Resumo:
O presente texto não tem a
ousadia de esgotar tão vasto e precioso tema, mas, contudo, traçar-lhe as
principais referências, principalmente em tempos de pandemia.
Palavras-chave: Filosofia. Felicidade.
Idade Contemporânea. Significado e significante.
É extremamente desafiador
conceituar objetivamente o que seja, afinal, a felicidade humana. Trata-se de
conceito humano e mundano submetido a uma miríade de variantes que vão desde
aspecto geográfico, cultural, econômico, filosófico e, principalmente,
metafísico.
O mais remoto filósofo a
tratar do tema foi Tales de Mileto[1] que afirmava que julgava
feliz quem tem “corpo são e forte, boa sorte e alma bem formada”. Vale lembrar
que a expressão “boa sorte” é muito reverenciava, pois dela dependia a
felicidade.
Conclui-se que feliz é quem
tem físico saudável acompanhado de um intelecto e espírito equilibrados. Em
grego, a felicidade significa eudaimonia,
que significa literalmente “bom demônio”. Afinal, ter boa sorte significava,
para os gregos ter um “bom demônio” ao invés de um mal.
O ser feliz era quem dispunha
desse “bom demônio”, o que está relacionado diretamente com a sorte de cada um.
O demônio era uma espécie de semideus que acompanhava os seres humanos.
Já para Sócrates que adotava
visão dualista do homem, enfatizava a necessidade de satisfazer igualmente os desejos
e necessidades tanto do corpo como da alma, alcançando um equilíbrio entre
estes. Antístenes veio completar tal raciocínio ao enunciar que o homem feliz é
aquele que é autossuficiente.
Entre os séculos X a V a.C., o
pensamento grego tendeu considerar os maus demônios como sendo os mais
frequentes que os bons e, também, passaram apresentar uma visão pessimista da
existência humana[2].
A mais autêntica expressão
desse pessimismo grego é dada pelo antigo provérbio grego, segundo o qual “a
melhor de todas as coisas é não nascer”. E, foi a filosofia que rompeu com essa
visão pessimista e ainda procurou estabelecer orientações para que o ser humano
procurasse a felicidade.
Desde antigos gregos, vive-se
em busca da felicidade e tal busca é compartilhada por filósofos, teólogos,
psicólogos e cientistas sociais.
Demócrito de Abdera
(aproximadamente 460 a 370 a.C.) julgava que a felicidade era “a medida do
prazer e a proporção da vida”. E, para tanto, o homem precisava deixar de lado
as ilusões e os desejos para atingir a serenidade. Sendo a filosofia, o
instrumento que possibilitava esse processo.
Foi Sócrates que deu nova
acepção à felicidade, postulando que esta não estava relacionada apenas à
satisfação de desejos e necessidades do corpo, pois para o filósofo o homem não
era só o corpo, mas, principalmente a alma. Então, o território da felicidade é
o da alma.
Desta forma, a felicidade somente poderia ser atingida por meio da conduta virtuosa e justa. Afinal, mesmo quando Sócrates sofreu uma injustiça de seu julgamento, e, ainda por ser convicto de estar sendo justo, não se intimidou nem diante da condenação à morte por tribunal ateniense e, cercado de seus discípulos bebeu a fatídica taça de cicuta[3]. E pareceu estar feliz em seus derradeiros momentos de vida.
Entre os discípulos de
Sócrates, Antístenes (445-365 a.C.) deu toque peculiar à noção de felicidade de
seu mestre, considerando o homem feliz é o homem autossuficiente. E, tal autossuficiência,
em grego, se chama autarquia que
continuou vinculada à felicidade nos sete séculos seguintes...
Interessante é noção de adiáfora[4]
que, para os gregos, especialmente os cínicos[5] e os estoicos[6] denominavam os
indiferentes que são todas as coisas que não contribuem nem para virtude, nem
para maldade.
Exemplificavam com a riqueza e
a saúde que podem ser utilizadas tanto para o bem, como para o mal; são,
portanto, indiferentes, para a felicidade dos homens; não porque deixem os
homens indiferentes, na realidade, suscitam o desejo, mas porque a felicidade
consiste somente no comportamento racional, ou seja, na virtude.
Segundo a filosofia estoica,
não há lugar ou vez para o acaso e desordem. Posto que vige uma racionalidade
universal no mundo (cosmos) e o objetivo moral (as escolas filosóficas deste período
dão forte ênfase ao aspecto moral). E, por isso deve-se submeter tal
racionalidade à natureza.
Ou seja, seguir a natureza o
que significa seguir a vida de virtude, pois, se a natureza é boa e racional,
então, o homem deve procurar viver segundo a razão e o bem, isto é tornar-se
virtuosos.
O estoicismo é notadamente
caracterizado pelo primado de questões morais, e Abbagnano[7] resumiu como sendo os
principais fundamentos da filosofia estoica:
1) a divisão da filosofia em
lógica, física e ética;
2) concepção da lógica como
dialética[8];
3) análise sobre a teoria dos
signos (antecedente da semiótica moderna);
4) conceito de razão divina (logos);
5) a razão é um guia infalível
para o ser humano;
6) exaltação da apatia como ideal do sábio[9], ou seja, ausência de toda
paixão perturbadora do espírito;
6) doutrina cosmopolita: o
homem como cidadão do mundo.
Aliás, os estoicos distinguiam
três significados de indiferença[10], a saber: o primeiro
indicava aquilo pelo que não se sente desejo nem repulsa, como pelo fato de que
os cabelos ou estrelas existam em número par. Já o segundo entendimento indica
aquilo pelo que se sente excitação ou repulsa, mas não mais por isto do que por
aquilo, como no caso de duas moedas idênticas das quais é preciso escolher uma.
E, o terceiro e derradeiro
sentido, afirma-se que é indiferente o que não contribui nem para a felicidade,
nem para infelicidade, como a saúde e a riqueza, ou noutros termos, aquilo que
se pode fazer bom ou mau uso.
Bom alertar que a felicidade é
diferente de bem-aventurança que é o ideal de satisfação independente da
relação do homem com o mundo, por isso, limitada à esfera contemplativa e
religiosa.
O maior discípulo de Sócrates
foi Platão e levou a especulação filosófica sobre a felicidade de onde deixara
o seu mestre. Pois Platão considerava que todas as coisas têm sua função.
De forma que, a função do olho
é ver, a do ouvido, é ouvir e, enquanto que a função da alma é ser virtuosa e
justa de modo que, exercendo a virtude e a justiça, assim naturalmente obtém a
felicidade. A função da alma é obter a felicidade pela virtude[11].
Convém assinalar que as noções de virtudes e de justiça integram certa vertente de pensamento filosófico chamada de “ética” que se dedica especialmente a investigação de costumes, visando identificar os bons e os maus.
Afinal, para Platão a ética não estava restrita aos negócios privados, devendo ser posta em prática também em negócios públicos.
De modo que para Platão
entendia que a função do Estado era realmente tornar os homens bons e felizes.
Numa clara ligação existente entre a ética e a política conforme bem definida
na obra de Platão e Aristóteles, que dedicou uma obra à questão da felicidade,
a Ética a Nicômaco[12] (que é nome de seu filho
e, para quem dedicou a obra).
Apesar de amigo de Platão,
Aristóteles criticou o idealismo de seu mestre, reconhecendo a necessidade de
elementos essenciais como a boa saúde, a liberdade (uma vez que a escravidão
era a tônica) e a boa situação socioeconômica para que alguém seja feliz.
A relação que muitas vezes se
estabeleceu entre felicidade e prazer tem o mesmo significado, isto é, a
conexão existente ao estado definido como felicidade e a relação com o próprio
corpo, com as coisas e com os outros.
A tese segunda a qual a
felicidade é o sistema de prazeres foi expressa com toda a clareza por Aristipo
que fez a distinção entre prazer e felicidade.
O fim é o prazer particular, a felicidade é o sistema de prazeres particulares em que se somam também os passados e os futuros.
Egesias[13] que negava a
possibilidade de felicidade negava-a justamente pelo fato de que os prazeres
são demasiado raros e passageiros.
Platão, por sua vez, negava
que a felicidade consistisse no prazer e, a julgava, ao contrário relacionada
com a virtude. Os felizes são aqueles por possuírem a justiça e a temperança;
os infelizes são assim por possuírem maldade dizia Platão em Górgias; no
Banquete são chamados de felizes: aqueles que possuem bondade e beleza. Mas,
justiça e virtudes, possuir bondade e beleza, significa ainda ser virtuoso.
Para Platão, a virtude outra
coisa não é senão a capacidade da alma de cumprir seu próprio dever, ou seja,
de dirigir o homem da melhor maneira. Conclui-se que a noção platônica de
felicidade é relativa à situação do homem no mundo e aos deveres que aqui lhe
cabem.
Quanto a Aristóteles insistiu
no caráter contemplativo da felicidade, em seu grau superior, a
bem-aventurança, e, ainda, apresentou noção mais ampla definindo-a como “certa
atividade da alma, realizada em conformidade com a virtude”.
A felicidade não exclui, mas
inclui a satisfação das necessidades e das aspirações mundanas. Segundo
Aristóteles, os felizes devem possuir três espécies de bens que se podem
distinguir, quais sejam, os exteriores, os do corpo e os da alma.
Em verdade, os bens
exteriores, assim como qualquer instrumento, têm um limite dentro do qual
desempenham sua função utilitária de instrumentos, mas além do qual se tornam
prejudiciais ou inúteis para quem os possui.
Os bens espirituais, ao contrário,
quanto mais abundantes, mais úteis. Cada qual merece a felicidade na medida da
virtude, do tino e da capacidade de bem agir que possui, tomemos o exemplo a
divindade, que é feliz e bem-aventurada, não graças aos bens exteriores, mas
por si mesma, por aquilo que esta é, por natureza.
Por outro lado, a partir de um
conjunto de raciocínios que têm por base o fato de o homem é um animal
racional, daí a instituição da felicidade intelectual.
E, Aristóteles concluiu que a
maior virtude nossa é a “alma racional”, é o exercício do pensamento. Assim, a
felicidade se identifica com a atividade pensante do filósofo, o que, inclusive
aproxima o ser humano da divindade.
Ainda na extensão prática das
ideias de Aristóteles que considerou a política[14] como extensão da ética e,
nesse sentido, para o filósofo é também uma função do Estado criar condições
para o cidadão ser feliz.
Mais tarde, no mundo helênico
se desenvolveram três escolas filosóficas que vão se estender até o fim do
Império Romano, forma as chamadas filosofias helenísticas. Tais estas, por
caminhos diferentes chegam a mesma conclusão de que para ser feliz, o homem
deve ser não é autossuficiente, mas desenvolver a atitude de indiferença com
relação a tudo ao seu redor. Portanto, a felicidade era apatia o que na época,
não possuía o sentido patológico que possui hoje.
Ainda entre os filósofos
helênicos, podemos reverenciar Epicuro (341- 271 a.C.) para deixar patente a
ideia de “apatia” não significa abdicar ao prazer... O prazer era essência à
felicidade preconizada por esse filósofo, cuja filosofia é igualmente chamada
de hedonismo (hedome, em grego, significa prazer).
Epicuro esclarece numa carta a
um discípulo, que não se refere ao prazer “dos dissolutos e dos crápulas” e,
sim, ao da impassibilidade que liberta de desejos e necessidades.
Em sua ética, Epicuro apontou a felicidade como sendo diretamente ligada ao prazer. Seria o prazer o início e o fim de uma vida feliz. O homem é inclinado a buscar o prazer e a fugir da dor através do critério do prazer é que nos avaliamos e a todas as coisas.
Epicuro enunciou in litteris: “Só há um caminho para felicidade. Não nos preocuparmos com coisas que ultrapassam o poder da nossa vontade”. O prazer era crucial para Epicuro e o chamado hedonismo, mas não se refere ao prazer dos crápulas e, sim, aquilo que liberta de todos os desejos e necessidades.
Foram muitos os filósofos que
discutiram e debateram sobre a felicidade plena, mas as ideias mais
interessantes sobre o tema vêm mesmo de Epicuro de Samos, um ateniense que
viveu no século IV a.C.
E, afirmou que a felicidade
pode ser atingida por prazeres moderados e que tais trazem um estado de
tranquilidade.
Acautelou Epicuro que se os
desejos forem exacerbados, pode ser fonte de perturbações constantes,
dificultando o encontro da felicidade, que é a manutenção da saúde do corpo e a
serenidade do espírito.
De fato, o homem sereno
procura serenidade para si e para os outros. E, naturalmente, as pessoas não
podem viver de forma agradável se não forem prudentes, gentis com os outros e
justas em suas atitudes e pensamentos, o que permite viver de forma pura e
prazerosa.
A filosofia de Epicuro, porém,
ressaltou que é preciso ter muito cuidado com os prazeres. Pois, trazem mais
dor do que felicidade.
Afirmou in litteris: “Nenhum prazer é em si um mal, porém, certas coisas
capazes de engendrar prazeres trazem consigo maior número de males do que de
prazeres".
Com a decadência e morte do
mundo helênico e advento da Idade Média e felicidade desapareceu da pauta da
filosofia principalmente por seu aspecto terreno. A felicidade não interessou
ao filósofo Agostinho de Hipona (354- 430 d.C.), Anselmo de Cantebury ou Tomás
de Aquino (1225-1274) todos santos da Igreja Católica. Afinal para a sociedade
teocêntrica dos tempos medievos mais importante que a felicidade, o que é mais
relevante é a salvação da alma.
Os filósofos só retornaram a
se dedicar ao conceito de felicidade na Idade Moderna, com o pensamento de John
Locke, Leibniz, na virada do século XVII e XVIII, que identificaram a
felicidade com o prazer duradouro.
Mais tarde, o filósofo
iluminista Immanuel Kant[15] (1724-1804) na sua obra
“Crítica da Razão Prática” definiu a felicidade como “a condição do ser
racional no mundo, para quem, ao longo da vida, tudo acontece de acordo com seu
desejo e vontade...”.
Para o filósofo pietista[16], a felicidade além de ser
um direito do homem, se coloca no âmbito do prazer e do desejo e, nada tem a
ver com a Ética e, portanto, não seria um tema que venha interessar a
investigação filosófica. E, a argumentação kantiana era tão convincente que o
tema praticamente pulverizou-se nas escolas filosóficas que o sucederam.
Porém, o mundo da língua
inglesa, contemporâneo à época de Kant, a noção de felicidade ganhou destaque
no pensamento político, tanto que passou a ser um direito do homem, conforme
consignado expressamente da Constituição dos EUA de 1787 e que fora inspirada
francamente no Iluminismo.
No século XX, a filosofia
anglo-saxônica veio trazer nova reflexão através de Bertrand Russel[17] (1872-1970) que escreveu
a obra “ A conquista da felicidade” utilizando a investigação lógica para ao
final, concluir que é necessário alimentar uma multiplicidade de interesses e
de relações com as coisas e com os outros para homem ser feliz. Sintetizando, a
felicidade reside na eliminação visceral do egocentrismo.
Em 1989, o filósofo Julían Marias também dedicou ao tema, uma obra intitulada “A felicidade humana” onde estudou a história da felicidade desde a Antiguidade Clássica até nossos dias.
Por sinal, Marias ainda
ressaltou a ausência da reflexão filosófica sobre a felicidade no contemporâneo
contexto, apontando que isso seja mesmo o sintoma de que o atual mundo seja
terrivelmente infeliz.
Atualmente, os filósofos da
liberdade declaram que “não há moral geral” (Jean-Paul Sartre[18]) mas, apenas escolhas de
existência. A felicidade não é mais um fim a ser atingido, mas uma função
cíclica e intermitente, só se configurando a medida em que a afirmamos.
Freud[19] estabeleceu o vínculo
profundo entre a liberdade e a felicidade humana, de um lado e, a sexualidade
do outro. Sendo que a sexualidade fornece a fonte original da felicidade e da
liberdade e, ao mesmo tempo, a razão de suas restrições necessárias na
civilização (Herbert Marcuse[20]).
Portanto, para Sigmund Freud
“a felicidade não é um valor cultural” está subordinada às exigências do
trabalho e da produção.
Para Kierkegaard, precursor do
existencialismo contemporâneo e que foi muito marcado por angústias pessoais e
familiares às quais somou-se a crise provocada pelo rompimento de seu noivado
por essa razão, desenvolveu uma indissociável tendência ao trágico. Atacou o
cristianismo e, particularmente luteranismo de sua pátria, valorando contra a
religião estabelecida, a vivência da religiosidade.
Combateu Hegel[21] e a metafísica
especulativa por seu intenso caráter abstrato e sua busca do universal,
defendendo a necessidade de uma filosofia existencial.
Dotado de forte estilo irônico
e polêmico e, igualmente, poético e lírico, Soren apesar de não ter nenhuma
preocupação teórica ou sistemática, muito longe da tradicional forma de tratado
filosófico, tendo utilizado em quase todas suas obras sob pseudônimo[22].
Para o filósofo dinamarquês[23], o homem é um ser que se
caracteriza pelo desespero que se origina das contradições de sua existência e
de sua distância de Deus: “o homem é uma síntese de infinito e de finito, de
temporal e de eterno, de liberdade e de necessidade”.
Em sua obra intitulada
“Estágios do caminho da vida” (de 1845) formulou doutrina de três níveis de
consciência, o primeiro era o estético no qual o indivíduo busca a felicidade
no prazer, cuja fugacidade, entretanto, leva ao desespero inevitável. No nível
ético, por sua vez, procura alcançar a felicidade através do cumprimento do
dever, sendo, no entanto, condenado ao eterno arrependimento devido as suas
falhas; e o derradeiro nível, o religioso em que o homem busca Deus,
entretanto, a verdadeira fé é a angústia da distância de Deus.
A felicidade no messianismo
(do aramaico meschîkha) com significado de ungido ou escolhido diante da crença
absoluta na vinda do Messias, o enviado de Deus que teria a missão de
libertação do povo judeu do domínio estrangeiro e, ainda, sua condução à Terra
Prometida e à vida em paz. Para os judeus, o Messias ainda não chegou. Já, para
os cristãos, já esteve entre nós, na pessoa de Jesus Cristo e, voltará
novamente no fim dos tempos.
É na crença de que há um líder
carismático que seria capaz de salvar seu povo e conduzi-lo à felicidade e de à
glória. O messianismo acredita ser capaz de salvação e de mudar os rumos da
história e obter a eterna felicidade.
Na sociedade contemporânea[24] diante de abundância de
informação, não existe mesmo muito tempo para leitura e reflexão, só para
filmes, séries, novelas e muita propaganda. É o que chamamos de indústria
cultural que nos adestra sempre, criando desejos e aguçando nossa capacidade de
consumir, significando isso felicidade.
Zygmunt Bauman declarou
textualmente: "Somos aquilo que podemos comprar", sendo essa uma
característica de nosso tempo. Então, ser feliz, nos dias de hoje, é questão de
ser capaz de consumir. Na profunda Modernidade Líquida, de Bauman, ilustrou a
situação: enfim, nada mais é feito para durar, nem mesmo a felicidade.
Aliás, como profetizou o poeta
Carlos Drummond de Andrade[25]: "Ser feliz sem
motivo é a mais autêntica forma de felicidade"[26]. Afinal, a busca da
felicidade torna-se quase um dever no mundo pós-moderno e obtê-la é desejo
comum a quase todas as pessoas. Ao analisar o conceito de felicidade, focando o
papel da sociedade e da cultura, vem a psicanálise refletir como a vida em
sociedade que exige sacrifícios pulsionais da ordem do desejo, causando no
sujeito certo mal-estar. É o famoso mal-estar da civilização[27].
O termo modernidade foi
cunhado para denominar um período de transição da Idade Média para um novo
mundo, tem sua origem na palavra “modernus”, derivado de “modo”, ou
seja, a maneira ou o modelo de algo, seguindo a formatação da palavra latina “Hodiernus”,
derivada de “hodie”, ou seja, “hoje”. Utilizada então para designar a
diferença entre esse novo mundo e o antigo, o “modo de hoje”, ou modernidade,
passa a ser de um projeto para uma realidade cada vez mais intensa, dinâmica e
acelerada.
Ao período que se segue em
decorrência ao moderno, chama-se costumeiramente de pós-moderno, e sugere-se
pelo nome um período posterior à modernidade, sem que o mesmo se caracterize
por uma ruptura com o período ao qual é antecedido.
Havendo, portanto, um processo
decorrente do anterior, evidenciado especialmente na segunda metade do século
XX, onde profundas transformações tecnocientíficas e sociais implicaram em
mudanças paradigmáticas nas instituições que regiam a sociedade – o estado, a
igreja, a família, a escola – a pós-modernidade pode ser ora considerada como o
produto do projeto moderno de globalização, que (...) inclui processos que
hibridizam – colocando culturas, formas de ser, estilos de vida, um de frente
com o outro – e processos que homogeneízam – negando o local em favor de um
global destituído de ambiguidade, num processo de padronização radical.
Conclui-se, portanto que a
temática felicidade, tida como objeto de desejo, é pouco estudada
cientificamente, e não existe como um conceito já pronto e fechado, abrindo
espaços para novas pesquisas acerca de tão precioso tema.
Em tempos de pandemia de
Covid-19 a felicidade pode até ser definida com o não contágio da virose e, a
possibilidade de sobreviver de forma harmoniosa o isolamento social. Além
naturalmente de cuidar adequadamente de crianças, adolescentes e idosos da
família. É fundamental o sentimento de solidariedade para a construção do
sentimento de felicidade.
[1]
Tales de Mileto (624-546 a.C.) foi filósofo, matemático, engenheiro, homem de
negócios e astrônomo da Grécia Antiga e, considerado, por alguns, o primeiro
filósofo ocidental. De ascendência fenícia, nasceu em Mileto, antiga colônia
grega, na Ásia Menor, atual Turquia. É considerado como um dos sete sábios da
Grécia Antiga (Plutarco listou como Tales, Bias, Pítaco, Sólon, Quílon,
Cleóbulo e Anacarses). Nunca houve consenso entre os historiadores, mas os
únicos que sempre pertenceram ao grupo foram os quatro primeiros da lista,
incluindo Tales de Mileto).
[2]
Nietzsche traduziu um fragmento da obra de Anaximandro in litteris: "De
onde as coisas têm o seu surgimento - lá também elas precisam ir perecer por
necessidade; pois estas precisam pagar penitência e ser justiçadas pela
injustiça segundo a ordem do tempo. Questiona-se se Anaximandro seria um
autêntico pessimista grego, Aliás, Nietzsche parece responde com uma analogia a
Schopenhauer in verbis: “A justa
medida para avaliar qualquer pessoa é considerá-la como um ente que de fato não
deveria de todo existir, e que expia sua existência por meio de toda sorte de
sofrimento e pela morte: o que podemos esperar de tal ente”? “Não somos todos
pecadores condenados à morte”? Expiamos nosso nascimento primeiro com a vida e,
depois, com a morte”. (In: Nietzsche,
F. Die Philosophie im tragischen
Zeitalter derGriechen.; ______________ A Filosofia na Era Trágica dos
Gregos. Tradução: Gabriel Valladão Silva. Porto Alegre: R: L&PM, 2011.)
[3]
Há uma pintura intitulada "A Morte de Sócrates", em francês La Mort de Socrate de autoria de
Jacques-Louis David que foi executada em 1787. Baseada na história contada por
Platão no Fédon. Sócrates fora acusado de corromper a juventude de Atenas e
ainda introduzir falsos deuses e, portanto, foi condenado a morrer tomando
cicuta. O filósofo usa sua morte como final lição, pois ao invés de fugir
quando a oportunidade surgiu, encara a morte calmamente. O Fédon retrata a
morte de Sócrates e, é também o quarto e último diálogo de Platão a detalhar os
dias finais do filósofo, que é também detalhada em Eutífron, Apologia de
Sócrates e Críton.
[4]
Adiáfora. Cínicos (v. cinismo) e estoicos (v. estoicismo) chamam de adiáfora,
isto é, de indiferentes, todas as coisas que não contribuem nem para a virtude
e nem para a maldade. Por exemplo, a riqueza, a saúde pode ser utilizada tanto
para o bem quanto para o mal; são, portanto, indiferentes para a felicidade dos
homens, não porque deixam os homens indiferentes (na realidade suscitam o seu
desejo), mas porque a felicidade consiste somente no comportamento racional,
isto é, na virtude. (Dióg. L. VII, 103-104).
[5]
O cinismo foi uma escola filosófica grega criada por Antístenes, seguidor de
Sócrates, aproximadamente no ano 400 a.C., mas seu nome de maior destaque foi
Diógenes de Sínope. Estes filósofos menosprezavam os pactos sociais, defendiam
o desprendimento dos bens materiais e a existência nômade que levavam. A origem
dessa expressão é um tanto controvertida, pois alguns pesquisadores creem que
ela provém do Ginásio Cinosarge, espaço no qual Antístenes teria edificado sua
Escola, enquanto outros afirmam que esta deriva da palavra grega kŷőn, kynós, que significa ‘cachorro’,
alusão à vida destes animais, que seria igual à pregada pelos cínicos. Aliás, o
símbolo deste grupo era justamente a imagem de um cão.
De qualquer forma,
porém, ela se origina do grego Kynismós,
passando pelo latim cynismu, e assim
chegando até nossos dias. Hoje, através de desvios de significado, este termo
se refere àqueles desprovidos de vergonha e de qualquer sentimento de
generosidade em relação à dor do outro. Mas não por acaso, pois os cínicos
desejavam se desprender de todo tipo de preocupação, inclusive com o sofrimento
alheio.
[6]
O estoicismo foi uma das correntes filosóficas do helenismo mais influentes na
Antiguidade. Essa escola de pensamento originou-se na cidade grega de Atenas
próximo ao ano 300 a.C., embora seu fundador, Zenão, tenha sido um estrangeiro
natural de Cítio (atual Lárnaca, na ilha de Chipre). O nome dessa escola
originou-se do local em que esse pensador se reunia com seus discípulos, a
saber, um pórtico do espaço público destinado à discussão política em Atenas —
a ágora. Em todas as suas três fases,
a herança socrática é evidenciada.
O aspecto mais conhecido dessa escola de
pensamento é sua perspectiva ética baseada na indiferença (ataraxia, em grego).
Nela a filosofia é entendida como um exercício e não como uma atividade
meramente intelectual. Esses pensadores acreditavam que tudo o que existe
estava sob a determinação de uma força cósmica harmônica e que a virtude
estaria em viver em acordo com o seu desígnio.
[8]
Nas derradeiras décadas, lógicos europeus e norte-americanos vêm tentando
fornecer as bases matemáticas para a lógica e dialética, através da
formalização, embora a lógica tenha sido relacionada à dialética que desde os
tempos antigos. Lógica dialética é termo especialmente tratado no pensamento
hegeliano e marxista.
O método
dialético, frequentemente referido apenas como Dialética, é uma forma de
discurso entre duas ou mais pessoas que possuem diferentes pontos de vista
sobre um mesmo assunto, mas que pretendem estabelecer a verdade através de
argumentos fundamentados e não simplesmente vencer um debate ou persuadir o
opositor. Embora o ato em si seja fundamental na formação da filosofia, o termo
foi popularizado apenas com o advento dos diálogos socráticos de Platão. Para
estabelecer a dialética, Sócrates encontrou na Verdade o maior valor, propondo
que a verdade poderia ser descoberta através da razão e lógica em uma
discussão. Desta forma, Sócrates se opôs a retórica como uma forma de arte que
visa agradar os ouvintes e também a oratória, que convence por vias emocionais,
não requerendo lógica ou prova.
[9]
Ataraxia (em grego antigo: Ἀταραξία ataraxia) traduz-se por
"ausência de inquietude/preocupação", "tranquilidade de
ânimo". Demócrito usou este termo ao afirmar "A felicidade é prazer,
bem-estar, harmonia, simetria e ataraxia", mas foram os epicuristas, os
céticos e os estoicos que puseram a ataraxia no centro de seu pensamento. Os
estoicos também procuravam tranquilidade mental, e, embora também tivessem
visto a ataraxia como algo desejável e tivessem frequentemente feito uso do
termo, a ataraxia, na qualidade de "ausência de preocupação", sempre
foi o objetivo de vida dos epicuristas, sendo análogo ao estado de vida
almejado pelos sábios estoicos, a saber, a apatheia (apatia),
"ausência de paixões", que não deve ser confundida com o diagnóstico
de apatia no sentido psicológico, caracterizado por uma perda de sensibilidade
do indivíduo em relação aos estímulos cotidianos. Apatheia (em grego: ἀπάθεια
em grego: ἀ (a)- "ausência" e πάθος (pathos) -
"sofrimento" ou "paixão") de acordo com a filosofia
estoica, é um estado de espírito alcançado quando uma pessoa está livre de
perturbações emocionais. É melhor traduzida como equanimidade, em vez de
indiferença. Não deve ser confundida com o termo apatia - comum no ramo de
psicologia e psiquiatria - considerado como um critério de diagnóstico que é
caracterizado pela perda de interesse e retardo psicomotor, por exemplo em
casos de depressão. De acordo com os estoicos, apatheia é a qualidade que
caracteriza o sábio.
[10]
Indiferença. Neutralidade afetiva que se opera por negação da preferência por
supressão da hierarquia dos valores. As diferenças podem ser percebidas, mas
são desprovidas de significado, de modo que a indiferença está para o valor o
ceticismo está para o conhecimento. Ora, como ela abrange o domínio do vivido,
pode conduzir ao tédio ou até - no limite - tirar o sentido da vida e de nós
mesmos. Daí a profundidade metafísica (eventual) da indiferença quando ela se
torna patológica por carência do desejo.
Porém quando se consegue superar o desejo, a indiferença aparece então
como o resultado de uma ascese quando é cultivada com o intuito de se chegar à
sabedoria, como é o caso da adiáfora - ou indiferença estoica - que consiste em
se desprender voluntariamente de tudo o que não depende de nós.
[11]
Aristóteles afirmava que a virtude estava no meio termo entre o excesso e a
falta de emoção (metriopatheia), os estoicos, por outro lado, buscavam a
libertação de todas as paixões (apatheia). Ele procurou eliminar as
respostas emocionais aos eventos externos que estão além do controle da pessoa.
Para os estoicos, era a resposta racional ideal para um indivíduo, porque não
podemos controlar os acontecimentos originários da vontade dos outros ou pela
Natureza, só podemos controlar a nossa própria vontade. Isto não implica a
perda de todo o sentimento ou cortar suas relações com o mundo. Um estoico
realiza julgamentos e atos virtuosos experimenta a felicidade(eudaimonia) e
bons sentimentos (eupatheia). O termo foi adotado por Plotino em seu
desenvolvimento do neoplatonismo como a liberdade da alma de emoção conseguido
quando se atinge o seu estado purificado.
[12]
Nicômaco, viveu em c. 325 a.C., era o filho de Aristóteles. A Suda afirma que
era de Estagira, um filósofo, aluno de Teofrasto, e de acordo com Aristipo, seu
amante. Ele talvez tenha escrito um comentário sobre as palestras de seu pai em
física. Nicômaco nasceu da escrava Herpilia. Os historiadores acreditam que
Ética a Nicômaco seja uma compilação de notas de aulas de Aristóteles,
provavelmente foi nomeado depois ou dedicado ao filho de Aristóteles. Diversas
autoridades antigas podem ter confundido as obras éticas de Aristóteles com os
comentários que Nicômaco escreveu sobre eles Fontes antigas indicam que a
Nicômaco morreu em batalha quando ainda era um rapaz.
[13]
Egesia de Cirente era filósofo grego antigo do século IV a.C., pertencente à
escola cirenaica. Não abandonou o princípio fundamental segundo o qual a
satisfação do homem é a satisfação de seu prazer, mas era pessimista, pois
duvidava que isso poderia ser realmente alcançado. Para o filósofo, de fato,
não há outros valores da vida fora do prazer da utilidade: "Gratidão,
amizade e caridade não são nada, por isso escolhemos essas coisas não por nós
mesmos, mas por razões de utilidade, sem as quais nem mesmo essas
existem". (Diógenes Laércio, Vidas dos Filósofos, II, 93).
Mas os prazeres
da vida são muitas vezes inatingíveis e muitas dores, conhecimento é incerto e
todos os eventos são finalmente dominados pelo tyche, o poder impessoal do acaso: «De fato, o corpo está cheio de
mil sofrimentos e a alma sofre com o corpo e é perturbada e o destino faz com
que as coisas que esperávamos vãs [...]» ( Diógenes Laércio, Vidas dos
Filósofos , II, 94 ).
Além disso, para os seguidores da Egesia, o prazer está
ligado à mudança e à sensibilidade contingente, é algo relacionado ao indivíduo
que sente: «Eles acreditavam que nada era agradável ou desagradável por
natureza: por causa da raridade, novidade ou saciedade, acontece que alguns
apreciam e outros não...”. [...]. Eles também desvalorizaram as sensações,
porque não dão certo conhecimento, mas fizeram tudo o que consideravam
razoável”. (Diógenes Laércio, ibidem)
Para um extremismo da doutrina estoica e cínica, da qual os aspectos
individualistas e moralistas são excluídos, segundo Egesia, o objetivo supremo
do homem seria não apenas indiferença a todos os aspectos mundanos da
existência. "Portanto, o homem sábio não se preocupará tanto em comprar
bens como em evitar males, propondo como meta uma vida que não é cansativa nem
dolorosa, que é realizada com um estado de espírito de indiferença pelo que
produz prazer". Diógenes Laércio, Vidas dos Filósofos, II, 95 e segs.).
[14]
Como disse Marcuse, “o tempo compreendido de forma linear é vivido em relação a
um futuro mais ou menos incerto” de forma que “o tempo pleno, a duração da
satisfação, a duração da felicidade individual, o tempo como tranquilidade, só
pode ser imaginado como sobre-humano...”. Esta pode ser uma alternativa para as
reflexões atuais sobre sistemas produtivos, superando a antítese entre
capitalismo e comunismo exagerados. (In: CABRAL, João Francisco Pereira.
"A noção de progresso em Marcuse"; Brasil Escola. Disponível em:
https://brasilescola.uol.com.br/filosofia/a-nocao-progresso-marcuse.htm. Acesso
em 08 de julho de 2020).
[15]
A busca pela felicidade está naturalmente presente como um ideal a ser
alcançado pelos indivíduos da espécie humana. Kant, em sua obra “Fundamentação
da metafísica dos costumes”, pretende buscar e estabelecer o princípio supremo
da moralidade e esclarece que para esse fim o ideal de felicidade não apresenta
condições de fundamentar as leis da moralidade. Na obra “Crítica da razão
prática”, Kant sustenta essa mesma posição, mas introduz o objeto do soberano
bem, referente ao qual, a felicidade é o seu segundo elemento, mas condicionada
às leis da moralidade e entendida como elemento necessário do soberano bem.
[16]
O pietismo é um movimento oriundo do luteranismo que valoriza as experiências
individuais do crente. Tal movimento surgiu no século XV, como oposição à
negligência da ortodoxia luterana para com a dimensão pessoal da religião, e
teve seu auge entre 1650-1800.
[17]
Foi descrito por Russell no Prefácio como “não endereçado a intelectuais, ou
àqueles que consideram um problema prático meramente como algo a ser
discutido”. O uso que Russell faz da palavra “conquista” no título enfatizou
sua alegação principal de que, exceto em casos raros, a felicidade não se
apresenta simplesmente às pessoas, mas deve ser alcançada. Ele argumentou que
as multidões de homens e mulheres que sofrem de infelicidade poderiam alcançar
a felicidade se prestarem atenção aos conselhos que ele oferece no livro.
Russell passou mais tempo em A Conquista da Felicidade discutindo as causas da
infelicidade do que as causas da felicidade. Ele reconheceu que algumas das
muitas causas da infelicidade têm suas raízes no sistema social, e outras são o
resultado da própria psicologia. Para Russell, o sistema social cria guerra,
exploração econômica e acesso desigual à educação de alta qualidade, e emprega
táticas de medo para desorientar as pessoas sobre seu lugar na sociedade.
[18]
É reinventar a vida! Para Sartre, a vida é invenção e criação, e a felicidade
não é inatingível. Ela é possível e reside no cuidado consigo, na autenticidade
e na boa-fé... Nossa natureza depende de
nossas escolhas, e devido a isso, nossa felicidade também dependerá delas. É o
que afirmou o filósofo francês Jean-Paul Sartre em sua obra “O Existencialismo
é um Humanismo”: “Se verdadeiramente a existência precede a essência, o homem é
responsável por aquilo que é.
Assim, o primeiro esforço é o de pôr todo homem
no domínio que ele é, de lhe atribuir a total responsabilidade da sua
existência. E, quando dizemos que o homem é responsável por si próprio, não
queremos dizer que o homem é responsável pela sua restrita individualidade, mas
que é responsável por todos os homens”. Dessa maneira, eliminando uma natureza
pré-definida que nos dirá o que é ser feliz, podemos analisar uma outra
perspectiva sobre o tema, afirmando que a felicidade se encontra na forma como
fazemos nossas escolhas, ou seja, encarando a vida da maneira como ela
realmente se apresenta, vivendo-a intensamente com responsabilidade.
[19]
Quando o prazer é alcançado, encontramos felicidade. Esta felicidade pode ser
pontual ou prolongada, a depender da forma como a pessoa reage à libido.
Libido, portanto, não é apenas o prazer sexual. É uma pulsão de vida que nos
traz encantamento e disposição para nos mover. E essa disposição é a base do
conceito de felicidade. A melhor fonte de prazer está na sexualidade Para
Freud, o que melhor realiza o prazer é a sexualidade. Mas essa sexualidade pode
ser sublimada, isto é, convertida em outras formas de energia e interesse. A
sublimação da pulsão sexual, segundo Freud, nos permite encontrar realização
também no trabalho e na arte, por exemplo.
[20]
A evolução do progresso quantitativo ou técnico que utiliza ou dispende uma
grande quantidade de energia pulsional se deu em detrimento do progresso
qualitativo ou humano. A tentativa de dominação da natureza pelos homens
acarretou a dominação destes pela produtividade. Esta condiciona o
comportamento dos indivíduos em sociedade, visando sempre atender apenas às
suas necessidades. Mesmo quando o indivíduo se beneficia com alguma melhora nas
suas condições de existência é sempre para que a produção tenha maior eficácia
e rentabilidade.
A vida do indivíduo torna-se administrada, a visão linear do
tempo determina o presente visando um futuro incerto, porém que se impõe a
esse. O passado já não mais serve para nada. Se para Freud esta visão só
possibilita a infelicidade, para Marcuse ela é o ponto chave para o
desenvolvimento humano. As condições técnicas que surgiram para satisfazer as
necessidades básicas do ser humano já permitem que se dê um salto qualitativo
para o progresso deste mesmo ser humano. Para isso, entretanto, é necessário
dessublimar a cultura que só tende a produzir bens supérfluos e divulgar a
aquisição de tais bens como fonte de liberdade e felicidade.
Deve-se contrapor
àquela visão linear de tempo, uma visão que tem apenas uma curva ascendente,
uma visão do tempo pleno, de duração e satisfação reais. Para Freud, a
infelicidade se caracteriza pela impossibilidade da realização dos desejos.
Marcuse propõe a transcendência desses desejos a fim de alcançar a plena
fruição das pulsões (claro, com o mínimo de repressão!) que caracterizam a
verdadeira felicidade.
[21]
Na concepção de Hegel a felicidade é viver uma vida simples, humilde e sem
grandes preocupações, sem grandes acontecimentos, ou seja: é uma vida humilde e
tranquila, sem grandes altos e baixos. As ideias acerca da honra foram
retomadas pelo filósofo alemão Georg Hegel, que afirmou que o homem enfrenta
sempre uma ‘luta pelo reconhecimento’ (fight for recognition). Hegel
também retomou duas outras ideias de outros filósofos: luta e fuga e mestres e
escravos. Ele reconhece a existência de duas classes de indivíduos: os que têm
coragem e optam pela luta e os que não têm e optam pela fuga.
Apenas os
indivíduos de coragem possuem uma autoconsciência universal que os tornam
‘mestres’ enquanto que os demais permanecem ‘escravos’ (indivíduos
subservientes). Apenas os ‘mestres’ conseguem ser completamente livres; apenas
o homem livre possui livre arbítrio; apenas o homem de livre arbítrio consegue
ser moral; apenas o homem moral consegue alcançar a felicidade que vem do
respeito, da dignidade e da honra.
[22]
O filósofo adotou o pseudônimo de Victor Eremita, enquanto escrevia
Enten - Eller, a obra mais importante de sua própria história literária e
filosófica. Outro, foi Johannes Clímacus e Johannes Anticlímacus.
Em verdade, Clímacus é o único heterônimo de Kierkegaard. Dizemos isso com base
no fato de que ele dedicou uma atenção especial a este “autor” como a nenhum
outro. Os “outros” eram, com propriedade, apenas pseudônimos. Sobre Clímacus,
Kierkegaard se dedicou a escrever-lhe uma biografia própria, descrevendo-o como
um autor com um estilo bem característico e uma psicologia particular.
Kierkegaard o descreveu em 1842 em seus Papirer, e que foram descobertos
somente após sua morte.
[23]
Kierkegaard era da opinião de que a felicidade provém do fato de se estar
presente no momento e de se gozar a viagem. A partir do momento em que paramos
de transformar as nossas circunstâncias em problemas e começamos a pensar nelas
como experiências, podemos tirar satisfação delas. A porta da felicidade abre
só para o exterior; quem a força em sentido contrário acaba por fechá-la ainda
mais. De acordo com Kierkegaard, com o mandamento “amarás o teu próximo como a
ti mesmo”, o Cristianismo pressupõe o amor-próprio. Mas não é uma exaltação de
si mesmo, esse amor. Isso seria uma má interpretação do Cristianismo. “Pelo
contrário, a ideia dele [do Cristianismo] é arrancar de nós homens o
egoísmo”.
O egoísmo dos homens consiste
em amar a si mesmo, mas o Cristianismo, com o mandamento, com esse “como a ti
mesmo”, “arrebata dele o homem.
[24]
Ayn Rand, uma filósofa e escritora russa naturalizada americana, abordou o tema
da felicidade com uma enorme clareza e praticidade no seu livro A Virtude do
Egoísmo, (The Virtue of Selfishness), publicado originalmente em 1961.
Nesse livro Rand deixa clara a distinção entre a busca da manutenção da vida e
a busca da felicidade. Para ela, não se pode negar que os direitos sociais
sejam necessários para a manutenção da vida de uma forma digna, mas afirmar que
os direitos sociais são suficientes para a felicidade é uma extrapolação
injustificada.
Ao definir a felicidade, Rand levou em conta o fato de que cada
indivíduo tem um conceito próprio sobre a mesma. Para ela “a felicidade é o
estado de consciência que procede do alcance dos valores de cada indivíduo. Se
um indivíduo valoriza o trabalho produtivo, a sua felicidade é a medida do seu
sucesso no serviço de sua vida. Mas se um indivíduo valoriza a destruição, como
faz o sádico – ou a autoflagelação, como o masoquista – ou a vida depois da
morte, como o místico – ou ‘curtições’ irrefletidas, como o motorista de um
carro envenenado – a sua alegada felicidade é a medida do seu sucesso no
serviço de sua própria destruição”.
[25]
Que a felicidade não dependa do tempo, nem da paisagem, nem da sorte, nem do
dinheiro. Que ela possa vir com toda simplicidade, de dentro para fora, de cada
um para todos. Que as pessoas saibam falar, calar, e acima de tudo ouvir. Que
tenham amor ou então sintam falta de não tê-lo. Que tenham ideais e medo de
perdê-lo. Que amem ao próximo e respeitem sua dor. Para que tenhamos certeza de
que: “Ser feliz sem motivo é a mais autêntica forma de felicidade”. Carlos
Drummond de Andrade
[26]
Carlos Drummond de Andrade foi um poeta brasileiro (1902 - 1987), também
cronista, contista e tradutor. Entre suas obras de maior destaque, Alguma
poesia, Sentimento do mundo e A rosa do povo. Uma frase: “Há duas épocas na
vida, infância e velhice, em que a felicidade está numa caixa de bombons.”
[27]
Sigmund Freud, em seu opúsculo “O Mal Estar na Civilização”, afirma que o homem
anseia pela felicidade e que esta advém da satisfação de prazeres. Essas buscas
pelas coisas que nos fazem bem provêm da satisfação (de preferência repentina)
de necessidades represadas em alto grau. Ganhar na loteria será diferente para
um endividado ou um milionário. O enfermo anseia por algo que uma pessoa
saudável nem pensa. Tornarmo-nos pessoas felizes é um impositivo do princípio
do prazer que trazemos desde a origem e para o “pai” da psicanálise, isso não
pode ser plenamente realizado.
Mas nem por isso devemos [ou podemos] deixar de
empreender esforços para nos aproximarmos ao máximo desse objetivo.
Significativas fontes de sofrimento são: a) testemunhar a irreversível
decrepitude e a certeza da mortalidade de nosso corpo; b) ameaças do próprio
mundo externo, cuja destruição, seja fruto do poder superior da natureza ou da
violência de nossos semelhantes sempre nos assombram e, c) a maçante tarefa de
nos relacionarmos com os outros, no seio da família, em sociedade e no Estado.
As “lamparinas do juízo” nos forçam a reconhecer essa impotência: não há muito
a fazer em relação às duas primeiras fontes de angústia. Só nos resta à
sensatez de nos submetermos ao inevitável: “Nunca dominaremos completamente a
natureza, e o nosso organismo corporal, ele mesmo parte dessa natureza,
permanecerá sempre como uma estrutura passageira, com limitada capacidade de
adaptação e realização”. Conviver pode ser complicado e nisso talvez consista a
maior fonte de infelicidade (lembremo-nos do nosso artigo já publicado aqui,
“Sartre – O inferno são os outros”).
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Dê sua opinião. Sua mensagem é muito importante!