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sábado, 18 de julho de 2020

Ensaio sobre a felicidade contemporânea








Resumo:
O presente texto não tem a ousadia de esgotar tão vasto e precioso tema, mas, contudo, traçar-lhe as principais referências, principalmente em tempos de pandemia.
Palavras-chave: Filosofia. Felicidade. Idade Contemporânea. Significado e significante.



É extremamente desafiador conceituar objetivamente o que seja, afinal, a felicidade humana. Trata-se de conceito humano e mundano submetido a uma miríade de variantes que vão desde aspecto geográfico, cultural, econômico, filosófico e, principalmente, metafísico.

O mais remoto filósofo a tratar do tema foi Tales de Mileto[1] que afirmava que julgava feliz quem tem “corpo são e forte, boa sorte e alma bem formada”. Vale lembrar que a expressão “boa sorte” é muito reverenciava, pois dela dependia a felicidade.

Conclui-se que feliz é quem tem físico saudável acompanhado de um intelecto e espírito equilibrados. Em grego, a felicidade significa eudaimonia, que significa literalmente “bom demônio”. Afinal, ter boa sorte significava, para os gregos ter um “bom demônio” ao invés de um mal.

O ser feliz era quem dispunha desse “bom demônio”, o que está relacionado diretamente com a sorte de cada um. O demônio era uma espécie de semideus que acompanhava os seres humanos.

Já para Sócrates que adotava visão dualista do homem, enfatizava a necessidade de satisfazer igualmente os desejos e necessidades tanto do corpo como da alma, alcançando um equilíbrio entre estes. Antístenes veio completar tal raciocínio ao enunciar que o homem feliz é aquele que é autossuficiente.

Entre os séculos X a V a.C., o pensamento grego tendeu considerar os maus demônios como sendo os mais frequentes que os bons e, também, passaram apresentar uma visão pessimista da existência humana[2].

A mais autêntica expressão desse pessimismo grego é dada pelo antigo provérbio grego, segundo o qual “a melhor de todas as coisas é não nascer”. E, foi a filosofia que rompeu com essa visão pessimista e ainda procurou estabelecer orientações para que o ser humano procurasse a felicidade.

Desde antigos gregos, vive-se em busca da felicidade e tal busca é compartilhada por filósofos, teólogos, psicólogos e cientistas sociais.

Demócrito de Abdera (aproximadamente 460 a 370 a.C.) julgava que a felicidade era “a medida do prazer e a proporção da vida”. E, para tanto, o homem precisava deixar de lado as ilusões e os desejos para atingir a serenidade. Sendo a filosofia, o instrumento que possibilitava esse processo.

Foi Sócrates que deu nova acepção à felicidade, postulando que esta não estava relacionada apenas à satisfação de desejos e necessidades do corpo, pois para o filósofo o homem não era só o corpo, mas, principalmente a alma. Então, o território da felicidade é o da alma.

Desta forma, a felicidade somente poderia ser atingida por meio da conduta virtuosa e justa. Afinal, mesmo quando Sócrates sofreu uma injustiça de seu julgamento, e, ainda por ser convicto de estar sendo justo, não se intimidou nem diante da condenação à morte por tribunal ateniense e, cercado de seus discípulos bebeu a fatídica taça de cicuta[3]. E pareceu estar feliz em seus derradeiros momentos de vida.
Entre os discípulos de Sócrates, Antístenes (445-365 a.C.) deu toque peculiar à noção de felicidade de seu mestre, considerando o homem feliz é o homem autossuficiente. E, tal autossuficiência, em grego, se chama autarquia que continuou vinculada à felicidade nos sete séculos seguintes...

Interessante é noção de adiáfora[4] que, para os gregos, especialmente os cínicos[5] e os estoicos[6] denominavam os indiferentes que são todas as coisas que não contribuem nem para virtude, nem para maldade.

Exemplificavam com a riqueza e a saúde que podem ser utilizadas tanto para o bem, como para o mal; são, portanto, indiferentes, para a felicidade dos homens; não porque deixem os homens indiferentes, na realidade, suscitam o desejo, mas porque a felicidade consiste somente no comportamento racional, ou seja, na virtude.

Segundo a filosofia estoica, não há lugar ou vez para o acaso e desordem. Posto que vige uma racionalidade universal no mundo (cosmos) e o objetivo moral (as escolas filosóficas deste período dão forte ênfase ao aspecto moral). E, por isso deve-se submeter tal racionalidade à natureza.

Ou seja, seguir a natureza o que significa seguir a vida de virtude, pois, se a natureza é boa e racional, então, o homem deve procurar viver segundo a razão e o bem, isto é tornar-se virtuosos.

O estoicismo é notadamente caracterizado pelo primado de questões morais, e Abbagnano[7] resumiu como sendo os principais fundamentos da filosofia estoica:
1) a divisão da filosofia em lógica, física e ética;
2) concepção da lógica como dialética[8];
3) análise sobre a teoria dos signos (antecedente da semiótica moderna);
4) conceito de razão divina (logos);
5) a razão é um guia infalível para o ser humano;
 6) exaltação da apatia como ideal do sábio[9], ou seja, ausência de toda paixão perturbadora do espírito;
6) doutrina cosmopolita: o homem como cidadão do mundo.

Aliás, os estoicos distinguiam três significados de indiferença[10], a saber: o primeiro indicava aquilo pelo que não se sente desejo nem repulsa, como pelo fato de que os cabelos ou estrelas existam em número par. Já o segundo entendimento indica aquilo pelo que se sente excitação ou repulsa, mas não mais por isto do que por aquilo, como no caso de duas moedas idênticas das quais é preciso escolher uma.

E, o terceiro e derradeiro sentido, afirma-se que é indiferente o que não contribui nem para a felicidade, nem para infelicidade, como a saúde e a riqueza, ou noutros termos, aquilo que se pode fazer bom ou mau uso.

Bom alertar que a felicidade é diferente de bem-aventurança que é o ideal de satisfação independente da relação do homem com o mundo, por isso, limitada à esfera contemplativa e religiosa.

O maior discípulo de Sócrates foi Platão e levou a especulação filosófica sobre a felicidade de onde deixara o seu mestre. Pois Platão considerava que todas as coisas têm sua função.

De forma que, a função do olho é ver, a do ouvido, é ouvir e, enquanto que a função da alma é ser virtuosa e justa de modo que, exercendo a virtude e a justiça, assim naturalmente obtém a felicidade. A função da alma é obter a felicidade pela virtude[11].

Convém assinalar que as noções de virtudes e de justiça integram certa vertente de pensamento filosófico chamada de “ética” que se dedica especialmente a investigação de costumes, visando identificar os bons e os maus.

Afinal, para Platão a ética não estava restrita aos negócios privados, devendo ser posta em prática também em negócios públicos.

De modo que para Platão entendia que a função do Estado era realmente tornar os homens bons e felizes. Numa clara ligação existente entre a ética e a política conforme bem definida na obra de Platão e Aristóteles, que dedicou uma obra à questão da felicidade, a Ética a Nicômaco[12] (que é nome de seu filho e, para quem dedicou a obra).

Apesar de amigo de Platão, Aristóteles criticou o idealismo de seu mestre, reconhecendo a necessidade de elementos essenciais como a boa saúde, a liberdade (uma vez que a escravidão era a tônica) e a boa situação socioeconômica para que alguém seja feliz.

A relação que muitas vezes se estabeleceu entre felicidade e prazer tem o mesmo significado, isto é, a conexão existente ao estado definido como felicidade e a relação com o próprio corpo, com as coisas e com os outros.

A tese segunda a qual a felicidade é o sistema de prazeres foi expressa com toda a clareza por Aristipo que fez a distinção entre prazer e felicidade.

O fim é o prazer particular, a felicidade é o sistema de prazeres particulares em que se somam também os passados e os futuros.

Egesias[13] que negava a possibilidade de felicidade negava-a justamente pelo fato de que os prazeres são demasiado raros e passageiros.

Platão, por sua vez, negava que a felicidade consistisse no prazer e, a julgava, ao contrário relacionada com a virtude. Os felizes são aqueles por possuírem a justiça e a temperança; os infelizes são assim por possuírem maldade dizia Platão em Górgias; no Banquete são chamados de felizes: aqueles que possuem bondade e beleza. Mas, justiça e virtudes, possuir bondade e beleza, significa ainda ser virtuoso.

Para Platão, a virtude outra coisa não é senão a capacidade da alma de cumprir seu próprio dever, ou seja, de dirigir o homem da melhor maneira. Conclui-se que a noção platônica de felicidade é relativa à situação do homem no mundo e aos deveres que aqui lhe cabem.

Quanto a Aristóteles insistiu no caráter contemplativo da felicidade, em seu grau superior, a bem-aventurança, e, ainda, apresentou noção mais ampla definindo-a como “certa atividade da alma, realizada em conformidade com a virtude”.

A felicidade não exclui, mas inclui a satisfação das necessidades e das aspirações mundanas. Segundo Aristóteles, os felizes devem possuir três espécies de bens que se podem distinguir, quais sejam, os exteriores, os do corpo e os da alma.

Em verdade, os bens exteriores, assim como qualquer instrumento, têm um limite dentro do qual desempenham sua função utilitária de instrumentos, mas além do qual se tornam prejudiciais ou inúteis para quem os possui.

Os bens espirituais, ao contrário, quanto mais abundantes, mais úteis. Cada qual merece a felicidade na medida da virtude, do tino e da capacidade de bem agir que possui, tomemos o exemplo a divindade, que é feliz e bem-aventurada, não graças aos bens exteriores, mas por si mesma, por aquilo que esta é, por natureza.

Por outro lado, a partir de um conjunto de raciocínios que têm por base o fato de o homem é um animal racional, daí a instituição da felicidade intelectual.

E, Aristóteles concluiu que a maior virtude nossa é a “alma racional”, é o exercício do pensamento. Assim, a felicidade se identifica com a atividade pensante do filósofo, o que, inclusive aproxima o ser humano da divindade.

Ainda na extensão prática das ideias de Aristóteles que considerou a política[14] como extensão da ética e, nesse sentido, para o filósofo é também uma função do Estado criar condições para o cidadão ser feliz.

Mais tarde, no mundo helênico se desenvolveram três escolas filosóficas que vão se estender até o fim do Império Romano, forma as chamadas filosofias helenísticas. Tais estas, por caminhos diferentes chegam a mesma conclusão de que para ser feliz, o homem deve ser não é autossuficiente, mas desenvolver a atitude de indiferença com relação a tudo ao seu redor. Portanto, a felicidade era apatia o que na época, não possuía o sentido patológico que possui hoje.

Ainda entre os filósofos helênicos, podemos reverenciar Epicuro (341- 271 a.C.) para deixar patente a ideia de “apatia” não significa abdicar ao prazer... O prazer era essência à felicidade preconizada por esse filósofo, cuja filosofia é igualmente chamada de hedonismo (hedome, em grego, significa prazer).

Epicuro esclarece numa carta a um discípulo, que não se refere ao prazer “dos dissolutos e dos crápulas” e, sim, ao da impassibilidade que liberta de desejos e necessidades.

Em sua ética, Epicuro apontou a felicidade como sendo diretamente ligada ao prazer. Seria o prazer o início e o fim de uma vida feliz. O homem é inclinado a buscar o prazer e a fugir da dor através do critério do prazer é que nos avaliamos e a todas as coisas.

Epicuro enunciou in litteris: “Só há um caminho para felicidade. Não nos preocuparmos com coisas que ultrapassam o poder da nossa vontade”. O prazer era crucial para Epicuro e o chamado hedonismo, mas não se refere ao prazer dos crápulas e, sim, aquilo que liberta de todos os desejos e necessidades.

Foram muitos os filósofos que discutiram e debateram sobre a felicidade plena, mas as ideias mais interessantes sobre o tema vêm mesmo de Epicuro de Samos, um ateniense que viveu no século IV a.C.

E, afirmou que a felicidade pode ser atingida por prazeres moderados e que tais trazem um estado de tranquilidade.

Acautelou Epicuro que se os desejos forem exacerbados, pode ser fonte de perturbações constantes, dificultando o encontro da felicidade, que é a manutenção da saúde do corpo e a serenidade do espírito.

De fato, o homem sereno procura serenidade para si e para os outros. E, naturalmente, as pessoas não podem viver de forma agradável se não forem prudentes, gentis com os outros e justas em suas atitudes e pensamentos, o que permite viver de forma pura e prazerosa.

A filosofia de Epicuro, porém, ressaltou que é preciso ter muito cuidado com os prazeres. Pois, trazem mais dor do que felicidade.

Afirmou in litteris: “Nenhum prazer é em si um mal, porém, certas coisas capazes de engendrar prazeres trazem consigo maior número de males do que de prazeres".

Com a decadência e morte do mundo helênico e advento da Idade Média e felicidade desapareceu da pauta da filosofia principalmente por seu aspecto terreno. A felicidade não interessou ao filósofo Agostinho de Hipona (354- 430 d.C.), Anselmo de Cantebury ou Tomás de Aquino (1225-1274) todos santos da Igreja Católica. Afinal para a sociedade teocêntrica dos tempos medievos mais importante que a felicidade, o que é mais relevante é a salvação da alma.

Os filósofos só retornaram a se dedicar ao conceito de felicidade na Idade Moderna, com o pensamento de John Locke, Leibniz, na virada do século XVII e XVIII, que identificaram a felicidade com o prazer duradouro.

Mais tarde, o filósofo iluminista Immanuel Kant[15] (1724-1804) na sua obra “Crítica da Razão Prática” definiu a felicidade como “a condição do ser racional no mundo, para quem, ao longo da vida, tudo acontece de acordo com seu desejo e vontade...”.

Para o filósofo pietista[16], a felicidade além de ser um direito do homem, se coloca no âmbito do prazer e do desejo e, nada tem a ver com a Ética e, portanto, não seria um tema que venha interessar a investigação filosófica. E, a argumentação kantiana era tão convincente que o tema praticamente pulverizou-se nas escolas filosóficas que o sucederam.

Porém, o mundo da língua inglesa, contemporâneo à época de Kant, a noção de felicidade ganhou destaque no pensamento político, tanto que passou a ser um direito do homem, conforme consignado expressamente da Constituição dos EUA de 1787 e que fora inspirada francamente no Iluminismo.

No século XX, a filosofia anglo-saxônica veio trazer nova reflexão através de Bertrand Russel[17] (1872-1970) que escreveu a obra “ A conquista da felicidade” utilizando a investigação lógica para ao final, concluir que é necessário alimentar uma multiplicidade de interesses e de relações com as coisas e com os outros para homem ser feliz. Sintetizando, a felicidade reside na eliminação visceral do egocentrismo.

Em 1989, o filósofo Julían Marias também dedicou ao tema, uma obra intitulada “A felicidade humana” onde estudou a história da felicidade desde a Antiguidade Clássica até nossos dias.

Por sinal, Marias ainda ressaltou a ausência da reflexão filosófica sobre a felicidade no contemporâneo contexto, apontando que isso seja mesmo o sintoma de que o atual mundo seja terrivelmente infeliz.

Atualmente, os filósofos da liberdade declaram que “não há moral geral” (Jean-Paul Sartre[18]) mas, apenas escolhas de existência. A felicidade não é mais um fim a ser atingido, mas uma função cíclica e intermitente, só se configurando a medida em que a afirmamos.

Freud[19] estabeleceu o vínculo profundo entre a liberdade e a felicidade humana, de um lado e, a sexualidade do outro. Sendo que a sexualidade fornece a fonte original da felicidade e da liberdade e, ao mesmo tempo, a razão de suas restrições necessárias na civilização (Herbert Marcuse[20]).

Portanto, para Sigmund Freud “a felicidade não é um valor cultural” está subordinada às exigências do trabalho e da produção.

Para Kierkegaard, precursor do existencialismo contemporâneo e que foi muito marcado por angústias pessoais e familiares às quais somou-se a crise provocada pelo rompimento de seu noivado por essa razão, desenvolveu uma indissociável tendência ao trágico. Atacou o cristianismo e, particularmente luteranismo de sua pátria, valorando contra a religião estabelecida, a vivência da religiosidade.

Combateu Hegel[21] e a metafísica especulativa por seu intenso caráter abstrato e sua busca do universal, defendendo a necessidade de uma filosofia existencial.

Dotado de forte estilo irônico e polêmico e, igualmente, poético e lírico, Soren apesar de não ter nenhuma preocupação teórica ou sistemática, muito longe da tradicional forma de tratado filosófico, tendo utilizado em quase todas suas obras sob pseudônimo[22].

Para o filósofo dinamarquês[23], o homem é um ser que se caracteriza pelo desespero que se origina das contradições de sua existência e de sua distância de Deus: “o homem é uma síntese de infinito e de finito, de temporal e de eterno, de liberdade e de necessidade”.

Em sua obra intitulada “Estágios do caminho da vida” (de 1845) formulou doutrina de três níveis de consciência, o primeiro era o estético no qual o indivíduo busca a felicidade no prazer, cuja fugacidade, entretanto, leva ao desespero inevitável. No nível ético, por sua vez, procura alcançar a felicidade através do cumprimento do dever, sendo, no entanto, condenado ao eterno arrependimento devido as suas falhas; e o derradeiro nível, o religioso em que o homem busca Deus, entretanto, a verdadeira fé é a angústia da distância de Deus.

A felicidade no messianismo (do aramaico meschîkha) com significado de ungido ou escolhido diante da crença absoluta na vinda do Messias, o enviado de Deus que teria a missão de libertação do povo judeu do domínio estrangeiro e, ainda, sua condução à Terra Prometida e à vida em paz. Para os judeus, o Messias ainda não chegou. Já, para os cristãos, já esteve entre nós, na pessoa de Jesus Cristo e, voltará novamente no fim dos tempos.

É na crença de que há um líder carismático que seria capaz de salvar seu povo e conduzi-lo à felicidade e de à glória. O messianismo acredita ser capaz de salvação e de mudar os rumos da história e obter a eterna felicidade.

Na sociedade contemporânea[24] diante de abundância de informação, não existe mesmo muito tempo para leitura e reflexão, só para filmes, séries, novelas e muita propaganda. É o que chamamos de indústria cultural que nos adestra sempre, criando desejos e aguçando nossa capacidade de consumir, significando isso felicidade.

Zygmunt Bauman declarou textualmente: "Somos aquilo que podemos comprar", sendo essa uma característica de nosso tempo. Então, ser feliz, nos dias de hoje, é questão de ser capaz de consumir. Na profunda Modernidade Líquida, de Bauman, ilustrou a situação: enfim, nada mais é feito para durar, nem mesmo a felicidade.

Aliás, como profetizou o poeta Carlos Drummond de Andrade[25]: "Ser feliz sem motivo é a mais autêntica forma de felicidade"[26]. Afinal, a busca da felicidade torna-se quase um dever no mundo pós-moderno e obtê-la é desejo comum a quase todas as pessoas. Ao analisar o conceito de felicidade, focando o papel da sociedade e da cultura, vem a psicanálise refletir como a vida em sociedade que exige sacrifícios pulsionais da ordem do desejo, causando no sujeito certo mal-estar. É o famoso mal-estar da civilização[27].

O termo modernidade foi cunhado para denominar um período de transição da Idade Média para um novo mundo, tem sua origem na palavra “modernus”, derivado de “modo”, ou seja, a maneira ou o modelo de algo, seguindo a formatação da palavra latina “Hodiernus”, derivada de “hodie”, ou seja, “hoje”. Utilizada então para designar a diferença entre esse novo mundo e o antigo, o “modo de hoje”, ou modernidade, passa a ser de um projeto para uma realidade cada vez mais intensa, dinâmica e acelerada.

Ao período que se segue em decorrência ao moderno, chama-se costumeiramente de pós-moderno, e sugere-se pelo nome um período posterior à modernidade, sem que o mesmo se caracterize por uma ruptura com o período ao qual é antecedido.

Havendo, portanto, um processo decorrente do anterior, evidenciado especialmente na segunda metade do século XX, onde profundas transformações tecnocientíficas e sociais implicaram em mudanças paradigmáticas nas instituições que regiam a sociedade – o estado, a igreja, a família, a escola – a pós-modernidade pode ser ora considerada como o produto do projeto moderno de globalização, que (...) inclui processos que hibridizam – colocando culturas, formas de ser, estilos de vida, um de frente com o outro – e processos que homogeneízam – negando o local em favor de um global destituído de ambiguidade, num processo de padronização radical.

Conclui-se, portanto que a temática felicidade, tida como objeto de desejo, é pouco estudada cientificamente, e não existe como um conceito já pronto e fechado, abrindo espaços para novas pesquisas acerca de tão precioso tema.

Em tempos de pandemia de Covid-19 a felicidade pode até ser definida com o não contágio da virose e, a possibilidade de sobreviver de forma harmoniosa o isolamento social. Além naturalmente de cuidar adequadamente de crianças, adolescentes e idosos da família. É fundamental o sentimento de solidariedade para a construção do sentimento de felicidade.



[1] Tales de Mileto (624-546 a.C.) foi filósofo, matemático, engenheiro, homem de negócios e astrônomo da Grécia Antiga e, considerado, por alguns, o primeiro filósofo ocidental. De ascendência fenícia, nasceu em Mileto, antiga colônia grega, na Ásia Menor, atual Turquia. É considerado como um dos sete sábios da Grécia Antiga (Plutarco listou como Tales, Bias, Pítaco, Sólon, Quílon, Cleóbulo e Anacarses). Nunca houve consenso entre os historiadores, mas os únicos que sempre pertenceram ao grupo foram os quatro primeiros da lista, incluindo Tales de Mileto).
[2] Nietzsche traduziu um fragmento da obra de Anaximandro in litteris: "De onde as coisas têm o seu surgimento - lá também elas precisam ir perecer por necessidade; pois estas precisam pagar penitência e ser justiçadas pela injustiça segundo a ordem do tempo. Questiona-se se Anaximandro seria um autêntico pessimista grego, Aliás, Nietzsche parece responde com uma analogia a Schopenhauer in verbis: “A justa medida para avaliar qualquer pessoa é considerá-la como um ente que de fato não deveria de todo existir, e que expia sua existência por meio de toda sorte de sofrimento e pela morte: o que podemos esperar de tal ente”? “Não somos todos pecadores condenados à morte”? Expiamos nosso nascimento primeiro com a vida e, depois, com a morte”. (In: Nietzsche, F. Die Philosophie im tragischen Zeitalter derGriechen.; ______________ A Filosofia na Era Trágica dos Gregos. Tradução: Gabriel Valladão Silva. Porto Alegre: R: L&PM, 2011.)
[3] Há uma pintura intitulada "A Morte de Sócrates", em francês La Mort de Socrate de autoria de Jacques-Louis David que foi executada em 1787. Baseada na história contada por Platão no Fédon. Sócrates fora acusado de corromper a juventude de Atenas e ainda introduzir falsos deuses e, portanto, foi condenado a morrer tomando cicuta. O filósofo usa sua morte como final lição, pois ao invés de fugir quando a oportunidade surgiu, encara a morte calmamente. O Fédon retrata a morte de Sócrates e, é também o quarto e último diálogo de Platão a detalhar os dias finais do filósofo, que é também detalhada em Eutífron, Apologia de Sócrates e Críton.
[4] Adiáfora. Cínicos (v. cinismo) e estoicos (v. estoicismo) chamam de adiáfora, isto é, de indiferentes, todas as coisas que não contribuem nem para a virtude e nem para a maldade. Por exemplo, a riqueza, a saúde pode ser utilizada tanto para o bem quanto para o mal; são, portanto, indiferentes para a felicidade dos homens, não porque deixam os homens indiferentes (na realidade suscitam o seu desejo), mas porque a felicidade consiste somente no comportamento racional, isto é, na virtude. (Dióg. L. VII, 103-104).
[5] O cinismo foi uma escola filosófica grega criada por Antístenes, seguidor de Sócrates, aproximadamente no ano 400 a.C., mas seu nome de maior destaque foi Diógenes de Sínope. Estes filósofos menosprezavam os pactos sociais, defendiam o desprendimento dos bens materiais e a existência nômade que levavam. A origem dessa expressão é um tanto controvertida, pois alguns pesquisadores creem que ela provém do Ginásio Cinosarge, espaço no qual Antístenes teria edificado sua Escola, enquanto outros afirmam que esta deriva da palavra grega kŷőn, kynós, que significa ‘cachorro’, alusão à vida destes animais, que seria igual à pregada pelos cínicos. Aliás, o símbolo deste grupo era justamente a imagem de um cão. 
De qualquer forma, porém, ela se origina do grego Kynismós, passando pelo latim cynismu, e assim chegando até nossos dias. Hoje, através de desvios de significado, este termo se refere àqueles desprovidos de vergonha e de qualquer sentimento de generosidade em relação à dor do outro. Mas não por acaso, pois os cínicos desejavam se desprender de todo tipo de preocupação, inclusive com o sofrimento alheio.
[6] O estoicismo foi uma das correntes filosóficas do helenismo mais influentes na Antiguidade. Essa escola de pensamento originou-se na cidade grega de Atenas próximo ao ano 300 a.C., embora seu fundador, Zenão, tenha sido um estrangeiro natural de Cítio (atual Lárnaca, na ilha de Chipre). O nome dessa escola originou-se do local em que esse pensador se reunia com seus discípulos, a saber, um pórtico do espaço público destinado à discussão política em Atenas — a ágora. Em todas as suas três fases, a herança socrática é evidenciada. 
O aspecto mais conhecido dessa escola de pensamento é sua perspectiva ética baseada na indiferença (ataraxia, em grego). Nela a filosofia é entendida como um exercício e não como uma atividade meramente intelectual. Esses pensadores acreditavam que tudo o que existe estava sob a determinação de uma força cósmica harmônica e que a virtude estaria em viver em acordo com o seu desígnio.
[7]  ABBAGNAMO, Nicola. Dicionário de Filosofia. 5ª edição. São Paulo: Martins Fontes, 2007.
[8] Nas derradeiras décadas, lógicos europeus e norte-americanos vêm tentando fornecer as bases matemáticas para a lógica e dialética, através da formalização, embora a lógica tenha sido relacionada à dialética que desde os tempos antigos. Lógica dialética é termo especialmente tratado no pensamento hegeliano e marxista.  
O método dialético, frequentemente referido apenas como Dialética, é uma forma de discurso entre duas ou mais pessoas que possuem diferentes pontos de vista sobre um mesmo assunto, mas que pretendem estabelecer a verdade através de argumentos fundamentados e não simplesmente vencer um debate ou persuadir o opositor. Embora o ato em si seja fundamental na formação da filosofia, o termo foi popularizado apenas com o advento dos diálogos socráticos de Platão. Para estabelecer a dialética, Sócrates encontrou na Verdade o maior valor, propondo que a verdade poderia ser descoberta através da razão e lógica em uma discussão. Desta forma, Sócrates se opôs a retórica como uma forma de arte que visa agradar os ouvintes e também a oratória, que convence por vias emocionais, não requerendo lógica ou prova.
[9] Ataraxia (em grego antigo: Ἀταραξία ataraxia) traduz-se por "ausência de inquietude/preocupação", "tranquilidade de ânimo". Demócrito usou este termo ao afirmar "A felicidade é prazer, bem-estar, harmonia, simetria e ataraxia", mas foram os epicuristas, os céticos e os estoicos que puseram a ataraxia no centro de seu pensamento. Os estoicos também procuravam tranquilidade mental, e, embora também tivessem visto a ataraxia como algo desejável e tivessem frequentemente feito uso do termo, a ataraxia, na qualidade de "ausência de preocupação", sempre foi o objetivo de vida dos epicuristas, sendo análogo ao estado de vida almejado pelos sábios estoicos, a saber, a apatheia (apatia), "ausência de paixões", que não deve ser confundida com o diagnóstico de apatia no sentido psicológico, caracterizado por uma perda de sensibilidade do indivíduo em relação aos estímulos cotidianos. Apatheia (em grego: ἀπάθεια em grego: ἀ (a)- "ausência" e πάθος (pathos) - "sofrimento" ou "paixão") de acordo com a filosofia estoica, é um estado de espírito alcançado quando uma pessoa está livre de perturbações emocionais. É melhor traduzida como equanimidade, em vez de indiferença. Não deve ser confundida com o termo apatia - comum no ramo de psicologia e psiquiatria - considerado como um critério de diagnóstico que é caracterizado pela perda de interesse e retardo psicomotor, por exemplo em casos de depressão. De acordo com os estoicos, apatheia é a qualidade que caracteriza o sábio.
[10] Indiferença. Neutralidade afetiva que se opera por negação da preferência por supressão da hierarquia dos valores. As diferenças podem ser percebidas, mas são desprovidas de significado, de modo que a indiferença está para o valor o ceticismo está para o conhecimento. Ora, como ela abrange o domínio do vivido, pode conduzir ao tédio ou até - no limite - tirar o sentido da vida e de nós mesmos. Daí a profundidade metafísica (eventual) da indiferença quando ela se torna patológica por carência do desejo.  Porém quando se consegue superar o desejo, a indiferença aparece então como o resultado de uma ascese quando é cultivada com o intuito de se chegar à sabedoria, como é o caso da adiáfora - ou indiferença estoica - que consiste em se desprender voluntariamente de tudo o que não depende de nós.
[11] Aristóteles afirmava que a virtude estava no meio termo entre o excesso e a falta de emoção (metriopatheia), os estoicos, por outro lado, buscavam a libertação de todas as paixões (apatheia). Ele procurou eliminar as respostas emocionais aos eventos externos que estão além do controle da pessoa. Para os estoicos, era a resposta racional ideal para um indivíduo, porque não podemos controlar os acontecimentos originários da vontade dos outros ou pela Natureza, só podemos controlar a nossa própria vontade. Isto não implica a perda de todo o sentimento ou cortar suas relações com o mundo. Um estoico realiza julgamentos e atos virtuosos experimenta a felicidade(eudaimonia) e bons sentimentos (eupatheia). O termo foi adotado por Plotino em seu desenvolvimento do neoplatonismo como a liberdade da alma de emoção conseguido quando se atinge o seu estado purificado.
[12] Nicômaco, viveu em c. 325 a.C., era o filho de Aristóteles. A Suda afirma que era de Estagira, um filósofo, aluno de Teofrasto, e de acordo com Aristipo, seu amante. Ele talvez tenha escrito um comentário sobre as palestras de seu pai em física. Nicômaco nasceu da escrava Herpilia. Os historiadores acreditam que Ética a Nicômaco seja uma compilação de notas de aulas de Aristóteles, provavelmente foi nomeado depois ou dedicado ao filho de Aristóteles. Diversas autoridades antigas podem ter confundido as obras éticas de Aristóteles com os comentários que Nicômaco escreveu sobre eles Fontes antigas indicam que a Nicômaco morreu em batalha quando ainda era um rapaz.
[13] Egesia de Cirente era filósofo grego antigo do século IV a.C., pertencente à escola cirenaica. Não abandonou o princípio fundamental segundo o qual a satisfação do homem é a satisfação de seu prazer, mas era pessimista, pois duvidava que isso poderia ser realmente alcançado. Para o filósofo, de fato, não há outros valores da vida fora do prazer da utilidade: "Gratidão, amizade e caridade não são nada, por isso escolhemos essas coisas não por nós mesmos, mas por razões de utilidade, sem as quais nem mesmo essas existem". (Diógenes Laércio, Vidas dos Filósofos, II, 93). 
Mas os prazeres da vida são muitas vezes inatingíveis e muitas dores, conhecimento é incerto e todos os eventos são finalmente dominados pelo tyche, o poder impessoal do acaso: «De fato, o corpo está cheio de mil sofrimentos e a alma sofre com o corpo e é perturbada e o destino faz com que as coisas que esperávamos vãs [...]» ( Diógenes Laércio, Vidas dos Filósofos , II, 94 ). 
Além disso, para os seguidores da Egesia, o prazer está ligado à mudança e à sensibilidade contingente, é algo relacionado ao indivíduo que sente: «Eles acreditavam que nada era agradável ou desagradável por natureza: por causa da raridade, novidade ou saciedade, acontece que alguns apreciam e outros não...”. [...]. Eles também desvalorizaram as sensações, porque não dão certo conhecimento, mas fizeram tudo o que consideravam razoável”. (Diógenes Laércio, ibidem
Para um extremismo da doutrina estoica e cínica, da qual os aspectos individualistas e moralistas são excluídos, segundo Egesia, o objetivo supremo do homem seria não apenas indiferença a todos os aspectos mundanos da existência. "Portanto, o homem sábio não se preocupará tanto em comprar bens como em evitar males, propondo como meta uma vida que não é cansativa nem dolorosa, que é realizada com um estado de espírito de indiferença pelo que produz prazer". Diógenes Laércio, Vidas dos Filósofos, II, 95 e segs.).
[14] Como disse Marcuse, “o tempo compreendido de forma linear é vivido em relação a um futuro mais ou menos incerto” de forma que “o tempo pleno, a duração da satisfação, a duração da felicidade individual, o tempo como tranquilidade, só pode ser imaginado como sobre-humano...”. Esta pode ser uma alternativa para as reflexões atuais sobre sistemas produtivos, superando a antítese entre capitalismo e comunismo exagerados. (In: CABRAL, João Francisco Pereira. "A noção de progresso em Marcuse"; Brasil Escola. Disponível em: https://brasilescola.uol.com.br/filosofia/a-nocao-progresso-marcuse.htm. Acesso em 08 de julho de 2020).
[15] A busca pela felicidade está naturalmente presente como um ideal a ser alcançado pelos indivíduos da espécie humana. Kant, em sua obra “Fundamentação da metafísica dos costumes”, pretende buscar e estabelecer o princípio supremo da moralidade e esclarece que para esse fim o ideal de felicidade não apresenta condições de fundamentar as leis da moralidade. Na obra “Crítica da razão prática”, Kant sustenta essa mesma posição, mas introduz o objeto do soberano bem, referente ao qual, a felicidade é o seu segundo elemento, mas condicionada às leis da moralidade e entendida como elemento necessário do soberano bem.
[16] O pietismo é um movimento oriundo do luteranismo que valoriza as experiências individuais do crente. Tal movimento surgiu no século XV, como oposição à negligência da ortodoxia luterana para com a dimensão pessoal da religião, e teve seu auge entre 1650-1800.
[17] Foi descrito por Russell no Prefácio como “não endereçado a intelectuais, ou àqueles que consideram um problema prático meramente como algo a ser discutido”. O uso que Russell faz da palavra “conquista” no título enfatizou sua alegação principal de que, exceto em casos raros, a felicidade não se apresenta simplesmente às pessoas, mas deve ser alcançada. Ele argumentou que as multidões de homens e mulheres que sofrem de infelicidade poderiam alcançar a felicidade se prestarem atenção aos conselhos que ele oferece no livro. 
Russell passou mais tempo em A Conquista da Felicidade discutindo as causas da infelicidade do que as causas da felicidade. Ele reconheceu que algumas das muitas causas da infelicidade têm suas raízes no sistema social, e outras são o resultado da própria psicologia. Para Russell, o sistema social cria guerra, exploração econômica e acesso desigual à educação de alta qualidade, e emprega táticas de medo para desorientar as pessoas sobre seu lugar na sociedade.
[18] É reinventar a vida! Para Sartre, a vida é invenção e criação, e a felicidade não é inatingível. Ela é possível e reside no cuidado consigo, na autenticidade e na boa-fé...  Nossa natureza depende de nossas escolhas, e devido a isso, nossa felicidade também dependerá delas. É o que afirmou o filósofo francês Jean-Paul Sartre em sua obra “O Existencialismo é um Humanismo”: “Se verdadeiramente a existência precede a essência, o homem é responsável por aquilo que é. 
Assim, o primeiro esforço é o de pôr todo homem no domínio que ele é, de lhe atribuir a total responsabilidade da sua existência. E, quando dizemos que o homem é responsável por si próprio, não queremos dizer que o homem é responsável pela sua restrita individualidade, mas que é responsável por todos os homens”. Dessa maneira, eliminando uma natureza pré-definida que nos dirá o que é ser feliz, podemos analisar uma outra perspectiva sobre o tema, afirmando que a felicidade se encontra na forma como fazemos nossas escolhas, ou seja, encarando a vida da maneira como ela realmente se apresenta, vivendo-a intensamente com responsabilidade.
[19] Quando o prazer é alcançado, encontramos felicidade. Esta felicidade pode ser pontual ou prolongada, a depender da forma como a pessoa reage à libido. Libido, portanto, não é apenas o prazer sexual. É uma pulsão de vida que nos traz encantamento e disposição para nos mover. E essa disposição é a base do conceito de felicidade. A melhor fonte de prazer está na sexualidade Para Freud, o que melhor realiza o prazer é a sexualidade. Mas essa sexualidade pode ser sublimada, isto é, convertida em outras formas de energia e interesse. A sublimação da pulsão sexual, segundo Freud, nos permite encontrar realização também no trabalho e na arte, por exemplo.
[20] A evolução do progresso quantitativo ou técnico que utiliza ou dispende uma grande quantidade de energia pulsional se deu em detrimento do progresso qualitativo ou humano. A tentativa de dominação da natureza pelos homens acarretou a dominação destes pela produtividade. Esta condiciona o comportamento dos indivíduos em sociedade, visando sempre atender apenas às suas necessidades. Mesmo quando o indivíduo se beneficia com alguma melhora nas suas condições de existência é sempre para que a produção tenha maior eficácia e rentabilidade. 
A vida do indivíduo torna-se administrada, a visão linear do tempo determina o presente visando um futuro incerto, porém que se impõe a esse. O passado já não mais serve para nada. Se para Freud esta visão só possibilita a infelicidade, para Marcuse ela é o ponto chave para o desenvolvimento humano. As condições técnicas que surgiram para satisfazer as necessidades básicas do ser humano já permitem que se dê um salto qualitativo para o progresso deste mesmo ser humano. Para isso, entretanto, é necessário dessublimar a cultura que só tende a produzir bens supérfluos e divulgar a aquisição de tais bens como fonte de liberdade e felicidade. 
Deve-se contrapor àquela visão linear de tempo, uma visão que tem apenas uma curva ascendente, uma visão do tempo pleno, de duração e satisfação reais. Para Freud, a infelicidade se caracteriza pela impossibilidade da realização dos desejos. Marcuse propõe a transcendência desses desejos a fim de alcançar a plena fruição das pulsões (claro, com o mínimo de repressão!) que caracterizam a verdadeira felicidade.
[21] Na concepção de Hegel a felicidade é viver uma vida simples, humilde e sem grandes preocupações, sem grandes acontecimentos, ou seja: é uma vida humilde e tranquila, sem grandes altos e baixos. As ideias acerca da honra foram retomadas pelo filósofo alemão Georg Hegel, que afirmou que o homem enfrenta sempre uma ‘luta pelo reconhecimento’ (fight for recognition). Hegel também retomou duas outras ideias de outros filósofos: luta e fuga e mestres e escravos. Ele reconhece a existência de duas classes de indivíduos: os que têm coragem e optam pela luta e os que não têm e optam pela fuga. 
Apenas os indivíduos de coragem possuem uma autoconsciência universal que os tornam ‘mestres’ enquanto que os demais permanecem ‘escravos’ (indivíduos subservientes). Apenas os ‘mestres’ conseguem ser completamente livres; apenas o homem livre possui livre arbítrio; apenas o homem de livre arbítrio consegue ser moral; apenas o homem moral consegue alcançar a felicidade que vem do respeito, da dignidade e da honra.
[22] O filósofo adotou o pseudônimo de Victor Eremita, enquanto escrevia Enten - Eller, a obra mais importante de sua própria história literária e filosófica. Outro, foi Johannes Clímacus e Johannes Anticlímacus. Em verdade, Clímacus é o único heterônimo de Kierkegaard. Dizemos isso com base no fato de que ele dedicou uma atenção especial a este “autor” como a nenhum outro. Os “outros” eram, com propriedade, apenas pseudônimos. Sobre Clímacus, Kierkegaard se dedicou a escrever-lhe uma biografia própria, descrevendo-o como um autor com um estilo bem característico e uma psicologia particular. Kierkegaard o descreveu em 1842 em seus Papirer, e que foram descobertos somente após sua morte.
[23] Kierkegaard era da opinião de que a felicidade provém do fato de se estar presente no momento e de se gozar a viagem. A partir do momento em que paramos de transformar as nossas circunstâncias em problemas e começamos a pensar nelas como experiências, podemos tirar satisfação delas. A porta da felicidade abre só para o exterior; quem a força em sentido contrário acaba por fechá-la ainda mais. De acordo com Kierkegaard, com o mandamento “amarás o teu próximo como a ti mesmo”, o Cristianismo pressupõe o amor-próprio. Mas não é uma exaltação de si mesmo, esse amor. Isso seria uma má interpretação do Cristianismo. “Pelo contrário, a ideia dele [do Cristianismo] é arrancar de nós homens o egoísmo”.  
O egoísmo dos homens consiste em amar a si mesmo, mas o Cristianismo, com o mandamento, com esse “como a ti mesmo”, “arrebata dele o homem.
[24] Ayn Rand, uma filósofa e escritora russa naturalizada americana, abordou o tema da felicidade com uma enorme clareza e praticidade no seu livro A Virtude do Egoísmo, (The Virtue of Selfishness), publicado originalmente em 1961. Nesse livro Rand deixa clara a distinção entre a busca da manutenção da vida e a busca da felicidade. Para ela, não se pode negar que os direitos sociais sejam necessários para a manutenção da vida de uma forma digna, mas afirmar que os direitos sociais são suficientes para a felicidade é uma extrapolação injustificada. 
Ao definir a felicidade, Rand levou em conta o fato de que cada indivíduo tem um conceito próprio sobre a mesma. Para ela “a felicidade é o estado de consciência que procede do alcance dos valores de cada indivíduo. Se um indivíduo valoriza o trabalho produtivo, a sua felicidade é a medida do seu sucesso no serviço de sua vida. Mas se um indivíduo valoriza a destruição, como faz o sádico – ou a autoflagelação, como o masoquista – ou a vida depois da morte, como o místico – ou ‘curtições’ irrefletidas, como o motorista de um carro envenenado – a sua alegada felicidade é a medida do seu sucesso no serviço de sua própria destruição”.
[25] Que a felicidade não dependa do tempo, nem da paisagem, nem da sorte, nem do dinheiro. Que ela possa vir com toda simplicidade, de dentro para fora, de cada um para todos. Que as pessoas saibam falar, calar, e acima de tudo ouvir. Que tenham amor ou então sintam falta de não tê-lo. Que tenham ideais e medo de perdê-lo. Que amem ao próximo e respeitem sua dor. Para que tenhamos certeza de que: “Ser feliz sem motivo é a mais autêntica forma de felicidade”. Carlos Drummond de Andrade
[26] Carlos Drummond de Andrade foi um poeta brasileiro (1902 - 1987), também cronista, contista e tradutor. Entre suas obras de maior destaque, Alguma poesia, Sentimento do mundo e A rosa do povo. Uma frase: “Há duas épocas na vida, infância e velhice, em que a felicidade está numa caixa de bombons.”
[27] Sigmund Freud, em seu opúsculo “O Mal Estar na Civilização”, afirma que o homem anseia pela felicidade e que esta advém da satisfação de prazeres. Essas buscas pelas coisas que nos fazem bem provêm da satisfação (de preferência repentina) de necessidades represadas em alto grau. Ganhar na loteria será diferente para um endividado ou um milionário. O enfermo anseia por algo que uma pessoa saudável nem pensa. Tornarmo-nos pessoas felizes é um impositivo do princípio do prazer que trazemos desde a origem e para o “pai” da psicanálise, isso não pode ser plenamente realizado. 
Mas nem por isso devemos [ou podemos] deixar de empreender esforços para nos aproximarmos ao máximo desse objetivo. Significativas fontes de sofrimento são: a) testemunhar a irreversível decrepitude e a certeza da mortalidade de nosso corpo; b) ameaças do próprio mundo externo, cuja destruição, seja fruto do poder superior da natureza ou da violência de nossos semelhantes sempre nos assombram e, c) a maçante tarefa de nos relacionarmos com os outros, no seio da família, em sociedade e no Estado. As “lamparinas do juízo” nos forçam a reconhecer essa impotência: não há muito a fazer em relação às duas primeiras fontes de angústia. Só nos resta à sensatez de nos submetermos ao inevitável: “Nunca dominaremos completamente a natureza, e o nosso organismo corporal, ele mesmo parte dessa natureza, permanecerá sempre como uma estrutura passageira, com limitada capacidade de adaptação e realização”. Conviver pode ser complicado e nisso talvez consista a maior fonte de infelicidade (lembremo-nos do nosso artigo já publicado aqui, “Sartre – O inferno são os outros”).

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