A poesia do art. 6º da Lei 13.105/2015
O busilis do princípio da cooperação não reside propriamente de suas
explicações metafísicas que possam se abrigar em seu conteúdo e nem mesmo em
seu neoprocessualismo.
O tema cooperação processual
resta impregnado de etiquetas que acabam por traduzi-lo de forma pífia, e até a
uma concepção de que o demandante seguirá feliz ou infeliz de mãos dadas com o
réu, juntamente com o juiz no caminho tal qual o Mágico de Oz. Onde Dorothy e
seus amigos, a saber, o Homem de Lata, o Espantalho e o leão seguem juntos
caminhando em uma estrada de tijolos amarelos.
Recordando a história na terra de Oz acompanha
a trajetória de uma menina de doze anos, chamada Dorothy Gale, que vive com sua
família na fazenda no Kansas, mas sonha com lugar melhor, uma vez que ela se
sente ignorada por seu tio e tia, que são as pessoas responsáveis por ela.
Depois de ter sido atingida
na cabeça e até perder os sentidos no momento em que um tornado leva sua casa
para as alturas.
Dorothy e seu cão (Totó)
acordam na terra de Oz, após a casa pousar em cima da bruxa má do Leste. Lá a
Bruxa Boa do Norte aconselha Dorothy a seguir a estrada de tijolos amarelos
para encontrar a Cidade de Esmeralda onde habita o Mágico de Oz que lhe ajudará
a retornar a Kansas.
No seu caminho Dorothy
encontra o Espantalho, o Homem de Lata e o Leão[1], que se reúnem na
esperança de conseguirem o que acha que lhes falta – respectivamente um
cérebro, um coração e coragem. Tudo isso enfrentando a Bruxa Má do Oeste que
quer os sapatos de mágicos de Dorothy dados pela Bruxa Boa, após Dorothy
acidentalmente ter matado a bruxa má do leste, que é irmã da bruxa má do oeste.
Como um bom teosófico, Frank
Baum certamente baseou o argumento dessa busca dos personagens em uma frase
Madame Blavatski[2]:
“não há perigo que a intrépida coragem não consiga conquistar, não há prova que
a pureza imaculada não consiga passar, não há dificuldade que um forte
intelecto não consiga superar”. Intelecto, pureza de sentimentos e coragem,
três elementos que comporiam a nossa “centelha” interior que nos conecta a
Plenitude. E a busca dessa descoberta interior inicia em uma jornada espiritual
representada pela estrada de tijolos amarelos.
É interessante notar que a
estrada começa com uma espiral em expansão, da mesma forma como o tornado
conduziu Dorothy a um mundo mágico. No simbolismo oculto a espiral representa a
auto evolução, a alma ascendente, da matéria ao mundo espiritual. Além disso, a
espiral partilha de uma complexa simbologia do eixo e da verticalidade.
Enquanto forma ela enquadra-se perfeitamente no tema da identidade.
Então todos seguiriam a
caminho do arco-íris processual, a fim de obter finalmente um efetivo e célere
processo, capaz mesmo de produzir resultados justos.
Lembremos que se existe
processo, e particularmente na jurisdição contenciosa, é inefável a crise, ou
seja, a lide, como conflito de interesses qualificado por uma pretensão
resistida e levado à resolução pelo Estado-juiz. Cada sujeito processual assume
nele uma diferente função e portanto, naturalmente representa um diferente
interesse.
A total inviabilidade do
processo civil do arco-íris resta evidente da análise das posições das partes.
É legítimo e, portanto faz parte do jogo, que o litigante não regule sua
atuação na busca de uma decisão justa e nem mesmo de uma jurisdição célere.
Especialmente referente aos
advogados, cujo Estatuto da OAB, em seu art. 2º, segundo parágrafo deixa
expresso que a finalidade é a postulação de decisão favorável ao seu
constituinte.
O art. 6º da Lei 13.105/2015
é poético. A cooperação não busca o processo civil, mas configura um limite
imposto ao exercício dos direitos processuais, notadamente, ao contraditório.
Limite já tão conhecido e velho quando nossa atual e vigente constituição
brasileira.
Leonardo Carneira da Cunha
foi feliz ao mencionar que a cooperação impõe deveres para todos os
intervenientes processuais, para que se produza, no âmbito do processo civil,
um procedimento ético tal qual se deu no direito material, ao consagrar as
cláusulas gerais como a da boa-fé e do abuso do direito.
A parte deve ser informada e
ter efetivas condições de reagir e de influenciar o julgado, mas estes direitos
de informação e reação somente podem ser exercidos se guardarem harmonia com os
objetivos visados pela Jurisdição.
Evidentemente além das
proibições da litigância de má-fé (boa-fé subjetiva), a cooperação exige que o
comportamento processual seja pautado nos padrões razoáveis à luz do homo
medius e que levem em consideração suas legítimas expectativas estabelecidas em
relação aos demais sujeitos processuais (boa-fé objetiva).
Por sua vez, o julgador
também tem deveres a observar em sua atuação no contraditório. Tem o poder-dever
de impulsionar o processo, de proferir e efetivar uma decisão, mas ao fazê-lo,
deve privilegiar uma comunicação clara com os litigantes e usar de modo
racional o formalismo processual.
O princípio de cooperação
pode ser entendido por um rol não exaustivo como: vedação de conhecer a matéria
ex ofício sem antes conceder a
oportunidade de manifestaçaõ das partes, vide art. 10 da Lei 13.105/2015.
Alerta no mandado de
citação, a respeito do prazo de defesa, sob pena de revelia. Em tese não
existiria a obrigação de avisar ao demandado. Mas, há muito tempo, por opção
legislativa. O dever de alerta é fundamental para existir o potencial
contraditório mais seguro e mais efetivo e dinâmico.
Ademais ninguém pode se
escusar do conhecimento da norma legal, apenas alegando desconhecê-la, a lei
processual com seu caráter eminentemente técnico, não intuitivo, chega até
parecer antinatural, daí não ser razoável exigir de todos, a noção de
determinados riscos processuais.
Alerta quanto à distribuição
do ônus da prova, ou da distribuição dinâmica do ônus da prova. Portanto,
produzirá a prova quem melhor tiver condições de fazê-lo. Já tão interpretado
preceito pela jurisprudência do STJ. Visa-se evitar surpresas no processo.
A primazia do julgamento de
mérito e da instrumentalidade das formas. O que não é inovação, mais serve de
parâmetro de cooperação na perspectiva do julgador.
A aprovação do calendário
processual pelas partes. Assim a cooperação é limite ao poder de autorregulação
das partes. De fato, as partes podem se manifestarem e propor datas, alegar
compromissos judiciais, dificuldades na obtenção de dados e informações,
assistentes técnicos, bem como apresentar outros motivos relevantes.
Saneamento compartilhado do
processo que deve ser motivada, não podendo a parte abusar de seu direito de
autorregulação e insistir na produção probatória ou na fixação de ponto
controvertido, e do objeto da prova a ser produzida, devendo-se levar em
consideração a vontade manifestada pelas partes. E o gestor da balança é o juiz.
Podemos esquematizar um rol
não exaustivo dos deveres decorrentes do princípio da colaboração processual: Dever
da parte em esclarecer de forma clara e efetiva através de depoimento pessoal,
sob pena de confissão; Dever de exibição de documentos, talvez essa seja a mais
velha de suas facetas; Dever de manter informações atualizadas e verdadeiras
sobre o endereço físico e eletrônico no cadastro da Justiça; Dever do advogado
de informar e intimar da audiência a testemunha por ele arrolada; Dever de
esclarecimento ou explicação do motivo que motivou a emenda da inicial.
Enfim, a tipificação
infraconstitucional dessa projeção do contraditório a que se resolveu chamar de
cooperação ou colaboração tem o mérito de chamar a atenção para tema.
Mas, o princípio não pode
exigir das partes e nem do magistrado o inexigível ou impossível. De sorte que
os litigantes não se desgarrarão de seus objetivos privados para buscarem o
etéreo ideal de justiça. Há, pois limitações ou modulações relevantes ao
exercício de direitos e poderes-deveres processuais, já existentes em nosso
ordenamento e há muito tempo aplicados.
O grande mérito é trazer a
cooperação para o centro do debate, carreando uma hermenêutica criativa e
construtiva sobre o conteúdo normativo do preceito,
A alegoria da estrada de
tijolos amarelos é clara associação com termo do budismo, o caminho dourada,
como a jornada da alma para a iluminação...
Afinal, o processo deve ser
o caminho que leve até a justiça. Afinal a terra de Oz é o plano astral da
humanidade, onde estão expressos de forma arquetípica os conflitos, batalhas e
embates do mundo físico. Os conflitos e buscas do Homem-Lata, do Leão e do
Espantalho em verdade correspondem aos mesmos dilemas e personalidades comuns
da humanidade.
Depois da segunda metade do
século vinte, se desenvolveu nova teoria sobre o papel do Direito
Constitucional, de maneira que a Constituição deixa de ser uma mera carta de intenções
e passa a ser a principal fonte normativa do Direito. E, o DPC passou então a
ser estudado com a ideia de que deve prevalecer é o Estado Constitucional,
passando a aplicar ao processo as premissas do neoconstitucionalismo.
E, com esse movimento ganha
destaque a aplicação dos princípios na relação processo, notadamente o princípio
da cooperação ou da colaboração, segundo o qual as partes e o juiz devem
cooperar entre si, através de diálogo e comportamento pautado na boa-fé
objetiva.
Precisar os contornos do
princípio da cooperação na atividade jurisdicional em suas diversas facetas:
dever de esclarecimento, dever de consulta, dever de proteção ou prevenção e o
dever de auxílio.
E, para tanto é
imprescindível partir do princípio contraditório e da visão dialética do
processo, para melhor situar a máxima cooperação no processo civil
contemporâneo.
Nos séculos 16 e 17 o
contraditório deixou de ser visto como mecanismo intrínseco e necessário à
investigação da verdade, sendo mesmo rebaixado a um princípio externo e
puramente lógico-formal.
A garantida do contraditório
passou a ser considerada como mera existência de uma audiência bilateral.
Mas, no século 19, tal
concepção de contraditório ganhou destaca, pois o juiz exercia um papel
puramente passivo, e sua função precípua era apenas a de verificar e assegurar
o atendimento ás regas formas do processo.
Foi ao longo do século vinte
já sob o influxo do neoconstitucionalismo que o contraditório passou a abranger
outros valores, sobretudo, a necessidade de maior ativismo judicial e ambição
de efetividade, com intuito de promover a integração das tradicionais
liberdades individuais com os deveres e garantias de natureza social, visando
assegurar a igualdade real das partes em face da lei.
Assim, começa a alterar o
alcance do contraditório, deixando de ser mera contraposição à demanda, e
passando a assumir a qualidade de atributo inerente a todos os momentos
importantes do processo.
O contraditório deve atender
às pautas necessárias e requeridas para o desenvolvimento de um processo justo.
Já a partir dos anos
cinquenta ganhou destaque a dimensão retórica e a dialética do processo. Buscou-se
o valor essencial do diálogo na formação do juízo, como fruto da cooperação das
partes com o órgão jurisdicional e deste com os litigantes, segundo as regras
formas do processo.
Assim, implicando num
julgador mais ativo e colocado no centro da controvérsia, mas a ensejar um
caráter isonômico do processo, com a participação ativa das partes.
O diálogo substitui com
vantagem a ideia de confronto e oposição, dando relevo ao concurso de
atividades dos sujeitos processuais com abrangência tanto na colaboração da
pesquisa dos fatos, como também na valorização da causa.
O processo civil como
fenômeno cultural e humano, deve estabelecer um meio para atingir suas
finalidades essenciais, em razoável espaço de tempo e, principalmente, com
justiça.
Ressalte-se que o grau de
liberdade concedida ao juiz guarda pertinência com a maior ou menor confiança
do cidadão no Poder Judiciário.
A visão social do processo
impõe naturalmente um incremento dos poderes do juiz de sorte que o processo
deixa de ser substancialmente privado para passar a ser dirigido
discricionariamente pelo juiz, com possível comprometimento à igualdade
substancial das partes.
Há de se lembrar de que o
juiz é um agente politico do Estado, dotado de poder estatal e expressão da
democracia, sendo que a extensão de seus poderes-deveres está arraigada função
do processo civil, como instrumento na realização de seus objetivos.
Frise-se que o ativismo
judicial vem a contribuir para a concreta tutela jurisdicional. O princípio da
cooperação, portanto exige, pois um juiz mais ativo que visa buscar
restabelecer a isonomia do processo e um ponto de equilíbrio. Havendo assim uma
melhor divisão do trabalho entre o juiz e as partes, somente pode ser alcançado
por meio do fortalecimento dos poderes das partes, com sua participação mais
ativa, leal e proba no processo, de maneira a ajudar mais efetivamente à
formação da decisão judicial com ampla colaboração tanto na pesquisa dos fatos
como na valoração da causa.
Ao juiz não basta a direção
formal do processo, mas a direção material, devendo ter uma atuação mais
dinâmica e efetiva na busca de justiça. Não cabe mais se cogitar em um juiz
inerte, neutro e indiferente ao drama da competição... E não vige incompatibilidade
entre o contraditório e a participação mais ativa do juiz no processo.
Lembremos que a separação
entre fato e direito é artificial, posto que no litígio tanto o fato como o
direitos estão intimamente ligados e se interpenetram a todo tempo. Conquanto
as partes devam trazer os fatos essenciais e constitutivos da causa petendi.
O legislador optou pela
possibilidade de o juiz até mesmo de ofício, levar em consideração fatos
secundários que possam contribuir para o desfecho da questão sobre o fato
principal, ainda que não sejam alegados pelas partes.
Enfim, o diálogo do juiz com
as partes é, na verdade, uma garantia de democratização do processo, portanto
exige a aplicação do iura novit curia com
olhos na efeitva e correta aplicação do direito e na justiça do caso.
Referências:
MARTINS, Anna Faedrich. O
percurso heroico de Dorothy. Disponível em: http://webcache.googleusercontent.com/search?q=cache:sd5qLdHDeSQJ:revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/letronica/article/download/4213/3554+&cd=6&hl=pt-BR&ct=clnk&gl=br Acesso em 04.09.2015.
MACHADO, Marcelo
Pacheco.Novo CPC, princípio da cooperação e processo civil do arco-íris
Disponível em: http://jota.info/novo-cpc-principio-da-cooperacao-e-processo-civil-do-arco-%C2%ADiris Acesso em 03.09.2015.
[1]
Os três companheiros de Dorothy funcionam como um desdobramento simbólico da
própria heroína em personagens – Leão Medroso, Homem de Lata e Espantalho. No
seu percurso de autoconhecimento e amadurecimento, Dorothy conquistou aquilo
que buscava: a coragem, o amor e a razão. As três abstrações ganham forma
objetiva, concreta, através das três personificações.
[2]
Helena Blavatsky (1831- 1891) mais conhecida como Madame Blavatsky foi um
prolífica escritora russa e responsável pesla sustematização da moderna
Teosofia e cofundadora da Sociedade Teosófica. lavatsky surgiu em um momento
histórico em que a religião estava sendo rapidamente desacreditada pelo avanço
da Ciência e da Tecnologia, e que testemunhou o nascimento de uma série de
escolas de ocultismo ou de pensamento alternativo, muitas delas com base
conceitual pouco firme ou desenvolvendo práticas apenas intuitivas, que
ganhavam grande número de adeptos em virtude do fracasso do Cristianismo em
fornecer explicações satisfatórias para várias questões fundamentais da vida e
sobre os processos do mundo natural.
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