Pesquisar este blog

quinta-feira, 21 de junho de 2012

Eis aqui a história e o pensamento do maior e mais marcante filósofo da história da filosofia ocidental: Sócrates (470-399 a.C.). Ele é tradicionalmente considerado um marco divisório da história da filosofia.

Por isso, os filósofos que o antecederam são chamados de pré-socráticos e os que o sucederam, de pós-socráticos. Tal filósofo é por si só um problema filosófico. Isso porque não deixou nada escrito, enquanto a produção literária do seu tempo era abundante. Não fez carreira de professor, enquanto inúmeros contemporâneos seus aproveitaram o talento pedagógico e, apesar disso, foi um dos filósofos que mais influenciou o pensamento europeu.


As notícias que temos de sua vida e de seu pensamento, devemo-las especialmente aos seus dois discípulos Xenofonte e Platão. Xenofonte, autor de Anábase, em seus Ditos Memoráveis, legou-nos de preferência o aspecto prático e moral da doutrina do mestre. Xenofonte, de estilo simples e harmonioso, mas sem profundidade, não obstante a sua devoção para com o mestre e a exatidão das notícias, não entendeu o pensamento filosófico de Sócrates, sendo mais um homem de ação do que um pensador.


Platão faz dele o personagem central de seus diálogos, sobretudo Apologia de Sócrates e Fédon. Platão pelo contrário, foi filósofo grande demais para nos dar o preciso retrato histórico de Sócrates; nem sempre é fácil discernir o fundo socrático das especulações acrescentadas por ele. Seja como for, cabe-lhe a glória e o privilégio de ter sido o grande historiador do pensamento de Sócrates, bem como o seu biógrafo genial.

Com efeito, pode-se dizer que Sócrates é o protagonista de todas as obras platônicas embora Platão conhecesse Sócrates já com mais de sessenta anos de idade.

Sócrates nasceu em Atenas, Grécia, filho de um escultor e de uma parteira. Aprendeu a arte paterna, mas dedicou-se inteiramente a meditação e ao ensino filosófico. Recebeu uma educação tradicional: aprendizagem da leitura e da escrita a partir da obra de Homero. 


Quando estava na casa dos cinqüenta anos de idade, casou-se com Xantipa, com quem teve três filhos. Podemos dizer que Sócrates não teve, por certo, uma mulher ideal na quérula Xantipa; mas também ela não teve um marido ideal no filósofo, ocupado com outros cuidados que não os domésticos.

Passou a maior parte da vida nas praças da cidade e nos mercados (ágora), conversando com as pessoas que lá encontrava, sempre dando demonstrações de que era preciso unir a vida concreta ao pensamento, unir o saber ao fazer, a consciência intelectual à consciência prática ou moral.

Não dava importância à posição socioeconômica de seus discípulos.

Dialogava com ricos e pobres, cidadãos e escravos. O que importava eram as condições interiores, psicológicas, de cada pessoa, pois essas condições eram indispensáveis ao processo de autoconhecimento. Sócrates faz profissão de ignorância e ensina aos seus ouvintes a procurar somente a verdade. Toda a sua obra foi, portanto, uma obra de conversão; procurou soerguer a razão, orientando-a para a verdade, isto é, para aquilo para o qual ela foi feita.

Quanto à política, foi ele valoroso soldado e rígido magistrado. Mas em geral, conservou-se afastado da vida pública e da política contemporânea, que contrastavam com o seu temperamento crítico e com reto juízo. Julgava que devia servir a pátria conforme suas atitudes, vivendo justamente e formando cidadãos sábios, honestos, temperados.

A liberdade de seus discursos, a feição austera de seu caráter, a sua atitude crítica, irônica e a consequente educação por ele ministrada, criaram descontentamento geral, hostilidade popular, inimizades pessoais, apesar de sua probidade.

Entre as acusações contra Sócrates estava a de que ele estava introduzindo novos daimonions, novas entidades divinas. Em sua Apologia, Sócrates diz: “A razão (…) são aquelas acusações que muitas vezes e em diversas circunstâncias ouvistes dizer, ou seja, que em mim se verifica algo de divino ou demoníaco (…) uma voz que se faz ouvir dentro de mim desde que eu era menino e que, quando se faz ouvir, sempre me detém de fazer aquilo que é perigoso e que estou a ponto de fazer, mas que nunca me exortou a fazer nada”.

Ou seja, o daimonion socrático era ‘uma voz’ que lhe vetava determinadas coisas, o que o salvou várias vezes de perigos e experiências negativas (Reale & Antiseri, 1990, p. 95). Ela não lhe revelava nada, apenas vetava algumas coisas que lhe eram perigosas.




O daimonion socrático é algo muito específico que diz respeito muito particularmente à excepcional personalidade de Sócrates, colocando-se no mesmo plano de um tipo de mediunismo que se fazia presente em certos momentos de concentração muito intensa e em momentos de reflexão bastante próximos aos arrebatamentos de êxtase em que Sócrates (assim como ocorria com Buda, Plotino, Joana D’Arc, etc) mergulhava algumas vezes e que duravam longamente, coisa da qual tanto Platão quanto Xenofonte falam expressamente.



O estado de ânimo hostil a Sócrates concretizou-se, tomou forma jurídica, na acusação movida contra ele por Mileto, Anito e Licon: de corromper a mocidade e negar os deuses da pátria introduzindo outros. Tinha ele diante dos olhos da alma não uma solução empírica para a vida terrena, e sim o juízo eterno da razão, para a imortalidade. E preferiu a morte. Declarado culpado por uma pequena minoria, assentou-se com indômita fortaleza de ânimo diante do tribunal, que o condenou à pena capital com o voto da maioria.

Para a democracia ateniense, da qual não participava a maioria da população, composta de escravos, estrangeiros e mulheres, Sócrates foi considerado subversivo. Representava uma ameaça social, na medida em que desrespeitava a ordem vigente e dirigia suas atenções para as pessoas, sem fazer distinções de classe ou posição social. Assim, ele foi julgado e condenado à morte, tendo que beber um cálice de cicuta (veneno extraído de uma planta do mesmo nome).



Tendo que esperar mais de um mês a morte no cárcere – pois uma lei vedava as execuções capitais durante a viagem votiva de um navio a Delos – o discípulo Criton preparou e propôs a fuga ao Mestre. Sócrates, porém, recusou, declarando não querer absolutamente desobedecer às leis da pátria.



E passou o tempo preparando-se para o passo extremo em palestras espirituais com os amigos. Especialmente famoso é o diálogo sobre a imortalidade da alma – que se teria realizado pouco antes da morte e foi descrito porPlatão no Fédon com arte incomparável. Suas últimas palavras dirigidas aos discípulos, depois de ter bebido tranqüilamente a cicuta, foram: “Devemos um galo a Esculápio”.



É que o deus da medicina tinha-o livrado do mal da vida com o dom da morte, queria oferecer ao deus, à quem se atribuía a cura da fadiga e dos males da vida, a oferenda costumeira. Morreu Sócrates em 399 a.C. com 71 anos de idade.

Diante de seus juizes, Sócrates assumiu uma postura viril, impertubável, de quem não teme. Permanecia absolutamente em paz com sua própria consciência. Foi assim que Sócrates procurou caracterizar sua vida: construindo uma personalidade corajosa e guiando sua conduta pelo seu critério de justiça. Viveu conforme sua própria consciência. Morreu sem ter renunciado a seus mais caros valores morais.



A Atenas da época de Sócrates era um importante centro de debates, visitado por todos os grandes pensadores de então. Um desses grupos de filósofos itinerantes era chamado de sofistas – eles negavam a realidade do mundo exterior e procuravam ‘arrancar a semelhança exterior dos casos, fora de sua conexão com os acontecimentos’ – assim como eles, Sócrates tinha mais interesse no homem e no seu lugar na sociedade do que nas forças da natureza.



Ao contrário deles, Sócrates jamais recebeu dinheiro em troca de ensinamentos e distinguia-se dos sofistas num outro aspecto bastante importante. Ele não se considera um “sofista” – ou seja, uma pessoa erudita ou sábia. Tendo encontrado a sociedade ateniense minada pela demagogia e pelas repercussões negativas da desastrosa Guerra do Peloponeso, o filósofo teria se empenhado, a partir dos quarenta anos, na reestrutura moral de seus concidadãos. Passou então a viver nas ruas de Atenas ensinando a virtude e a sabedoria. Não aceitava pagamento, por isso tão pouco aceitou cargos públicos.



Opôs-se aos sofistas, afirmando que o conhecimento é possível e que seu objeto primordial é a própria alma. Sócrates teria se inspirado do adágio do oráculo de Delfos: Gnóthi se auton (Conhece-te a ti mesmo), frase escrita no templo de Apolo, o lema que ele cifra toda a sua vida de sábio. O perfeito conhecimento do homem é o objetivo de todas as suas especulações e a moral, o centro para qual convergem todas as partes da filosofia. A psicologia serve-lhe de preâmbulo, a teodicéia de estímulo à virtude e de natural complemento da ética.


Em psicologia, Sócrates professa a espiritualidade e imortalidade da alma, distingue as duas ordens de conhecimento, sensitivo e intelectual, mas não define o livre arbítrio, identificando a vontade com a inteligência.


Em teodicéia, estabelece a existência de Deus: a) com o argumento teológico, formulando claramente o princípio: tudo o que é adaptado a um fim é efeito de uma inteligência; b) com o argumento, apenas esboçado, da causa eficiente: se o homem é inteligente, também inteligente deve ser a causa que o produziu; c) com o argumento moral: a lei natural supõe um ser superior ao homem, um legislador, que a promulgou e sancionou. Deus não só existe, mas é também Providência, governa o mundo com sabedoria e o homem pode propiciá-lo com sacrifícios e orações.

Apesar destas doutrinas elevadas, Sócrates aceita em muitos pontos os preconceitos da mitologia corrente que ele aspira reformar.




Moral.



É a parte culminante da sua filosofia. Sócrates ensina a bem pensar para bem viver. O meio único de alcançar a felicidade ou semelhança com Deus, fim supremo do homem, é a prática da virtude. A virtude adquiri-se com a sabedoria ou, antes, com ela se identifica. Esta doutrina, uma das mais características da moral socrática, é consequência natural do erro psicológico de não distinguir a vontade da inteligência.


Conclusão: grandeza moral e penetração especulativa, virtude e ciência, ignorância e vício são sinônimos. ‘Se músico é o que sabe música, pedreiro o que sabe edificar, justo será o que sabe a justiça’.


Sócrates reconhece também, acima das leis mutáveis e escritas, a existência de uma lei natural – independente do arbítrio humano, universal, fonte primordial de todo direito positivo, expressão da vontade divina promulgada pela voz interna da consciência.


Sublime nos lineamentos gerais de sua ética, Sócrates, em prática, sugere quase sempre a utilidade como motivo e estímulo da virtude. Esta feição utilitarista empana-lhe a beleza moral do sistema.


Sua filosofia era desenvolvida mediante diálogos críticos com seus interlocutores. Esses diálogos podem ser divididos em dois momentos básicos: a ironia e a maiêutica.

A ironia


Na linguagem cotidiana, a ironia tem um significado depreciativo, sarcástico ou de zombaria. Mas não é esse o sentido da ironia socrática. No grego, ironia quer dizer interrogação. De fato, Sócrates interrogava seus interlocutores sobre aquilo que pensavam saber. O que é o bem? O que é a justiça? E a coragem? E a piedade? São exemplos de algumas perguntas feitas por ele.


No decorrer do diálogo, atacava de modo implacável às respostas de seus interlocutores. Com habilidade de raciocínio, procurava evidenciar as contradições afirmadas, os novos problemas que surgiam a cada resposta. Seu objetivo inicial era demolir, nos discípulos, o orgulho, a arrogância e a presunção do saber. Ele achava que o filósofo é aquele que admite não entender inúmeras coisas, e que se aflige com isso.

Nesse sentido, o filósofo ainda é mais sábio do que aqueles que se orgulham do conhecimento que têm das coisas sobre as quais, na verdade, nada sabem. Sócrates declarou: Só sei que nada sei.


Consta que um amigo de Sócrates perguntou ao oráculo de Delfos quem era o homem mais sábio de Atenas. O oráculo respondeu que, dentre todos os mortais, Sócrates era o mais sábio. Sócrates ficou pasmado ao saber disso.

Procurou imediatamente a pessoa na cidade que, para ele e para todo mundo, era extremamente sábia. Mas quando aconteceu de essa pessoa não dar respostas satisfatórias às suas perguntas, embora se achasse capaz disso, Sócrates concluiu que o oráculo estava certo. A sabedoria de

Sócrates devia-se ao fato dele estar plenamente ciente da sua própria ignorância.
Embora colocasse em constante dúvida a extensão de seu conhecimento (um método que Descartes usaria cerca de dois mil anos mais tarde), Sócrates achava possível um homem alcançar verdades absolutas acerca do Universo. Sentia a necessidade de estabelecer uma base sólida para o conhecimento, um alicerce que, segundo ele, estaria na razão do homem. Com essa inabalável crença na razão humana, Sócrates era decididamente um racionalista.


A ironia socrática tinha um caráter purificador na medida em que levava os discípulos a confessarem suas próprias contradições e ignorâncias, onde antes só julgavam possuir certezas e clarividências.


Nessa fase do diálogo, a intenção fundamental de Sócrates não era propriamente destruir o conteúdo das respostas dadas pelos interlocutores, mas fazê-los tomar consciência profunda de suas próprias respostas, das conseqüências que poderiam ser tiradas de suas reflexões, muitas vezes repletas de conceitos vagos e imprecisos.


A maiêutica


Libertos do orgulho e da pretensão de que tudo sabiam, os discípulos podiam então iniciar o caminho da reconstrução de suas próprias idéias. Novamente, Sócrates lhes propunha uma série de questões habilmente colocadas.


Nesta segunda fase do diálogo, o objetivo de Sócrates era ajudar seus discípulos a conceberem suas próprias idéias, auxiliando o interlocutor a encontrar a resposta, por meio de um trabalho de reflexão, uma vez que o verdadeiro entendimento deve vir do interior.


Ele não pode ser transmitido por outra pessoa. E só o entendimento que vem de dentro pode levar ao verdadeiro conhecimento.


A esse processo pedagógico, em memória da profissão materna, denominava ele de maiêutica ou engenhosa obstetrícia do espírito, que facilitava a parturição das ideias, termo grego que significa arte de trazer à luz.


A análise do pensamento de Sócrates nos leva a refletir sobre os seguintes pontos:


1. A oposição aos sofistas: Sócrates, diferenciando deles não recebia dinheiro em troca dos seus ensinamentos, achava que o conhecimento não tinha preço. Distinguindo-se ainda por não considerar-se sábio e assim formando cidadãos, enquanto que os sofistas formavam grandes egoístas.


2. A Moral: ensinava Sócrates como viver bem à partir da maneira como se pensava, considerando como único caminho para a felicidade a prática da virtude.


3. A maiêutica: com o diálogo crítico, Sócrates levava seus interlocutores a assumirem a posição de que nada sabiam, para que partissem das próprias idéias as respostas às questões que estavam latentes em suas almas, um trabalho reflexivo que levava ao conhecimento verdadeiro.


Neste sentido, podemos dizer que o pensamento de Sócrates é importante para a história da Filosofia, pois mesmo não deixando nada escrito nem um sistema filosófico acabado, através do método de conversação, formou uma grande escola, apresentou a questão do exercício dos conceitos gerais do conhecimento. Fica com ele o mérito de ser um admirável iniciador, já com Platão e Aristóteles, a consumação e a continuidade do seu pensamento.


Referência:


COTRIM, Gilberto. FUNDAMENTOS DA FILOSOFIA. SER, SABER E FAZER. Saraiva:1997, 13 ed. p. 103/106.


JACQUES, Maritain. INTRODUÇÃO GERAL À FILOSOFIA. ELEMENTOS DE FILOSOFIA I. Rio de janeiro: Agir. 1994. 17 ed. p. 47/51.


SUCUPIRA FILHO, Eduardo. DICIONÁRIO UNIVERSAL DE PESQUISAS BIOGRÁFICAS. São Paulo: Iracema. v. 4. p. 740/742.


JAPIASSÚ, Hilton, MARCONDES, Danilo. DICIONÁRIO BÁSICO DE FILOSOFIA. 3 ed. rev. amp. – Rio de janeiro: Jorge Zahar. 2000, p. 251/252.


Nenhum comentário:

Postar um comentário

Dê sua opinião. Sua mensagem é muito importante!