Reticências
republicanas...
Resumo:
No ano
de 1889, a monarquia brasileira conheceu um sincero declínio e, teve início a
chamada República Velha e, no dia 15 de novembro, quando foi eleito por voto
indireto o primeiro Presidente da República, o Marechal Deodoro da Fonseca.
Naquela época, o voto era capacitário, isto é, de acordo com alfabetização, o
que sinceramente excluía a grande maioria do povo. Eis que apesar da baixa
participação popular era natural que houve falta de apoio à república. Afinal,
a República nasceu da aceitação das elites e concretizada pela força da espada
do Exército brasileiro, garantindo todos os privilégios das classes dominantes
e a negação de direitos aos explorados por longo tempo.
Palavras-Chave:
República. Estado. Velha República. Ciência Política. Cidadania.
De
fato, a república é, atualmente, o regime político mais aceito pela maior parte
do mundo. Mas, em nosso país, desde sua proclamação em 1889, o regime já
chamado de "república", teve eleições minimamente decentes para a
presidência da República em 1945, 1955 e 19600 e, as eleições livres de 1989.
De lá
para cá, ainda que com a presença de certa manipulação dos meios de
comunicação. De lá para cá, nos parcos anos veramente republicanos,
questionamos quantos corresponderam a um regime com as liberdades públicas
asseguradas?
Após o
golpe de Estado em 15 de novembro, denuncia-se a ditadura militar que se
instalara no país e defendeu a monarquia deposta. Afinal, muitos acreditavam
que Dom Pedro II era mais cioso do bem comum do que os marechais e os oligarcas
paulistas e mineiros que sucederam a ele.
Reconheçamos
que o locus da mulher na república,
não seja exatamente admirável e, as mulheres choram copiosamente, mas porque
valem menos do que os homens. Historicamente, a república é conceito romano ao
passo que democracia é termo grego.
Advém
de res publica, isto é, coisa
pública. Surgira em Roma em substituição à monarquia, mas monarquia e república
não se definem pelo mesmo critério. A monarquia se define por quem manda, isto
é, um só. E, a palavra república não indica quem manda e, sim, para que manda.
O poder está a serviço do bem comum, da coisa coletiva ou pública. Ao revés de
outros regimes políticos, especialmente, da monarquia, a república não se busca
vantagem de um ou de poucos, e sim, a do coletivo.
Foi
Rousseau que era contemporâneo de Montesquieu que nos forneceu a chave
para compreendermos ao distinguir, no Contrato Social, a vontade geral da
vontade de todos. Uma decisão poderá satisfazer a grande maioria e, ainda
assim, ser ilegítima, quando a união de todos se dará por vantagens pessoais e,
não pelo bem comum.
O bem
comum não coincide com o bem de muitos, nem mesmo com o bem de todos. E, por
essa razão que o essencial na república, não é quantos são beneficiados e, sim,
o tipo de bem que se preocupa e visa. O bem comum é um bem público e que não se
confunde com o bem privado.
Eis a
fecunda origem da ideia de pátria. Não existe república sem pátria. Pois esta,
em primeiro lugar, é o espaço comum, coletivo e público que é diferente do que
seja privado ou particular.
Em
segundo lugar, há intenso alvo afetivo. Pois a pátria envolve amor, identidade
e pertencimento. E, em terceiro lugar, remete ao pai, ou seja, ao progenitor.
Mas,
se questiona o porquê ser o lugar da mulher, na república, seja secundário e,
se isso é ruim? Remontamos ao grego Ésquilo para entender. Foi ele
quem escreveu na Atenas Antiga que nossa democracia e não república, mas o
papel conferido à mulher irá viger até pelo menos ao século XIX. E, uma das
sete tragédias suas que chegaram até nós é “As Eumênides” que encerrou a trilogia
conhecida com Oréstia. (458 a.C.).
A
trilogia começa quando Agamêmnon, rei de Argos, voltando vitorioso de Troia, é
assassinado pela mulher, Clitemnestra, ajudada pelo amante. A filha do rei
morto, Electra, educa o irmão mais novo, Orestes, para vingar o pai. Ele mata a
mãe. Mas esse crime desperta a ira das erínias ou fúrias, divindades que pune, mas
ações cometidas contra o sangue como por exemplo, o crime do filho contra o pai
ou a mãe. Finalmente, as erínias e Orestes concordam em se submeter a um
julgamento, em Atenas, presidido pela deusa da cidade, Palas Atena (a Minerva dos romanos).
É essa
a origem do júri: centenas de atenienses se reúnem para ouvir as legações e
decidir. As erínias seguem um modelo de sociedade que é arcaico. O deus Apolo lhes pergunta por que
querem castigar Orestes, se não puniram Clitemnestra. Elas respondem que só
perseguem o pior dos crimes, que é contra o sangue. Sua visão da crime parte (como
toda visão do crime) de uma concepção da sociedade.
Para
elas, o fundamento é a família ou o clã. Quem fere um consanguíneo comete ato
pior do que quem ataca um associado, que não descende dos mesmos avós. Apolo,
advogado de Orestes, contesta essa tese.
Por
que castigar o quebrado elo de sangue, e não a quebra da fé, da palavra dada,
do compromisso firmado, do contrato? Uma sociedade é a união de vários sangues.
Quando me caso, o que faço fora da família e geralmente fora do sangue comum,
vou além do clã, para estabelecer o que se chama sociedade. Mas, se a palavra
dada não valer, ou se valer menos que a reiteração do sangue, que paz existirá
entre os humanos? Nenhuma.
A
linguagem de Apolo é a nossa. Não espanta que Orestes seja absolvido. (Em
verdade, os jurados atenienses chegam a um empate, e sua absolvição se deve ao
desempate decidido pela deusa que preside a corte - por isso tal tipo de decisão
é conhecido como “voto de Minerva”.) Mas um dos argumentos do
deus é significativo.
O pior
crime contra o sangue é o matricídio, o assassínio da mãe, dizem aserínias. Mas,
pergunta Apoio, qual é o papel da mãe e qual o do pai, na geração da prole? A
mulher é só um vaso, no qual o varão deposita sua semente, ou sêmen. Dá para
igualar o papel da terra, que é o elemento feminino, ao da semente? Prevalece a
contribuição do homem.
Atualmente,
essa explicação não convence. Mas, se ela não justifica mais a desigualdade
sexual, não foi porque a genética mostrou que toda geração inclui partes iguais
os cromossomos do pai e os da mãe.
Foi
porque a sociedade mudou, com as mulheres clamando por direitos, que
se tornou possível não a descoberta genética, mas a eventual citação dela para
se contestar a concepção esquiliana da mulher.
Enfim,
a república, quando reaparece na Idade Moderna, será um meio-termo entre Roma e
Montesquieu. Ela retomará, de Roma, a ideia matriz de que há um bem comum
superior ao particular. Condenará a tendência de quem está no poder a se
apropriar do bem público como se fosse seu patrimônio privado. Mas exigirá
menos dos cidadãos. Aceitará que eles sejam movidos, sobretudo, por seus
interesses particulares.
Quando
se começa a cogitar mais propriamente em república, por volta do século XVI,
usa-se o termo em dois sentidos básicos. Um é mais genérico e hoje causa
estranheza, por esse sentido, até o regime monárquico é república, ou há um
elemento republicano na própria monarquia. Alguns juristas franceses afirmam que o rei defende
a república. Explica-se: quando se cogita em república, dentro da monarquia,
acentua-se o modo pelo qual ela promove a coisa pública.
O rei
seria o defensor da coisa pública, o promotor da justiça, o
paladino do bem comum. Assim se chega ao paradoxo de 1804, quando Napoleão se
torna imperador dos franceses. Um plebiscito decide que “o governo da República
é confiado a um imperador”. Não diz: acabou a República. Continua a República,
só que com um monarca.
Por
dois anos, as moedas exibem, de um lado, as armas e o nome da República, e do
outro, a efígie e o título do imperador. Isso só se explica por esse sentido
mais amplo de república, em que ela não é um regime específico, mas um modo de
exercer o poder, favorável à coisa pública.
Na
Idade Média há uma fusão dos vários poderes. Não há, porém, centralização
deles. Isso quer dizer (sempre usando a linguagem de hoje) que orei reúne o
poder executivo, o legislativo e o judiciário, mas o duque faz a mesma coisa, e
o simples cavaleiro também. Dois processos paralelos se produzem, ao longo de
séculos. Pelo primeiro, diferentes funções lentamente se emancipam das mãos do
rei (ou duque, ou cavaleiro).
Um
legislativo, um judiciário e, finalmente, um executivo se separam do monarca.
Mas também os papéis de legislar, de julgar e de agir deixam de se repartir
entre rei, duque e senhor local, sendo geralmente centralizados no plano mais
alto, o do Estado que - bem mais tarde, às vezes se chamará nacional.
No
Brasil, Dom Pedro I exerceu diretamente o
poder executivo e ainda criou um quarto poder, o moderador, pelo qual o monarca
intervinha no legislativo e no judiciário. Depois do experimento republicano
que foi a regência (1831-1840), Dom Pedro II, quando adulto, passou a
nomear como primeiro-ministro o vitorioso nas eleições. O problema é que estas
eram fraudadas..., mas nossa situação ainda era melhor que a da Prússia, na
qual o controle do rei era bem mais forte.
Por trezentos
e oitenta e oito anos o Brasil teve sua economia ligada ao trabalho escravo:
extração de ouro e pedras preciosas, cana-de-açúcar, criação de gado e
plantação de café. A mão de obra escrava era a força motriz dessas atividades
econômicas. E os fazendeiros tornaram-se o grande sustentáculo econômico do
regime imperial.
Nem
república nem monarquia podem ser confundidas com alguma forma histórica que
assumiu seu nome. Por república, entendemos o respeito à coisa pública. Paradoxalmente, esse
respeito pode estar assegurado, desde a segunda metade do século XX, por
algumas monarquias constitucionais.
Mas,
isso também significa que as monarquias que restaram somente sobreviveram
deixando de enfrentar a república, rendendo-se a seus valores. Não é que elas
tenham vencido a parada: abriram-se aos tempos novos. O grande antagonista da
república está hoje em outro lugar, ou seja, na usurpação da coisa pública por
interesses particulares.
O
conflito entre monarquia e república opunha a transmissão do poder pela via hereditária
e a sua atribuição por eleições. Mas, quando o rei se torna, ao menos na
Europa, uma figura cerimonial, essa diferença perde sentido, até porque, nas
monarquias constitucionais, o poder efetivo é conferido ao primeiro-ministro pelo
voto do povo.
Qual o
cerne, então, da república? A definição de monarquia destaca quem exerce o
poder, e a de república para que serve o poder. Na monarquia manda um, e na
república o poder é usado para o bem comum.
Assim,
embora quando um único mande ele tenda a usar o poder em benefício próprio, a
verdadeira ameaça à república está nesse uso do poder, e não na forma
institucional: está nos fins, e não nos meios. O inimigo da república é o uso
privado da coisa pública. É sua apropriação, como se fosse propriedade pessoal.
Apareceu,
na Revolução Francesa e depois na Russa, o projeto de uma
cidadania intensamente participativa, mais ativa. Todos iriam às assembleias, todos
atuariam na vida política. Essa ênfase teve intenso desdobramento ético.
Por
isso, a moralização jacobina e a bolchevista estiveram entre as mais exigentes,
nos últimos dois séculos. Julgava-se não só a ação política de cada um, mas sua
vida pessoal, para ver se a pessoa correspondia ou não aos elevados padrões éticos
que inaugurariam a era da justiça.
Foi
enfatizada a oposição entre um ideal antigo, do bem comum, e uma prática moderna
que não é só política, mas tem base em nosso próprio modo de ser, em nossa
formação social e psíquica - voltada para o egoísmo, ou melhor, bem melhor,
para a realização pessoal. O conflito entre esses dois aspectos é forte, mas
não nos impede de lutar por sua síntese, ainda que sempre precária.
Há
dois tipos de regime em que se intensifica a ética. O primeiro, mais frequente
na história, oscila entre a teocracia e a monarquia ligada à religião.
Esse
regime hoje se tornou exceção. O outro tipo é a república, que acredita em tornar
decente o mundo em que vivemos, mas não por medo a Deus ou subserviência ao
rei, e sim pela autodisciplina e por uma ética que não aposta mais só em
castigos ou recompensas. A realização integral desse regime (que é o republicano)
e, soa difícil. Mas não quer dizer que não valha a pena tentar.
A
primeira Constituição brasileira da República surge num contexto em que os
militares assumiram o poder e, expulsaram do país o então Imperador Dom Pedro
II e, organizaram um governo provisório. E, em seguida, convocou-se a
Assembleia Constituinte, formada por representantes dos grupos sociais que
participaram do golpe de Estado, a fim de elaborar uma
nova Constituição brasileira. Somente em 1891 ficou pronta e estabeleceu como
regime político do país a República Federativa.
Dentre
as características dessa Constituição brasileira temos: as províncias passaram
a ser chamadas de Estados e, país passou a ser chamado de Estados Unidos do
Brasil; o poder do Estado restou dividido em três poderes, a saber: Poder
Executivo, Poder Legislativo e Poder Judiciário.
O
mandato presidencial fora fixado em quatro
anos, sem direito à reeleição; as eleições diretas com voto aberto (não era
secreto), permitidos os eleitos maiores de vinte e um anos que não fossem
analfabetos, mendigos, soldados ou religiosos.
Não se
fazia referência a participação política da mulher. Os povos indígenas não
foram mencionados no texto constitucional e, a separação entre Estado e Igreja
se consolidou, pois não existiria mais uma religião oficial e deu-se a
instituição do casamento civil.
A
república, inicialmente, foi caracterizada por grande imigração. Pois muitos
estrangeiros deixavam seus países de origem e vinha se estabelecer em nosso
país. Principalmente, desde de 1850 quando se deu a proibição do tráfico de
escravizados africanos, e a elite brasileira comungava da ideia de que era
necessário trazer imigrantes para o Brasil para substituir a mão de obra
escravizada. E, com a abolição da escravatura em 1888, a adesão foi ainda mais
acentuada.
Os
principais grupos que vieram para o Brasil nesse período foram os de origens
italiana, portuguesa, espanhola, alemã, japonesa, libanesa e síria. Esses
grupos de imigrantes tinham cada uma sua própria cultura e, ao se integrarem à
sociedade brasileira, deram uma grande contribuição para a diversidade cultural
presente em nosso país.
Consigne-se
ainda que o incentivo à imigração europeia restava atrelado ao projeto de
branqueamento do povo brasileiro. E, membros da elite e do governo estimulavam
explicitamente a vida de europeus, para que diminuísse a quantidade de
afrodescendentes entre a população.
A
Primeira República foi permeada por fortes
contradições sociais, pois de um lado as elites agrárias lutavam pela
manutenção do seu poder e influência sobre o governo central, as classes
populares e os indígenas, por exemplo, foram absolutamente excluídas da
participação política. Grande parte do povo vivia em condições miseráveis e
enfrentava problemas como a carência de moradia e trabalho.
Para
Lilia Schwarcz,
nossa história está cheia de repetições: No livro “Sobre o Autoritarismo
Brasileiro, um dos supostos é que nosso presente está cheio de passado. São
muito impressionantes as repetições da história, estes momentos de divisão
política, de ódio, as reconstruções também". A grande questão é que nós
vivemos numa grande República que ainda não pratica valores republicanos.
Enfim,
a república é algo mais que mera forma de governo, pois trata-se de um conjunto
de valores políticos, éticos, sociais e humanos sobre os quais se edifica a
sociedade democrática. Infelizmente, tais valores esmaecem-se diante de
confrontos e afrontas que tanto contradizem o debate republicano de ideias.
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