Resumo:
A lógica do razoável paulatinamente vem predominando no Judiciário
contemporâneo, notadamente o brasileiro, aproximando-nos do ideal de Justiça e
a concretização e respeito à dignidade humana.
Palavras-Chave:
Direito Positivo. Lógica do Razoável. Lógica Racional. Interpretação.
Hermenêutica. Jurisprudência. Justiça.
Analisar
a lógica defendida pelo filósofo Luís Pedro Alejandro Recaséns Siches e sua
utilização no Judiciário contemporâneo nos leva a entender o atual contexto
histórico e suas principais consequências práticas. Cumpre destacar a sua
inicial insatisfação com a lógica clássica que avançou na Europa,
particularmente, após a segunda grande guerra mundial, quando Siches desenvolve
nova lógica o que englobou a razoabilidade em sua aplicação.
Sua
busca era pela integração do valor histórico à existência humana como
pressuposto de uma Teoria dos Valores[1] que atuou em frontal
oposição ao que proclamava o positivismo jurídico[2] no qual foi formado e, que
predominava ao seu tempo, Siches recusou o entendimento e a postura tomada pelo
dedutivismo, postura essa segundo a qual os casos concretos problemáticos devem
ser julgados de acordo com o suposto grau de adequação às normas substantivas
preestabelecidas. Afinal, a lógica tradicional restava ultrapassada.
Em
resumo, a lógica do razoável representa uma reação à lógica jurídica meramente
formal[3], desassociada dos valores
e bem restrita à matemática com o uso de premissa maior, premissa menor e
conclusão. Assim, em sentido diametralmente oposto a tal tradição, a proposta
de Siches busca justamente moldar a aplicação do Direito conforme a particular
realidade em que o caso concreto está inserido, com o fito principal de
concretizar e realizar o valor "justiça".
Afim
de facilitar o entendimento da teoria da lógica do razoável, analisaremos,
desde as origens do filósofo, seu contexto histórico em que se inseriu e,
finalmente, suas especificidades.
Luis
Recaséns Siches era filho de espanhóis, tendo nascido na Guatemala em 1903.
Dois anos mais tarde, retornou à Espanha com sua família, onde permaneceu por
duas décadas. E, foi lá onde estudou Filosofia e Direito, na Universidade de
Barcelona. Já em 1925 realizou seu doutorado em Direito pela Universidade de
Madri, quando decidiu cursar disciplinas de Filosofia na Universidade de Roma,
onde travou o primeiro contato com uma de suas três maiores influências para o
desenvolvimento de sua teoria, Giorgio Del Vecchio. E, nos anos seguintes
estudou na Alemanha e Áustria.
Nesses
países teve contato próximo com Hans Kelsen, que lecionava à época, na
Universidade de Viena. Siches discordava frontalmente de seu mestre, o que o
motivou a aprofundar seus estudos com base em outra corrente, que começa ganhar
espaço na Europa de meados do século XX, pautada na razão vital, liderada por
José Ortega y Gasset[4]. Assim, retornou à Espanha
em meados da década de 1930, onde ficou até ser exilado em face de sua
discordância com a Guerra Civil local.
Mudou-se
para França e, posteriormente, regressou ao México. Ao final da década de 1940,
foi para os EUA onde se engajou ainda mais na Filosofia do Direito e nas áreas
de Sociologia e Psicologia Jurídicas. E, foi lá que se envolveu com a ela
oração da Declaração Universal dos Direitos Humanos, tornando-se perito em
Filosofia do Direito. Em 1955 naturalizou-se mexicano e, já como professor da
Universidade Nacional Autônoma do México veio a publica sua obra intitulada
"Tratado Geral da Filosofia do Direito", no qual elaborou a lógica do
razoável. Permaneceu engajado na Academia, residindo no México até o fim de sua
vida em 1977.
Para a
melhor compreensão sobre a lógica do razoável, precisamos entendê-la como
crítica ao modelo subsuntivo cujos expoentes de tal modelo foram Carlos
Alchourrón e Eugenio Bulygin. Já na década de 1970, propuseram que o problema
da decidibilidade, no direito, deveria ser solucionado sempre por escolhas
anteriores, imparciais e, que as propriedades relevantes já seriam
identificadas e universalizáveis desde logo.
Como a
grande maioria de todas as teorias, essa mereceu pesadas críticas, que podemos
sintetizar basicamente em três grandes grupos, a saber: vagueza dos termos,
incoerência e complexidade. Por vagueza dos termos, entende-se por uma zona de
penumbra, em face da indeterminação da linguagem natural.
E,
relembrando a obra de Hobbes, particularmente do seu De Cive, temos
posta a questão de que a lei deve ser escrita na justa medida; nem muito curta
(porque teria uma carga semântica muito grande), nem muito longa (porque
poderia gerar ambiguidades), a fim de propiciar a melhor interpretação.
Apesar
de todas essas regras de prudência, ainda nos deparamos com a dúvida. É o caso,
por exemplo, do termo boa-fé... Afinal, em que consiste a famosa boa-fé? Quais
são os critérios para aferição de boa-fé? Outra expressão seria a dignidade da
pessoa humana. Em que consiste? Em quais casos pode ser identificada?
Incoerência corresponde a uma crítica que
entende que a lei pode ser justificada por um parâmetro, mas não justificada
por outro. Afinal, o objetivo e o fundamento desse modelo, qual seja,
identificar propriedades relevantes que que devem ser universalizadas a fim de
abranger todos os casos futuros que tenham as propriedades determinadas na lei.
Desta forma, busca-se generalizações, universalizações.
Entretanto,
e, ainda, à guisa de incoerência, é possível observar que tais generalizações
podem ser sub inclusivas ou sobre inclusivas, ou seja, o legislador pode
incluir propriedades a mais para as quais ele não estaria disposto a dar a
mesma solução ou, ainda, o legislador pode excluir propriedades para as quais
ele estaria disposto a dar uma solução normativa proposta.
O
clássico exemplo que ilustra bem essa questão é o caso já aludido da placa que
diz: “É proibida a entrada de cães”. A partir dessa regra, pergunta-se: é
permitida a entrada de ursos? (subinclusiva). Ou: é proibida a entrada de
cães-guias? (sobreinclusiva).
Notem
que, nesse caso, se o urso não puder entrar ou se o cão entrar, haverá um
problema de objetividade e as generalizações começam a perder força; inicia-se
um esfacelamento do modelo. Surge a complexidade:
tal modelo deve levar em consideração a complexidade da inserção de mais de uma
regra; o modelo subsuntivo deve levar em conta todo o ordenamento.
Isso
posto, verifica-se que as normas jurídicas apresentam soluções para os casos
concretos claros; entretanto, nos casos dos problemas apresentados acima
(vagueza terminológica, incoerência e complexidade), qual caminho o positivismo
jurídico deve seguir? A resposta é a discricionariedade, ou seja, os órgãos
designados para emitir normas individuais para os casos concretos terão o poder
para escolher o que é relevante e qual a decisão adequada, o que nos parece
bastante problemático. Todavia, o vigia da estação de trens lhe impediu o
acesso. E o campesino protestou alegando que o dispositivo proibia apenas o
passeio com cachorros, não se aplicando a outros animais. O caso foi levado ao
tribunal. E a única solução justa seria a aplicação — intuitiva — da lógica do
razoável.
A
discricionariedade que admite o positivismo jurídico como possibilidade da
resolução de problemas apresenta a implicação de uma escolha subjetiva daquele
que tem o poder de decidir, ou seja, como afirma o famoso positivista inglês H.
L. A. Hart, no momento em que surge a indeterminação, brota novamente o
problema da justiça, com uma carga subjetiva, que cria uma abertura ao
ceticismo.
É
nesse contexto que Hart legitima a decisão da autoridade sem questionar se é
justa, mas sim, compreendendo se é válida e aceita no sistema, em decorrência
de regras de competência e adequação entre as normas. Por exemplo: caso uma
decisão falível (decide contra a determinação da lei) seja definitiva, não há
nada a fazer, uma vez que foi a autoridade quem decidiu desse modo.
O
subjetivismo abre a possibilidade de críticas ainda maiores, tais como a da Critical
Legal Studies, no sentido de que não há diferença, nos casos
discricionários, entre o legislador e o juiz, haja vista que o magistrado
legisla antes de ditar a norma individual.
Em
suma, na obra de Siches, o dedutivismo é refutado já que ele apenas possui uma
adequação, segundo um esquema de subsunção, entre aquilo que é praticado pelo
homem e aquilo que a norma impõe como um resultado para aquela prática, sem
considerar, de qualquer forma, a razoabilidade incutida nessa adequação
simplista e minimalista da própria vida social do homem.
Siches
vivenciou basicamente três grandes eventos do século XX que muito contribuíram
para a formação de seu pensamento filosófico, a saber: a Revolução Russa; a
Primeira Guerra Mundial e, a Segunda Guerra Mundial.
Deparou-se
com atrocidades sem parâmetros anteriores, onde a ideia de Direito até então posta,
como sistema fechado de normas, limitando o julgador ao mero silogismo quando
da aplicação da lei, mostrou-se francamente insuficiente.
Por
outro viés, tornou-se, também inexorável a relevância de existir e observar o
ordenamento jurídico, especialmente para reger e disciplinar as relações
sociais e ainda garantir efetivo cumprimento da lei pelos julgadores.
Deparou-se
com conflito entre duas realidades que deveriam ser observadas, mas que, eram
aparentemente opostas. Por um lado, tem-se a integral obediência às leis e, por
outro lado, a busca da concretização do valor de justiça.
Igualmente,
Dirceu Galdino ressalta a contribuição de Recaséns-Siches na lógica do
razoável, explicando em miúdos a importância da teoria: “A lógica do razoável
quebra a lógica formal (tradicional), porque reconhece que a norma jurídica é
um produto da vida humana, e, especificamente, é vida humana objetivada. Em sua
estrutura, a norma, imposta pelo Estado, incorpora um tipo de ação humana, que
se torna uma conduta para ação, um critério ou um plano.
Contudo,
esses elementos não podem ser captados inteiramente pela lógica formal,
insensível às suas características específicas. Para captar-lhes a essência,
tornam-se imprescindíveis métodos adequados que se afeiçoem à natureza do
objeto – a vida humana – e que também decorram da razão. Frente à vida humana
há que ser adotada uma atitude finalística, valorativa. Daí não se captar a
norma jurídica, em sua essencialidade, senão com métodos tomados da lógica, mas
de uma lógica especial, a lógica do razoável.
A
referida lógica tem por pressuposto experiências humanas, realidades e juízos
de valor. Alicerçando-se nesses elementos, aprecia-se e revive-se uma norma
jurídica, em cada caso; de maneira que a solução por ela apresentada para um
caso determinado não terá a generalidade que a lógica tradicional apregoa,
porém estará impregnada de particularidade valorativa, de especificidade.
Enfim,
para Siches, o procedimento de interpretação do comando legal é instrumento de
concretização da justiça. Corresponde à fixação do sentido da norma,
delimitando seu espaço e suas possibilidades de aplicação.
Del
Vecchio[5] foi essencialmente
inspirado do Immanuel Kant e concebeu o movimento chamado de neokantismo e,
trouxe para o Direito as concepções tais como a moral, justiça, pessoa humana,
ampliando a lógica formal e positivista até então vigente e adotada.
Hans
Kelsen[6], a seu turno, pregava a
eliminação do Direito de qualquer referência aos valores externos e até mesmo à
ideia de justiça. E, seu viés era no sentido de haver um sistema de normas
fechado que não sofria interferência por questões exteriores. A sua validade,
portanto, depende apenas e tão somente daquilo que por Kelsen fora denominado
de "norma fundamental" que é a base de legitimação de todo
ordenamento jurídico.
Ao
final, Ortega y Gasset desenvolveu sua filosofia partindo da premissa que o
Direito é sistema dinâmico e, portanto, as condições físicas, sociais, mentais
e psicológicas envolvidas em cada fato concreto submetido ao julgador devem
mesmo ser consideradas. Denominou sua teoria de "razão vital". O
filósofo Siches, diante de teorias tão diferentes e distantes, se dedicou a
estudar tais fenômenos e compatibilizá-los, com o objetivo de suscitar, ao
final de sua pesquisa, a maior efetividade do Direito, pautada na concretização
do valor de Justiça. Para Siches, essa era a primordial proposta do Direito, há
muito esquecida.
Sua
intenção de unificar as demais teorias jurídicas fundava-se, em resumo, em sua
crença de tanto a Filosofia do Direito, quanto a Ciência Jurídica como um todo,
não teria as condições, por si só, de eleger apenas um método, ou algumas
prioridades, dentro as várias hipóteses de interpretação de normas.
Desta
forma, de acordo com seu raciocínio, a lógica formal não esgotaria a razão, na
medida em que existem outros setores que pertencem à lógica jurídica, mas que
fogem da racionalidade, como a lógica dos problemas humanos de conduta prática.
Para
Siches, a lógica tradicional[7] se revelava incapaz de
solucionar aprioristicamente os problemas jurídicos, conduzindo-os, muitas vezes,
aos resultados absurdos, ou ainda, aos atos arbitrários.
Isso
porque, entendia que o Direito positivo era produto de circunstâncias de
determinada sociedade, em certa época com o objetivo de, naquela determinada
sociedade, em determinada época, com o objetivo de, naquele momento específico,
produzir determinados efeitos.
Portanto,
seu surgimento, é uma resposta aos estímulos ocasionados pelos fatos, ao passo
que sua validade depende do contexto e do objetivo para o qual tais normas
foram produzidas.
A
ideia central que jaz na lógica do razoável refere-se à noção de que a prática
jurídica caminha paralelamente aos costumes e instituições sociais e culturais.
Consequentemente, faz-se necessária a compreensão de sentidos e nexos dos
problemas humanos, o que realizado através de valorações sobre o fato concreto
que se põe diante do julgador Siches, ao elaborar sua tese, escancara o fato de
que o julgador é antes de tudo, um ser humano, sendo impossível que se
desvincule integralmente de suas opiniões pessoais, princípios e valores que
carrega consigo. O que não significa, torná-lo parcial, comprometido ou
dependente.
No
mesmo sentido, Siches expõe que também o legislador é um indivíduo, dotado de
seus limites e obstáculos, não podendo, portanto, fugir da elaboração das leis
abstrata as e genéricas. Assim, por mais que tente, é impraticável que faça uma
norma exata nas palavras e que limite integralmente a interpretação do
julgador.
Deste
modo, Siches entende que o legislador se propõe a realizar, da melhor forma que
possível, quando da formulação das leis, a realização da justiça e dos valores
desta decorrentes, naquela sociedade específica. Por essa razão, a decisão do
julgador é método de complementação das normas, a partir de sua
individualização ao caso concreto, de forma a ser fiel à vontade autêntica do
legislador, qual seja, a efetivação da justiça. Segundo Siches, se dá por meio
do uso da equidade.
A
equidade[8] trazida pelo filósofo fora
desenvolvida na teoria de Aristóteles, sendo precursora da justiça social e,
consequentemente, da própria lógica do razoável. É através dela que se pode
avaliar se os resultados práticos da aplicação do Direito, são, realmente,
justos.
Admite-se
que o legislador quando formulou certa prescrição normativa[9], baseia-se em situações
habituais, sem esmiuçar as particularidades que possam vir a ocorrer. Quando o
julgador se deparar com um caso específico, deve utilizar o conceito da lógica
do razoável, para determinar a incidência da norma jurídica aplicável, que, de
fato, concretize a justiça.
Para
tanto, devem ser obedecidas três diretrizes, a saber: 1. tratamento igualitário
àquilo que esteja nas mesmas condições e desigual ao que tiver parâmetros
diferentes; 2. todas as circunstâncias do caso concreto; 3. seja qual for a
situação apresentada, a opção pela solução que melhor atender o princípio da
justiça,
Lembremos
que a equidade está inserida na lógica do razoável, na medida em que esta é a
autorização para que sejam apreciados fatos e elementos não elegidos
inicialmente pelo legislador, de modo a possibilitar a incidência de uma regra
individual para a situação fática posta diante do julgador.
De
fato, Siches coloca que a decisão do julgador é fruto de uma estimativa, pois,
não há separação da impressão pessoal do julgador sobre os fatos, das dimensões
jurídicas a estes aplicadas. É nessa conjunção que traz a noção de que o
julgador sempre se utiliza de sua intuição, a qual engloba os aspectos: fato e
Direito.
Para
Siches o raciocínio do juiz segue, em regra, o modelo: primeiro encontra a
solução pertinente e justa, para depois, buscar a norma que pode embasar a
solução e qualificar adequadamente o os fatos pertinentes.
Portanto,
Siches, admite que é a partir daquela intuição inicial que o julgador buscará o
fundamento da sua decisão. No entanto, essa busca, não deverá ser pautada nas
pseudo motivações lógico-dedutivas, utilizadas, até então, mas naquilo é
razoável dentro do ordenamento jurídico, especialmente considerando todos os
aspectos fáticos do caso concreto em questão.
A
função do julgador, nesse sentido, permanece dentro do escopo do Direito
formalmente válido. É justamente daí que decorre a premissa do filósofo
mexicano de que a única regra universal de validade das normas seria a de que o
julgador deve sempre interpretar o ordenamento considerando a solução mais
justa ao caso concreto.
Tudo
isso porque Siches considerou que, em uma sociedade, para que se chegar a
qualquer conclusão sobre fato controverso, há um embate prévio no qual os
indivíduos deliberam sobre a situação em questão, com base em critérios, ainda
que tacitamente, pré-estabelecidos, ponderando sobre diversos aspectos, até se
chegar à solução considerada razoável. Essa solução, embora possa não ser todas
as vezes pautadas no racional, é pautada no viés humano da situação.
E,
muito embora toda a valoração proposta possa até sugerir que o julgador esteja
se afastando de sua função, isto é, da aplicação da lei e da regulamentação de
fatos jurídicos a este submetidos, na realidade, o que ocorre é precisamente o
contrário. Ao agir pautado pela lógica do razoável, o julgador objetiva
atender, da melhor forma que possível, às exigências da justiça e dos
jurisdicionados.
O que
se vê, portanto, é que o ordenamento jurídico positivo, circunscrito apenas e
tão somente ao que nele está formulado, não está apto a atender às necessidades
da sociedade. E, por conseguinte, exige-se a utilização de princípios e
critérios axiológicos, mesmo que não expressos no próprio ordenamento jurídico,
a fim de que o objetivo final do texto legal, seja, realmente, alcançado.
Desta
forma, os fatos idênticos poderão ter valorações diversas, a depender dos
valores elegidos pelo julgador para julgar cada uma das situações fáticas
concretas. Um exemplo por ele mesmo suscitado é a ocupação de um cômodo de uma
residência, que, de acordo com os demais elementos envolvidos, pode
caracterizar um mero convite, um contrato de arrendamento, ou aluguel, ou
ainda, uma ocupação precária. O fato, em cada uma das hipóteses será o mesmo,
no entanto, o que o qualificará juridicamente serão os demais elementos
circunstanciais.
Nessa
mesma linha, no entanto, surge a principal contradição no pensamento de Siches.
Se, por um lado, vemos o ressurgimento da busca pelo ideal de justiça, por
outro lado, aumenta, a preocupação com a possibilidade do afastamento de
parâmetros legais e da segurança jurídica, já que a lógica do razoável de
parâmetros legais e da segurança jurídica, já que a lógica do razoável poderia propiciar
o subjetivismo nas decisões judiciais e,
em última análise, acarretar a arbitrariedade do julgador.
O
próprio autor rebate essa aparente incoerência, ao afirmar que, se estão em
jogo os direitos fundamentais, tais como a liberdade e justiça social, a
segurança jurídica, deve, sim, ser relativizada. Contudo, se o conflito versa
sobre normas de hierarquia inferior, a segurança jurídica deve se sobrepor à
correção da injustiça, em prol do bom funcionamento da ordem social. Novamente,
percebe-se a necessidade da análise de caso a caso, para determinar o que
prevalecerá.
No
mais, Siches admite que os limites para a interpretação do julgador devem ser
pautados no ordenamento. Em outras palavras, qualquer decisão que venha a ser
proferida com base na lógica do razoável deve, sobretudo, ter em vista a
finalidade do ordenamento no qual esteja inserida. Seus limites, portanto,
estão em consonância com a segurança jurídica e afastam-na do arbítrio daquele
que a proferir.
Diante
de tais considerações, Siches, propõe, então para se determinar se uma norma é
ou não adequada para o caso concreto, que o julgador realize, antes de proferir
sua decisão, um teste mental. E, nesse sentido, ao se deparar com certa
situação, o julgador tendo encontrado a solução que lhe parece justa, deve
proceder à busca da norma apropriada para fundamentar sua decisão. É aí que
será necessário o teste mental em questão, para que se avalie a norma escolhido
que conduzirá ao resultado pretendido.
Por
essa razão, Siches formulou a análise de quatro situações hipotéticas e como o
julgador deverá procederá diante de cada uma. A primeira situação se refere à
aparência de que há uma norma vigente e válida, aplicável ao caso concreto, e
que resulte na solução pretendida pelo julgador. Assim, nessa situação
aparentemente ideal, o julgador realizará algum juízo de valor, seja ao eleger
a norma, ao determinar e apreciar as provas, ao qualificar fatos e, etc...
A
segunda situação, por sua vez, seria o caso de existir mais de uma norma da
mesma hierarquia aplicável e de dúvida do julgador em qual escolher. Nesse
caso, deve-se ensaiar mentalmente o resultado que o caso concreto teria ao
escolher à solução que lhe parece mais justa.
Já o
terceiro caso concreto corresponde à obtenção, pela norma aplicável, de solução
contrária àquela inicialmente desejada pelo julgador. Em outras palavras, após
determinar qual seria o resultado adequado ao caso concreto e encontrar a norma
aparentemente aplicável o julgador, quando da realização do teste mental,
conclui que a regra em questão resultado no contrário do quanto desejado.
Siches
entende que surge uma lacuna no ordenamento, o que é, justamente a quarta e
última de suas hipóteses. Em caso de lacuna, isto é, de inexistência de norma
aplicável que conduza ao resultado almejado pelo julgador, e este deve procurar
uma nova pauta axiológica, até então não usada. Buscam-se, então, critérios
valorativos já consagrados, como princípios, equidade, usos e costumes ou até
mesmo Direito natural.
Concluiu
o filósofo mexicano que qualquer que seja a hipótese, independentemente da
problemática exposta ao julgador, este, inexoravelmente, recorrerá a alguma
valoração pessoal, cuja fundamentação, para ser considerada válida pelo
ordenamento, deverá ser razoável.
A
lógica do razoável, portanto, está condicionada pela realidade concreta do
mundo no qual está inserida. E, é assim que se orienta pelas circunstâncias
sociais, econômicas, culturais e políticas, sem se afastar do ordenamento
jurídico vigente. Ao intérprete, isto é, ao julgador, cabe trazer para o caso
concreto a essência da norma, de forma que sua aplicação seja efetivamente
justa e razoável.
É esse
o ponto crucial de sua diferenciação da lógica formal, já que essa, na maioria
das vezes, acaba por levar a conclusão que viola os elementos prestigiados pelo
Direito, especialmente no que diz respeito à natureza humana. Diante de tais
ponderações, Siches, propõe três exemplos práticos, para a aplicação da lógica
do razoável.
Em um
parque, onde há uma regra proibindo que se passeiem com cachorros. Certo de que
está cumprindo a norma, um indivíduo leva um urso para o parque. Há infração? O
que aparenta ser mais adequado: permitir a permanência do urso, muito embora
não exista regra expressa proibindo sua circulação, ou interpretar a norma para
que ela abarque também essa hipótese, que é uma afronta muito maior à segurança
dos demais, do que apenas passear com um cachorro? E quanto ao cego, com seu
cão-guia, essa proibição, seria aplicável?
Em uma
estação de trem, há uma regra proibindo que lá se durma. No momento em que o
fiscal faz sua ronda, há um passageiro que cochilou, a espera de seu trem, e um
mendigo que se acomodou, com seus pertences, claramente para passar a noite. O
que seria razoável: pedir para o passageiro, que está dormindo no momento da
ronda, se retirar, ou retirar o mendigo, que demonstra, pelas circunstâncias, a
intenção de passar anoite na estação, apesar de estar acordado quando da
fiscalização?
Finalmente,
certa família, encontrando-se à beira da falência, após o coma de seu
patriarca, nomeia a secretária das empresas da família, como administradora de
todos os bens. Após um levantamento inicial, a secretária percebe que vendendo
apenas determinadas ações, que correspondem a 20% do total do patrimônio, a
família seria salva da insolvência. A família autoriza a venda e tudo corre
dentro do esperado.
Alguns
meses depois, o patriarca, em coma durante todo esse tempo, veio a falecer.
Quando da abertura de seu testamento, vê-se que aquelas ações, vendidas para
salvar a família da falência, foram deixadas de herança justamente à
secretária. Diante desse impasse, a secretária requer à família que dê a ela o
equivalente em dinheiro, já que sua ajuda foi de grande valia. A família se
recusa a assim proceder e alega que infelizmente não poderia fazer nada. Sendo
submetida essa questão ao Judiciário, qual sentido mais razoável a ser
considerado para a decisão do julgador?
O que
se deve ter em mira ao analisar cada uma das situações hipotéticas acima, de
acordo com Siches, é, em primeiro momento, a razoabilidade. Mas, não só isso,
para o filósofo, é inevitável que se tragam conceitos pessoais, quando da
decisão, conceitos estes que envolvem valores como justiça, direito, moral,
costumes, equidade e, etc.
Da
Jurisprudência brasileira atual
A
despeito de sua teoria ter sido formulada e desenvolvida em meados do século XX,
é inegável que continua sendo adotada até os dias de hoje. Não só no Brasil,
como em diversos países, adota-se a razoabilidade como premissa das decisões
proferidas, seja tácita ou expressamente apud Barletta.
Nesse
sentido, vide, por exemplo, algumas decisões do Superior Tribunal de Justiça:
PROCESSUAL
CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. FUNGIBILIDADERECURSAL. AGRAVO REGIMENTAL.
POSSIBILIDADE. IMPUGNAÇÃO AOCUMPRIMENTO DE SENTENÇA. CADERNETA DE
POUPANÇA.CORREÇÃO DE DEPÓSITOS. PERÍODO DE INCIDÊNCIA. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO
CPC. NÃO OCORRÊNCIA. ALEGAÇÃO GENÉRICA DEVIOLAÇÃO DE LEI. SÚMULA N. 284/STJ.
COISA JULGADA.INTERPRETAÇÃO. INEXISTÊNCIA DE OFENSA. 1. Não há ofensa ao
art.535 do CPC quando o acórdão recorrido, integrado por julgado.
Proferido
em embargos de declaração, dirime, de forma expressa, congruente e motivada, as
questões suscitadas nas razões recursais.2. Incide o óbice previsto na Súmula
n. 284/STF na hipótese em que a deficiência da fundamentação do recurso não
permite a exata compreensão da controvérsia. 3. A interpretação lógica e
razoável do julgador acerca do comando jurisdicional expedido no processo de
conhecimento não constitui ofensa à coisa julgada. 4. Embargos de declaração
acolhidos como agravo regimental, ao qual se provê para, conhecendo-se do
agravo, conhecer parcialmente do recurso especial e negar-lhe provimento.
PROCESSUAL
CIVIL. RECURSO ESPECIAL. UNIÃO ESTÁVEL HOMOAFETIVA. RECONHECIMENTO E
DISSOLUÇÃO. COMPETÊNCIA PARA JULGAMENTO. 1. Recurso especial tirado de acórdão
que, na origem, fixou a competência do Juízo Civil para apreciação de ação de
reconhecimento e dissolução de união estável homoafetiva, em detrimento da
competência da Vara de Família existente. 2. A plena equiparação das uniões
estáveis homoafetivas, às uniões estáveis heteroafetivas trouxe, como
corolário, a extensão automática àquelas, das prerrogativas já outorgadas aos companheiros
dentro de uma união estável tradicional. 3. Apesar da organização judiciária
de cada Estado ser afeta ao Judiciário local, a outorga de competências
privativas a determinadas Varas, impõe a submissão dessas varas às respectivas
vinculações legais construídas em nível federal, sob pena de ofensa à lógica do
razoável e, in casu, também agressão ao princípio da igualdade. 4.Se a prerrogativa
de vara privativa é outorgada ao extratoheterossexual da população brasileira,
para a solução de
determinadas
lides, também o será à fração homossexual, assexual ou transexual, e todos os
demais grupos representativos de minorias de qualquer natureza que tenham
similar demanda. 5. Havendo vara privativa para julgamento de processos de
família, esta é competente para apreciar e julgar pedido de reconhecimento e dissolução
de união estável homoafetiva, independentemente das limitações inseridas no
Código de Organização e Divisão Judiciária local 6. Recurso especial provido.
Outro
exemplo, sem, contudo, trazer expressamente em sua fundamentação a menção à
lógica do razoável, foi a permissão, pelo Supremo Tribunal Federal, da união
estável homoafetiva, embasada no valor sócio-político-cultural do pluralismo,
como o texto da própria ementa da decisão traz:
2..
PROIBIÇÃO DE DISCRIMINAÇÃO DAS PESSOAS EM RAZÃO DOSEXO, SEJA NO PLANO DA
DICOTOMIA HOMEM/MULHER (GÊNERO), SEJA NO PLANO DA ORIENTAÇÃO SEXUAL DE CADA
QUAL DELES. A PROIBIÇÃO DO PRECONCEITO COMO CAPÍTULO DO CONSTITUCIONALISMO
FRATERNAL. HOMENAGEM AO PLURALISMOCOMO VALOR SÓCIO-POLÍTICO-CULTURAL.
LIBERDADE PARA DISPORDA PRÓPRIA SEXUALIDADE, INSERIDA NA CATEGORIA DOS
DIREITOSFUNDAMENTAIS DO INDIVÍDUO, EXPRESSÃO QUE É DA AUTONOMIA DEVONTADE.
DIREITO À INTIMIDADE E À VIDA PRIVADA. CLÁUSULA PÉTREA.
Como
se constata, nesse caso, para se fazer a justiça que a sociedade clamava, o
próprio STF, para fundamentar sua decisão, se utilizou de valores presentes na
sociedade e arguidos pelos indivíduos afetados pela desregulamentação da união
homoafetiva. Além disso, pautou-se em princípios gerais do ordenamento jurídico
brasileiro, como a liberdade de escolha, a igualdade, a intimidade e a vida
privada e a preservação da dignidade humana.
O caso
da desaposentação segundo Siches em face da Resolução 75 do Conselho Nacional de
Justiça. Para Hans Kelsen, o autor da famosa “Teoria pura do direito”, a
aplicação do direito é marcada pela indeterminação das normas. O julgador
dispõe de uma margem, ora maior ora menor, para sua livre apreciação.
Tanto
é assim que, no famoso capítulo oitavo de sua obra, a questão de saber qual é,
dentre as possibilidades que se apresentam nos quadros do direito a aplicar, a
correta não é sequer – segundo o próprio pressuposto de que se parte — uma
questão de conhecimento dirigido ao direito positivo, não é um problema de
teoria do direito, mas um problema de política do direito.
Saliente-se,
oportunamente, que Kelsen criticou as teses que se inspiraram na doutrina de
Montesquieu e defendeu a atividade interpretativa do juiz como um ato complexo
em que se conjugam conhecimento e vontade, criação e aplicação da lei, isto é,
pensou a norma como um marco aberto de possibilidades: o juiz conhece a
multiplicidade de opções que ela lhe oferece para, então, dar conteúdo à sua
sentença e cria uma solução ad hoc, na medida em que escolhe uma de tais
opções.
De
outro lado, Luis Recaséns Siches entendeu que, no reino da vida humana, não se
pode aplicar a lógica do racional (matemática), mas outra bem diversa: a lógica
do razoável. Esta não seria mais um método de interpretação a ser somado aos
demais. Para o jusfilósofo, a lógica do razoável seria o único método de
interpretação jurídica, eis que superaria uma multiplicidade de procedimentos
hermenêuticos equivocados e confusos.
Em
verdade, a lógica do razoável seria a única capaz de levar em conta critérios
valorativos - axiológicos e que, portanto, se mostraria válida quando se deve
compreender e interpretar, de maneira justa, o conteúdo dos dispositivos
jurídicos. A fim de ilustrar sua teoria, Recaséns Siches invoca a disputa
judicial entre Ida White e os herdeiros de Wesley Moore[10].
A
lógica do razoável, portanto, continua permeando as decisões contemporâneas, sendo
base de diversos raciocínios jurídicos, exatamente por permitir ao julgador realizar
o valor da justiça, sem esquecer-se do ordenamento jurídico vigente.
Siches,
por meio da lógica do razoável, propôs uma dinâmica contrária àquela então
predominante, da utilização da lógica-matemática para a aplicação das normas
jurídicas. No entanto, não excluiu essa lógica formal, mas a empregou para
desenvolver o enquadramento da razoabilidade, tanto pelo legislador, quanto
pelo julgador, na ocasião da interpretação da norma.
Sua
contribuição para a Ciência do Direito foi justamente aproximá-la mais da
Filosofia Jurídica, na medida em que trouxe os valores inerentes ao ser humano,
especialmente aqueles relacionados à justiça, para serem aplicados pelo
julgador. A necessidade de respeito ao Direito posto em conjunto a uma maior
eficiência na sua aplicação exigia essa junção não apenas no plano teórico, mas
também no plano prático.
Observa-se,
nesse sentido, que Siches[11] partiu da premissa de que
o Direito é um sistema dinâmico e que, portanto, está em constante contato com
aspectos sociológicos, econômicos, psicológicos, dentre outros, da sociedade na
qual se insere, para, então, concluir que a prudência e a razoabilidade devem
pautar as decisões do julgador, de forma a possibilitar o alcance da justiça.
É
exatamente diante desse contexto que a finalidade da norma, considerando a
realidade concreta do caso e todas as suas demais peculiaridades, será, de
fato, obtida. Ao julgador, será facultada a realização da justiça almejada pelo
legislador quando da elaboração da regra em questão, já que, a este, não cabe
abarcar todas as minúcias das situações fáticas.
Com
fundamento no pensamento de Miguel Reale, em sua Teoria Tridimensional do
Direito que somente se aperfeiçoa quando, de forma exata, entende-se a
interdependência e correlação necessária de fato, valor e norma que compõem o
fenômeno do Direito como uma estrutura social necessariamente
axiológico-normativa.
E, tal
aperfeiçoamento denomina-se de Teoria Tridimensional Específica[12]. E, nesse sentido, Reale
comenta sobre a posição de Recaséns-Siches, em sua obra Tratado General de
Filosofia Del Derecho onde resta evidente que quando se observa a lógica do
razoável, que existe uma integração de fato, valor e norma, de forma que a
tridimensionalidade é um aspecto mais do que característico, mas necessário,
ainda mais considerando a metodologia hermenêutica que a aplica, da experiência
do Direito.
A eficácia do Direito, que se observa da lei à
sentença de mérito ou até ao acórdão, dotado da qualidade de coisa julgada, é,
conforme ensina Miguel Reale[13] e, consequentemente,
Recaséns Siches, um problema de correspondência com a própria vida, pois dará
rumos a ela e importa que esses rumos sejam prudentes.
Sobre
a prudência que deve observar uma decisão jurisdicional, desde sua construção
interpretativa à normatização, afirmou-se, com base em Santo Tomás de Aquino[14], que ser prudente
significa ver ao longe; pois o prudente é perspicaz e prevê os acontecimentos
futuros.
Em
verdade, a lógica do razoável propicia a aplicação de normas jurídicas de
acordo com os princípios de razoabilidade, isto é, elegendo a solução mais
razoável para o problema jurídico concreto, dentro de circunstâncias sociais,
econômicas, culturais e políticas que envolvem a questão, sem se afastar de
parâmetros legais.
Trata-se
de método de interpretação das leis um dos mais modernos e atuais, e tem
repercussão em todos os sistemas jurídicos do mundo, inclusive no brasileiro.
Siches,
segundo seu pensamento, ao legislador cabe emitir mandamentos, proibições,
permissões, mas não lhe compete o pronunciamento sobre matéria estranha à
legislação e referente apenas à função jurisdicional. Quando o legislador
ordena um método de interpretação, quando invade o campo hermenêutico, esses
ensaios científicos colocam-se no mesmo plano das opiniões de qualquer teórico
e não têm força de mando. No intuito de concluir, Siches salientou que a lógica
do razoável está sempre impregnada por valorações, ou seja, critérios.
Afinal,
conforme Ruy Rosado de Aguiar aduziu in litteris:
“O
Juiz não só aplica a lei, pois nenhuma é completa, só a sentença o é. Julgando,
o Juiz tem função criadora, vez que reconstrói o fato, pondera as
circunstâncias às quais atribui relevo, escolhe a norma a aplicar e lhe
estabelece a extensão. Durante esse
trabalho, necessariamente faz valorações, que não são as suas valorações
pessoais, mas as do ordenamento jurídico. Sendo um criador, o juiz, no entanto,
está submetido à ordem jurídica, recomendando-se- lhe a renúncia no caso de
desconformidade irreconciliável entre a sua consciência e a lei”.
De
forma que se torna necessário recorrer aos princípios ou critérios, que embora
não formulados explicitamente, são necessários, na medida em que o texto legal
deva ser interpretado em função do propósito para o qual fora emitido, sempre
com relação ao sentido e o alcance dos fatos particulares em relação à norma.
Algumas
vezes, depara-se que a decisão será estritamente legal, porém, não tão justa.
Portanto, a busca pela justiça é viável e possível, sendo mesmo um dos
acalantados e antigos sonhos da humanidade e jamais perecerá.
Quem
decide de forma prudente fazendo uso do poder jurisdicional deve considerar
tanto as coisas afastadas enquanto próximas a ajudar ou a prejudicar, o que se
deve fazer no presente. É evidente que o objeto considerado é um meio para um
fim: a decisão deve querer harmonizar justiça e segurança, que são fim do
Direito e, só pode fazê-lo por meio do método interpretativo da lógica do razoável.
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Otávio de Noronha, 3ª Turma, j. em 10.09.2013.BRASIL.
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https://www.conjur.com.br/2013-mar-02/diario-classe-gincana-concursos-publicos-episodio Acesso em 21. 08.2020.
Obs.: Desejo
homenagear expressamente alguns advogados brilhantes e importantes para mim
nesse mês da advocacia: Arthur Riboo da Costa, Nehemias Domingues, Antonio Gama
Junior, José Messias Sales, Denise Heuseler, Ramiro Luiz Pereira da Cruz, José
Eduardo Carreira Alvim, William Rocha, Alípio Neto, Veruska Diab, Valdineia
Tessaro, Adalton Pereira e Sidney Barroso. Através de vocês e de seus trabalhos
a cidadania brasileira é mais respeitada e conseguimos construir uma sociedade
melhor. Meu sincero muito obrigada!!!!
[1]
A lógica do razoável é uma forma de interpretação que procura evitar a quebra
dos valores defendidos pelo Direito, isso porque objetiva o justo e o razoável,
levando em consideração as características sociais, econômicas e legais do
problema posto em discussão. Nessa perspectiva a aplicação do direito, deve ser
consistente e afastar o resultado injusto sob pena de extrapolar o campo da
lógica formal.
A lógica formal teria o
poder de manter a interpretação jurídica dentro das suas possibilidades
exegéticas, mas sustenta a substituição da lógica formal por outra que seria
mais justa ou adequada ao caso concreto. Por isso, sustentou a "lógica do
razoável", que seria outra forma de pensar a lei que não através da lógica
dedutiva formal. Na defesa da lógica do razoável, demonstrou o fracasso do
racional e a necessidade do razoável na interpretação do Direito. Isso porque,
como a lógica tradicional não possui elementos valorativos, seria insuficiente
para a aplicação do Direito, portanto, a lógica do razoável, consideraria
razões diferentes a da racionalidade de tipo matemático. Esse doutrinador
sustentou que há implicações generalizantes dentro da lógica da lei que não
existem dentro da lógica tradicional. Nesse diapasão, o Direito, enquanto
Ciência, e a Filosofia do Direito deveriam funcionar com valores universais, de
modo que o magistrado buscasse mais a justiça do que a interpretação
hermenêutica, de modo que a prestação jurisdicional do juiz se coadunaria com a
própria intenção do legislador.
Segundo esse filósofo do
direito, a razão não se exaure dentro da racionalidade, pois há outras formas
de compreensão (logos); e a razoabilidade é uma delas. Portanto, a lógica do
razoável está impregnada por valorações (critérios axiológicos), sendo tal
propriedade valorativa totalmente estranha à lógica formal ou qualquer teoria
da inferência, consistindo em uma das particularidades que diferenciam a lógica
do razoável da lógica matemática. Desse modo, a lógica do razoável possibilita
justificar a decisão com critérios de valor, pautas axiológicas e estimativa do
alcance da sentença. Segundo Recaséns Siches, não há sentido em tratar as
normas de Direito positivo desconectadas das circunstâncias em que se
originaram e das situações para as quais foram destinadas.
[2]
A insuficiência do positivismo jurídico, como doutrina que reduz todo Direito
ao Direito Positivo, atribuindo-lhe valor intrínseco e absoluto, sem admitir
nenhuma espécie de Direito Natural (ou mesmo que admita, como o faz Rousseau),
ou que fundamenta o Direito Positivo em uma lei superior fora do sistema do
ordenamento, culminou, com o advento dos Campos de Concentração na Segunda
Guerra Mundial, na negação da humanidade a certos homens, mulheres, crianças e
idosos. Acerca da introdução das vítimas nas câmaras de gás, escreve Primo
Levi:1 “Alguns trilhos atravessavam toda a extensão da câmara até os fornos.
Quando todos entravam na câmara de gás, as portas eram fechadas (e vedadas
contra a entrada de ar) e, pelas válvulas do teto, soltava-se um preparado
químico em forma de pó grosseiro, de cor cinza-azulada, contido em latas, cujo
rótulo especificava ‘Zyklon B – Para a destruição de todos os parasitas
animais’ e apresentava a marca de um fabricante de Hamburgo [...].
[3]
Tal lógica, também chamada de lógica formal, com base racional matemática, é
ultrapassada, pois não possui elementos suficientes para ser utilizada na
aplicação do direito, podendo levar a absurdos. Observando-se a seguinte
proposta de Gustav Radbruch, o clássico exemplo do urso na Estação Ferroviária.
Em uma estação ferroviária havia um cartaz que dizia: ‘é proibida a entrada de
cães’. Um homem cego não pode entrar com seu cão guia, então outro homem tentou
entrar com um urso e também foi impedido. Iniciou-se um conflito, pois o homem
que vinha com o urso afirmava que a restrição não se aplicava a ele, já o cego
dizia que era um absurdo não poder entrar com seu cão. Caso aplicássemos a
lógica tradicional para o exemplo exposto, o homem com o urso teria sua entrada
franqueada, ao passo que o senhor cego seria impedido de ingressar na estação.
Notem que esse disparate nos convida a uma superação, em alguns casos, da
lógica formal para uma lógica do razoável, justamente a proposta do referido filósofo.
[4]
José Ortega y Gasset (1883-1955) foi ensaística, jornalista e ativista
política, fundador da Escola de Madrid. É considerado o maior filósofo espanhol
do século XX. E, foi um dos primeiros a tratar do problema da historicidade
fora dos padrões do evolucionismo, do marxismo ou do positivismo. Foi
igualmente um dos pioneiros em valorizar a importância de conceitos em matérias
de história e a estender à filosofia as conclusões de Einstein, além de afirmar
a necessidade de uma historicidade como modo de suplantar o esgotamento da metafísica
e do idealismo. De acordo com Ortega, a
realidade está em nossa vivência histórica. Autor da frase, ”eu sou eu e minha
circunstância”, para ele viver não se trata de termos uma consciência
intencional, aos moldes fenomenológico, mas sim a maneira como lidamos com a
circunstância da qual não nos separamos: “A vida não é recepção do que se passa
fora, antes pelo contrário, consiste em pura atuação, viver é interior,
portanto, um processo de dentro para fora, em que invadimos o contorno com
atos, obras, costumes, maneiras, produções segundo estilo originário que está
previsto em nossa sensibilidade.
[5]
Giorgio Del Vecchio (1878-1970) foi importante filósofo jurídico italiano do
início do século XX e, influenciou as teorias de Norberto Bobbio. Professor da Universidade
de Roma de 1920 a 1953, foi reitor da mesma Universidade de 1925 a 1927.
Inicialmente, ingressou no fascismo, mas isso não o impediu de perder sua
cadeira na universidade em 1938, seguindo as leis raciais fascistas; em 1944,
ele perderia a cadeira novamente devido a sua participação no regime.
Restabelecido no ensino, no segundo período do pós-guerra, o filósofo colaborou
com o Secolo d'Italia e com a revista Pagine Libere (a publicação
dirigida por Vito Panunzio). Junto com Nino Tripodi, Gioacchino Volpe, Alberto
Asquini, Roberto Cantalupo, Ernesto De Marzio e Emilio Betti fez parte do
promotor do 'Comité Inspe, a instituição educacional que, em cinquenta anos e
sessenta, opôs-se à cultura de inspiração marxista, promover conferências e
publicações internacionais. Entre os maiores intérpretes do neokantantismo
italiano, Giorgio Del Vecchio, como seus colegas alemães, criticou o
positivismo filosófico, afirmando que o conceito de direito não poderia ser
derivado da observação de fenômenos jurídicos. Nesse sentido, ele entrou na
disputa entre filosofia, teoria geral e a sociologia do direito que estava em
fúria na Alemanha, redefinindo a filosofia do direito. Em particular, ele
atribuiu a ela três tarefas: uma tarefa lógica que consistiria na elaboração do
conceito de direito; uma tarefa fenomenológica, consistindo no estudo do
direito como um fenômeno social; uma tarefa deontológica, que consiste em
"buscar e avaliar a justiça, isto é, o direito como deveria ser".
[6]
A teoria pura do direito é o ápice do desenvolvimento do positivismo jurídico.
Para essa doutrina, o conhecimento é restrito aos fatos e às leis que os regem,
isto é, nada de apelar para a metafísica, a razão ou à religião. Em sua vida
dedicada à ciência, Hans Kelsen compôs uma obra gigantesca que até hoje inspira
estudiosos do Direito. Consagrado como o maior jurista do século XX, Hans
Kelsen desenvolveu trabalhos sobre diversos temas jurídicos, tais como justiça,
assunto abordado nas obras O que é justiça e O problema da justiça; o fenômeno
democrático, que é tratado em A democracia[5]; teoria do Direito e do Estado,
que é objeto das obras Teoria geral do Direito e do Estado[6] e Teoria pura do
direito.
[7]
Lógica tradicional ou aristotélica é caracterizada pelo estudo de conceitos,
juízos e raciocínios baseando-se na existência de conclusões que obedecem a
princípios, atestando a validade de premissas que devem ser verdadeiras. As
investigações de Aristóteles acerca da lógica fizeram-no descobrir que todo o
conhecimento válido emitido por enunciados deve respeitar três princípios
básicos. São eles: Princípio da identidade: é o que enuncia as identidades dos
seres e das coisas. Por meio do verbo ser, o princípio diz o que certa coisa é.
Como exemplo, podemos dizer “A é A”. O verbo ser conjugado na primeira pessoa
do singular, destacado em vermelho, é o elemento que denota a identidade do
objeto. Para pegar um exemplo mais palpável, podemos dizer “isto é um texto”,
indicando que a identidade desse objeto a que nos referimos é a categoria “texto”.
Princípio da não-contradição: este princípio elementar diz que a identidade de
algo não pode ser ela mesma e não ser ela ao mesmo tempo e sob o mesmo aspecto.
A sua formulação pode ser pensada da seguinte maneira: não é possível que algo
seja e não seja aquilo que é, ao mesmo tempo e sob o mesmo aspecto. É
impossível que isto seja um texto e não seja um texto ao mesmo tempo e sob o
mesmo aspecto. Princípio do terceiro excluído: algo é ou não é e não há
terceira possibilidade. Pensando com base na identidade e na não contradição,
podemos afirmar que isto é um texto ou não é um texto, não havendo outra
possibilidade. Se isto for um automóvel, por exemplo, deixa de ser um texto,
encaixando-se na segunda possibilidade.
[8]
A doutrina tem dito que equidade pode menosprezar o direito positivo, sendo
possível decidir contra legem. Parte da doutrina remete o conceito a Recaséns
Siches: a equidade seria superior ao justo legal porque expressão do justo
natural, ou seja, seria o justo, mas não o justo legal tal e como se
desprenderia das palavras da lei, senão o autenticamente justo em relação ao
caso concreto. O juiz então poderia decidir segundo seu prudente arbítrio
quando ele próprio entendesse inaceitável a aplicação do texto legal, isto é,
quando considerar que o resultado daí advindo seja disparatado. Haja paciência
para esses conceitos em pleno Estado Democrático de Direito.
Existem outras posições
“mais avançadas”, que dizem que a equidade seria um recurso às insuficiências
da legislação, utilizável no suprimento de lacunas normativas, ou mesmo para
aclarar enunciados abertos. Outras posições dizem respeito à equidade como a
propriedade dos enunciados legais abstratos de se adaptarem, segundo certos
critérios, às circunstâncias ou exigências fáticas do caso concreto. Algo
inerente ao mecanismo de interpretação jurídica, que sempre impeliria o
intérprete a adotar exegeses razoáveis, afinadas com o bom senso e toleradas,
sem repugnância, pela razão humana. Nessa ótica, não se tem propriamente
decisão por equidade e sim decisão proferida segundo a equidade. O julgador
estaria obstado de arredar-se do direito positivo, tampouco poderia corrigir ou
retificar a lei, pois seus propósitos, ainda que nobres, não seriam suficientes
para autorizá-lo, a partir de seu próprio voluntarismo, a amoldar o resultado
de suas decisões a sua própria ideia de justiça. Esta última posição parece um
pouco melhor, embora não se saiba o que seriam as tais exegeses razoáveis.
In: STRECK, L.L.; DELFINO, Lúcio. Novo CPC e
decisão por equidade a canibalização do Direito. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2015-dez-29/cpc-decisao-equidade-canabalizacao-direito Acesso 21.08.2020).
[9]
As legislações brasileiras em algum momento já albergaram (e algumas ainda
albergam) exemplos de todos esses significados, fazendo a equidade variar de
sentido a depender do contexto em que está inserida. Alguns exemplos: i) tanto
o CPC-1973 (artigos 127 e 1.109), como a Lei de Arbitragem (artigo 2º), são
legislações que autorizam decisões proferidas contra legem; ii) o uso do
equitativo como forma de clarificar enunciados legais elásticos está bem
representado pelo artigo 1.694, § 1º, do Código Civil; iii) o artigo 113,
inciso 37, da Constituição de 1934 foi um permissivo legal elaborado para a
superação de lacunas legislativas via equidade; e iv) elucida a equidade, como
mecanismo de interpretação jurídica, aquilo que preceitua o Decreto Federal
24.150/1934 (Lei de Luvas), em seu artigo 73.
[10]
Havia na cidade de Nova York, um próspero empresário Wesley Moore, que
empregava como estenógrafa a seu serviço uma jovem chamada Ida White, sobrinha
de sua esposa. O trabalho de Ida White se mostrou tão eficiente que esta fora
imediatamente promovida a secretária particular do Sr. Moore; e, pouco tempo
depois, Sra. White, de fato passou a dividir as principais responsabilidades
não só na gestão das empresas de seu patrão, mas também, na administração de
seu patrimônio privado, conquistando a administração, o respeito e a estima de
todos, dentro e fora do círculo familiar e da esfera de negócios em que atuava.
A sra. White conhecia todos os meandros dos negócios do Sr. Moore, com exceção
de um: o conteúdo das disposições do testamento que seu chefe havia feito.
Assim, ela desconhecia que o Sr. Moore em seu testamento havia instituído em
seu favor um legado de todas as ações que possuía na Cia. da Luz, que dirigia e
na qual tinha uma parte principal. Como resultado da profunda tristeza de
Wesley Moore pelo misterioso desaparecimento de sua esposa, ele começou a
mostrar sinais de séria doença mental. Pouco depois, a doença mental do Sr.
Moore tornou-se severamente tão grave que foi necessário interná-lo em um
manicômio e proceder à sua incapacitação pelos devidos procedimentos judiciais
e, consequentemente à nomeação de um tutor. O conselho de família decidiu por
unanimidade que a nomeação deveria ser feita à sra. White que era competente em
alto grau perfeitamente conhecedora de todos os assuntos do Sr. Moore, e uma
pessoa que inspirava plena confiança em todos os envolvidos em tais assuntos.
Depois de algum tempo,
ocorrera a tremenda crise econômica de 1929 com a depressão que se espalhou por
todo os EUA. A maior parte dos investimentos de Moore parou de pagar
dividendos, e como resultado deu-se desemprego geral, e a falência de inúmeros
grandes propriedades. Moore tinha hipotecas que deixaram de ser pagas, e as
leis de emergência garantiram uma moratória. Assim, a rende de Moore fora
diminuindo rapidamente. A sra. White atuou como guardiã e desejando cortas
despesas como a manutenção da suntuosa residência dos Moores, o que encontrou
resistência e oposição por parte dos familiares de Moore, que temiam qualquer
sinal externo de fraqueza econômica, além de ferir seu próprio orgulho. Então
Ida White, em acordo com a família Moore, decidiu que era necessário vender
algumas ações para continuar com o mesmo estilo de vida. As únicas ações que
puderam ser vendidas sem prejuízo foram as da Company of Light. Essas ações
poderiam ser vendidas não apenas sem prejuízo, mas com uma vantagem, porque
outro grupo financeiro estava ansioso para adquiri-las. Ida White administrou
esta venda com habilidade superlativa, que foi feita em condições muito
favoráveis, justamente pelo preço mais alto que ela havia estabelecido: $
220.000. Em pouco tempo, após a crise os negócios de Moore estavam prosperando
novamente. eis meses depois, Wesley Moore morreu. Foi então aberto seu
testamento, o qual continha uma cláusula pela qual o testador instituía um
legado de todas as suas ações da Company of Light em favor de Ida White. A
riqueza remanescente era muito grande, justamente como resultado da
administração inteligente de Ida White, que havia conseguido compensar com o
excesso nos últimos meses os prejuízos sofridos anteriormente. O saldo ativo da
propriedade relíquia atingiu a soma limpa de 1.000.000,00 dólares, grande parte
em dinheiro. Deve-se notar que dos $ 220.000, que haviam sido obtidos com a
venda das ações da Electricity Company, Ida White, em sua função de tutora,
havia gasto apenas $ 20.000 para o cuidado da residência da família, e havia
depositado o resto em um banco. Ida White, pensando razoavelmente, presumiu, quando
soube do legado instituído em seu favor, que da propriedade remanescente ela
receberia o preço pelo qual as ações que haviam sido legadas a ela haviam sido
vendidas, ou seja, a soma de $ 220.000. Mas o executor do espólio de Moore o
deixou saber que o legado instituído em seu favor era o que por lei é chamado
de legado de “coisa determinada”; e que de acordo com a Lei do Estado de NY,
seguindo nesta tradição do Direito Romano - o legado de uma determinada coisa
era considerado nulo, quando em sua individualidade singular havia desaparecido
do patrimônio relict, antes da morte do testador. O legado em favor de
Ida White não foi um legado de uma certa quantia de dinheiro, mas foi um legado
precisamente de certas ações, que não apareceu mais no patrimônio do falecido
quando este morreu.
Os herdeiros do Sr. Moore,
assessorados por seus advogados, consideravam que Ida White não tinha direito
ao legado, visto que se tratava de uma coisa específica, e essa coisa não
existia mais quando o testador morria, era automaticamente nula, ou em vez
disso, inexistente. E, portanto, ele entrou com um processo.
[11]
Siches escreveu a “Nova Filosofia da Interpretação do Direito” sob o impacto da
crise vivida pelo direito nos anos que se seguiram à Segunda Guerra Mundial, e
que deu origem ao que podemos chamar agora de pós-positivismo. Entendemos como
pós-positivismo o pensamento jusfilosófico que enfrenta mais de perto as
insuficiências do modelo lógico-formal para o tratamento das questões
jurídicas. Recaséns Siches cogita sobre crise, baseando-se no fato de que os
valores da sociedade de sua época não correspondiam mais aos valores
consagrados anteriormente. A certeza e a objetividade trazidas pelo
cientificismo e pelo formalismo não se adequavam mais ao clamor da verdadeira justiça,
encontrada na sociedade. Caem os sistemas formais e a filosofia do direito tem
que dar conta de uma nova fundamentação e método que então se impunham”.
[12]
Por sua vez a teoria específica, entende que o Direito só pode ser visto pelos
três fatores em conjunto, sem divisões. Segundo esta posição, “o Direito é
sempre tridimensional, quer o estudo seja sociológico, filosófico ou científico
positivo”. Ocorre que a Teoria Tridimensional Específica pode ser ainda
estática ou dinâmica (concreta). A primeira percepção, chamada de estática por
Reale, é representada principalmente pelo pensador W. Sauel. Este, “[…]
apresenta um caráter mais estático ou descritivo” do que é o direito. “Não nos
explica, com efeito, como é que os três elementos se integram em unidade, nem
qual o sentido de sua interdependência no todo. Falta a seu trialismo, talvez
em virtude de uma referibilidade fragmentada ao mundo infinito das ‘mônadas de
valor’, falta-lhe o senso de desenvolvimento integrante que a experiência
jurídica reclama”. A segunda corrente, chamada por vezes de dinâmica, concreta
ou dialética, “resulta de uma apreciação inicial da correlação existente entre
fato, valor e norma no interior de um processo de integração, de modo a
abranger, em unidade viva, os problemas do fundamento, da vigência e da
eficácia do Direito.” .
[13]
Interessante anotar que, ao determinar a realidade específica do Direito, Recaséns
Siches chegou a conclusões coincidentes com as da Teoria Tridimensional do
Direito de Miguel Reale. Em síntese, o pensamento de Recaséns Siches, que tem
como ponto de partida a vida humana, conduz à caracterização do Estado e do
Direito como meros instrumentos a serviço do indivíduo, ao tempo em que a
consciência humana passa a se apresentar como o ponto central de todas as
outras realidades. Nesse contexto, o papel da Ciência do Direito passa a ser o
de “estudar a norma jurídica considerada em sua historicidade, como um momento
da vida coletiva, ligado às circunstâncias e dentro da perspectiva por elas
formada”. (In: DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à ciência do
Direito. 19.ed. São Paulo: Saraiva,2008).
[14]
Tomás definiu a prudência como razão reta do agir (recta ratio agibilium),
ela é própria da razão prática (S.theol. IIª-IIª, q.47, a.2). É próprio do
homem prudente a capacidade de deliberar bem em vista de certo fim. Na questão
47 da IIª-IIª, Tomás fala da prudência em si ao longo de dezesseis artigos.
Todavia, por ora, vamos pôr em relevo apenas alguns artigos para compreendermos
em que consiste essa virtude. (In: TOMÁS DE AQUINO. Suma teológica. São Paulo:
Loyola, 2001-2006.)
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