Resumo: O texto aborda os
princípios da verdade real e da verdade formal e o processo penal brasileiro e,
seu descompasso com o texto constitucional vigente.
Palavras-chave: Direito
Processual Penal. Fase probatória.
Prova. Verdade real. Verdade
formal.
A verdade é resultado
concludente da inteligência humana. Através da verdade que o homem aprende com
a realidade onde está inserido.
Filosoficamente a verdade[1] é descoberta através de um
sistema de valores o que passa forçosamente por um arsenal ético e moral da
sociedade.
Acredita-se que o homem possui
instinto direcionado ao conhecimento do mundo, valendo-se do uso da razão,
tendendo às generalizações de realidades casuísticas, o que caracteriza a
gnose.
A verdade real que requer mecanismo de
evidência absoluta em face de métodos de persecução usados, se torna um
elemento fundamental que o Direito almeja. A ciência do Direito elegeu a
verdade como princípio, isto é, como base ideológica a mover o processo, rumo a
uma decisão judicial.
A verdade é vetor eleito pelo
Direito no processo judicial como sendo relevante e se subdivide em: verdade
material e formal. O legislador não veio a conceituar o princípio da verdade
material.
Porém, seu valor jurídico
jamais fora negado, porquanto deve-se perfilhar que a verdade material corresponde
a juízo de valor deduzido das provas produzidas no processo e, que toda
sentença condenatória, seja para confirmação de sua própria validade, exige com
o esclarecimento pleno da verdade.
Ao longo de todo trâmite
processual, mais especificamente na fase probatória procede-se o encontro a um
ponto seguro e superior ao do território, onde, aliás, se assenta a
verossimilhança fática. Lembrando que no processo penal, jamais poderemos
adotar como aceitável a mera aparência de verdadeiro.
Pois que sempre se guiou pela
busca da verdade material, vindo a introduzir no processo um autêntico retrato
que mais se aproxime da realidade que abrigou o fato criminoso.
A adoção do princípio da
verdade real busca reproduzir o fato noticiado pela acusação e que pertence ao
mundo exterior, sem artifício, sem presunção ou ficções. Pois é, afinal, por
meio da aplicação desse princípio que o juiz poderá conhecer a verdade despida
de qualquer acessório artificial.
A verdade material é
correspondente à plena reprodução de um gato, cujo resultado advindo da
inteligência humana, por meio da busca de melhores provas, não sendo caso, de
contentar-se com provas fornecidas, senão, quando são as mais aptas a
concretizar o fato criminoso.
A verdade stricto sensu
no processo, por força de construção doutrinária corresponde ao princípio da
verdade formal. Sendo um velho dogma segundo o qual o julgador torna-se mais
condescendente na apuração dos fatos, sem obedecer à rigorosa exigência de
diligenciar ex officio, com o fito de realmente descobrir a verdade.
Neste se extrai o aceite à intervenção na colheita de provas por parte do
Estado-Juiz.
A verdade formal baseia-se na
noção de que a reprodução jurídica do fato se exaure nas provas e manifestações
trazidas aos autos pelas partes, sendo mínimo e, por vezes, até inexistente, a
iniciativa do julgador na produção de prova com o objetivo de se descobrir a
verdade.
Em verdade, se acolhe o
princípio da verdade formal como meio de abreviar e propiciar o encerramento de
litígios e, ainda compendiar o restabelecimento da paz social. Num mundo ideal,
todo processo deveria ser terreno fértil para aflorar naturalmente a verdade
plena dos fatos.
Sendo questão de opção
política a solução de certos conflitos de interesses, para os quais o
Estado-Juiz contenta-se com a verdade projetada no processo, não se dispondo a
empreender energia no sentido de apurar ex officio a veracidade dos fatos.
A verdade formal é resultante
da inteligência humana, mas não é sincrônica com a realidade, produzindo
tão-somente a chamada verdade judicial
A relação entre prova e
verdade deve ser a demonstração de certeza[2] de fato ou verdade daquilo
que se alega. Provar é convencer o espírito da verdade a respeito de algum
fato. É correspondente à cogitação do convencimento.
Em termos genéricos, a prova é
qualquer coisa, mesmo imaterial, idônea a suscitar um liame
lógico-demonstrativo de outra coisa ou entidade; ou seja, a prova é algo que se
utiliza nas mais variadas contingências da vida.
No processo, a prova resume-se
a todo meio destinado a convencer o juiz a respeito da verdade de uma situação
de fato.
Toda prova tem um objeto que
corresponde aos fatos da causa. Assim como toda pretensão tem por fundamento um
fato, e, este é objeto da prova.
Assim, a prova serve para
demonstrar os fatos cuja evidenciação se torne imprescindível, no processo,
para o juiz convencer-se de sua veracidade.
A prova tem no juiz o seu
principal destinatário. E sua utilização sempre deve adequar-se aos meios
juridicamente aceitos, isto é, a utilização da prova só é válida se for obtida
licitamente.
O Código de Processo Penal
brasileiro arrola os chamados meios legais de prova, relacionando-os na
seguinte ordem: o exame de corpo de delito e das perícias em geral (arts. 158 a
184); o interrogatório do acusado (arts. 185 a 196); a confissão (arts. 197 a
200); as perguntas ao ofendido (art. 201); as testemunhas (arts. 202 a 225); o
reconhecimento de pessoas ou coisas (arts. 226 a 228); a acareação[3] (arts. 229 a 230); os documentos
(arts. 231 a 238); os indícios (art. 239); e a busca e apreensão (arts. 240 a
250).
Ao seu turno, o CPC disciplina
os meios de prova, a saber: Título VIII, Capítulo VI, tratando primeiramente
das disposições gerais (arts. 332 a 341); logo após do depoimento pessoal
(arts. 342 a 347); da confissão (arts. 348 a 354); da exibição de documento ou
coisa (arts. 355 a 363); da prova documental (arts. 364 a 399); da prova
testemunhal (arts. 400 a 419); da prova pericial (arts. 420 a 439); da inspeção
judicial[4] (arts. 440 a 443).
É sob essa percepção que
diversos doutrinadores sustentam a supremacia do princípio da verdade material
no processo penal, como sendo motivado pelo interesse público.
Pois é com base nesse
interesse que se fixa a afirmação no sentido de que a condenação só deve ser
imposta como providência jurisdicional justa e que apresente a solução adequada
ao pedido formulado pelo autor da ação.
Na ação penal privada, igualmente,
não se desobrigará o Estado (na pessoa do juiz) da imperiosa tarefa de
investigar a verdade. Tal fato ocorre em razão do interesse público, que existe
mesmo quando não se trate de ação penal pública.
Apesar do Código de Processo
Penal pátrio ter acolhido o princípio da livre convicção do juiz como forma de
avaliação do sistema[5] probatório, há regramentos
que vinculam a avaliação e decisão do julgador em referência às provas
apresentadas no processo.
É correto afirmar que a prova
da alegação cabe a quem a alegar, mas a própria lei, concede ao juiz a
determinação “de ofício”, de diligências para sanar dúvidas sobre pontos
relevantes.
O art. 502 do Código de
Processo Penal autoriza o magistrado, mesmo após o encerramento da fase
instrutória, ordenar diligências para sanar qualquer nulidade, ou então, suprir
falta que prejudique o esclarecimento da verdade.
Enfim, o processo penal
norteia-se pela busca da verdade real, que retira o magistrado da posição de
mero expectador inerte diante da produção da prova, visando à reconstrução fiel
dos fatos que originaram a empreitada criminosa.
Sendo a livre investigação, o
instrumento que a lei coloca à disposição do julgador para adequadamente
equipar e informar sua livre convicção.
Segundo Afrânio Silva
Jardim, a busca da verdade real é uma decorrência da própria natureza[6] do bem da vida e valores
que justificam a existência mesmo do processo penal, ou seja, o interesse do
Estado em tutelar à liberdade individual.
No âmbito do Direito
Processual Civil também se debatem questões de direito, mas, principalmente sobre
fatos, cabendo as partes ocupar de demonstrar a veracidade de suas alegações,
sendo a busca da verdade um dos objetivos principais. Descoberta, finalmente, a
verdade sobre os fatos, o julgador aplicará a estes, a norma apropriada.
Entretanto, grande controvérsia
se forma em saber se a verdade a ser alcançada na pretensão resistida conduzida
no processo civil é a verdade real ou a verdade formal.
Cumpre ressaltar que, in
casu, entende-se como verdade formal como aquela resultante do processo, ou
seja, de acordo com a forma apresentada pelas partes, obedecendo aos parâmetros
da lei processual civil em vigor,
Já a verdade material
corresponde àquela a que obedeça ao julgador, reveladora dos fatos tal como
ocorreram historicamente e, não, como desejem as partes que apareçam realizados.
É cediço que a distinção entre
verdade real e verdade formal, surgiu na confrontação entre processo penal e
processo civil, pois neste último, os interesses e bens em jogo seriam menos
relevantes que naquele, tendo em vista os bens tutelados, a liberdade e jus
puniendi do Estado[7].
No fundo, é a disponibilidade
ou não dos bens ou interesses no conflito é que determina a essência da verdade
real ou material e a verdade formal.
Outro motivo alegado para a utilização
da verdade formal no processo civil é que o direito material versa sobre
direito disponível, satisfazendo o juiz com os fatos constantes no processo,
trazidos e alegados pelas partes, para a decisão final da lide.
Assim, a busca da verdade real
restaria para o direito indisponível, ou seja, aquele direito que a lei
considera essencial à sociedade e que é objeto de tutela pelo Ministério
Público.
Não podemos interpretar a
utilização da verdade formal do processo civil como um menor grau de segurança
na prestação jurisdicional, mas sim, uma certeza pela maior celeridade, ou
seja, adota-se a verdade formal como implicação de um procedimento permeado por
inúmeras formalidades para a colheita das provas, utilizando-se presunções
legais definidas aprioristicamente pelo legislador, tais como preclusão, coisa
julgada, revelia, confissão.
Enquanto que no processo penal
só a verdade real interessa, no processo cível convém a verdade aparente.
Outro argumento de grande prevalência,
é aquele que considera o alcance da verdade real como uma utopia, sendo a
substância da verdade inatingível.
Dessa forma leciona Cândido
Rangel Dinamarco in litteris: “A verdade e a certeza são dois
conceitos absolutos e, por isso, jamais se tem a segurança de atingir a primeira
e jamais se consegue a segunda, em qualquer processo (a segurança jurídica,
como resultado do processo, não se confunde com a suposta certeza, ou
segurança, com base na qual o juiz proferiria os seus julgamentos). O máximo
que se pode obter é um grau muito elevado de probabilidade, seja quanto ao
conteúdo das normas, seja quanto aos fatos, seja quanto à subsunção destes nas
categorias adequadas. No processo de conhecimento, ao julgar, o juiz há de
contentar-se com a probabilidade, renunciando à certeza, porque o contrário
inviabilizaria os julgamentos. A obsessão pela certeza constitui fator de
injustiça, sendo tão injusto julgar contra o autor por falta dela, quanto
julgar contra o réu (a não ser em casos onde haja sensíveis distinções entre os
valores defendidos pelas partes); e isso conduz a minimizar o ônus da prova,
sem, contudo alterar os critérios para a sua distribuição”.
A reconstrução de determinado
fato torna-se apenas um retrato segundo a subjetividade das pessoas que o
assistiram, e que tentam reproduzir ao julgado através de depoimentos pessoais,
interrogatórios, oitivas de testemunhas.
Em outras palavras, sempre
haverá uma interpretação suficientemente pessoal para ofuscar, ainda que pouco,
a realidade.
Advogam Marinoni e Arenhart
que jamais o juiz poderá chegar ao ideal da verdade real. O máximo que permite
a sua atividade é chegar a um resultado que se assemelhe à verdade, um conceito
aproximativo, baseado muito mais na convicção do mesmo de que ali é o ponto
mais próximo da verdade que ele pode atingir, do que, propriamente, em algum
critério objetivo.
Portanto, tendo-se por inatingível
chegar até a verdade absoluta ou real, o que poderemos alcançar, por mais
provas que tenham sido produzidas e/ou por mais empenho que o juiz tenha
demonstrado, é um juízo de probabilidade, ou seja, um juízo intenso de
verossimilhança, dotado de elevada probabilidade sobre como os fatos se
passaram.
Não distorcendo totalmente do
posicionamento acima, mas procurando tão-somente elucidá-los, Moacyr Amaral
Santos sentencia que a verdade que se busca, quase sempre não se apresenta,
ou nunca se apresenta com a brancura da verdade absoluta, mas apenas, com as
cores da realidade sensível e inteligível. Contudo, é a verdade.
Luiz Francisco Torquato Avolio, em
análise sobre o tema, certifica que assimilar-se a verdade real à certeza
absoluta e a verdade formal à certeza relativa seriam um erro sob o ponto de
vista da gnosiologia judicial, da técnica da pesquisa da verdade, que é extremamente
influenciada por regras éticas.
Independentemente da dicotomia
paradoxal existente entre a verdade real e verdade formal, a participação do
juiz é necessária para que se alcance uma justa decisão, não se admitindo mais
o juiz que tão-somente observa o rigorismo[8] dos atos processuais
quanto às provas. Refletindo a noção de Montesquieu de que o juiz teria
que ser obrigatoriamente a boca que pronuncia as palavras da lei (la bouche
de la loi)[9].
Sendo ser inanimado, mero aplicador de texto da lei, sem interpretá-la e nem a
valorar.
Tal entendimento está superado
e fruto do contexto de passagem do absolutismo para o liberalismo, entendia-se
essa noção em face da vinculação dos juízes com a nobreza e, ainda, a
necessidade da obediência à lei como mero produto da vontade geral.
Permitir posição proativa do
julgador na instrução, até porque o processo é instrumento público, nada mais é
do que dar ênfase à busca da verdade real, ponto nevrálgico do direito
processual, quiçá de todo o direito.
Por isso, a diferença entre a
verdade real[10]
e a verdade formal tem sido gradativamente eliminada pela doutrina,
considerando que o interesse objeto da relação jurídica processual penal não
tem particularidade nenhuma que autorize a inferência de que se deve aplicar a
este método de reconstrução de fatos diverso daquele adotado pelo processo
civil.
Os critério que existem no
posicionamento supra, fundam-se no fato do processo penal lidar com a liberdade
do indivíduo, não se podendo esquecer que o processo civil labora também com
interesses fundamentais da pessoa humana, tais como a família e, a própria
capacidade jurídica do indivíduo, os direitos metaindividuais, o que faz com
que seja totalmente despropositada a distinção da cognição entre as áreas.
Lenio Streck com
extraordinária propriedade informa que a aventura dos juristas em busca da
verdade real é como caçar a arca perdida. Através de Kant[11] aprendemos que há
impossibilidade da apreensão da coisa em si, para compreendermos algo, não vem
da coisa em si, mas sim, da autonomia do sujeito, já alforriado do "mito
dado".
Defende-se que o processo
penal se norteia justamente pela busca da verdade real que retira o juiz da
posição de espectador inerte da produção de prova para então lhe conferir o
ônus de determinar diligências ex officio[12],
atuando como inquisidor, sempre que necessário para esclarecer ponto crucial do
processo. E, existem decisões do STJ e STF que afastando o dispositivo do CPP
com base no princípio real.
Sob autoridade de Ada
Pellegrini Grinover, sabemos que o princípio da verdade real, que fora o
meto de um processo penal voltado para a liberdade absoluta do juiz e para o
uso de poderes ilimitados na busca da prova, o que hoje significa apenas a
tendência a uma certeza próxima da verdade judicial.
Ou seja, aquela subtraída sob
a exclusiva influência das partes pelos poderes instrutórios do juiz e uma
verdade ética, processual e constitucionalmente validade.
Prossegue Streck, in
litteris: “Com efeito, se, como diz Grinover, a verdade real foi (?) o mito
de um processo penal voltado para a liberdade absoluta do juiz e para a
utilização dos poderes ilimitados na busca da prova, então se está a tratar de
uma “verdade” ligada a um juiz solipsista (subjetivista). De se notar que, ao
contrário disso, a ideia de “verdade real” remete para um conceito de verdade
em correspondência com a realidade, com a “coisa objeto do conhecimento”.
Ilustrativa, nesse sentido, seria a imagem de um juiz que não passava (na
verdade, ainda hoje é assim) de um juiz que era um produto mixado por dois
modelos filosóficos (melhor dizendo, vulgatas de dois modelos): ao mesmo tempo
em que “cava” a prova ao seu talante (sendo, assim, um subjetivista),
utiliza-se, ideologicamente, do “mito do dado” para dar “pureza” ao “produto
escavado”. Este me parece ser o busilis da questão”.
Carnelutti aliou
à crítica sobre a utilização da verdade formal do processo civil, salientando
que sua utilização implica reconhecer que a decisão judicial não é calcada na
verdade, mas em uma não-verdade.
Supõe-se que exista uma
verdade mais perfeita, a verdade substancial, mas que, para a decisão no
processo civil, deve o juiz contentar-se com aquela imperfeita e, portanto, não
condizente com a verdade, ou seja, a verdade formal.
A ideia desta derradeira,
portanto, absolutamente inconsistente e, por esta mesma razão, foi
paulatinamente, perdendo seu prestígio no seio do processo civil.
Na doutrina atual nenhuma
referência mais faz a este conceito, que não apresenta qualquer utilidade
prática, sendo mero argumento retórico a sustentar a posição cômoda do juiz de
inércia na reconstrução dos fatos e a frequente dissonância do produto obtido
no processo com a realidade fática.
De fato, não há como subsistir
a divisão em verdade real e formal, a verdade é única e deve ser perseguida
pelo julgador, não havendo que se cogitar em meia verdade ou verdade aparente,
pois só assim, poderá se aproximar de um ideal de justiça por todos
perseguidos.
Enfim, para que se tenha a
verdadeira paz social e não o fracasso da atividade jurisdicional, além de ser inadmissível
a existência de eventuais desigualdades que impeçam o resultado justo, é
necessário que o julgador esteja o mais perto da verdade, pois a finalidade da
atividade jurisdicional é promover a atuação da norma aos fatos efetivamente
verificados.
Conclui-se que não há formas
de atingir a efetiva justiça sem que se vislumbre a verdade fática. O Direito e
a verdade complementam-se na medida em que o primeiro estabelece as formas
legais de verificação dos fatos que dão causa à pretensão resistida, entre eles
os que visam esclarecer à segunda[13].
Ex positis, as
constituições modernas elegeram à categoria de direitos fundamentais os
princípios que disponibilizam e regulamentam a busca da verdade. Atuando no
Direito Processual, temos os princípios da verdade material e da verdade
formal, utilizados na apuração dos fatos argumentados pelas partes, conduzindo
o julgador num veredicto justo.
Ante essas diversas formas de
uma vontade que quer a libertação na supressão da verdade, é oportuno
considerar a verdade como ela é.
Também as limitações materiais
e da lógica processual permite avaliar até que ponto o processo judicial
brasileiro permite tal intento, bem como seus reflexos na sentença a ser
proferida pelo julgador.
O processo, de acordo com Taruffo,
se propõe a resolver “a incerteza que é dada quanto à veracidade ou falsidade
das afirmações que têm a ver com os fatos relevantes do caso.” Desta forma, o significado
de verdade é crucial para bom entendimento do instituto da prova e, conseguintemente,
do processo como um todo.
Frise-se que concerne as
partes demonstrarem ao juiz a verdade dos fatos alegados, nesse sentido, se faz
necessário conceituar o que seria verdade.
Malatesta
conceituou verdade como “a conformidade da noção ideológica com a realidade; a
crença na percepção desta conformidade é a certeza”, dessa definição é possível
destacar dois conceitos, realidade e certeza assim, o conceito de verdade está
intimamente ligado ao conceito de certeza, porém não se confundem.
Segundo Taruffo somente
existem verdades relativas dentro e fora do processo, pois toda situação
cognitiva depende sempre dos limites do sujeito, podendo assim, não ser iguais
e variar de acordo com a experiência.
Portanto, cabe então,
delimitar o tema da verdade que se trata no processo. A verdade judicial[14], relativa, limitada pelas
provas que as partes trazem aos autos, bem como suas respectivas narrativas acerca
do fato, em conjunto como os limites da legislação vigente, tornam ainda mais complicada
uma verdade real ou absoluta.
Assiste razão a Badaró[15] quando afirma que a verdade se refere as alegações dos fatos trazidas pelas partes.
Conclui-se que a verdade válida
no processo é a verdade processual e não uma verdade absoluta, visto que essa última
não existe na ciência jurídica.
Os filiados da corrente da
verdade real defendem que o próprio Código de Processo Penal, em seus artigos
156, e 209 admitem ao juiz uma iniciativa probatória, essa somente é dada ao
magistrado para que o mesmo possa alcançar a verdade real, a fim de uma decisão
mais justa quanto possível.
Tal entendimento se mostra
enraizado na cultura[16] do judiciário pátrio,
contudo, não existe plantel teórico que sustente tal afirmação.
A princípio, cumpre cogitar
que o Código de Processo Penal[17] brasileiro possui uma
inegável e nítida matriz inquisitorial que não coaduna o preceituado pela Carta
Política brasileira.
Portanto, para o adequado
funcionamento do microssistema processual penal, esse deve estar de acordo com
o preconizado pela Constituição e, ipso facto seus referidos artigos
devem ser interpretados de forma sistêmica, partindo da lei maior.
Referências:
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teoria geral do processo. 7.ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998.
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1999.
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BARROS, Marco Antonio. A busca
da verdade no processo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.
DINAMARCO, Cândido Rangel. A
instrumentalidade do processo. 7 ed. São Paulo; Malheiros, 1999.
GRECO FILHO, Vicente. Manual
de processo penal. 6ª ed., São Paulo: Saraiva, 1999.
JARDIM, Afrânio Silva. Direito
Processual Penal. Rio de Janeiro: Forense, 1999.
LOPES, Hálisson Rodrigo.
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Lisboa. Livraria Clássica Editora M. Teixeira Cia (Filhos)., 1927.
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TARUFFO, Michele. La
Prueba. Artículos y Conferencias. Santiago. Editorial: Metropolitana, 2009
[1]
A contemporânea noção de verdade fora erigida ao longo de séculos e, desde a
Antiguidade seu conteúdo foi misturando a concepção grega, latina e hebraica.
Em grego, a verdade (aletheia) significa aquilo que não está oculto, o
não escondido, manifestando-se aos olhos e ao espírito, tal como é, ficando
evidente à razão. Em latim, a verdade (veritas) é aquilo que pode ser
demonstrado com precisão, referindo-se ao rigor e a exatidão. Assim, a verdade
depende da veracidade, da memória e dos detalhes. Em hebraico, a verdade (emunah)
significa confiança, é a esperança de que aquilo que é será revelado, irá
aparecer por intervenção divina. Em outras palavras, a verdade é convencionada
pelo grupo que possui crenças em comum.
[2]
Escreveu Malatesta: “A justiça penal não atinge seus fins, golpeando um bode
expiatório qualquer; precisa do verdadeiro delinquente, para que se torne
legítima a sua ação. Sem a certeza da culpabilidade, mesmo havendo a
aquiescência do acusado, a condenação seria sempre monstruosa, e perturbaria a
consciência social mais que qualquer outro delito. Ora, desde que nem toda
confissão inspira certeza da culpabilidade, segue-se que a máxima confessus
pro judicato habetur, sempre boa no campo civil, deve ser rejeitada no do
direito penal.”.
[3]
A acareação – mecanismo jurídico processual pelo qual duas ou mais pessoas são
colocadas frente a frente para esclarecerem divergências relevantes em suas
declarações – talvez seja o meio de prova de efetividade mais questionada em
âmbito jurídico. Muito disso se deva, talvez, a uma crença de que duas (ou
mais) pessoas que prestaram declarações – em sede de investigação preliminar ou
no curso do processo – tenham sempre a tendência a simplesmente manter suas
versões pretéritas. Um possível indicativo da importância da acareação como
meio de prova consiste na análise do direito comparado. Com efeito, o instituto
está positivado nos Códigos de Processo Penal de Portugal (art. 146), da Itália
(arts. 211 e 212), da Argentina (arts. 276 a 278), do Paraguai (arts. 95 e 233)
e na Ley de Enjuiciamiento Criminal Espanhola (arts. 451 a 455), apenas
para ficar em alguns poucos exemplos. No Brasil, o instituto vem positivado nas
regras dos arts. 230 e 231, do CPP e nos arts. 365 a 367, do CPP Militar. Este
meio de prova não está apenas a serviço da instrução processual penal,
admitindo-se a possibilidade de acareações no processo civil (art. 461, II e §§
1º e 2º, do CPC) e inclusive em processos administrativos (v.g. art. 159,
parágrafo 1º, da Lei 8.112/90).
[4]
No concernente à classificação da inspeção judicial, podemos dizer que em sua
estrutura trata-se de prova real ou material, pois a fonte probatória é uma
coisa e não uma pessoa como na prova testemunhal. Mesmo quando a inspeção recai
em pessoas, estas funcionam mais como objeto de observação do juiz, ou antes,
como elemento passivo do ato, de como sujeitos ativos na colaboração do
convencimento do juiz. Quanto à função, é prova crítica ou lógica e não
histórica, visto não existir representação da coisa ou do fato inspecionado,
mas assunção direta pelo juiz. Quanto à forma, a inspeção judicial é prova
formal e não substancial, dado que o valor é apenas ad probationem
(função unicamente processual) e não ad solemnitatem. Quanto à
preparação, a inspeção judicial é considerada prova causal ou constituenda,
por ser formada dentro e no curso do processo, como a prova testemunhal, o
depoimento pessoal e a perícia. No que diz respeito às características, a
inspeção judicial é meio direto de prova em que vigora o princípio da imediação
entre o juiz com seus sentidos e a fonte de prova, sem se meter de permeio
nenhum elemento intermediário. Cuida-se, outrossim, de meio de prova
facultativo, pois com base nos elementos dos autos e observada a conveniência e
a oportunidade o juiz determinará ou não a prova. É ainda meio de prova barato,
menos custoso que a pericial e a testemunhal, basicamente o dispêndio é com o
translado do juiz, das partes e dos advogados até o local do exame, e o gasto
será ainda menor na inspeção realizada no próprio fórum. A inspeção judicial é
meio de prova que encerra forte carga de humildade por parte do juiz;
semanticamente, porque se agita de ato judicial cujo modus procedendi é
simples e singelo; etimologicamente, porque o juiz, o mais das vezes, desce do
estrado, na sua posição a cavaleiro, au-dessus de la mêlée, e vai
para fora do fórum fazer in loco a inspeção (a descente sur lieux
do direito francês), a verdadeira justiça chã. (In: Entrevista. Disponível em? http://www.cartaforense.com.br/conteudo/entrevistas/inspecao-judicial/1443
).
[5]
Geraldo Prado ao abordar o processo histórico do Sistema Acusatório no período
da Modernidade identifica que foram os pensadores modernistas os responsáveis
pela ruptura com o antigo sistema, cujo propósito principal era de manutenção
do poder absolutista. O Sistema Inquisitorial tinha como base a retenção do
poder nas mãos de alguns e para que se alcançassem tais fins faziam-se
legitimadas as práticas de torturas para obtenção da "verdade" e as
penas corpóreas como modo de punição.
[6]
As provas possuem como objetivo obter o convencimento do julgador, que decide
de acordo com o livre convencimento motivado ao apreciá-las, segundo o sistema
adotado pelo ordenamento jurídico brasileiro. Além disso, têm a natureza
jurídica de direito subjetivo.
[7]
Com o advento da nova Carta Constitucional, que trouxe como pilares direitos
que eram outrora suprimidos, surgiu a necessidade de releitura de determinados
dispositivos do ordenamento jurídico. Isso porque, dentre outros critérios para
que uma norma seja considerada juridicamente válida, deve ser aferida sua
compatibilidade material com a Lei Maior.
[8] O
art. 317 do CPC estatui que “antes de proferir sentença sem resolução de
mérito, o juiz deverá conceder à parte oportunidade para, se possível, corrigir
o vício.” Trata-se, segundo entendimento de Márcio Carvalho Faria, do princípio
da colaboração ou cooperação, o qual é previsto de maneira expressa no CPC, em
sua parte geral, e que, dentre outras características oportunamente abordadas,
consiste na observação, pelo magistrado, do chamado dever de advertência.
[9]
Tornou-se recorrente a crítica feita a noção de que o juiz seja a "boca da
lei", ou juiz robot que são expressões usualmente usadas em sentido
pejorativo. Porém, a crítica não é justa. Pois a ideia de Montesquieu decorreu
naturalmente do princípio da legalidade que, apesar de enfraquecido, continua a
integrar nosso vigente sistema constitucional. E, há outra noção que não pode
ser olvidada, a de que uma sociedade de homens livres deva ser governada por
leis e, não, por homens ainda que sejam juízes. Em resumo, procura-se
substituir-se as discricionárias decisões judiciais (de cunho predominante
político), por decisões vinculados ao sistema jurídico (decisões
predominantemente jurídicas). O juiz que obedece à lei não exerce verdadeiro
poder. Defere ou indefere o pedido do autor, em obediência a um dever. O juiz
que, abusando da hermenêutica, faz a lei dizer o que ele quer, este sim, exerce
poder: defere ao amigo o que nega ao inimigo. A crítica mais enfática à
Montesquieu baseia-se na existência de várias interpretações do texto legal,
donde surge a possibilidade de extrair-se, de um texto vetusto, uma norma nova,
mais consentânea com a atualidade. Enfim, trata-se da criação jurisprudencial
do Direito que erige antítese ao princípio da legalidade e a supremacia da lei.
[10]
Mirabete, no seu Processo Penal (1991): A verdade real surge quando “a ideia
que (o juiz) forma em sua mente se ajusta perfeitamente com a realidade dos
fatos.” O que é isto, senão a verdade no sentido da ontologia clássica? Como
misturá-la com a verdade da metafísica moderna?
[11]
O grande busilis é que a verdade não possui um significado único,
tampouco estático e definitivo, sendo influenciada por inúmeros fatores.
Destarte, a construção de um sistema filosófico configura uma verdade dogmática
que se contrapõem a outras verdades dogmáticas. A concepção de verdade foi
objeto de estudo de diversos pensadores ao longo da história da filosofia, mas
três particularmente exerceram forte influência: Leibniz, Kant e Husserl.
[12]
Pelo princípio da instrumentalidade das formas, temos que a existência do ato
processual é um instrumento utilizado para se atingir determinada finalidade.
Assim, ainda que com vício, se o ato atinge sua finalidade sem causar prejuízo
às partes, não se declara sua nulidade. As petições iniciais, por exemplo,
inauguram a fase postulatória e criam o caminho do processo com objetivo de
resolver um conflito. Por conta da importância dessa peça, algumas formalidades
são essenciais para sua elaboração, mas que nem sempre são seguidas à risca. Em
resumo, o princípio da instrumentalidade das formas pressupõe que, mesmo que o
ato seja realizado fora da forma prescrita em lei, se ele atingiu o objetivo,
esse ato será válido.
[13]
É importante a distinção das atividades de valoração da prova e do ato de
decisão, ou melhor, de quando considerar que o processo de valoração atingiu o
ponto necessário para que possa ser concluído em um sentido positivo ou
negativo, na medida em que ambas atividades devem ser governadas por parâmetros
distintos. Embora ambas atividades costumem ser tratadas no chamado contexto da
decisão, tem razão Ferrer Beltrán ao distinguir o momento da valoração, de um
lado, do momento da decisão, em si, de outro.
[14]
A verdade processual deve ser entendida como uma verdade aproximativa, de onde
se pode extrair que determinada tese é mais plausível (mais próxima da verdade
possível para o conhecimento humano) e
preferível a outras por seu maior “poder de explicação” (sem dar preferência a
uma ou outra versão dos fatos) e maior controle
(passível de prova e oposição). Além disso, deve ser compreendida como
uma verdade provável, baseada num juízo de probabilidade, particularizada com a
intensa argumentação dialética entre os sujeitos cognoscentes (partes e juiz) e
com a garantia do contraditório pleno em um procedimento adequado e condizente
com o postulado do devido processo legal. Por fim, a verdade no processo só
pode ser construída como sendo uma verdade normativa, aquela em que, sendo
convalidada pelo respeito às normas jurídicas e comprovada definitivamente
pelas provas, terá valor normativo, de modo que a decisão definitiva, mesmo que
não tenha sido proferida com alto grau
de certeza pelo magistrado, mas tenha mesmo assim transitada em julgado,
acarretará a formação da coisa julgada e a pacificação da lide.
[15]
Superado o juízo de admissibilidade probatória, é necessário que sejam
produzidos os meios de provas requeridos pelas partes e deferidos pelo juiz.
Novamente, haverá inegável predomínio das regras legais sobre as regras
epistemológicas.
[16]
A duração de um processo submetido ao sistema judicial depende de inúmeros
fatores, como o tipo de procedimento, a
complexidade do caso, tempo gasto na coleta de provas, prazos para prática de
atos processuais (como os recursos, por
exemplo), desempenho dos profissionais na condução do caso, cultura
institucional, entre outros. O Poder Judiciário ocupa posição de extrema
relevância na organização pública, devido à natureza de suas atribuições e seus
efeitos políticos e sociais, de maneira que as disfunções decorrentes de má
administração atingem a sua credibilidade. Como disse Calamandrei: “Os juízes
são como os membros de uma ordem religiosa: é preciso que cada um deles seja um
exemplo de virtude, se não quiser que os crentes percam a fé.
[17]
Um novo Código de Processo Penal é necessário, mas não pode ser qualquer um.
Por isso, há a proposta de enfrentamento de questões de modo ampliado, sério e
vinculado ao tanto que já se produziu sobre a questão.
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