o
homem possui direitos naturais, imanentes, principalmente o direito à
integridade e à liberdade e que o Estado deve se submeter a tais mandamentos
universais que serviram de combustível para prover as revoluções liberais, com
seus fundamentos individualistas, que enfrentaram ferozmente a monarquia
absolutista então vigente. Com a figura do Estado Liberal[5] pode-se afirmar que o
constitucionalismo moderno nasceu nesse intervalo histórico.
O jusnaturalismo ao lado do
Iluminismo teve forte influência no movimento de codificação do Direito, no
século XVIII, na busca de ordem lógica e estrutural, incorporando-se à tradição
romano-germânica, alcançando seu apogeu com a elaboração do Código Napoleônico
que significou a positivação moderna do direito natural. A técnica da
codificação possibilitou uma identificação do direito à lei, fazendo com que a
Escola da Exegese instituísse um forte apego aos textos, limitando a atuação
criativa do juiz, exigindo-lhe tão-somente uma interpretação meramente literal,
submetendo-se à vontade da lei, do legislador.
O Estado, portanto, passou
assumir o monopólio da produção jurídica.
No entanto, ao mesmo tempo em
que o jusnaturalismo chega ao seu apogeu, enfrentou sua queda e até
esquecimento, conquanto que muitas das prescrições do próprio direito natural já
haviam sido assimiladas pelo direito positivo (no início do século XIX). E,
assim, foi considerado metafísico e anticientífico, o direito natural fora
empurrado para a margem da história pela onipotência positivista típica do
século XIX.
Mas também o direito positivo
irá conhecer tanto a ascensão como a decadência. Afinal, o positivismo
filosófico fora resultante da corrente de conhecimento científico que
acreditava que era possível estabelecer leis naturais, independentes da vontade
humana, que pudessem responder às indagações da atividade intelectual.
Atribuía-se exagerado valor à
racionalidade, sendo que o homem se tornara o centro de tudo, é o
antropocentrismo, em que tudo passou a ser ciência, com efeito, a ciência era
considerada o único conhecimento válido.
O pai da Filosofia Positivista
foi Auguste Comte[6]
que afirmava que o pensamento humano se dividia em três estados, o que
denominou de " lei dos três estados":
1. o primeiro estado era o
teológico, em que todas as explicações sobre a realidade eram atribuídas a um
ser sobrenatural (Deus), não se especulando eventuais problemas fora do campo
místico-religioso;
2. segundo estado era o
metafísico, que assim como o teológico, buscava dar uma explicação absoluta aos
fenômenos, conteúdo, ao invés da imaginação abstrata aplicava-se uma
argumentação, capaz de discutir e afastar eventuais contradições, destruindo a
subordinação do homem e da natureza ao sobrenatural; 3. por derradeiro, o
estado positivo caracteriza-se pela subordinação da imaginação e da
argumentação à observação.
Em verdade, todo o
conhecimento finda numa observação dos fatos, como uma ideia de empirismo.
A filosofia positivista,
portanto, é indutiva, sendo que não existem fundamentações únicas das causas
dos fenômenos (teológica e metafísica), mas sim, uma interconexão de leis que
explicam os fenômenos. Outra característica relevante do positivismo filosófico
é a previsibilidade, pois a ideia de conhecimento possibilitaria aos seres
humanos uma cogitação acerca dos acontecimentos prováveis em determinadas
situações.
O positivismo é corrente
filosófica que surgiu na França no começo do século XIX. Os principais
idealizadores do positivismo foram os pensadores Auguste Comte e John Stuart
Mill. O positivismo é conceito que possui distintos significados, englobando
tanto perspectivas filosóficas e científicas do século XIX quanto outras do
século XX[7].
Convém ressaltar o exagero que
é atribuir aos positivistas a Proclamação da República em nosso país, pois essa
adveio de consolidação na qual se verificou a grande influência do coronel
Benjamin Constant (que depois fora homenageado com o epíteto de "Fundador
da República brasileira".
O lema Ordem e Progresso na
bandeira do Brasil é inspirado pelo lema positivista: "Amor como princípio
e ordem como base; o progresso como meta". Foi usado na bandeira, pois
várias pessoas envolvidas na Proclamação da República do Brasil eram seguidoras
das ideias de Auguste Comte.
A partir da segunda metade do
século XIX, as ideias de Auguste Comte permearam as mentes de muitos mestres e
estudantes militares, políticos, filósofos e historiadores.
Assim muitos brasileiros se
converteram ao positivismo, particularmente inspirado no professor de
matemática da Escola militar do Rio de Janeiro, Benjamin Constant que serviu
para estimular os movimentos republicano e abolicionista, em oposição à
monarquia e ao escravismo dominante na época.
A Proclamação da República
ocorrida por meio de golpe militar e com apoio de setores da aristocracia
brasileira, particularmente a paulista, foi um natural desdobramento desse
movimento.
O Positivismo Filosófico
estabelecia, basicamente, três teses fundamentais:
(i)
a ciência é o único conhecimento válido,
refutando as indagações teológicas ou aquelas insuscetíveis de demonstração;
(ii)
o conhecimento científico é objetivo, calcado
no esquema sujeito-objeto e no método descritivo;
(iii)
o método científico empregado nas ciências
naturais (observação e experimentação) deve ser empregado inclusive nas
ciências sociais.
Luiz Guilherme Marinoni aponta
com acerto os principais reflexos do positivismo filosófico no Direito, in
litteris:
"O positivismo jurídico nada mais é
do que uma tentativa de adaptação do positivismo filosófico ao domínio do
direito. Imaginou-se, sob o rótulo de positivismo jurídico, que seria possível
criar uma ciência jurídica a partir dos métodos das ciências naturais,
basicamente a objetividade da observação e a experimentação.
Se o investigador das ciências
naturais pode, muito mais do que aquele que trabalha com o direito, despir-se
dos seus sentimentos ao investigar, bem como, realizar experimentos com base em
procedimentos lógicos até concluir a respeito da verdade ou da falsidade de uma
proposição, supôs-se que a tarefa do jurista poderia ser submetida a essa mesma
lógica".
Neste sentido, Hans Kelsen
criou a sua Teoria Pura do Direito que fora inspirada no Positivismo filosófico
de Comte, afirmando que a ciência jurídica, embora não seja uma ciência
natural, tem um nascimento quase que natural no seio social. Assim, apesar do
direito ser fenômeno social, não se confunde com a sociedade, porquanto esta é
definida por inúmeros outros fatores.
A tentativa de Kelsen em criar
uma teoria pura que fosse neutra e depurada dos outros elementos/objetos de
análise que não fosse o direito, enquanto norma objetiva.
Kelsen, afirmou, nessa
direção, in litteris:
"A
Teoria Pura do Direito é uma teoria do direito positivo. Tão-somente do direito
positivo e não de determinada ordem jurídica. É teoria geral e não
interpretação especial, nacional, ou internacional, de normas jurídicas”.
Como teoria, ela reconhecerá,
única e exclusivamente, seu objeto. Tentará responder à pergunta “o que é” e
“como é” o direito e não à pergunta de “como seria” ou “deveria ser” elaborado.
É ciência do direito e não política do direito. Quando se intitula Teoria
“Pura” do Direito é porque se orienta apenas para o conhecimento do direito e
porque deseja excluir deste conhecimento tudo o que não pertence a esse exato
objeto jurídico. Isso quer dizer: ela expurgará a ciência do direito de todos
os elementos estranhos. Este é o princípio fundamental do método e parece ser
claro".
Outro aspecto que liga a
teoria de Kelsen à filosofia de Comte ao pensamento positivista é a negação
absoluta do direito como dever ser. E, para Kelsen, o direito não se ocupa da
categoria do dever ser, pois este elemento deontológico remete as motivações
morais, o que não compatibiliza com uma Teoria Pura do Direito. O dever ser é
categoria transcendental e, não pode se admitir o regresso ao direito natural e
à metafísica, sob pena de se esvaziar a cientificidade e tecnicidade do
Direito.
Deu-se uma cisão entre Direito e moral, sendo
que a ciência do Direito se voltava aos juízos de fato, que buscam o
conhecimento da realidade, e não em juízos de valor, que representam uma tomada
de posição diante da realidade, não cabendo ao Direito resolver a discussão
sobre a legitimidade e a justiça.
A ciência exclui do próprio
âmbito os juízos de valor, porque esta deseja ser um conhecimento puramente
objetivo da realidade, enquanto os juízos em questão são sempre subjetivos e
consequentemente contrários à exigência de objetividade. (...)
O cientista moderno renuncia a
se pôr diante da realidade com uma atitude moralista ou metafísica, abandona a
concepção teleológica (finalista) da natureza (segundo a qual a natureza deve
ser compreendida como pré-ordenada por Deus a um certo fim) e aceita a realidade assim como e, procurando
compreendê-la com base numa concepção puramente experimental (que em seus
primórdios é uma concepção mecanicista).
Assim, deu-se uma redução do
Direito à lei, aproximando-os e os assimilando como coisas iguais, considerando
a lei como fonte exclusiva do Direito. Neste passo, não havia o que se discutir
acerca do conteúdo da lei, desde que esta fosse criada a partir do procedimento
correto (teoria da validade formal da lei). Ainda, afirmava-se que não
existiriam lacunas, já que o ordenamento jurídico era completo - teoria da
completude e coerência do ordenamento jurídica.
Desta forma, a lei é
compreendida como corpo da lei, ou como Código, sendo dotada de plenitude, e,
portanto, sempre teria que dar resposta aos conflitos de interesses. Os
preceitos morais não fazem parte do ordenamento jurídico porque maculam o
caráter descritivo do Direito.
E, Hart foi um dos expoentes
do positivismo jurídica, e enfatizou a referida separação quando analisa as
muitas conexões contingentes e diferentes entre direito e a moral, não há
concepções necessárias entre o conteúdo do direito e o da moral e, daí, que
possam ter validade, enquanto regras ou princípios jurídicos, disposições
moralmente iníquas.
Um aspecto dessa separação do
direito e da moral é o que pode haver direito e deveres jurídicos que não têm
qualquer justificação ou eficácia morais.
Alf Ross defende que o positivismo
jurídico tem como princípio a negação da existência do Direito natural e o
coloca como a teoria mais geral que nega a existência de qualquer conhecimento
em campo ético.
Em resumo, os positivistas
havia somente o direito que emanava do Estado, somente a lei poderia viabilizar
uma justiça legal, é dizer, não existe o problema da validade das leis
injustas, pois o valor não é objeto da pesquisa jurídica. Quanto à justiça,
consideram apenas a legal, mesmo porque não existiria a chamada justiça
absoluta.
Norberto Bobbio estabeleceu
três características fundamentais do positivismo, saber:
1. o positivismo como
ideologia que é uma faceta do positivismo moderado, sem extremismos ou
reducionismos extremos, que serve exatamente para impedir as arbitrariedades
cometidas pelo Estado sob a égide da legalidade, reforçando o repúdio ao Antigo
Regime;
2. positivismo como teoria que determina uma
série de postulados ao intérprete do Direito, dispondo que a lei ordinária está
em posição soberana (onde se ler lei, leia-se Direito), intangível/intocável;
O positivismo enquanto método
e nesse sentido, para se conhecer ou fazer uma teoria adequada do Direito, o
positivismo utilizaria o método descritivo, simples e puramente científico.
Entretanto, o Direito,
diferentemente dos outros campos de conhecimento, não tem uma postura meramente
descritiva da realidade. Ao contrário, ao Direito cabe construir e transformar
a realidade, na ideia do dever-ser[8] que este prescreve. A
relação entre o objeto de estudo do Direito e o sujeito que o estuda (norma,
realidade e intérprete), é tensa e intensa, isto é, o sujeito não se submete ao
esquema sujeito-objeto, subsuntivo, meramente dedutivo.
Streck ressalta que na
metafísica clássica os sentidos estavam nas coisas e na metafísica moderna na
mente, consciência de si do pensamento, nessa verdadeira guinada pós-metafísica
os sentidos passam a se dar na e pela linguagem.
Tal viragem
linguístico-ontológica são incomensuráveis para a interpretação do direito. Da
terceira coisa que se interpõe entre um sujeito e um objeto, a linguagem passa
a condição de possibilidade.
Enfim, o positivismo jurídico
originalmente fora criado para resguardar a ideologia do Estado Liberal,
tornou-se em si mesmo uma própria ideologia. Uma ideologia de não apenas como
fazer ou pensar o Direito, mas como querer o Direito.
Essa forma de ideologia que
foi defendida por muitos que pretendiam manter o status quo, agindo sob
a premissa da legalidade, transformou a igualdade tão festejada num modelo de
discriminação e opressão, enquanto tratava os desiguais de maneira igual.
A decadência do positivismo se
deveu aos movimentos políticos e militares que ascenderam ao poder,
particularmente o nazismo na Alemanha e o fascismo na Itália e que cometeram
inúmeras barbáries em nome da lei.
Ao fim da Segunda Guerra
Mundial, a comunidade jurídica internacional percebeu que um sistema
indiferente aos fatores éticos/morais e baseado em leis que serviam apenas de
molduras construídas para conteúdos diversos, necessitava de imediata
transformação.
Em face do abandono histórico
sofrido pelo jusnaturalismo e o fracasso político do positivismo deram origem a
um movimento que ainda evolui e é alicerçado sobretudo na teoria dos direitos
fundamentais e na existência de regras e princípios (e as consequências que daí
decorreram) provisoriamente denominados pós-positivismo[9].
O pós-positivismo também é
chamado de pós-empirismo é uma instância meta teorética que critica e
aperfeiçoa o positivismo. Os pós-positivistas acreditam que o conhecimento
humano não é baseado em bases pétreas e, sim, em hipóteses.
O pós-positivismo tenta
restabelecer uma relação entre direito e ética, pois busca materializar a
relação entre valores, princípios, regras e a teoria dos direitos fundamentais
e para isso, valoriza os princípios e sua inserção nos diversos textos
constitucionais para que haja o reconhecimento de sua normatividade pela ordem
jurídica.
A respeito de tal distinção,
BARCELLOS (In: BARCELLOS, Ana Paula de. A Eficácia Jurídica dos Princípios
Constitucionais: O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. 2ª
Edição. Rio de Janeiro: Renovar, 2008,) faz didática compilação dos
sete critérios mais comumente propostos pela doutrina para esse fim, o que por
certo nos oferece uma boa noção geral dessa tão importante questão da teoria do
direito contemporânea, in verbis:
"(a) O conteúdo. Os
princípios estão mais próximos da ideia de valor e de direito. Estes formam uma
exigência da justiça, da equidade ou da moralidade, ao passo que as regras têm
um conteúdo diversificado e não necessariamente moral. (...)
(b) Origem e validade. A
validade dos princípios decorre de seu próprio conteúdo, ao passo que as regras
derivam de outras regras ou dos princípios. (...)
(c) Compromisso histórico.
Os princípios[10] são para muitos (ainda
que não todos), em maior ou menor medida, universais, absolutos, objetivos e
permanentes, ao passo que as regras se caracterizam de forma bastante evidente
pela contingência e relatividade de seus conteúdos, dependendo do tempo e
lugar.
(d) Função no ordenamento. Os
princípios têm uma função explicadora e justificadora em relação às regras.
(...)
(e) Estrutura linguística. Os
princípios são mais abstratos que as regras, em geral não descrevem as
condições necessárias para sua aplicação e, por isso mesmo, aplicam-se a um
número indeterminado de situações.
Em relação às regras, diferentemente,
é possível identificar, com maior ou menor trabalho, suas hipóteses de
aplicação.
(f) Esforço interpretativo
exigido. Os princípios exigem uma atividade argumentativa muito mais intensa,
não apenas para precisar seu sentido, como também para inferir a solução que
ele propõe para o caso, ao passo que as regras demandam apenas uma
aplicabilidade, na expressão de Jossef Esser, ‘burocrática e técnica’.
(g) Aplicação. As regras têm
estrutura biunívoca, aplicando-se de acordo com o modelo do "tudo ou nada",
popularizado por Ronald Dworkin. Isto é, dado seu substrato fático típico, as
regras só admitem duas espécies de situação: ou são válidas e se aplicam ou não
se aplicam por inválidas.
Uma regra vale ou não vale
juridicamente. Não são admitidas gradações. Como registra Robert Alexy[11], ao contrário das regras,
os princípios determinam que algo seja realizado na maior medida possível,
admitindo uma aplicação mais ou menos ampla de acordo com as possibilidades
físicas e jurídicas existentes.
Estes limites jurídicos, que
podem restringir a otimização de um princípio, são (i) regras que o excepcionam
em algum ponto e (ii) outros princípios opostos que procuram igualmente
maximizar-se, daí a necessidade eventual de ponderá-los. Desenvolvendo esse
critério de distinção, Alexy denomina as regras de comando de definição e os
princípios de comandos de otimização".
Essa estruturação do sistema
jurídico em regras e princípios é sábia, constituindo-se uma excelente
construção teórica. Cuida-se de uma verdadeira formulação salomônica,
porquanto, sem desprezar a lei, permite uma benfazeja oxigenação axiológica do
sistema, viabilizada pela imanente plasticidade dos princípios. Fica superada,
assim, a tradicional dicotomia jusnaturalismo x juspositivismo.
Ressaltamos, porém, para que
se repila qualquer euforia prejudicial, que o sistema jurídico ideal há de ser
aquele erigido levando em conta uma distribuição equilibrada entre regras e
princípios, "nos quais as regras desempenham o papel referente à segurança
jurídica – previsibilidade e objetividade das condutas – e os princípios, com
sua flexibilidade, dão margem à realização da justiça do caso concreto. Como se
percebe, o enlace jurídico entre regras e princípios é um bom exemplo de
casamento perfeito.
A visão pós-positivista também
acarreta mudanças na área da interpretação constitucional. Nesse particular,
leciona BARROSO (In: BARROSO, Luís Roberto; BARCELLOS, Ana
Paula de. O Começo da História. A Nova
Interpretação Constitucional e o Papel dos Princípios no Direito brasileiro.
In A Nova Interpretação
Constitucional: Ponderação, Direitos Fundamentais e Relações Privadas.
BARROSO, Luís Roberto (organizador). 2ª Edição. Rio de Janeiro: Renovar, 2006_ in
litteris:
"A
interpretação jurídica tradicional desenvolveu-se sobre duas grandes premissas:
(i) quanto ao papel da norma, cabe a ela oferecer, no seu relato abstrato, a
solução para os problemas jurídicos; (ii) quanto ao papel do juiz, cabe a ele
identificar, no ordenamento jurídico, a norma aplicável ao problema a ser
resolvido, revelando a solução nela contida”.
Vale dizer: a resposta para os
problemas está integralmente no sistema jurídico e o intérprete[12] desempenha uma função
técnica de conhecimento, de formulação de juízos de fato.
No modelo convencional, as
normas são percebidas como regras, enunciados descritivos de condutas a serem
seguidas, aplicáveis mediante subsunção. Com o avanço do direito constitucional,
as premissas ideológicas sobre as quais se erigiu o sistema de interpretação
tradicional deixaram de ser integralmente satisfatórias.
Assim:
(i) quanto ao papel da norma,
verificou-se que a solução dos problemas jurídicos nem sempre se encontra no
relato abstrato do texto normativo. Muitas vezes só é possível produzir a
resposta constitucionalmente adequada à luz do problema, dos fatos relevantes,
analisados topicamente;
(ii) quanto ao papel do juiz,
já não lhe caberá apenas uma função de conhecimento, voltado para revelar a
solução contida no enunciado normativo. O intérprete torna-se coparticipante do
processo de criação do direito, completando o trabalho do legislador, ao fazer
valorações de sentido para as cláusulas abertas e ao realizar escolhas entre
soluções possíveis".
Essa hermenêutica diferenciada
vai suscitar, portanto, toda uma gama de novas discussões na arena da
interpretação constitucional: [16] concreção [17], colisão de princípios
constitucionais, ponderação, argumentação etc.
Analisando com Souza Neto, as
diferenças in verbis:
"... o paradigma
liberal-positivista contém em si uma
1) teoria da norma
constitucional, segundo a qual a) lei e constituição se identificam, b) a norma
constitucional possui uma textura fechada, e c) a constituição é um sistema
coerente e completo;
2) uma teoria da decisão[13], segundo a qual a) a
aplicação da norma constitucional se identifica com a aplicação da norma
infraconstitucional, b) não há que se falar em ato de decisão, mas simplesmente
de cognição, já que o ato jurisdicional se esgota na aplicação de uma vontade
pré-constituída, c) o magistrado é capaz de monologicamente, fazer uma leitura
racional do texto normativo, sem a interferência de seus valores e interesses
pessoais;
3) uma teoria da democracia
segundo a qual a) a vontade estatal deve ser formulada pelo órgão que foi
legitimado para tanto através do voto popular, o parlamento, e b) o magistrado
deve se ater ao disposto no texto legal, senão estará usurpando a vontade
popular.
Do mesmo modo, o paradigma
pós-positivista já sinaliza para a consolidação de certas características
gerais que se encontram na obra da maioria dos autores.
Assim é que o paradigma
pós-positivista,
1) no campo da teoria da norma
constitucional, enfatiza, de forma mais ou menos homogênea:
a) a
presença dos princípios no ordenamento constitucional, e não só das regras
jurídicas;
b) a estrutura aberta e fragmentada da
constituição.
2) no campo da teoria da
decisão, investe na:
a) reinserção da razão prática na metodologia
jurídica, rejeitando a perspectiva positivista de que somente a observação pode
ser racional;
b) propõe uma racionalidade dialógica,
centrada não no sujeito, mas no processo argumentativo, que
c) vincula a correção das
decisões judiciais ao teste do debate público,
3) no âmbito da teoria
democrática propugna a) pelo caráter procedimental do processo democrático e b)
pela possibilidade de limitação do princípio majoritário em nome da preservação
da própria democracia"
Como se percebe, o embate
entre o "positivismo" versus "pós-positivismo" é
renhido, já perdura por vários rounds, sendo cheia de meandros teóricos
e ainda assentada em um terreno extremamente bombardeado por críticas.
Com efeito, no positivismo[14]:
i)
o intérprete há de ter uma postura neutra,
apenas extraindo o sentido já embutido no enunciado legal;
ii)
o
sistema jurídico é visto como fechado/completo, marcando-se pela
unidisciplinariedade;
iii)
dá-se a
supremacia da lei (foco no texto legal – prevalência da lex), destacando-se a
normatividade das regras;
iv)
trabalha-se no âmbito do ser/dever ser;
v)
a interpretação se dá in abstracto,
ocorrendo a inconstitucionalidade da norma, sendo encarada como objeto da
interpretação (o preceito normativo é o ponto de chegada – o fato concreto não
é valorizado);
vi)
reina na hermenêutica o método
subsuntivo/silogístico (ciência), com predomínio do valor segurança;
vii)
há rigidez na separação funcional do poder;
viii)
o papel do juiz é passivo, na função de mero
reprodutor da lei (o juiz descreve a realidade).
Já no pós-positivismo:
i)
o intérprete há de ter uma postura construtiva,
atribuindo sentido ao enunciado legal;
ii)
o sistema jurídico é visto como aberto/complexo,
marcando-se pela interdisciplinariedade;
iii)
dá-se a supremacia da Constituição (foco no
contexto fático-jurídico – prevalência do jus), destacando-se a normatividade
dos princípios; iv) trabalha-se no âmbito do poder ser;
iv)
a interpretação se dá in concreto,
ocorrendo a possibilidade de inconstitucionalidade dos efeitos da norma, sendo
encarada como resultado da interpretação (o preceito normativo é o ponto de
partida – o fato concreto é valorizado);
v)
reina na hermenêutica o método ponderativo
(prudência), com predomínio do valor justiça;
vi)
há flexibilidade na separação funcional do
poder;
vii)
o papel do juiz é ativo, na função de
verdadeiro produtor do direito (o juiz transforma a realidade). (In: MARANHÃO,
Ney. O fenômeno pós-positivista. Considerações gerais. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13387/o-fenomeno-pos-positivista
Acesso em 4.12.2020).
A pandemia de Covid-19[15] traz ainda nefastos
efeitos em todo mundo e, não é diferente em nosso país, surgem igualmente os
problemas jurídico-constitucionais em grande medida, que são idênticos ou
similares. Aliás, a própria configuração
do Estado, sua forma de governo, seu regime político e demais instrumentos que
produzem impactos sobre a eficácia das medidas tomadas (e não tomadas).
A prioridade é o direito à
vida, à saúde e, à preservação da dignidade humana. O que torna relevante a
atuação do Estado por seus órgãos principalmente para garantir o regular
funcionamento das instituições públicas bem como da vida social e econômica.
Nesse sentido, é relevante o neoconstitucionalismo na proteção e defesa dos
direitos fundamentais e dos princípios estruturantes do Estado Democrático de
Direito que está colocada em sério risco.
Lembremos que as medidas
adotadas têm como escopo de proteger a saúde e vida da população, portanto,
quaisquer omissões ou restrições aos direitos e garantias do cidadão, deve-se primeiramente atentar para que é fato
corriqueiro a restrição a direitos, posto que seja peculiar e indissociável no
cotidiano de uma vida em sociedade politicamente organizada, mas, sim, a sua
legitimação constitucional que parte do pressuposto de que os fins não
justificam o uso de todo e qualquer meio e da conexa (porém, não idêntica)
proibição de arbítrio[16].
Aliás, é preciso em certas
ocasiões de anormalidade ainda sob o manto da legitimidade constitucional, a
autorização para a decretação no Brasil de um estado de defesa, ou até de
estado de sítio, situações nas quais, durante sua vigência, vige conjunto de
sérias restrições aos direitos e garantias fundamentais do povo podem ser
autorizadas.
Diante grave crise e
instabilidade que afetem à saúde e à vida, podem ser adotadas mesmo sem formal
decretação de estado de exceção constitucional, sendo tomadas medidas
rigorosas, que por sua vez, acarretam restrição, em nível acentuado, de alguns
direitos e garantias fundamentais, tudo condicionado naturalmente ao controle
igualmente vigilante da consciência jurídica e do STF.
Porém, lembremos que basta a
mera leitura do texto constitucional brasileiro vigente para verificar que há a
absoluta impossibilidade de decretação de estado de sítio sem antes esgotarem
todas as alternativas anteriores. Ademais, quaisquer proposições formais de
instalação de estado de sítio já correspondem ofensa ao mais elementares
valores e princípios do Estado Democrático de Direito e, no caso brasileiro é
inadmissível tolerar a violação da Constituição Federal, especialmente daqueles
que juraram solene e publicamente respeitá-la fielmente, seja a qual poder ou
instituição pertençam.
Referências:
ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco.
4ª edição. São Paulo: Edipro, 2018.
ÁVILA, Humberto.
Neoconstitucionalismo: Entre a "Ciência do Direito" e o "Direito
da Ciência". Disponível em: https://revistas.unifacs.br/index.php/redu/article/view/836/0 Acesso em 08.12.2020.
BALDISSERA, Rafaela dos Reis.
Neoconstitucionalismo: sua interpretação teórica, moral e jurisprudencial.
Disponível em: https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-constitucional/neoconstitucionalismo-sua-interpretacao-teorica-moral-e-jurisprudencial/#:~:text=O%20neoconstitucionalismo%20surgiu%20com%20o,%C3%A0%20Constitui%C3%A7%C3%A3o%20uma%20nova%20interpreta%C3%A7%C3%A3o.&text=Ela%20era%20essencialmente%20elaborada%20de,constitucional%20com%20car%C3%A1ter%20exclusivamente%20pol%C3%ADtico .
Acesso em 8.12.2020.
BARCELLOS, Ana Paula de. A
Eficácia Jurídica dos Princípios Constitucionais: O Princípio da Dignidade da
Pessoa Humana. 2ª edição. Rio de Janeiro: Renovar, 2008.
BARROSO, Luís Roberto;
BARCELLOS, Ana Paula de. O Começo da História. A Nova Interpretação
Constitucional e o Papel dos Princípios no Direito brasileiro. 2ª edição. Rio
de Janeiro: Renovar, 2006.
BARROSO, Luís Roberto.
Neoconstitucionalismo e Constitucionalização do Direito (O triunfo tardio do
direito constitucional no Brasil). Disponível em: http://www.luisrobertobarroso.com.br/wp-content/uploads/2017/09/neoconstitucionalismo_e_constitucionalizacao_do_direito_pt.pdf Acesso em 8.12.2020.
LIMA, Isan Almeida.
Neoconstitucionalismo e a nova hermenêutica dos princípios e direitos
fundamentais. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14737/neoconstitucionalismo-e-a-nova-hermeneutica-dos-principios-e-direitos-fundamentais Acesso em 8.12.2020.
MARTINS, Ricardo Marcondes.
Neoconstitucionalismo. Disponível em: https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/134/edicao-1/neoconstitucionalismo Acesso em 8.12.2020.
MOREIRA, Eduardo Ribeiro.
Neoconstitucionalismo e Teoria da Interpretação. Disponível em: https://www.emerj.tjrj.jus.br/revistaemerj_online/edicoes/revista43/Revista43_247.pdf Acesso em 8.12.2020.
ROCHA JÚNIOR, Vicente Lopes;
CORREIA, Caroline Rosendo; BOTELHO JÚNIOR, Cleber Lacerda. O Ativismo Judicial frente à pandemia de Covid-19.
Disponível em: https://www.rotajuridica.com.br/artigos/o-ativismo-judicial-frente-a-pandemia-da-covid-19/ Acesso em 8.12.2020.
SARLET, Ingo W. Os direitos
fundamentais em tempos de pandemia. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2020-mar-23/direitos-fundamentais-direitos-fundamentais-tempos-pandemia Acesso em 8.12.2020.
STRECK, Lenio Luiz. "O
Direito piora, pois, cada vez mais o Direito é aquilo que os tribunais dizem
que ele é". Disponível em: https://www.conjur.com.br/2020-dez-01/entrevista-lenio-streck-advogado-jurista Acesso em 8.12.2020.
___________________.
Hermenêutica Jurídica E(M) Crise. Uma exploração hermenêutica da construção do
Direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999.
SOUZA NETO, Cláudio Pereira de
et al. (Org.) Teorias da Constituição; estudos sobre o lugar da política
no direito constitucional. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003.
UJI, Ivo. Hermenêutica
Constitucional e Neoconstitucionalismo. Disponível em: http://www.lex.com.br/doutrina_26630422_HERMENEUTICA_CONSTITUCIONAL_E_NEOCONSTITUCIONALISMO.aspx Acesso em 8.12.2020.
VIEIRA JÚNIOR, Dicesar Becher.
Neoconstitucionalismo: Definição, Crítica e Concretização dos Direitos
Fundamentais. Disponível em:
https://periodicos.ufrn.br/constituicaoegarantiadedireitos/article/download/8007/5752/
Acesso em 8.12.2020.
ZANETI JR., Hermes. Teoria da
decisão judicial no Código de Processo Civil: uma ponte entre hermenêutica e
analítica? Disponível em: http://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/documentacao_e_divulgacao/doc_biblioteca/bibli_servicos_produtos/bibli_boletim/bibli_bol_2006/RPro_n.259.01.PDF Acesso em 8.12.2020.
WAMBIER, Luiz Rodrigues;
ALMEIDA, Flávio Renato Correia de; TALAMINI, Eduardo. Curso Avançado de Proc.
Civil, vol. 1. 9.ª ed. São Paulo: RT, 2007.
[1]
Hugo Grotius (1583-1645) foi um jurista holandês, considerado um dos fundadores
do Direito Internacional. Foi também diplomata, poeta, dramaturgo e
historiador. É o autor da obra “O Direito da Guerra e Paz”. Desenvolveu a
doutrina da guerra justa, já estabelecida por St. Agostinho. Hugo Grotius
(1583-1645) conhecido também por (Hugo Grócio) e (Hugo de Groot) nasceu em Delft,
nos Países Baixos, no dia 10 de abril de 1583. Criança precoce começou a
escrever poesia com apenas oito anos. Com onze anos entrou para a Universidade
de Leiden, onde seu pai era curador, para estudar Direito. Com 15 anos
acompanhou uma missão diplomática à corte parisiense de Henrique IV. Com 16
anos publicou obras sobre a filosofia grega e latina. Nesse mesmo ano foi
nomeado para o Tribunal de Haia, quando pronunciou seu primeiro discurso.
[2]
Através da ruptura da unidade religiosa com a reforma protestante, a moderna
corrente jusnaturalista se desvincula da fé religiosa, inspirando-se no
racionalismo cartesiano e concentrando-se na análise filosófica da pesquisa de
leis gerais que fossem capazes de regular a convivência social. Foi Maquiavel
quem gerou a primeira sensível ruptura no sistema ético tradicional que
vigorava na religião, moral e direito. E, a reforma protestante exerceu papel
decisivo na modificação da cultura política e jurídica europeia ao impulsionar
alianças e inimizades entre os príncipes, e a formulação da mentalidade livre
individualista, a valoração de consciência moral, a noção de tolerância,
liberdade de culto, entre outras tantas contribuições.
[3]
Os iluministas acreditavam, portanto, que a racionalidade humana,
diferentemente da providência divina, poderia ordenar a natureza e vida social.
Este movimento jusnaturalista, de base antropocêntrica, utilizou a ideia de uma
razão humana universal para afirmar direitos naturais ou inatos, titularizado
por todo e qualquer indivíduo, cuja observância obrigatória poderia ser imposta
até mesmo ao Estado, sob pena do direito positivo corporificar a
injustiça.
[4]
Christian Thomasius (Leipzig, 1 de janeiro de 1655 — Halle an der Saale, 23 de
setembro de 1728) foi um jurista e filósofo alemão. Thomasius contribuiu
significativamente com seu direito penal humanitário orientado pelo iluminismo
para a abolição da caça às bruxas e tortura. Jakob Thomasius (1622—1684) foi um
filósofo e jurisconsulto alemão. É atualmente reconhecido como fundamentalmente
importante na fundação do estudo acadêmico da história da filosofia. Suas
visões foram ecléticas, e foram continuadas por seu filho Christian Thomasius.
Foi professor de Gottfried Leibniz na Universidade de Leipzig, onde Thomasius
foi professor de retórica e filosofia moral, permanecendo seu amigo e
correspondente, e foi descrito como mentor de Leibniz
[5]
Estado liberal (ou Estado liberal de direito) é um modelo de governo baseado no
liberalismo desenvolvido durante o Iluminismo, entre os séculos XVII e XVIII. O
liberalismo se opôs ao governo controlador e centralizador do Estado
absolutista, que tinha como principais características o acúmulo de riquezas, o
controle da economia e uma relação de autoritarismo entre o governo e o povo. O
Estado liberal, também chamado de Estado liberal de direito, é voltado para a
valorização da autonomia e para proteção dos direitos dos indivíduos,
garantindo-lhes a liberdade de fazer o que desejarem desde que isso não viole o
direito de outros. Economicamente, o Estado liberal é fruto direto dos
interesses da burguesia. Seu principal estudioso foi Adam Smith, que acreditava
que o mercado é livre quando regula a si próprio sem qualquer interferência
estatal. É o modelo oposto ao Estado intervencionista, marcado por uma regulação
exaustiva de todas as áreas da economia, incluindo o setor privado.
[6]
Desde o seu início, com Auguste Comte (1798-1857) na primeira metade do século
XIX, até o presente século XXI, o sentido da palavra mudou radicalmente,
incorporando diferentes sentidos, muitos deles opostos ou contraditórios entre
si. Nesse sentido, há correntes de outras disciplinas que se consideram
"positivistas" sem guardar nenhuma relação com a obra de Comte.
Exemplos paradigmáticos disso são o positivismo jurídico, do austríaco Hans
Kelsen, e o positivismo lógico (ou Círculo de Viena), de Rudolf Carnap, Otto
Neurath e seus associados.
Para Comte, o positivismo é
uma doutrina filosófica, sociológica e política. Surgiu como desenvolvimento
sociológico do iluminismo, das crises social e moral do fim da Idade Média e do
nascimento da sociedade industrial - processos que tiveram como grande marco a
Revolução Francesa (1789-1799). Em linhas gerais, ele propõe à existência
humana valores completamente humanos, afastando radicalmente a teologia e a
metafísica (embora incorporando-as em uma filosofia da história). Assim, o
positivismo associa uma interpretação das ciências e uma classificação do
conhecimento a uma ética humana radical, desenvolvida na segunda fase da
carreira de Comte. O positivismo defende a ideia de que o conhecimento
científico é a única forma de conhecimento verdadeiro. De acordo com os
positivistas somente pode-se afirmar que uma teoria é correta se ela foi
comprovada através de métodos científicos válidos. Os positivistas não
consideram os conhecimentos ligados a crenças, superstição ou qualquer outro
que não possa ser comprovado cientificamente. Para eles, o progresso da
humanidade depende exclusivamente dos avanços científicos.
[7]
O lema Ordem e Progresso na bandeira do Brasil é inspirado pelo lema
positivista: "Amor como princípio e ordem como base; o progresso como
meta". Foi usado na bandeira, pois várias pessoas envolvidas na
Proclamação da República do Brasil eram seguidores das ideias de Auguste Comte.
[8]
Com a obra de Kant que a proposta de racionalização do jusnaturalismo atinge um
maior grau de profundidade e sofisticação intelectual. O criticismo
transcendental de Emmanuel Kant procura conciliar o empirismo e o idealismo,
redundando num racionalismo que reorienta os rumos da filosofia moderna e
contemporânea. Para ele, o conhecimento só é possível a partir da interação a
experiência e as condições formais da razão. Promove uma verdadeira revolução
copernicana na teoria do conhecimento, ao valorizar a figura do sujeito
cognoscente, o que nos ajuda a compreender sua discussão ética. Kant
preocupa-se em fundamentar a prática moral não na pura experiência, mas em uma
lei inerente à racionalidade universal humana, o chamado imperativo categórico
– age só, segundo uma máxima tal, que possas querer, ao mesmo tempo, que se
torne uma máxima universal. Aqui a razão prática é legisladora de si, definindo
os limites da ação e da conduta humana. O imperativo categórico é único,
absoluto e não deriva da experiência. A ética é, portanto, o compromisso de
seguir o próprio preceito ético fundamental, e pelo fato de segui-lo em si e
por si. O homem que age moralmente deverá fazê-lo, não porque visa à realização
de qualquer outro algo, mas pelo simples fato de colocar-se de acordo com a
máxima do imperativo categórico. O agir livre é o agir moral. O agir moral é o
agir de acordo com o dever. O agir de acordo com o dever é fazer de sua lei
subjetiva um princípio de legislação universal, a ser inscrita em toda a
natureza.
[9]
O pós-positivismo tenta restabelecer uma relação entre direito e ética, pois
busca materializar a relação entre valores, princípios, regras e a teoria dos
direitos fundamentais e para isso, valoriza os princípios e sua inserção nos
diversos textos constitucionais para que haja o reconhecimento de sua
normatividade pela ordem jurídica. O pós-positivismo é aquele que é definido
pelo Professor Barroso como: “designação provisória e genérica de um ideário
difuso, no qual se incluem a definição das relações entre valores, princípios e
regras, aspectos da chamada nova hermenêutica constitucional, e a teoria dos
direitos fundamentais, edificada sobre o fundamento da dignidade da pessoa
humana”.
[10]
Entretanto, para Luiz Rodrigues Wambier, no aspecto jurídico, os princípios “São
normas que fornecem coerência e ordem a um conjunto de elementos,
sistematizando-os” o mesmo autor continua a indicar que “são normas fundantes
do sistema jurídico” de resto, diz que: “são os princípios que, a rigor, fazem
com que exista um sistema”. Cumpre dizer que princípio é um enunciado, ou vetor
norteador, no qual se baseia o cientista na busca do conhecimento, um postulado
fundamental que inspira uma área do conhecimento humano, a base fundamental e
indispensável de um sistema, o núcleo de um todo orgânico que por suas
peculiares feições serve de critério para inferência do todo ou de
interpretação de alguns de seus aspectos, são axiomas que se configuram em
cânones.
[11]
Robert Alexy é um jurista alemão, e um dos mais influentes filósofos contemporâneos
do direito. Graduou-se em direito e filosofia pela Universidade de Göttingen,
formou-se doutor em 1976, com a dissertação Uma Teoria da Argumentação
Jurídica, e adquiriu habilitação em 1984, com a Teoria dos Direitos
Fundamentais. Ambos os trabalhos são considerados clássicos contemporâneos da
filosofia e teoria do direito.
A definição de direito de
Alexy inspira-se no normativismo de Hans Kelsen (o qual foi uma versão
influente do positivismo jurídico) e do jusnaturalismo de Gustav Radbruch, mas
sua teoria da argumentação o colocou bem próximo do interpretativismo jurídico.
O objetivo de Robert Alexy com sua teoria sobre direitos fundamentais não é
alcançar exatamente uma homogeneização de cada ordem jurídica fundamental. Seu
objetivo, na verdade, é o de descobrir as estruturas dogmáticas e revelar os
princípios e valores que se escondem atrás das codificações e da
jurisprudência. Isto porque, em qualquer lugar que existam direitos
fundamentais, colocam-se problemas semelhantes como, por exemplo, as diferenças
estruturais entre os direitos sociais e os políticos.
[12]
Sendo a interpretação o elemento central da teoria de Dworkin, o
interpretativismo pode ser descrito como a teoria da prática interpretativa
como meio de descobrir quais fatos políticos são importantes para a definição
do direito. Para Dworkin, as teorias semânticas seriam caracterizadas por
pressupor que os advogados e juízes compartilham os mesmos parâmetros para
decidir se proposições jurídicas são verdadeiras ou falsas, de modo que casos limítrofes
sejam resolvidos mediante o estabelecimento de linhas divisórias. Consoante tal
doutrina, os integrantes da Comunidade Jurídica precisam fixar quais os
critérios que melhor identificam os sentidos das práticas jurídicas e, com base
neles, exercer as operações decisórias.
[13]
A teoria tem como base estudar se a norma é levada com emoção no processo de
decisão judicial, afirma que a decisão racional pode estar ligada a
emocionalidade, fazendo com que essa relação transgrida os princípios
jurídicos. A teoria da decisão é uma área interdisciplinar de estudo, com
definições que relacionam filosofia, matemática e estatística, aplicável a
quase todos os ramos da ciência, engenharia e principalmente à psicologia do
consumidor (baseados em perspectivas cognitivo-conductuais). Não há dúvidas,
portanto, que a grande preocupação contemporânea da teoria do direito deve ser
o desenvolvimento de uma teoria da interpretação e uma teoria da decisão
judicial adequadas ao Estado Democrático Constitucional, responsáveis por
reduzir a discricionariedade judicial e impedir a arbitrariedade que resulta da
“livre” criação no espaço deixado na chamada “zona de penumbra” (“penumbra
of doubt”) para o juiz.
[14]
O positivismo jurídico é a mais célebre e debatida teoria do direito. No
decorrer do século XX e com maior intensidade após a Segunda Guerra Mundial, as
teses positivistas foram rejeitadas pela maioria dos pensadores do direito. Não
faltaram críticas coerentes e profundas ao positivismo (temos como exemplos de
críticas precursoras: François Gény, Philipp Heck e, no Brasil, Carlos
Maximiliano). Mas a maioria dos juristas rejeitou o positivismo jurídico de
maneira superficial, com base em equívocos teóricos e críticas
sensacionalistas. É um fato digno de nota que, nos últimos anos, os juristas
brasileiros começaram a investigar novamente as vertentes do positivismo
jurídico, produzindo obras atualizadas e oferecendo importantes balanços
críticos de suas vantagens e problemas. Pretendemos nesse texto apresentar os
principais aspectos das abordagens juspositivistas.
[15]
Como a ocupação dos leitos de UTI dedicados ao tratamento de Covid-19 na rede
estadual já ultrapassou o marco de 80% estipulado pelo Poder Executivo
estadual, sem que tenha sido decretado o confinamento (lockdown), ante a
urgência da questão, resta buscar a prestação jurisdicional para que seja
determinado liminarmente ao Estado do Maranhão estender a suspensão expressa a
todas as atividades não essenciais à manutenção da vida e da saúde.
[16]
Questiona-se em face as recentes apurações de óbitos e infectados se não
existiria um direito subjetivo ao lock down, tendo em vista a total
ocupação da rede pública e privada de vagas de UTI em hospitais.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Dê sua opinião. Sua mensagem é muito importante!